Este documento apresenta uma análise semiótica da música "Dom Quixote" dos Engenheiros do Hawaii baseada na teoria de Greimas. A letra descreve um sujeito que se sente fora de lugar por amar causas perdidas, apesar das críticas que recebe. A análise identifica os actantes da narrativa e mostra como o sujeito passa de uma posição de discordância para uma de conformismo com o tempo. O quadrado semiótico é usado para mapear as relações entre identidade, alteridade e seus opostos na música.
1. COMUNICAÇÃO SEMIÓTICA: DOM QUIXOTE POR AMOR ÀS
CAUSAS PERDIDAS
LUAN ALEXANDRE MARTINS DE SOUSA ¹
RESUMO
Este artigo faz uma análise semiótica do texto musical “Dom Quixote”,
compositores da canção são Humberto Gessinger e Paulo Galvão da banda
Engenheiros do Hawaii. A análise toma por base os conceitos semióticos da Escola
Francesa de Algidras Julien Greimas, conhecida como a Teoria da Significação,
com suas raízes na teoria da linguagem, é uma metodologia descritiva que manifesta
sua operatoriedade oferecendo meios para a leitura, interpretação, exploração e
desconstrução do sentido. A comunicação gira em torno dos signos, que estão
presentes em todos os lugares. Os textos, as imagens, as frases, nossas roupas,
atitudes, os fatos históricos, os movimentos sociais, as publicidades e propagandas,
entre uma série de outros campos, como a música.Há aqueles que encontram no
dançar dos signos, em sua relação com outro signo, formando frases e estas textos
que geram discursos, como é o caso da Semiótica de Greimas que se interessa pelo
percurso gerativo do sentido, considerando os aspectos inerentes ao texto.
PALAVRAS-CHAVE: música; análise; semiótica greimasiana
Gostaria de me insinuar sub-repticiamente no discurso que devo
pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar aqui, talvez durante
anos. Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e
levado bem além de todo começo possível. Gostaria de perceber que
no momento de falar uma voz sem nome me precedia há muito tempo:
bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse,
sem ser percebido, em seus interstícios. Como se ela me houvesse
dado um sinal, mantendo-se, por um instante, suspensa. Não haveria,
portanto, começo; e em vez de ser aquele de quem parte o discurso, eu
seria, antes, ao acaso de seu desenrolar, uma estreita lacuna, o ponto
de seu desaparecimento possível. (Michel Foucault) 2
2. ¹ Graduando da Universidade Federal do oeste do Pará, trabalho apresentado na aula de
Introdução à Semiótica no Centro de formação Interdisciplinar – CFI .
luansanmartins17@hotmail.com.
2 Aula inaugural no college de France, pronunciada em 02 de dezembro de 1970, por Michel
Foucault.
INTRODUÇÃO
A Semiótica tem como objetivo explicitar as estruturas significantes que
modelam o discurso social e individual, captado pelo resultado da função semiótica da
linguagem, ou seja, a reunião dos planos da expressão e do conteúdo. Trata-se de uma
ciência maior, que procura explicitar as condições de produção e apreensão do sentido
em um giro de comunicação em torno dos signos, que estão presentes em todos os
lugares; esta ciência tem por objeto qualquer sistema sígnico, visual, plástica, teatro,
música, fotografia, cinema, culinária, vestuário, gestos, religião, fatos históricos,
movimentos sociais, publicidades e propagandas, entre uma série de outros campos,
contam com a presença dos signos que tornam possivéis as interpretações e o
desencadeamento de relações com outros meios.
Este trabalho tem como intuito analisar o texto musical, baseado na semiótica
greimasiana da Escola Francesa fundamentada no Processo Gerativo de sentido,
abordando o nível elementar e o narrativo e o quadrado semiótico. Para Greimas,
“Parece-nos que o mundo humano se define essencialmente como o mundo da
significação. Só pode ser chamado “humano” na medida em que significa alguma
coisa”. (GREIMAS, 1973, p. 11)
Algidras Julien Greimas desenvolveu um método de estudos que permite
analisar a organização dos discursos, no plano de conteúdo, a partir do conceito de
narratividade. Esse simulacro metodológico é conhecido como percurso gerativo do
sentido e é uma organização narrativa considerada universal, servindo para todos os
tipos de discurso. O percurso gerativo de sentido possibilita compreender como um
objeto se estrutura a partir de seu plano de conteúdo.
A análise se organiza em um modelo de produção do significado que se inscreve
em um Percurso Gerativo de Sentido com projeto diferente dos modelos gerativistas. As
estruturas textuais, por eles altamente consideradas, para Greimas, são aquelas
3. consideradas no instante em que são deitadas no papel, estando, porém, fora do PGS.
São espacial e temporalmente lineares. Fundamentada na teoria da significação, a teoria
semiótica “visa a explicar todas as semióticas e a construir modelos capazes de gerar
discursos (e não frases)”. (Greimas, s/d : 207-4)
A Semiótica pretende fazer uma análise formal do texto, ou seja, estudar o
conjunto de relações que produz o significado, tem o texto como objetivo de estudo,
procura explicar os sentidos, o que o texto diz, e, sobretudo, explicar os mecanismos e
procedimentos que constroem os seus sentidos, isso significa que ela se organiza como
um cálculo, atendendo aos princípios da arbitrariedade e da adequação.
Para Bertrand (2003), o leitor não recebe passivamente uma significação textual
já existente: ele é também e, sobretudo o centro do discurso, que constrói, interpreta,
avalia, aprecia, compartilha ou rejeita as significações.
Dom Quixote (Engenheiros do Hawaii)
Muito prazer, meu nome é otário
Vindo de outros tempos mas sempre no horário
peixe fora d'água, borboletas no aquário
Muito prazer, meu nome é otário
na ponta dos cascos e fora do páreo
puro sangue, puxando carroça
Um prazer cada vez mais raro
aerodinâmica num tanque de guerra,
vaidades que a terra um dia há de comer.
"Ás" de Espadas fora do baralho
grandes negócios, pequeno empresário.
Muito prazer me chamam de otário
por amor às causas perdidas.
Tudo bem, até pode ser
que os dragões sejam moinhos de vento
Tudo bem, seja o que for
seja por amor às causas perdidas
Por amor às causas perdidas
tudo bem…até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
4. muito prazer…ao seu dispor
Se for por amor às causas perdidas
por amor às causas perdidas
Segundo o Dicionário Aurélio, o substantivo “otário”, significa “tolo, simplório, ingênuo, simples”.
Com base nos estudos de Greimas, podemos identificar, dentro da música, em
nível narrativo, nota-se o enunciador como o sujeito, a letra da música como o
enunciado, as causas perdidas como o objeto de valor e os outros indivíduos, que ficam
subtendidos em “chamam”, como os opositores. O sujeito e o objeto assumem uma
relação de junção, pois estão distanciados. Ele deseja alcançar as “causas perdidas” que
lhe estão distantes, a fim de dar-lhes solução. Porém, nesse enunciado não ocorre uma
relação de transformação, pois o sujeito não passa a ficar conjunto ao seu objeto de
valor.
No nível discursivo, o objeto se apresenta como algo que o sujeito deseja e que
os outros indivíduos julgam perda de tempo. Dizer “causas perdidas” não significa que
o sujeito as julga assim, senão ele nem as desejaria, mas que os opositores fazem esse
conceito. O sujeito não é impedido de chegar ao seu objeto de valor por meio da força
física, mas das críticas verbais. A repreensão que o sujeito sofre vai se fazendo de tal
forma que, com o passar do tempo, ele acaba acatando as críticas e se conformando.
Embora não concorde, ele aceita, a fim de não levar as discussões adiante. O sujeito está
em um tempo que não é o seu, como se percebe em “vindo de outros tempos, mas
sempre no horário”. Sente-se desconexo, por estar defendendo valores nos quais
acredita em meio a diversos opositores que o condenam por essa atitude (auto-sanção =
otário).
No primeiro verso, o enunciador se apresenta com o nome de otário, o que,
relativamente não é seu nome, mas um substantivo usado para caracterizá-lo. A partir
desse julgamento, pressupõe uma explicação da sua afetividade em relação a si próprio.
A frase “vindo de outros tempos” (v-2) mostra um sentimento de descontextualização
do “sujeito”, (deslocamento temporal – espacial), uma certeza que ele possui de que não
está no lugar no qual deveria estar e que não se sente à vontade na posição que ocupa.
Essa idéia é reforçada pelas expressões “peixe fora d’água” (sujeito disjunto do sistema)
5. (v-3) e “borboletas no aquário” (v-3), que traduzem seres em ambientes que não os seus.
Nota-se, também, um sentimento de desvalorização, demonstrado nas expressões “na
ponta dos cascos e fora do páreo” (v-5), “puro sangue puxando carroça” (v-6) e “ás de
espada fora do baralho” (v-10) é de desperdício. Aqui ele substitui o termo “meu nome
é otário” (v-1) por “me chamam de otário” (v-12), evidenciando claramente que existem
outras pessoas e que elas o “julgam”, (sanção negativa) confirmando o que é de se supor
nas duas primeiras estrofes. O sujeito explica, também nessa estrofe, que o chamam de
otário pelo fato de ele amar as causas perdidas, ou seja, por ele lutar por aquilo que é
tido como perdido, sem conserto ou irrecuperável, incorrigível, imutável, irreversível.
Na quarta e na quinta estrofe, existe uma posição de conformidade por parte do sujeito.
Em “tudo bem, seja o que for” (v-16), deixa uma ideia de que nesse momento as coisas
já não lhe importam mais, já não faz mais diferença se o que ele acreditava era verdade
ou não. Em ambas as frases, o sujeito demonstra que está aceitando a situação, embora
não a tenha compreendido ou concordado com ela. O termo “seja o que for” (v-16), é
praticamente um “tanto faz”. A “opinião pública” rotula de loucos, idiotas e otários
aqueles que acreditam em algo e defendem-no. Quando ele fala em “vaidades que a
terra um dia há de comer” (v-9), se refere as atitudes fúteis e vagas de alguns, que de
nada valerão a longo prazo, uma vez que o fim, interpretado também como a própria
morte, acabará com tais ilusões. O sujeito ousa defender o que os outros tem como
pouco importante, ao invés de deter suas energias em presunções vazias, que serão
levadas pelo tempo.
O sujeito está em um tempo que não é o seu, como se percebe em “vindo de
outros tempos, mas sempre no horário”. Sente-se desconexo, por estar defendendo
valores nos quais acredita em meio a diversos opositores que o condenam por essa
atitude. Na busca de uma compreensão objetiva com intuito de organizar os tipos de
manipulação segundo dois critérios: o da competência do manipulador, ora sujeito do
saber, ora sujeito do poder, e o da alteração modal, operada na competência do sujeito
manipulado. Nota-se, uma provocação: competência do destinador-manipulador
(SABER, imagem negativa do destinatário) e alteração na competência do destinatário
(DEVER-FAZER).
Representação pelo Programa Narrativo (PN), conforme a teoria semiótica
greimasiana:
6. PN (realizado) Fazer (S2) =›( S1 U O v S 2)→ (S Ov U S2)
S1= músico → enunciador → SUJEITO
S2= indivíduos opositores → ANTI-SUJEITO
Ov= objeto → letra da música → causas perdidas
V= valor → crítica → conformismo
Como orientou D´Avila (2003: 3), esse patamar de análise: “...consiste na relação
entre os actantes, sujeito e objeto, em que os sujeitos desenvolvem programas narrativos
na busca do objeto-valor, com a finalidade de definir suas competências no nível do
fazer e do ser. O sujeito deve /fazer/ para /vir a ser/. A competência é definida pela
aquisição de habilidades para realizar um programa narrativo (PN)”.
O QUADRADO SEMIÓTICO
Greimas introduziu o conceito de quadrado semiótico e as categorias de
Aristóteles, das quais se originou. É um modelo lógico de relações, é o ponto de partida
do processo gerativo. Este consiste na trajetória de produção do objeto semiótico, das
estruturas profundas às estruturas de superfície. Neste percurso distinguem-se três
níveis; o nível das estruturas discursivas, o nível de superfície das estruturas narrativas e
o nível profundo.
O quadrado semiótico apresenta-se como a reunião de dois tipos de
oposições binárias em um só sistema que administra, ao mesmo
tempo, a presença simultânea de traços contrários e a presença e
ausência de cada um desses dois traços. Tendo a “ausência”, como um
valor genérico, pode se dizer que o quadrado semiótico concerne tanto
à organização interna da categoria quanto à delimitação de suas
fronteiras. (FONTANILLE, 2007,62)
IDENTIDADE
IDENTIDADE ALTERIDADE
(FORA DO SISTEMA) (SISTEMA)
NÃO ALTERIDADE ALTERIDADE NÃO IDENTIDADE
7. Sendo manifestação de visão de mundo e refletindo universos culturais, linguagens, em seus signos em
circulação, não são neutras. Possuem em si ideologia na medida em que são partes de uma realidade.
Sobre este aspecto, torna-se relevante lembrarmos Bakhtin ao afirmar que sobre o ideológico nos remete a
um significado situado fora de si mesmo. Os signos têm esta propriedade: lançarmos para além dele, de
tal forma que sem signos não há ideologia. (BAKHTIN: 1986)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fazer uma analise semiótica é uma tarefa árdua e complexa, pois exige muito do
homem como um ser pensante e interpretador, sempre em busca da clareza,
compreensão, criação, desencadeamento e objetividade dos signos que emergem no
nosso cotidiano de tal forma real e abstrata acaba ocorrendo uma metamorfose de
reflexão interativa com seu meio e tudo que está envolvido ao seu redor, mas justamente
esse processo de análise, requer cuidados na hora de interpretar uma música acaba se
tornando uma tarefa que exige cuidados. Podem ser retiradas de uma mesma frase
interpretações variadas, confirmando que cada indivíduo relaciona termos ao que lhe é
conhecido, como sugeriu Saussure. Dependendo do nível de estudos, do contexto social,
da situação emocional de cada um, será a interpretação dada a tal enunciado. Como o
próprio Humberto Gessinger mencionou, obras como a que ele e sua banda produzem,
possibilitam sua compreensão em todos os níveis. Para reforçar esse pensamento o
filósofo Nietzsche “Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas”. Percebe-se
com notoriedade que uma análise semiótica ou qualquer busca de sentidos e valores
encontra-se a imperfeição a qual o homem estará subordinado no seu percurso
existencial até a sua morte. “Todo parecer é imperfeito; oculta o ser; é a partir dele
que se constroem um querer-ser e um dever-ser, o que já é um desvio do sentido.
Somente o parecer, enquanto o que pode ser – a possibilidade – é vivível”
(GREIMAS, 2002, p. 19).
8. REFERÊNCIAS
GREIMAS, Algirdas Julien. (1973) Semântica estrutural. São Paulo: Cultrix.
_________Da imperfeição. Trad. de Ana Cláudia de Oliveira. São Paulo: Hacker
Editores, 2002
LYOTARD, Jean- François. O Pós- Moderno.Trad. Ricardo Corrêa Barbosa.3ªed.Rio de
Janeiro: José Olympio,1990.
FONTANILLE, Jaques: tradução de Jean Cristtus Portela. Semiótica do Discurso. São
Paulo, Contexto, 2007.
BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Bauru, Sp: Edusc, 2003.
WWW.letramagna.com acesso dia 28 de março de 2011.
WWW.intercom.com acesso dia 29 de março de 2011.
www.intercom.org.br/papers/nacionais/2009/.../R4-3731-1.pdf- acesso dia 29 de março
de 2011.
www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-antonio-manual-semiotica-2004.pdf- acesso dia 29 de
março 2011.
www.uol.com.br/engenheirosdohawaii/ acesso dia 30 de março de 2011.
HTTP: //pensador.uol.com.br/nietzsche_frases/3/ acesso dia 04 de abril.