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Março 2010 Número
     Janeiro 2010 Número 10 Ano1
                             Edição1




                  ECO da Voz di Paz
cu

          
                                                                             Boletim Informativo
                                                                              Boletim Informativo




                                                                  CARNAVAL
                                                                         Época de Paz? 




                                                                                     Editorial       Pág..2
     Artigos de interesse especial:
                                                                                     Actividades
     • NTRUDU MEDI IAGU, MA GUERA GORA? …..…….….………....p.3                           Voz di Paz      Pág.3
 
     • O CARNAVAL DAS CRIANÇAS…….….........................................p.5       Imagens do
                                                                                     Carnaval 2010   Pág.7
     • NETOS DE BANDIM …..…….….………………………………………..…....p.6
 
     •  ECO DOS FILHOS DA GUINÉ:                                                     Eco da Voz di
     ENTREVISTA A  CIRILO M´BAKÊ ……………………………………………p.9                                Paz chegou aos Pág.12
                                                                                     Guineenses
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                                                     ECO da Voz di Paz   Boletim Informativo




                    EDITORIAL
           «CARNAVAL MEDI GUERA»
             (Carnaval tem medo da guerra)

  “Este ano não haverá Carnaval. É um
  verdadeiro drama nacional. É neste momento
  que sinto realmente a crueldade da guerra.”
  Esta frase, que eu ouvi em Cumura, onde estive
  “refugiado” depois do mais terrível episódio da
  guerra civil em Fevereiro de 1999, é para mim
  a maior expressão do simbolismo do Carnaval
  no imaginário guineense. Em mais de 20 anos
  de presença na Guiné-Bissau, eu vi o Carnaval
  preterido só uma vez. Foi um caso de força
  maior, em Fevereiro de 1999. Bissau estava
  cercada por tropas de Junta militar, ocupada
  por tropas estrangeiras senegalesas e conakri-
  guineenses, e mergulhada num ambiente no                      Carnaval 2010 - BISSAU
  luto causado por 8 meses de uma guerra cujo
  fim ninguém vislumbrava, sobretudo depois da
  chamada “Guerra do 30 de Janeiro” que deu os
  6 dias mais mortíferos desta sangria de 11
  meses.
  Pensar no Carnaval nestas condições parecia
  surrealista. Mas de 12 a 16 de Fevereiro 1999,
  momento em que devia ter ocorrido o
  Carnaval, muitas pessoas só falavam deste “não
  acontecimento”, ou melhor, deste aconteci-
  mento não advindo, em vez de comentar a
  guerra que assolava o país. Houve até tímidas
  tentativas de celebrar pedaços de carnavais em
  alguns bairros, mas as tropas senegalesas não
  deixaram     a    mínima    dúvida    sobre    a
  inoportunidade de tais festejos. Mesmo assim,
  algumas cidades controladas pela junta militar
  fizeram algumas manifestações. Mas, o
  Carnaval, nestas condições não podia ter alma.
  Então, 1999 foi um ano sem Carnaval na
  Guiné...um Inaudito! Desde então, o Carnaval
                                                                 Carnaval 2010 - BISSAU
  segue o seu curso, com o seu cortejo de lemas
  virados para a paz.
  O Carnaval, maior festa popular na Guiné-
  Bissau, é doravante de um voluntarismo
  pacífico. Este momento cimeiro do convívio
  nacional é, na verdade, o tempo em que
  ninguém pensa nas diferenças e ainda menos
  nos diferendos que dividem e opõem os filhos
  do país ao longo do ano e ao fio dos anos que se
  seguem. Então, perante esta harmonia
  barulhenta de 5 dias, muitos surpreendem-se a
  pensar que mais vale a desordem pacífica do
  verdadeiro     carnaval    que    o    simulacro
  carnavalesco violentamente servido ao longo
  dos restantes 360 dias do ano.

                  Fafali Koudawo

                Director Pesquisa
                  «Voz di Paz»
                                                                 Carnaval 2010 - BISSAU
ECO da Voz di Paz     Boletim Informativo
                                                                                                       Página 3


     Actividades Voz di Paz – Março de 2010                                                        

                                                                                uniformização das metodologias
 O mês de Março foi marcado por
                                                                                das organizações que compõem a
 vários momentos simbólicos
                                                                                comissão chegou á conclusão de
 para o futuro da Voz di Paz.
                                                                                que a experiência da VdP
 Depois da legalização, a 26 de
                                                                                explicada    e    ilustrada   pela
 Fevereiro, da Voz di Paz –
                                                                                projecção de um filme poderia
 Iniciativa para a Consolidação
                                                                                servir de fonte de inspiração para
 da Paz, a nova entidade
                                                                                a conferência a ser organizada.
 autónoma regida pelo direito
 das associações, desenvolveu               engajamento da Senhora Adja         No quadro da difusão dos
 várias actividades tendentes a             Satu Camará Pinto em fazer parte    resultados da identificação das
 pavimentar o caminho para uma              da Assembleia Geral da VdP. Os      fontes de conflitos na Guiné-
 acção durável.                             embaixadores de Portugal e do       Bissau, a VdP produziu jingles que
                                            Brasil assim como o representante   põem em relevo os papéis da má
Uma delegação da Interpeace,                do Secretário Geral das Nações      governação, da justiça deficiente
parceira estratégica da VdP, fez            Unidas confirmaram os seus          e da instabilidade política na
uma missão de apoio à equipa de             engajamentos para apoiar todas      génese    dos    conflitos.  Estas
15 a 19 de Março. Composta por              as iniciativas de paz no país, e    mensagens são difundidas nos
Peter Hislaire, Director dos                particularmente a VdP que já        boletins informativos das rádios
Programas da Interpeace em                  implementou o processo de           públicas, privadas e comunitárias.
Genebra, e Jean-Paul Mugiraneza             diálogo mais alargado jamais
encarregado do apoio à VdP, a               empreendido no país.
                                                                                Nos dias 27 e 28 de Março, a
delegação participou no esboço                                                  equipa de VdP efectuou visitas de
das linhas mestras das estratégias          No dia 19 realizou-se o primeiro    terreno aos Espaços Regionais de
de institucionalização reforçada            encontro    dos    membros    da    Diálogo de Cacheu e de Oio
na nova fase. Ela teve uma série            Assembleia Geral de VdP após a      (Bissorã), reunidos em Bula, e de
de trocas de pontos de vista com            sua legalização enquanto uma        Biombo reunido em Quinhamel.
responsáveis de instituições nacio-         pessoa colectiva dotada de          Na     agenda     dos   encontros
nais, nomeadamente o Ministério             personalidade jurídica. Recorda-    figuravam a apresentação da nova
do Interior, a Assembleia Nacional          se que de momento, a Assembleia     Voz di Paz e a programação das
Popular (ANP), Embaixadas do                Geral conta como membros o          actividades a serem desenvolvidas
Brasil e de Portugal e Uniogbis, o          Bispo de Bissau D. José Camnaté     até Dezembro de 2010.
Gabinete Integrado das Nações               Na Bessing, Eng. Filinto Vaz
Unidas na Guiné-Bissau.                     Martins, Pe Davide Sciocco, Sr.ª
                                                                                Ao longo o mês de Março a
                                            Dina    Adão,    Aladje  Eusébio
                                                                                emissão Bantaba di Paz, feita em
Na ANP, o encontro com o                    Abubacar e o Sr. Sambu Seck.
                                                                                parceria com a Rádio Sol Mansi
presidente da Comissão técnica de                                               desde 2008, foi dedicada ao tema
organização da Conferência nacio-           No encontro de convívio com a       “Má governação e conflitos”
nal de reconciliação “Caminhos              equipa técnica da VdP e a           desdobrado em vários subtemas ,
para a Consolidação da Paz e                delegação da Interpeace foram       nomeadamente: “Má governação
Desenvolvimento” soldou-se com              reiterados      os      empenhos    e conflitos no domínio da justiça”
um engajamento da Interpeace de             individuais a favor da paz e a      (2 de Março), “Má governação e
mobilizar recursos para apoiar a            necessidade de federar estes        desequilíbrios sociais geradores de
realização deste evento tão                 compromissos na senda da VdP.       conflitos” (9 e 16 de Março), “Má
importante para a paz no país e             De 29 a 31 de Março, dois           governação, desequilíbrios entre
facilitar a troca de experiência            membros da equipa VdP , Fafali      regiões e conflitos” (23 de Março),
com países que já implementaram             Koudawo e Filomena Mascarenhas      “Más políticas sociais geradoras de
iniciativas    de     reconciliação         Tipote participaram no atelier      conflitos (30 de Março).
nacional,     nomeadamente        o         metodológico organizado pela
Ruanda e Timor leste onde a                 ANP, e financiado pelo PNUD, no     A Voz di Paz (VdP) apoiou o
Interpeace apoia programas de               quadro     da    preparação    da   carnaval de 2010, particularmente
consolidação da paz. A visita no            Conferência       Nacional     de   nas actividades de promoção da
Ministério do Interior teve como            Reconciliação.     O     encontro   cidadania e cultura de paz nas
fruto      a    confirmação      do         destinado     a    promover     a   camadas juvenis de Bissau.
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                                                            ECO da Voz di Paz       Boletim Informativo


                                CARNAVAL I DI NOS
           NTRUDU MEDI IAGU, MA GUERA GORA?
                                                                   Fafali Koudawo

                                      contarem, com uma indizível          Esta é a ambivalência de Nturudu.
                                      nostalgia, as façanhas realizadas    Medonho e frágil ao mesmo tempo.
                                      nos carnavais dos anos 80,           Cantado e mesmo vaiado pelo
                                      particularmente entre 1981 e         povo, Nturudu é amigo do povo. É
                                      1985. Para eles, foram os anos       que o carnaval é o bem do povo.
                                      de ouro do carnaval, autênticos      Um dos últimos. É sem dúvida um
                                      picos de fervor popular e            dos derradeiros campos colectivos
                                      verdadeiros       Himalaias     da   onde os pequenos cultivam a sua
                                      expressão cultural nacional. As      imaginação e os grandes colhem
           Carnaval 2010              histórias que se contam sobre        uma sã alegria. Uma alegria
                                      este período não têm fim: uns        contagiante, capaz de apagar as
                                      recordam as brincadeiras, outros     dores mais tenazes. Como o ilustra
       Carnaval 2010 - Bissau         salientam os trajes, outros          uma cantiga popular magnificada
O Carnaval, legado cristão da         falam da originalidade das           pelos cantores Iva e Itchi em
colonização      tornou-se     uma    máscaras,      alguns     lembram    companhia do grupo Tabanka Djaz:
verdadeira instituição na Guiné-      mesmo as sarabandas dos
Bissau. Talvez a instituição          cooperantes      brasileiros  que    Bu dadu homem
nacional mais consensualmente         eram muitos nessa altura. Todos      Bu ka mistil
aceite. Cristãos, muçulmanos,         falam dessa época com saudade.       Bu pudu a forsa
animistas e outros reivindicam-no     É que os melhores carnavais são      Bu chora pena
como uma expressão da cultura         sempre os da infância e da           Ka bu chora
popular.    Hoje,     poucos     se   juventude. Na verdade, a             Nô badja karnaval...
lembram      das    suas    origens   criança e o adolescente são os
católicas e do seu início nos         grandes donos do carnaval e das
círculos urbanos cosmopolitas em      suas máscaras.
Bolama, Cacheu e Bissau. Muitos
tentam utilizá-lo para fins alheios   Com efeito, sem a imaginação
à simples diversão. Mas, face a       das crianças não há carnaval.
todos os empreendimentos de           São as crianças que anunciam o
recuperação ergue-se sempre a         carnaval. São elas que albergam
fabulosa criatividade do povo que     nas suas pequenas cabeças a
é o verdadeiro dono do Carnaval.      cara de Nturudu, a máscara do
                                      carnaval. A elas cabe dar-lhe
Nos primeiros anos da Guiné-          formas e vida, transformando
                                      papel reciclado, terra de barro e                Carnaval 2010 - Bissau
Bissau      enquanto        Estado
independente, o carnaval tinha        tintas baratas em autênticas
sabor de mobilização popular          obras      artísticas,      dignos   Assim o carnaval pode mesmo
num ambiente de revalorização         testemunhos da fértil criati-        acabar com a imensa dor de uma
das culturas étnicas subalter-        vidade infantil, que tem fontes      rapariga casada à força. Basta
nizadas     pela    política    de    num     mundo       repleto     de   entrar na dança e esquecer tudo...
assimilação     dos    anos     de    monstros,    fantasmagorias      e   Salvo as metamorfoses de Nturudu
colonização. O carnaval foi           humor.                               que antigamente só temia a água,
portanto uma eficaz catalizadora                                           mas desde a guerra do 7 de Junho
das energias das novas gerações.      Se Nturudu é medonho, só é           de 1998, passou a recear também a
Para se ter uma ideia da força        temido pelas criancinhas. Aliás,     guerra ao ponto de o carnaval se
que    teve    este    canal    de    ele próprio tem medo... da           tornar não só um momento de paz,
mobilização nos anos de euforia       água, pois este líquido estraga      mas também um momento de
revolucionária basta ouvir os         as máscaras de papel... Como         conjurar a guerra para enraizar a
antigos membros da Juventude          diz a cantiga do carnaval:           paz... enfim!
Africana      Amílcar        Cabral   “Nturudu medi iagu”.
ECO da Voz di Paz       Boletim Informativo
                                                                                                               Página 5



                                                 O Carnaval das Crianças
                                                                                              Manuela Lopes Mendes

                                               visitados pela Voz di Paz.          ensino    em    1999,  propor-
                                               No Jardim de Infância SOS,          cionando às crianças uma festa
                                               Emília Monteiro, disse-nos que      fantasiada. É o momento de
                                               para além do lema nacional          observar a criatividade e as
                                               «Unidade, Paz e Desenvol-           agilidades de cada um.
                                               vimento», o grupo de carnaval
                                               da SOS teve como mensagem:          Para evitar aos mais pequenos
                                               “Paz,         Tolerância     e      os     pesados     horários    e
                                               Fraternidade”.                      constrangimentos do desfile
                                                                                   oficial, a escola cria no seu
                                               As crianças que participaram no     próprio recinto o ambiente da
         Carnaval 2010, Bissau                 desfile     exibiram      danças    festa, associando à exibição das
                                               manjaca,     fula,    mancanha,     surpresas carnavalescas os pais
                                               bijagós, balanta (N’gaihé) e        das crianças, encarregados de
                                               fusão.                              educação, e outros convidados
                                                                                   como espectadores.




               Carnaval 2010, Bissau                                                   Carnaval 2010, Bissau


Como uma festa popular e de                    Esta última dança inclui uma        Por mais de 4 horas, as crianças
harmonia entre os povos da                     diversidade de danças não           dão mostras dos seus talentos
Guiné-Bissau, o carnaval suprime               atribuídas a uma só etnia.          recitando poesias, dançando e
as fronteiras culturais, pois todos                                                fazendo mil outras actividades
se imitam, todos aproveitam a                  Para preparar as crianças, foram    num ambiente propício à
ocasião para experimentar trajes               feitos vários dias de ensaios nos   difusão dos ideais da paz e da
tradicionais de todas as etnias.               quais se tentou incutir nas suas    harmonia.
                                               mentes, imagens da diversidade
Para as crianças é uma ocasião                 cultural e o valor de uma sã        Este ano as palavras de Okinca
única para mergulharem num                     convivência.                        Pampa, lendária rainha Bijagós
mundo de sonho com vestidos e                                                      que reviveu pela magia das
danças típicas de culturas por                 No Jardim/Escola Irmã Paulina       crianças, foram: “Eu sou a
elas desconhecidas.                            Camargo, a Directora Nuna           rainha da paz. Só com a paz é
                                               Fernandes      disse-nos    que     que as crianças se sentem bem,
O universo ideal do Carnaval                   organiza-se o carnaval na escola    vivem bem com os pais, com os
infantil é a Escola. Dois                      para os mais pequenos desde a                       
                                                                                   amigos e no país. Quem vive na
estabelecimentos em festa foram                criação do estabelecimento de       paz, vive com amor”.
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                                                           ECO da Voz di Paz   Boletim Informativo


                     NETOS DE BANDIM
 Hora Tchiga pa PAZ ten na Guiné!
                  (Está na hora da Guiné ter Paz)                      O grupo cultural “Netos de Bandim”
                                                 Filomena Tipote       foi criado no dia 12 de Novembro de
                                                                       2000 na cidade de Bissau. É
Os segredos de uma vitória…                                            composto por jovens e crianças de
                                   Tudo isto foi ritmado com
O primeiro prémio do Carnaval                                          várias faixas etárias e surgiu com o
                                   objectivo da boa disposição,
de 2010 foi arrebatado pelo                                            propósito de unir jovens e crianças
                                   transmissão de energia positiva     que trabalham no domínio cultural,
grupo cultural Netos de            e mensagem de paz. Assim, a
Bandim. Esta vitória veio                                              com vista a uma colaboração que
                                   mensagem “Hora tchiga pa paz        promova a sua formação nas
coroar um investimento de          ten na Guiné” foi exprimida
longa data feito por este                                              diversas    áreas     sócio-culturais,
                                   numa dança papel associada a        contribuindo      tanto    para      a
conjunto que considera o           relógios florescentes nos pulsos    prevenção como para a redução da
Carnaval como sendo uma            dos dançarinos e dançarinas dos     delinquência juvenil e da exclusão
manifestação cultural onde         Netos de bandim.                    social.
cada      guineense       pode                                         Ao longo de dez anos, os Netos de
manifestar a sua identidade.       Considerando que os desfiles        Bandim participaram em cen-tenas
                                   exigem muita energia, o grupo       de actividades levando consigo o
Segundo o seu responsável,         fez ensaios debaixo do sol, nas     teatro, a dança e a poesia como
Héctor Diógenes Cassama, a         ruas,   para   uniformizar   as     armas de sensibi-lização sobre
vitória no concurso de 2010        coreografias. Levou longe a         variados temas que afectam a
teve segredos. Eles confiou à      preparação     utilizando   um      sociedade guineense. Das suas
Voz di Paz alguns deles. O mais    sistema    de     rotação   dos     participações       no       Carnaval
importante é que os Netos de       elementos que permite aos           arrecadaram mais de duas dezenas
Bandim já têm uma longa            tocadores aguentarem durante 3      de prémios de vencedores, sendo o
prática nos palcos. Têm            horas a fio para satisfazer as      último o de carnaval de 2010.
também uma tradição de             exigências do carnaval cujo
recrutamento que permite           lema foi: “Unidade Nacional Paz
uma selecção cada vez mais                                                                   
                                   e Desenvolvimento”.
rigorosa dos seus artistas, com
base em critérios como: as                                                Excesso de competição pode
técnicas     da     dança,    a                                          desvirtuar o espírito de paz no
flexibilidade das dançarinas e                                                      Carnaval
dos dançarinos, a coreografia e                                         Os Netos de Bandim têm receios face
a expressão corporal. Para eles                                         à nova dinâmica do carnaval que
                                                                        tende a ser cada vez mais etnizado.
a alegria comunicada pela
                                                                        O facto de as pessoas começarem a
dança é capital. Uma das                                                competir desde as regiões torna as
ambições deste grupo é fazer                                            pessoas vulneráveis à disputa e
das suas crianças futuros                                               começa a ser um factor estimulador
dançarinos profissionais.                                               de desunião.
                                                                        O grupo tem recebido ameaças de
No Carnaval de 2010, a chave             Netos de Bandim- 2010          pessoas reivindicando a defesa de
da vitória consistiu em terem                                           alguns grupos étnicos. Isto contraria
feito uma ronda a nível                                                 o espírito deste grupo que faz do
nacional, recrutando indiví-                                            mosaico étnico a sua força e não quer
                                                                        ser confrontado com rivalidades
duos pertencentes a diferentes
                                                                        advindas de grupos divisionistas. Caso
grupos étnicos, que fizeram                                             isto continue a prevalecer, o grupo
ensaios de dança e prepararam                                           Netos de Bandim, em nome da sua
vestimentas típicas. Assim, o                                           filosofia de coesão nacional vai
grupo ensaiou danças balanta,                                           abster-se de participar nos futuros
N’gaie,     manjaca,      papel,                                        carnavais e pensar na “internacio-
felupe, baca bruto dos Bijagós,                                         nalização” que é um dos seus
todas elas combinadas com os                                            objectivos a médio prazo e longo
trajes étnicos específicos.                                             prazo.
                                           Netos de Bandim- 2010
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       Imagens Carnaval 2010 – Guiné-Bissau
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                                    ECO da Voz di Paz   B l ti   I f   ti


           Imagens Carnaval 2010 – Guiné-Bissau
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         Eco dos Filhos da Guiné – Entrevista a
                                               Cirilo M´Bakê         Joacine Katar Moreira

 Nasceu num dia histórico, a 3 de                                                Alguns dizem que eu fiz uma
 Agosto de 1961. Nesse dia, os                                                   promessa para pagar no Carnaval,
 guineenses manifestaram-se contra                                               e que por isso não consigo passar
 a administração colonial e foram                                                sem me mascarar. Não entendem
 mortos. O massacre de Pindjiguiti                                               que é emoção. Carnaval é emoção!
 foi um marco na consciencialização
 da luta pela libertação nacional.                                               VdP: Como foi a primeira vez?
 Nasceu também nesse dia o rei do                                                C. M´Bakê: A primeira vez que fiz
 Carnaval:
                                                                                 Carnaval, foi um grande sucesso,
                                                                                 tiraram fogo-de-artifício e tudo,
 De passo lento e descontraído, de
 andar sem pressa do Carnaval,                                                   foi em 1979. O Carnaval era na
 Cirilo M´Bakê diz ser um homem                                                  Praça do Império. Lembro-me que
 pacato, simples. Uma criança, agora                                             fiz uma máscara com o Domingos
 homem, que tinha medo do                                                        Luísa, de Cabo Verde. Apesar do
 N´turudo e das pessoas.                                                         sucesso no Tchon di Papel, depois
 Na Guiné e na Diáspora todos já                                                 aceitei mudar para Bandim, onde
 ouviram falar dele. Os artistas                                                 fui chefe de Carnaval. As pessoas
 guineenses cantaram-no em canções                                               de Tchon di Papel ficaram muito
 de festa, como símbolo do Carnaval                                              zangadas e até tive de ser
                                                     Cirilo M´Bakê
 di no tera.                                                                     escoltado, porque os velhos do
 Não      tem   consigo    nenhuma         Sou filho de Ermelinda Mendes
                                                                                 Bairro queriam quase matar-me.
 fotografia do tempo em que era            Correia, mais conhecida por
 Chefe de Carnaval, fama que nunca         Manda, e de Francisco Gomes
                                                                                 VdP: E ganharam o carnaval nesse
 o deixará, mesmo porque Cirilo            Monteiro. Tenho quatro filhos,
                                                                                 ano?
 M´Bakê não consegue deixar o              dois rapazes e duas meninas. O
 Carnaval, as emoções e a fantasia                                               C. M´Bakê: Ainda bem que
                                           mais velho tem 27 anos e a mais
 desta época do Ano.                                                             perdemos o Carnaval nesse ano,
                                           nova 19. A minha esposa é Joana
                                                                                 porque senão não saberia se ainda
                                           da Silva, Nené. Sou um homem
                                                                                 estaria vivo para dar esta
                                           pacato, não me meto com
                                                                                 entrevista. Eu vivia muito o
                                           ninguém, sou tímido.
                                                                                 Carnaval… Em 1987 queria fazer
                                                                                 Carnaval no ar, através de balões
VdP: Cirilo M´Bakê é o seu nome            VdP: Como foi a sua infância?
                                                                                 de oxigénio, eu e o Manuel Mina
artístico?                                 C. M´Bakê: Eu era uma criança
                                                                                 (Lili), engenheiro, no Tchon di
C. M´Bakê: O meu nome é Cirilo             que tinha medo das pessoas, era
                                                                                 Papel.     Mas    não    tínhamos
Gomes Mateus. M´Bakê é o meu               muito tímido. Lembro-me que os
                                                                                 condições. Queria também fazer o
Deus. O meu Profeta. Deus dos              meus tios vinham mascarados e
                                                                                 Carnaval em cima da água, no
senegaleses. Também é conhe-               eu metia-me debaixo da cama
                                                                                 Pindjiguiti, com os - não me
cido por Walios, que significa             quando os via... Não gostava do
                                                                                 lembro do nome - dos côcos das
pessoas com poder. O meu amigo             Carnaval.
                                                                                 palmeiras, que iriam funcionar
Per Cassamá (Karambá) é que me                                                   como uma prancha de surf.
pôs este nome, porque tudo o que           VdP: Mas depois passou a gostar
eu dizia que ia acontecer,                 do Carnaval. Como foi esta
                                                                                 VdP: Mas isso seria uma grande
acontecia. Quando o nosso grupo            passagem?
                                                                                 inovação…
estava com dificuldades, eu                 C. M´Bakê: Não sei explicar. É
                                                                                 C. M´Bakê: Quem não inventa não
tomava a dianteira e conseguia             uma coisa sem explicação. Eu sou
                                                                                 é artista. Fui um aluno que não ía
sempre resolver as coisas difíceis,        um homem calmo e pacato, mas
                                                                                 à escola com livros, só de papel e
depois de outros já terem                  quando     chega     o  Carnaval,
                                                                                 caneta.      Gosto    muito     de
tentado.                                   transformo-me. O meu pai
                                                                                 matemática. Fui considerado um
                                           faleceu no dia 12 de Janeiro, mas
                                                                                 dos melhores da Guiné, mas esta
VdP: Vamos começar por falar               naquele ano eu vesti-me para o
                                                                                 minha faceta ninguém conhece.
do Cirilo Mateus…Onde nasceu?              Carnaval. A minha irmã não
                                                                                 Conhecem-me mais como homem
C. M´Bakê: Sou do Bairro Tchon             gostou mas eu expliquei-lhe que
                                                                                 do Carnaval.
di Papel, em Bissau.                       tinha de fazer isso, mesmo contra
                                           a sua vontade.
Página 10                                                ECO da Voz di Paz    Boletim Informativo

      «Eu, com a máscara, sou outra pessoa (…) sinto-me
                emocionado, sinto-me forte»
                                     VdP: E não regressou à Guiné?        VdP: E aceitou o convite?
                                     C. M´Bakê: Não regressei à Guiné     C. M´Bakê: Portugal… aqui não
                                     porque era muito conhecido. O        é o meu país. Qualquer dia vou-
                                     meu poster estava no palácio         me embora. Parece que estou
                                     presidencial e tudo. Uma vez, fui    aqui amarrado. Quero contribuir
                                     com o grupo “Netos de Gumbé”         para o meu país Guiné-Bissau.
                                     para Espanha, e o ministro da        Temos todos de voltar. Moro há
                                     cultura espanhol quis tirar uma      20 anos fora da Guiné, quando
                                     foto comigo, devido às coisas que    eu    regressei  fiquei   muito
                                     eu fazia. Foi em 1979.               satisfeito e quero fazer lá a
                                                                          minha casa.
                                     VdP: É um homem reconhecido
                                     pelos guineenses também…              «Portugal…aqui não é
                                     C. M´Bakê: Sou muito simples.
                                     Eu, se calhar, nasci para o            o meu país. Qualquer
                                     Carnaval… Até hoje, ninguém
                                     passou-me à frente no Carnaval
                                                                          dia vou-me embora.(…).
                                     da Guiné. Já venci o que era         Temos todos de voltar»
                                     necessário vencer, o resto é
Eu, com a mascara, sou outra         música. O difícil já está. Agora
pessoa. Quando ponho a mascara,      apontam-me na rua porque me
sinto-me emocionado, sinto-me        identificam.   Vêm-me     sempre
forte, diferente. Até eu acho que    mascarado, muitos não me
não sou eu quando estou com a        conhecem. Pensam que sou um
máscara...                           homem de mais idade, alto,
                                     grande, diferente daquilo que eu
VdP: A fama do Carnaval abafou       sou.
as outras qualidades…
C. M´Bakê: Participei no filme de
                                        «Eu, se calhar,
Flora Gomes “Morte Nega”, onde       nasci para o Carnaval»
fiz o papel de alfabetizador. Fui
professor de desenho e geometria
descritiva no Liceu de Bafatá e
depois na Nkume Nkrumah, em          VdP: A fama é maior do que o
Bissau. Sou músico do grupo          homem...       Nunca       pensou
musical “Netos de Gumbé”.            aproveitar a sua fama para
                                     entrar na política e fazer alguma
VdP: Toca algum instrumento?         coisa diferente?
C. M´Bakê: Não, sou cantor,          C. M´Bakê: Não gosto de política,
vocalista.                           Deixem-me      com     a    minha
                                                                              Nené Garandi , esposa de Cirilo
                                     brincadeira! Os partidos políticos                 M´Bakê
VdP: Como é que depois veio          são inimigos do Povo. Quem está
para Portugal?                       na política está contra o povo.      VdP: E aqui em Portugal, como
C. M´Bakê: Saí da Guiné em 1987      Convidaram-me para ir para a         faz no Carnaval?
com uma bolsa de estudos para        Guiné trabalhar na área da           C. M´Bakê: Quando é Carnaval
estudar Engenharia de Sistemas       cultura.                             mascaro-me sempre. Não consigo
Informáticos. Não cheguei a                                               passar sem isso. Todos aqui no
concluir o curso, mas fiz outros,    «Não gosto de política.              Vale de Amoreira já me
vários cursos técnicos, na área de                                        conhecem. Até os polícias!
electricidade e ar condicionado.     Deixem-me com a minha
Trabalho agora na área da                 brincadeira!»                                       
Serralharia Civil.
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                                                     Armando Pereira – Londres, Inglaterra
Jacqueline Rodrigues – Lisboa, Portugal                                                          Centro Cultural - Odivelas, Portugal




        Nel Will (Iú) Katar Mady
            Maryland, EUA                                                                                 D. Matá – Café «Bo Na Fia»,
                                                                                                          Vale Amoreira, Portugal




                                              D. Lina. Proprietária Café «Bo Na Fia», Portugal
       Joseana Pinto Cardoso
                                                                                                      Centro Cultural - Odivelas, Portugal
Sto. António dos Cavaleiros, Portugal

                                                               Escreva para a
                                                            ECO da Voz di Paz      envie-nos
                                                  os seus artigos, notícias, sugestões,
                                               comentários e fotografias diversas para o
                                               correio electrónico vozdipaz@gmail.com
                                               Contamos com a sua participação!


  FICHA TÉCNICA: Eco da Voz di Paz – Boletim Informativo Proprietário: Voz di Paz - Iniciativa para a
  Consolidação da Paz Coordenador: Fafali Koudawo Editora: Joacine Katar Moreira;
  Redactores: Fafali Koudawo; Filomena Mascarenhas Tipote; Joacine Katar Moreira; Manuela Lopes Mendes
  Concepção gráfica e fotocomposição: Joacine Katar Moreira Número: 1 Data: Março 2010 Local: Guiné-Bissau
  Periodicidade: Mensal - versão electrónica; bimestral - versão impressa Tiragem: 1500 exemplares

                                                      Parceiro: Interpeace
                               Financiado pelo Governo da Finlândia

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Eco da Voz di Paz n1

  • 1. Março 2010 Número Janeiro 2010 Número 10 Ano1 Edição1 ECO da Voz di Paz cu     Boletim Informativo Boletim Informativo CARNAVAL Época de Paz?  Editorial Pág..2 Artigos de interesse especial: Actividades • NTRUDU MEDI IAGU, MA GUERA GORA? …..…….….………....p.3  Voz di Paz Pág.3   • O CARNAVAL DAS CRIANÇAS…….….........................................p.5 Imagens do   Carnaval 2010 Pág.7 • NETOS DE BANDIM …..…….….………………………………………..…....p.6   •  ECO DOS FILHOS DA GUINÉ:   Eco da Voz di ENTREVISTA A  CIRILO M´BAKÊ ……………………………………………p.9  Paz chegou aos Pág.12 Guineenses
  • 2. Página 2 ECO da Voz di Paz Boletim Informativo EDITORIAL «CARNAVAL MEDI GUERA» (Carnaval tem medo da guerra) “Este ano não haverá Carnaval. É um verdadeiro drama nacional. É neste momento que sinto realmente a crueldade da guerra.” Esta frase, que eu ouvi em Cumura, onde estive “refugiado” depois do mais terrível episódio da guerra civil em Fevereiro de 1999, é para mim a maior expressão do simbolismo do Carnaval no imaginário guineense. Em mais de 20 anos de presença na Guiné-Bissau, eu vi o Carnaval preterido só uma vez. Foi um caso de força maior, em Fevereiro de 1999. Bissau estava cercada por tropas de Junta militar, ocupada por tropas estrangeiras senegalesas e conakri- guineenses, e mergulhada num ambiente no Carnaval 2010 - BISSAU luto causado por 8 meses de uma guerra cujo fim ninguém vislumbrava, sobretudo depois da chamada “Guerra do 30 de Janeiro” que deu os 6 dias mais mortíferos desta sangria de 11 meses. Pensar no Carnaval nestas condições parecia surrealista. Mas de 12 a 16 de Fevereiro 1999, momento em que devia ter ocorrido o Carnaval, muitas pessoas só falavam deste “não acontecimento”, ou melhor, deste aconteci- mento não advindo, em vez de comentar a guerra que assolava o país. Houve até tímidas tentativas de celebrar pedaços de carnavais em alguns bairros, mas as tropas senegalesas não deixaram a mínima dúvida sobre a inoportunidade de tais festejos. Mesmo assim, algumas cidades controladas pela junta militar fizeram algumas manifestações. Mas, o Carnaval, nestas condições não podia ter alma. Então, 1999 foi um ano sem Carnaval na Guiné...um Inaudito! Desde então, o Carnaval Carnaval 2010 - BISSAU segue o seu curso, com o seu cortejo de lemas virados para a paz. O Carnaval, maior festa popular na Guiné- Bissau, é doravante de um voluntarismo pacífico. Este momento cimeiro do convívio nacional é, na verdade, o tempo em que ninguém pensa nas diferenças e ainda menos nos diferendos que dividem e opõem os filhos do país ao longo do ano e ao fio dos anos que se seguem. Então, perante esta harmonia barulhenta de 5 dias, muitos surpreendem-se a pensar que mais vale a desordem pacífica do verdadeiro carnaval que o simulacro carnavalesco violentamente servido ao longo dos restantes 360 dias do ano. Fafali Koudawo Director Pesquisa «Voz di Paz» Carnaval 2010 - BISSAU
  • 3. ECO da Voz di Paz Boletim Informativo Página 3 Actividades Voz di Paz – Março de 2010   uniformização das metodologias O mês de Março foi marcado por das organizações que compõem a vários momentos simbólicos comissão chegou á conclusão de para o futuro da Voz di Paz. que a experiência da VdP Depois da legalização, a 26 de explicada e ilustrada pela Fevereiro, da Voz di Paz – projecção de um filme poderia Iniciativa para a Consolidação servir de fonte de inspiração para da Paz, a nova entidade a conferência a ser organizada. autónoma regida pelo direito das associações, desenvolveu engajamento da Senhora Adja No quadro da difusão dos várias actividades tendentes a Satu Camará Pinto em fazer parte resultados da identificação das pavimentar o caminho para uma da Assembleia Geral da VdP. Os fontes de conflitos na Guiné- acção durável. embaixadores de Portugal e do Bissau, a VdP produziu jingles que Brasil assim como o representante põem em relevo os papéis da má Uma delegação da Interpeace, do Secretário Geral das Nações governação, da justiça deficiente parceira estratégica da VdP, fez Unidas confirmaram os seus e da instabilidade política na uma missão de apoio à equipa de engajamentos para apoiar todas génese dos conflitos. Estas 15 a 19 de Março. Composta por as iniciativas de paz no país, e mensagens são difundidas nos Peter Hislaire, Director dos particularmente a VdP que já boletins informativos das rádios Programas da Interpeace em implementou o processo de públicas, privadas e comunitárias. Genebra, e Jean-Paul Mugiraneza diálogo mais alargado jamais encarregado do apoio à VdP, a empreendido no país. Nos dias 27 e 28 de Março, a delegação participou no esboço equipa de VdP efectuou visitas de das linhas mestras das estratégias No dia 19 realizou-se o primeiro terreno aos Espaços Regionais de de institucionalização reforçada encontro dos membros da Diálogo de Cacheu e de Oio na nova fase. Ela teve uma série Assembleia Geral de VdP após a (Bissorã), reunidos em Bula, e de de trocas de pontos de vista com sua legalização enquanto uma Biombo reunido em Quinhamel. responsáveis de instituições nacio- pessoa colectiva dotada de Na agenda dos encontros nais, nomeadamente o Ministério personalidade jurídica. Recorda- figuravam a apresentação da nova do Interior, a Assembleia Nacional se que de momento, a Assembleia Voz di Paz e a programação das Popular (ANP), Embaixadas do Geral conta como membros o actividades a serem desenvolvidas Brasil e de Portugal e Uniogbis, o Bispo de Bissau D. José Camnaté até Dezembro de 2010. Gabinete Integrado das Nações Na Bessing, Eng. Filinto Vaz Unidas na Guiné-Bissau. Martins, Pe Davide Sciocco, Sr.ª Ao longo o mês de Março a Dina Adão, Aladje Eusébio emissão Bantaba di Paz, feita em Na ANP, o encontro com o Abubacar e o Sr. Sambu Seck. parceria com a Rádio Sol Mansi presidente da Comissão técnica de desde 2008, foi dedicada ao tema organização da Conferência nacio- No encontro de convívio com a “Má governação e conflitos” nal de reconciliação “Caminhos equipa técnica da VdP e a desdobrado em vários subtemas , para a Consolidação da Paz e delegação da Interpeace foram nomeadamente: “Má governação Desenvolvimento” soldou-se com reiterados os empenhos e conflitos no domínio da justiça” um engajamento da Interpeace de individuais a favor da paz e a (2 de Março), “Má governação e mobilizar recursos para apoiar a necessidade de federar estes desequilíbrios sociais geradores de realização deste evento tão compromissos na senda da VdP. conflitos” (9 e 16 de Março), “Má importante para a paz no país e De 29 a 31 de Março, dois governação, desequilíbrios entre facilitar a troca de experiência membros da equipa VdP , Fafali regiões e conflitos” (23 de Março), com países que já implementaram Koudawo e Filomena Mascarenhas “Más políticas sociais geradoras de iniciativas de reconciliação Tipote participaram no atelier conflitos (30 de Março). nacional, nomeadamente o metodológico organizado pela Ruanda e Timor leste onde a ANP, e financiado pelo PNUD, no A Voz di Paz (VdP) apoiou o Interpeace apoia programas de quadro da preparação da carnaval de 2010, particularmente consolidação da paz. A visita no Conferência Nacional de nas actividades de promoção da Ministério do Interior teve como Reconciliação. O encontro cidadania e cultura de paz nas fruto a confirmação do destinado a promover a camadas juvenis de Bissau.
  • 4. Página 4 ECO da Voz di Paz Boletim Informativo CARNAVAL I DI NOS NTRUDU MEDI IAGU, MA GUERA GORA? Fafali Koudawo contarem, com uma indizível Esta é a ambivalência de Nturudu. nostalgia, as façanhas realizadas Medonho e frágil ao mesmo tempo. nos carnavais dos anos 80, Cantado e mesmo vaiado pelo particularmente entre 1981 e povo, Nturudu é amigo do povo. É 1985. Para eles, foram os anos que o carnaval é o bem do povo. de ouro do carnaval, autênticos Um dos últimos. É sem dúvida um picos de fervor popular e dos derradeiros campos colectivos verdadeiros Himalaias da onde os pequenos cultivam a sua expressão cultural nacional. As imaginação e os grandes colhem Carnaval 2010 histórias que se contam sobre uma sã alegria. Uma alegria este período não têm fim: uns contagiante, capaz de apagar as recordam as brincadeiras, outros dores mais tenazes. Como o ilustra Carnaval 2010 - Bissau salientam os trajes, outros uma cantiga popular magnificada O Carnaval, legado cristão da falam da originalidade das pelos cantores Iva e Itchi em colonização tornou-se uma máscaras, alguns lembram companhia do grupo Tabanka Djaz: verdadeira instituição na Guiné- mesmo as sarabandas dos Bissau. Talvez a instituição cooperantes brasileiros que Bu dadu homem nacional mais consensualmente eram muitos nessa altura. Todos Bu ka mistil aceite. Cristãos, muçulmanos, falam dessa época com saudade. Bu pudu a forsa animistas e outros reivindicam-no É que os melhores carnavais são Bu chora pena como uma expressão da cultura sempre os da infância e da Ka bu chora popular. Hoje, poucos se juventude. Na verdade, a Nô badja karnaval... lembram das suas origens criança e o adolescente são os católicas e do seu início nos grandes donos do carnaval e das círculos urbanos cosmopolitas em suas máscaras. Bolama, Cacheu e Bissau. Muitos tentam utilizá-lo para fins alheios Com efeito, sem a imaginação à simples diversão. Mas, face a das crianças não há carnaval. todos os empreendimentos de São as crianças que anunciam o recuperação ergue-se sempre a carnaval. São elas que albergam fabulosa criatividade do povo que nas suas pequenas cabeças a é o verdadeiro dono do Carnaval. cara de Nturudu, a máscara do carnaval. A elas cabe dar-lhe Nos primeiros anos da Guiné- formas e vida, transformando papel reciclado, terra de barro e Carnaval 2010 - Bissau Bissau enquanto Estado independente, o carnaval tinha tintas baratas em autênticas sabor de mobilização popular obras artísticas, dignos Assim o carnaval pode mesmo num ambiente de revalorização testemunhos da fértil criati- acabar com a imensa dor de uma das culturas étnicas subalter- vidade infantil, que tem fontes rapariga casada à força. Basta nizadas pela política de num mundo repleto de entrar na dança e esquecer tudo... assimilação dos anos de monstros, fantasmagorias e Salvo as metamorfoses de Nturudu colonização. O carnaval foi humor. que antigamente só temia a água, portanto uma eficaz catalizadora mas desde a guerra do 7 de Junho das energias das novas gerações. Se Nturudu é medonho, só é de 1998, passou a recear também a Para se ter uma ideia da força temido pelas criancinhas. Aliás, guerra ao ponto de o carnaval se que teve este canal de ele próprio tem medo... da tornar não só um momento de paz, mobilização nos anos de euforia água, pois este líquido estraga mas também um momento de revolucionária basta ouvir os as máscaras de papel... Como conjurar a guerra para enraizar a antigos membros da Juventude diz a cantiga do carnaval: paz... enfim! Africana Amílcar Cabral “Nturudu medi iagu”.
  • 5. ECO da Voz di Paz Boletim Informativo Página 5 O Carnaval das Crianças Manuela Lopes Mendes visitados pela Voz di Paz. ensino em 1999, propor- No Jardim de Infância SOS, cionando às crianças uma festa Emília Monteiro, disse-nos que fantasiada. É o momento de para além do lema nacional observar a criatividade e as «Unidade, Paz e Desenvol- agilidades de cada um. vimento», o grupo de carnaval da SOS teve como mensagem: Para evitar aos mais pequenos “Paz, Tolerância e os pesados horários e Fraternidade”. constrangimentos do desfile oficial, a escola cria no seu As crianças que participaram no próprio recinto o ambiente da Carnaval 2010, Bissau desfile exibiram danças festa, associando à exibição das manjaca, fula, mancanha, surpresas carnavalescas os pais bijagós, balanta (N’gaihé) e das crianças, encarregados de       fusão. educação, e outros convidados como espectadores. Carnaval 2010, Bissau Carnaval 2010, Bissau Como uma festa popular e de Esta última dança inclui uma Por mais de 4 horas, as crianças harmonia entre os povos da diversidade de danças não dão mostras dos seus talentos Guiné-Bissau, o carnaval suprime atribuídas a uma só etnia. recitando poesias, dançando e as fronteiras culturais, pois todos fazendo mil outras actividades se imitam, todos aproveitam a Para preparar as crianças, foram num ambiente propício à ocasião para experimentar trajes feitos vários dias de ensaios nos difusão dos ideais da paz e da tradicionais de todas as etnias. quais se tentou incutir nas suas harmonia. mentes, imagens da diversidade Para as crianças é uma ocasião cultural e o valor de uma sã Este ano as palavras de Okinca única para mergulharem num convivência. Pampa, lendária rainha Bijagós mundo de sonho com vestidos e que reviveu pela magia das danças típicas de culturas por No Jardim/Escola Irmã Paulina crianças, foram: “Eu sou a elas desconhecidas. Camargo, a Directora Nuna rainha da paz. Só com a paz é Fernandes disse-nos que que as crianças se sentem bem, O universo ideal do Carnaval organiza-se o carnaval na escola vivem bem com os pais, com os infantil é a Escola. Dois para os mais pequenos desde a       amigos e no país. Quem vive na estabelecimentos em festa foram criação do estabelecimento de paz, vive com amor”.
  • 6. Página 6 ECO da Voz di Paz Boletim Informativo NETOS DE BANDIM Hora Tchiga pa PAZ ten na Guiné! (Está na hora da Guiné ter Paz) O grupo cultural “Netos de Bandim” Filomena Tipote foi criado no dia 12 de Novembro de 2000 na cidade de Bissau. É Os segredos de uma vitória… composto por jovens e crianças de Tudo isto foi ritmado com O primeiro prémio do Carnaval várias faixas etárias e surgiu com o objectivo da boa disposição, de 2010 foi arrebatado pelo propósito de unir jovens e crianças transmissão de energia positiva que trabalham no domínio cultural, grupo cultural Netos de e mensagem de paz. Assim, a Bandim. Esta vitória veio com vista a uma colaboração que mensagem “Hora tchiga pa paz promova a sua formação nas coroar um investimento de ten na Guiné” foi exprimida longa data feito por este diversas áreas sócio-culturais, numa dança papel associada a contribuindo tanto para a conjunto que considera o relógios florescentes nos pulsos prevenção como para a redução da Carnaval como sendo uma dos dançarinos e dançarinas dos delinquência juvenil e da exclusão manifestação cultural onde Netos de bandim. social. cada guineense pode Ao longo de dez anos, os Netos de manifestar a sua identidade. Considerando que os desfiles Bandim participaram em cen-tenas exigem muita energia, o grupo de actividades levando consigo o Segundo o seu responsável, fez ensaios debaixo do sol, nas teatro, a dança e a poesia como Héctor Diógenes Cassama, a ruas, para uniformizar as armas de sensibi-lização sobre vitória no concurso de 2010 coreografias. Levou longe a variados temas que afectam a teve segredos. Eles confiou à preparação utilizando um sociedade guineense. Das suas Voz di Paz alguns deles. O mais sistema de rotação dos participações no Carnaval importante é que os Netos de elementos que permite aos arrecadaram mais de duas dezenas Bandim já têm uma longa tocadores aguentarem durante 3 de prémios de vencedores, sendo o prática nos palcos. Têm horas a fio para satisfazer as último o de carnaval de 2010. também uma tradição de exigências do carnaval cujo recrutamento que permite lema foi: “Unidade Nacional Paz uma selecção cada vez mais     e Desenvolvimento”. rigorosa dos seus artistas, com base em critérios como: as Excesso de competição pode técnicas da dança, a desvirtuar o espírito de paz no flexibilidade das dançarinas e Carnaval dos dançarinos, a coreografia e Os Netos de Bandim têm receios face a expressão corporal. Para eles à nova dinâmica do carnaval que tende a ser cada vez mais etnizado. a alegria comunicada pela O facto de as pessoas começarem a dança é capital. Uma das competir desde as regiões torna as ambições deste grupo é fazer pessoas vulneráveis à disputa e das suas crianças futuros começa a ser um factor estimulador dançarinos profissionais. de desunião. O grupo tem recebido ameaças de No Carnaval de 2010, a chave Netos de Bandim- 2010 pessoas reivindicando a defesa de da vitória consistiu em terem alguns grupos étnicos. Isto contraria feito uma ronda a nível o espírito deste grupo que faz do nacional, recrutando indiví- mosaico étnico a sua força e não quer ser confrontado com rivalidades duos pertencentes a diferentes advindas de grupos divisionistas. Caso grupos étnicos, que fizeram isto continue a prevalecer, o grupo ensaios de dança e prepararam Netos de Bandim, em nome da sua vestimentas típicas. Assim, o filosofia de coesão nacional vai grupo ensaiou danças balanta, abster-se de participar nos futuros N’gaie, manjaca, papel, carnavais e pensar na “internacio- felupe, baca bruto dos Bijagós, nalização” que é um dos seus todas elas combinadas com os objectivos a médio prazo e longo trajes étnicos específicos. prazo. Netos de Bandim- 2010
  • 7. ECO da Voz di Paz Boletim Informativo Página 7 Imagens Carnaval 2010 – Guiné-Bissau
  • 8. Página 8 ECO da Voz di Paz B l ti I f ti Imagens Carnaval 2010 – Guiné-Bissau
  • 9. ECO da Voz di Paz Boletim Informativo Página 119 Página Eco dos Filhos da Guiné – Entrevista a Cirilo M´Bakê Joacine Katar Moreira Nasceu num dia histórico, a 3 de Alguns dizem que eu fiz uma Agosto de 1961. Nesse dia, os promessa para pagar no Carnaval, guineenses manifestaram-se contra e que por isso não consigo passar a administração colonial e foram sem me mascarar. Não entendem mortos. O massacre de Pindjiguiti que é emoção. Carnaval é emoção! foi um marco na consciencialização da luta pela libertação nacional. VdP: Como foi a primeira vez? Nasceu também nesse dia o rei do C. M´Bakê: A primeira vez que fiz Carnaval: Carnaval, foi um grande sucesso, tiraram fogo-de-artifício e tudo, De passo lento e descontraído, de andar sem pressa do Carnaval, foi em 1979. O Carnaval era na Cirilo M´Bakê diz ser um homem Praça do Império. Lembro-me que pacato, simples. Uma criança, agora fiz uma máscara com o Domingos homem, que tinha medo do Luísa, de Cabo Verde. Apesar do N´turudo e das pessoas. sucesso no Tchon di Papel, depois Na Guiné e na Diáspora todos já aceitei mudar para Bandim, onde ouviram falar dele. Os artistas fui chefe de Carnaval. As pessoas guineenses cantaram-no em canções de Tchon di Papel ficaram muito de festa, como símbolo do Carnaval zangadas e até tive de ser Cirilo M´Bakê di no tera. escoltado, porque os velhos do Não tem consigo nenhuma Sou filho de Ermelinda Mendes Bairro queriam quase matar-me. fotografia do tempo em que era Correia, mais conhecida por Chefe de Carnaval, fama que nunca Manda, e de Francisco Gomes VdP: E ganharam o carnaval nesse o deixará, mesmo porque Cirilo Monteiro. Tenho quatro filhos, ano? M´Bakê não consegue deixar o dois rapazes e duas meninas. O Carnaval, as emoções e a fantasia C. M´Bakê: Ainda bem que mais velho tem 27 anos e a mais desta época do Ano. perdemos o Carnaval nesse ano, nova 19. A minha esposa é Joana porque senão não saberia se ainda da Silva, Nené. Sou um homem estaria vivo para dar esta pacato, não me meto com entrevista. Eu vivia muito o ninguém, sou tímido. Carnaval… Em 1987 queria fazer Carnaval no ar, através de balões VdP: Cirilo M´Bakê é o seu nome VdP: Como foi a sua infância? de oxigénio, eu e o Manuel Mina artístico? C. M´Bakê: Eu era uma criança (Lili), engenheiro, no Tchon di C. M´Bakê: O meu nome é Cirilo que tinha medo das pessoas, era Papel. Mas não tínhamos Gomes Mateus. M´Bakê é o meu muito tímido. Lembro-me que os condições. Queria também fazer o Deus. O meu Profeta. Deus dos meus tios vinham mascarados e Carnaval em cima da água, no senegaleses. Também é conhe- eu metia-me debaixo da cama Pindjiguiti, com os - não me cido por Walios, que significa quando os via... Não gostava do lembro do nome - dos côcos das pessoas com poder. O meu amigo Carnaval. palmeiras, que iriam funcionar Per Cassamá (Karambá) é que me como uma prancha de surf. pôs este nome, porque tudo o que VdP: Mas depois passou a gostar eu dizia que ia acontecer, do Carnaval. Como foi esta VdP: Mas isso seria uma grande acontecia. Quando o nosso grupo passagem? inovação… estava com dificuldades, eu C. M´Bakê: Não sei explicar. É C. M´Bakê: Quem não inventa não tomava a dianteira e conseguia uma coisa sem explicação. Eu sou é artista. Fui um aluno que não ía sempre resolver as coisas difíceis, um homem calmo e pacato, mas à escola com livros, só de papel e depois de outros já terem quando chega o Carnaval, caneta. Gosto muito de tentado. transformo-me. O meu pai matemática. Fui considerado um faleceu no dia 12 de Janeiro, mas dos melhores da Guiné, mas esta VdP: Vamos começar por falar naquele ano eu vesti-me para o minha faceta ninguém conhece. do Cirilo Mateus…Onde nasceu? Carnaval. A minha irmã não Conhecem-me mais como homem C. M´Bakê: Sou do Bairro Tchon gostou mas eu expliquei-lhe que do Carnaval. di Papel, em Bissau. tinha de fazer isso, mesmo contra a sua vontade.
  • 10. Página 10 ECO da Voz di Paz Boletim Informativo «Eu, com a máscara, sou outra pessoa (…) sinto-me emocionado, sinto-me forte» VdP: E não regressou à Guiné? VdP: E aceitou o convite? C. M´Bakê: Não regressei à Guiné C. M´Bakê: Portugal… aqui não porque era muito conhecido. O é o meu país. Qualquer dia vou- meu poster estava no palácio me embora. Parece que estou presidencial e tudo. Uma vez, fui aqui amarrado. Quero contribuir com o grupo “Netos de Gumbé” para o meu país Guiné-Bissau. para Espanha, e o ministro da Temos todos de voltar. Moro há cultura espanhol quis tirar uma 20 anos fora da Guiné, quando foto comigo, devido às coisas que eu regressei fiquei muito eu fazia. Foi em 1979. satisfeito e quero fazer lá a minha casa. VdP: É um homem reconhecido pelos guineenses também… «Portugal…aqui não é C. M´Bakê: Sou muito simples. Eu, se calhar, nasci para o o meu país. Qualquer Carnaval… Até hoje, ninguém passou-me à frente no Carnaval dia vou-me embora.(…). da Guiné. Já venci o que era Temos todos de voltar» necessário vencer, o resto é Eu, com a mascara, sou outra música. O difícil já está. Agora pessoa. Quando ponho a mascara, apontam-me na rua porque me sinto-me emocionado, sinto-me identificam. Vêm-me sempre forte, diferente. Até eu acho que mascarado, muitos não me não sou eu quando estou com a conhecem. Pensam que sou um máscara... homem de mais idade, alto, grande, diferente daquilo que eu VdP: A fama do Carnaval abafou sou. as outras qualidades… C. M´Bakê: Participei no filme de «Eu, se calhar, Flora Gomes “Morte Nega”, onde nasci para o Carnaval» fiz o papel de alfabetizador. Fui professor de desenho e geometria descritiva no Liceu de Bafatá e depois na Nkume Nkrumah, em VdP: A fama é maior do que o Bissau. Sou músico do grupo homem... Nunca pensou musical “Netos de Gumbé”. aproveitar a sua fama para entrar na política e fazer alguma VdP: Toca algum instrumento? coisa diferente? C. M´Bakê: Não, sou cantor, C. M´Bakê: Não gosto de política, vocalista. Deixem-me com a minha Nené Garandi , esposa de Cirilo brincadeira! Os partidos políticos M´Bakê VdP: Como é que depois veio são inimigos do Povo. Quem está para Portugal? na política está contra o povo. VdP: E aqui em Portugal, como C. M´Bakê: Saí da Guiné em 1987 Convidaram-me para ir para a faz no Carnaval? com uma bolsa de estudos para Guiné trabalhar na área da C. M´Bakê: Quando é Carnaval estudar Engenharia de Sistemas cultura. mascaro-me sempre. Não consigo Informáticos. Não cheguei a passar sem isso. Todos aqui no concluir o curso, mas fiz outros, «Não gosto de política. Vale de Amoreira já me vários cursos técnicos, na área de conhecem. Até os polícias! electricidade e ar condicionado. Deixem-me com a minha Trabalho agora na área da brincadeira!»     Serralharia Civil.
  • 11. ECO da Voz di Paz Boletim Informativo Página 11 MAIS FESTEJOS...
  • 12. ECO da Voz di Paz Boletim Informativo ECO da Voz di Paz chegou aos Guineenses Armando Pereira – Londres, Inglaterra Jacqueline Rodrigues – Lisboa, Portugal Centro Cultural - Odivelas, Portugal Nel Will (Iú) Katar Mady Maryland, EUA D. Matá – Café «Bo Na Fia», Vale Amoreira, Portugal D. Lina. Proprietária Café «Bo Na Fia», Portugal Joseana Pinto Cardoso Centro Cultural - Odivelas, Portugal Sto. António dos Cavaleiros, Portugal Escreva para a       ECO da Voz di Paz envie-nos os seus artigos, notícias, sugestões, comentários e fotografias diversas para o correio electrónico vozdipaz@gmail.com Contamos com a sua participação! FICHA TÉCNICA: Eco da Voz di Paz – Boletim Informativo Proprietário: Voz di Paz - Iniciativa para a Consolidação da Paz Coordenador: Fafali Koudawo Editora: Joacine Katar Moreira; Redactores: Fafali Koudawo; Filomena Mascarenhas Tipote; Joacine Katar Moreira; Manuela Lopes Mendes Concepção gráfica e fotocomposição: Joacine Katar Moreira Número: 1 Data: Março 2010 Local: Guiné-Bissau Periodicidade: Mensal - versão electrónica; bimestral - versão impressa Tiragem: 1500 exemplares Parceiro: Interpeace Financiado pelo Governo da Finlândia