2. A musa Paula Toller vivencia um momento iné-
dito em sua carreira. Enquanto colhe os bons re-
sultados de seu segundo e aclamado trabalho solo,
“Sónós”, a cantora finaliza a produção de seu pri-
meiro DVD, feito de forma independente em parce-
ria com seu marido, o cineasta Lui Farias.
Sem a presença dos companheiros do Kid Abelha
nem as canções enérgicas da sua banda, Paula assume Lançado nove anos após sua primeira aventura
uma postura mais intimista e introspectiva na nova tur- sem o Kid Abelha, o disco apresenta a faceta mais
nê e experimenta uma relação diferente com o público. criativa da artista. Diferente do primeiro álbum
“Tenho experimentado a sensação de estar sendo homônimo, que trazia apenas duas composições
admirada, avaliada, ouvida, enfim. Um incômodo e próprias, seu mais recente trabalho, que recebeu
delicioso desafio”, conta. elogios da crítica e dos fãs, é totalmente autoral.
A boa fase não se restringe apenas à sua carrei- Foi durante a fase de preparação para o lan-
ra: a beldade está de bem com a vida e mostra mui- çamento de seu primeiro DVD solo que Paula
ta maturidade, não só como cantora, mas também Toller conversou com a L’UOMO BRASIL sobre
como compositora, mãe e esposa. A loira parece ter esse momento tão importante em sua carreira.
alcançado a paz interior, pelo menos temporaria- Veja nessa entrevista exclusiva, que contou so-
mente, como ela prefere dizer. bre sua carreira, suas inspirações, sua família,
Apesar de tal maturidade, Paula esbanja tanta jo- seu passado e seus desejos.
vialidade que tem dificuldade para convencer os in-
cautos de que já atingiu os 46 anos (mais da metade O tempo passa e você consegue ficar
dos quais dedicados à música popular brasileira). sempre melhor, está mais bonita, elegante
Longe de se preocupar com rótulos, ela aceita e incor- e sofisticada do que nunca, continua uma
pora devidamente o título de sex symbol, sem que isso ótima cantora e se mostrou uma compo-
lhe ofusque o talento para compor, comprovado com sitora talentosa. O que tem feito para ter
o mais recente “Sónós”. esta convivência proveitosa com o tempo?
Eu faço valer bem o meu tempo. Quando come-
cei, isso se manifestava como uma energia juvenil,
P
intuitiva. Após observar e viver as pancadas que a vida dá, con-
cluo que não há outro jeito a não ser viver da melhor maneira
possível, realizar o máximo possível, com as pessoas queridas
sempre perto e, claro, sempre de olho no impossível.
Você aceita o título de sex symbol? Isso te incomo-
da hoje?
Aceito. Outro dia vivi uma situação bizarra: fui fazer show em
Buenos Aires e o oficial da imigração do aeroporto quase me impe-
diu de entrar no país porque não acreditou na data de nascimento
do meu passaporte e desconfiou que era falso. Não sabia se ficava
com raiva pela demora ou lisonjeada pelo espanto dele.
aula Toller
Para eXCITar a INTelIGÊNCIa
POR JACKSON GUEDES
53
3. Ao longo dos anos, o que aprendeu em rela-
ção à importância das coisas? Sua percepção
do que era ou não importante mudou?
Antigamente, trabalhava muito para conseguir
que as músicas virassem hits. Vivia a cena musical
de maneira muito pragmática. Hoje, penso na mi-
nha carreira como um todo, não estou tão preocu-
pada com o estouro de uma música, mas sim com o
entendimento pelo público do que é o meu trabalho
e minha atitude como artista e cidadã. Então, nessa
nova postura, são mais importantes os shows, discos
e entrevistas mais reflexivas.
O que te dá mais alegria hoje? Ainda tem
sonhos não realizados ou já conquistou o su-
ficiente para sua paz interior? Desenvolve al-
guma prática espiritual?
Paz interior é como trem: vem vindo, fica um tem-
pinho na estação, depois sai e você fica esperando o
próximo, que, enquanto não vem, você tem um monte Era a fantasia do príncipe encantado, estava sempre esperando
de coisas para fazer. Procuro um equilíbrio entre as a inspiração como aquele jovem lindo que vinha em um cavalo
relações pessoais e profissionais e as vaidades com o branco para me salvar. Depois de muito suplício criativo, decidi
corpo e a mente. Mas é um equilíbrio dentro do dese- que sabia fazer o que fazia e bastava olhar em volta e fazer, sem
quilíbrio, sem querer ajustar tudo no meio-termo. esperar nada. Então, peguei o príncipe encantado e ordenei: ago-
Eu mantenho algumas práticas místicas que vêm ra venha trabalhar para mim!
da minha educação religiosa, embora há muito não Você citou em algumas entrevistas seus autores pre-
siga mais religião. Gosto, por exemplo, de entrar feridos. De que forma os livros e autores que lê influen-
em igrejas vazias e rezar, usar alguns símbolos, mas ciam em seu repertório? O que tem lido ultimamente?
não sigo os dogmas, até porque, como boa brasilei- Meus livros são todos rabiscados, sublinhados... Relaciono-me
ra, também observo rituais de outras religiões. Para com o objeto sem muito respeito. Leio todos do Michel Houellebe-
mim, o mais importante de tudo é que meus amigos cq, do Pedro Juán Gutierrez; agora mergulhei na biografia do André
e as pessoas próximas a mim tenham a certeza de Midani (Música, Ídolos e Poder) e em Uma breve história do futu-
que estou pronta para ajudar quando precisarem. ro, de Jacques Attali. Também adoro os do Garcia Roza, acompanho
igual novela. Às vezes, o livro me impressio-
na de tal modo que influencia a minha vida
“Peguei o príncipe
pessoal e, conseqüentemente, a criação.
E em relação à música atual, o
que tem ouvido?
encantado e ordenei: agora Rufus Wainwright, Amy Winehouse,
Pet Sounds, dos Beach Boys, e as quatro
venha trabalhar para mim!” sinfonias de Brahms estão no meu carro
atualmente. Em casa, quando era criança,
era uma mistura danada por causa do gos-
to de meu avô, um homem culto: Carmem
Em uma auto-análise, o que menos gosta? Miranda, Elis, Beatles, os BBBs (Bach, Beethoven e Brahms) e
E o que mais aprecia? Chopin, etc. Eu ficava no meu quarto estudando e ouvia esses
Eu sou exigente e minuciosa, o que pode ser defeito clássicos sem saber o que era de quem. Muitos anos depois, já
e qualidade a depender da situação. Não sei fazer nada adolescente, aconteceu de eu ouvir um piano e cantarolar de cor,
pela metade, vou pregar botão, tenho de pregar muito pensando: conheço isso. Eram as sonatas de Beethoven. Foi uma
bem. Dá uma certa dor de cabeça, mas odeio negligen- boa maneira de me ensinar sem impor e sem que eu ficasse com
ciar as coisas. O que mais gosto em mim, sem dúvida, um temeroso respeito. Agradeço ao meu avô por isto, inclusive
é minha saúde. dediquei meu primeiro disco a ele.
Ao olhar para trás, o que fez de errado que “Sónós” é um disco conceitual? Que tema representa
hoje se lamenta e não o faria novamente? esse conceito que permeia o disco?
Eu teria tido empresários melhores. O resto não Me coloquei como hub (centro), nó, pólo, tanto dos composi-
dava para ser diferente do que foi, e foi legal. tores como dos sentimentos mostrados nas canções. Eu toquei
Você mudou sua forma de compor? Onde pas- nos pontos sensíveis para mim naquele momento, vida em co-
sou a buscar inspiração para suas músicas? mum, maternidade e feminilidade.
A inspiração vem do ar que respiro, em todos os O disco, em minha opinião, é bem folk-jazz e chega
sentidos. Vem do que penso diante de um aconteci- a lembrar certos momentos de Carole King e Joni Mi-
mento, de um livro, um show, um disco de alguém... tchel. Elas foram inspiração direta? Fazem parte de
Antes eu sacralizava o tal “momento de inspiração”. suas influências?
54
4. “eu tenho
experimentado a
Joni Mitchell eu admiro demais, mas não sou íntima, agora
quanto a Carole King, você foi na mosca. Quando recebi as demos
do Jesse Harris, ouvi a Carole que há nele, na voz e na compo-
sição. Foi impressionante! Na hora de cantar “If you won’t” eu
mantive esse “perfume”.
sensação de estar
Em seu site, diz que só vê graça em escrever tocan-
do nos pontos que doem. Pode-se dizer que “Sónós” sendo admirada,
avaliada e ouvida.
é um disco intimista e confessional? Você se expõe
bastante nas letras.
Me exponho e não vejo como se possa ser artista sem fazê-lo.
Os próprios shows têm sido mais intimistas do
que os feitos com o Kid Abelha, certo? Como tem sido um incômodo e
essa experiência?
Eu tenho experimentado a sensação de estar sendo admira-
da, avaliada e ouvida. Um incômodo e delicioso desafio. Mas há
delicioso desafio”.
compensações, como os aplausos em cena aberta, que estou ex-
perimentando pela primeira vez. E também posso chegar mais
perto das pessoas e interagir, você vê isso nas cenas do DVD em
que canto na platéia.
Como foi o processo de criação do disco? Pode falar
um pouco sobre as parcerias? Uma versão que gostei
muito foi a de Vicious World do Rufus Wanwright. Eu
soube que ele gostou bastante do resultado. Você che-
gou a participar dos shows com ele? Como conseguiu
aproximar o universo dele, tão peculiar, com referên-
cias próprias suas como a citação à Maysa?
Ainda não cantei com Rufus; vai ser difícil com aquele monte
de cantoras na família dele (risos). Tenho certeza que ele ado-
raria Maysa, o ar aristocrático deprimido, a voz rouca. Usei as
citações porque conheço bem as letras dele e ele abusa delas.
“Sónós” traz composições suas em inglês. Compor
em outro idioma lhe permite dar abordagem a temas
que não conseguiria tratar em português?
Eu consegui usar essa palavra que adoro – predation –, que
é meio esquisita em português: predação. E a música ficava
melhor mesmo em inglês, pois a acentuação da melodia não
combinava com português. Até fiz uma versão, mas não pas-
sou no “controle de qualidade”.
Já gravou duas músicas para seu filho, outra para
o marido, além de ter trabalhado diretamente com
ele na gravação do DVD. Qual a importância da sua
família hoje?
Eu e Lui trabalhamos muito bem juntos. Contamos com a
opinião e ajuda um do outro e sabemos quase sempre a hora de Em um momento em que vários movimentos
desligar a chave “trabalho” e ligar a chave “casal”. A minha pe- musicais estão sendo relembrados e homenagea-
quena família me suporta emocionalmente para tudo. Gostamos dos como a Tropicália e a Bossa-Nova, acha que
de ficar juntos, damos risada juntos, mas somos independentes, sua geração será celebrada da mesma forma?
sem chantagens emocionais. Qual a importância de ter liderado a mais signifi-
Como foi a gravação do DVD? O que achou do re- cante banda pop dos anos 1980?
sultado? Como foi a experiência de gravar de forma Não há como comparar com as gerações anteriores,
independente? pois o regime militar criou um hiato e impediu a ligação
O cenário diz tudo na dureza dos nós da madeira, na transpa- do pessoal anterior conosco. Essa troca só aconteceu de-
rência do vidro, na brincadeira de reflexão dos espelhos distor- pois que já fazíamos sucesso. Minha geração tinha um
cidos. Foi uma louca maratona. Ficou lindo, honesto, moderno nível alto em se tratando de música pop. No começo,
e misturado. Na parte artística, sempre trabalhei com indepen- deixávamos a desejar tecnicamente, mas tínhamos ex-
dência, em 27 anos nenhuma gravadora jamais me impôs músi- celentes idéias, éramos carismáticos e tínhamos vozes
ca, estilo, capa de disco, participação em programas de TV, nada com personalidade. Nenhum conjunto (era o termo
disso. Então, isso é parecido, mas agora serei dona do master. que a gente usava) se parecia com os outros. Convém
Tive uma boa proposta de uma excelente distribuidora, que era lembrar que chegamos a pessoas de todas as classes, em
um problema antigo para os independentes. Já que entrei nessa todo o Brasil. Até hoje, sou igualmente bem recebida
corrente de novas estréias, por que não mais uma? nos subúrbios e lugares da alta burguesia.
55