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Sábado, 12 de novembro de 2011                                                                                 O GLOBO                                                                     SEGUNDO CADERNO                     ●   3



Uma espiadinha no multimídia Mautner
O jornalista Pedro Bial volta ao ofício de cineasta em documentário sobre o cultuado tropicalista de 70 anos
                                                                                                                                                            Fábio Rossi
        Rodrigo Fonseca                                                                                                                                                   PEDRO BIAL          palco, assinada por Gualter Pu-
                                                                                                                                                                                              po, utiliza em suas paredes co-
    rodrigo.fonseca@oglobo.com.br                                                                                                                                         e uma imagem de     res e elementos que caracteri-



I
     magens da Alemanha nazis-                                                                                                                                            “Jorge Mautner —    zam diferentes passagens da
     ta, com direito a registros da                                                                                                                                                           obra de Mautner. Bial relembra o
     juventude hitlerista saudan-                                                                                                                                         O filho do          primeiro hit do cantor — “Loco-
     do o Führer, reunidas pelo                                                                                                                                           Holocausto”, que    motiva”, na voz de Wanderléa
cineasta Frank Capra (1897-1991)                                                                                                                                                              —, sua carreira literária — com
na série documental “Why we                                                                                                                                               espera lançar no    “Deus da chuva e da morte”, de
fight” (1942), abrem o filme que                                                                                                                                          primeiro semestre   1962, laureado com o prêmio Ja-
marca a volta de Pedro Bial à di-                                                                                                                                                             buti — e sua incursão pelo cine-
reção de longas-metragens de-                                                                                                                                             de 2012: o          ma, com o longa-metragem “O
pois de 12 anos. É essencial a                                                                                                                                            apresentador do     demiurgo”, de 1972.
menção à Segunda Guerra Mun-                                                                                                                                                                     — Há uma sequência em que
dial para que se entenda a com-                                                                                                                                           “BBB” regressa ao   Jorge encara sua filha, a diretora
plexidade do cantor, violinista,                                                                                                                                          cinema 12 anos      de TV Amora Mautner, e os dois
escritor e compositor de 70 anos                                                                                                                                                              falam de psicanálise. Ela vira pa-
retratado em “Jorge Mautner —                                                                                                                                             após seu primeiro   ra ele e pergunta: “Pai, por que
O filho do Holocausto”, uma pro-                                                                                                                                          filme, “Outras      você faz análise?” E ele diz: “Por
dução de cerca de R$ 800 mil                                                                                                                                                                  pressão pública.” Ali, está a irre-
que Bial dirige em parceria com                                                                                                                                           estórias”           verência dele — diz Bial.
o músico Heitor D’Alincourt. A
base do documentário, coprodu-                                                                                                                                                                      Perfil contemporâneo
zido pelo Canal Brasil e que deve                                                                                                                                                                Para realçar o perfil contem-
ser lançado no primeiro semes-                                                                                                                                                                porâneo das letras de Mautner
tre de 2012, é a autobiografia ho-                                                                                                                                                            cantadas no filme, ele convidou
mônima publicada por Mautner                                                                                                                                                                  os músicos Berna Ceppas, Kas-
em 2006. Nela, o autor de can-                                                                                                                                                                sin e Domenico Lancelotti para
ções como “Vampiro” e “Maraca-                                                                                                                                                                acompanhar seu biografado,
tu atômico” conta como seus pa-                                                                                                                                                               que trouxe consigo seu habitual
rentes por parte de pai — um ju-                                                                                                                                                              parceiro, Nelson Jacobina.
deu austríaco, ex-oficial da cava-                                                                                                                                                               — E, como em todo docu-
laria austro-húngara — foram                                                                                                                                                                  mentário brasileiro que se pre-
executados em campos de con-                                                                                                                                                                  za, meu filme tem o Nelsinho
centração nazistas.                                                                                                                                                                           Motta. Só que aqui ele não dá
   — Mautner é um artista que                                                                                                                                                                 entrevista, aparece só em ima-
discute a moral em todas as                                                                                                                                                                   gem de arquivo, entrevistando
suas frases, um cara que apren-                                                                                                                                                               o Mautner — brinca Bial.
deu apenas três acordes e com                                                                                                                                                                    Mantendo em sigilo o projeto
eles construiu uma obra que gê-                                                                                                                                                               de um novo programa que apre-
nios como Caetano Veloso e Gil-                                                                                                                                                               senta para a Rede Globo em
berto Gil cultuam, mas cuja                                                                                                                                                                   2012, o cineasta exercita em
grandeza muita gente desconhe-                                                                                                                                                                “Jorge Mautner — O filho do Ho-
ce. Muita gente acha que “Mara-                                                                                                                                                               locausto” elementos da cartilha
catu atômico” é do Chico Scien-                                                                                                                                                               que aprendeu em seu ofício co-
ce, e não dele — diz Bial.                                                                                                                                                                    mo repórter, cobrindo o fim da
                                                                                                                                                                                              União Soviética, a unificação ale-
       Histórias em comum                                                                                                                                                                     mã e a Guerra do Golfo.
   O jornalista carioca de 53                                                                                                                                                                    — O melhor filme que eu vi
anos, encarregado desde 2002                                                                                                                                                                  sobre jornalismo é “O feitiço do
de apresentar o “Big Brother                                                                                                                                                                  tempo”, em que o Bill Murray é
Brasil”, não filmava desde o lan-                                                                                                                                                             um apresentador que fica preso
çamento de seu primeiro longa,         Cinema nunca mais.” E, logo em      gumento que reconciliou Bial            Mas aí lembrei que a história de-     diz Bial, que levou para “Jorge      no mesmo dia eternamente.
a ficção “Outras estórias” (1999),     seguida, em 2001, o “Fantástico”    com o desejo de filmar.                 le e a minha têm muito em co-         Mautner — O filho do Holocaus-       Aquele filme é uma metáfora pa-
baseada na literatura de Guima-        começou a sofrer uma perda de          — Conheci o Heitor D’Alin-           mum. Assim como ele, eu venho         to” o desejo de se comunicar         ra a rotina do jornalista, que por
rães Rosa. Visto por 21.515 pa-        audiência para o SBT, com a “Ca-    court, que foi músico do Maut-          de família estrangeira, com pai       com as plateias com o máximo         vezes deve cobrir a mesma pau-
gantes, o filme não arrebatou          sa dos artistas”. O império (a TV   ner, no lançamento do filme so-         judeu e mãe gentia. Como filho        de clareza. — Queria um filme di-    ta pela enésima vez. Mas a forma
nem a crítica nem o público.           Globo) contra-atacou compran-       bre o Fluminense que ele fez com        de estrangeiros, Mautner tem          dático, do qual as pessoas saiam     como você cobre faz a diferença
   — Pessoal e financeiramente,        do o “Big Brother”, e coube a       o André Barcinski (“Saudações           uma relação de amor cívico com        sabendo quem o Mautner é.            — diz Bial. — O que diferenciava
meu primeiro filme me deu um           mim apresentar. Eu, que vinha       tricolores”), quando eu havia           o Brasil que é contagiante. Ele          Na direção, ele seguiu um ca-     o documentário do jornalismo é
strike. As críticas não foram          de uma experiência de corres-       acabado de devorar as páginas           carrega consigo a gratidão do es-     minho atípico para o cinema do-      que o cinema documental tinha
ruins, mas foi decepcionante           pondente estrangeiro, falei para    de “O filho do Holocausto”. Ele         trangeiro. Eu fiquei atraído pela     cumental brasileiro: rodou todas     a questão da autoria declarada,
não ter conseguido me comuni-          classes com quem nunca tinha        me chamou para fazer um filme           ideia de, a partir do Jorge, discu-   as sequências, incluindo entre-      expressa em sua linguagem. Ho-
car com um público maior. Logo         falado — diz Bial.                  sobre o Jorge, e eu pensei: “Vou        tir a reinvenção do civismo, que      vistas e números musicais, em        je, com a internet, o jornalismo
depois do strike, pensei: “Chega!         Veio de seu codiretor o ar-      me meter em cinema de novo?”            foi confiscado pela ditadura —        estúdio. A direção de arte do        fica cada vez mais autoral. ■




Britney, em pessoa • Continuação da página 1                                                                                      FESTIVAL PANORAMA 20 ANOS


                                                                           O movimento entre refletores e reflexões
D
               a última vez           agora que estou mais velha,
               em que esteve          sou capaz de apreciar outros
               no Brasil, dez         sons, como jazz e blues —
               anos atrás, pa-        ilustra.
               ra o Rock in
               Rio, Britney
                                         E que música mais ouve
                                      Britney Spears hoje em dia?
                                                                           Coreógrafo e bailarino marroquino apresenta o espetáculo ‘Aléeff’ no CCBB
Spears guarda boas lem-                  — Não estou concentrada                                                                                                                                          Divulgação/Dimitri Tsiapkinis
branças. O que pode dizer             em um artista ou uma banda.                  Catharina Wrede
sobre o Rio?                          Gosto de escutar no rádio to-
                                                                               catharina.wrede@oglobo.com.br
   — Eu amo quando o Blu (a           dos os sucessos do momen-



                                                                           I
arara do filme “Rio”) tenta           to. E agora, em viagem pelo               magine um palco em que os
voar. Brincandeira. É que             mundo, tenho visto um boca-               refletores, em vez de esta-
meus filhos adoram esse fil-          do de MTV. Gosto de assistir              rem pendurados no teto,
me, assistimos a ele sem pa-          a clipes de artistas como (a              apontando para baixo, estão
rar. Eu me lembro de todas            cantora pop) Pixie Lott.             dispostos de frente para a boca
as pessoas, belas e gentis.                                                de cena, entre a plateia e a ence-
Por alguma razão, me vêm à                   Samba e quadris               nação. Este é o cenário de “Alé-
mente cores vivas — diz ela.            Alguma música brasileira?          eff”, espetáculo solo do coreó-
   Desde o Rock in Rio, muita           — Quando penso nela, eu            grafo e bailarino marroquino
água rolou. E muitas moças            me lembro logo do samba, e           Taoufiq Izeddiou, de 36 anos, que
vieram para disputar o filão          meus quadris começam a se            se apresenta hoje e amanhã no
de Britney: Christina Aguile-         mexer! — anima-se.                   Centro Cultural Banco do Brasil,
ra, Pink, Avril Lavigne, Lady           Referência do pop, Britney         às 19h30m, como parte da pro-
Gaga... Mas ela resistiu em           também brilha com as músi-           gramação do Festival Panorama,
cena. E, no dia 2, completa 30        cas que canta. Ano passado,          que este ano completa 20 anos.
anos de idade.                        elas renderam um episódio               Inspirado pelas oposições e
   — Na verdade, estou mui-           inteiro do seriado “Glee”. E         pelos extremos, como alto e bai-
to animada (com o aniversá-           circulam por aí as versões           xo, quente e frio, claro e escuro,
rio). Sinto-me feliz e sortuda        mais diversas de seus hits,          norte e sul, Izeddiou — fundador
com tudo o que conquistei             como “Toxic” (por Mark Ron-          da primeira companhia de dan-
pessoal e profissionalmente           son, Yael Naim), “...Baby one        ça contemporânea do Marrocos,
até agora. Daqui para a fren-         more time” (por Travis, Dres-        a Anania — brinca e se movi-
te, planejo relaxar mais e            den Dolls), “Womanizer”              menta em cena para questionar
passar mais tempo com os              (por Franz Ferdinand, Lily Al-       contradições político-sociais no           TAOUFIQ IZEDDIOU investiga contradições do mundo no seu solo, encenado hoje e amanhã, às 19h30m
meus filhos — diz.                    len), “Oops, I did it again”         no mundo, e especificamente
   E o que mudou para Brit-           (pela banda de metal Chil-           em seu país, o Marrocos.
ney Spears de 2001 pra cá?            dren of Bodom) e “Piece of              — É como um jogo. Gosto                 “Aléeff” — que nada tem a ver      der da claridade direta no rosto,    após um curso de expressão
   — Fora o fato de eu estar          me” (por Tricky). Mas ela            de abordar a temática da visi-          com “O aleph”, conto de Jorge         o bailarino põe diversos óculos      corporal em que estudou movi-
dez anos mais velha e de ter          tem outras preferências              bilidade e da invisibilidade to-        Luis Borges cujo nome é a pri-        escuros coloridos à la Kanye         mentos para uma peça de teatro
dois lindos meninos, pouca            quando se trata de se olhar          tal que alguns assuntos ou              meira letra do alfabeto hebraico,     West, um sobre o outro, enquan-      (“a dança me escolheu”, diz).
coisa mudou. Ainda amo can-           no espelho musical:                  pessoas têm — explica o co-             mas sim com a expressão “eu           to caminha trôpego pelo palco.       Crítico feroz da atual dança con-
tar e fazer shows.                      — Adoro ver meus fãs fa-           reógrafo, pela primeira no Rio          me viro”, em árabe — traz Ized-          — É como se as pessoas, na        temporânea, ele diz buscar refle-
   O entusiasmo pelo pop, ela         zendo covers das minhas can-         (mas segunda no Brasil; em              diou sozinho em cena. Ele dança       tentativa de querer ver tudo,        xão em tudo o que faz:
garante, permanece o mesmo            ções e colocando na internet.        2008, apresentou-se em São              iluminado apenas pelas luzes          se cegassem com tanta luz —             — Existem coreografias que
de quando era adolescente.            A maioria deles é realmente          Paulo). — A coreografia fala            dos refletores, que, ao mesmo         reflete o artista.                   merecem ser jogadas na lixei-
   — Claro. Meu primeiro              boa. Me faz sorrir saber quan-       muito da minha vida, uma pes-           tempo em que irradiam luz so-            Nascido em Marrakesh, cida-       ra. Para a dança evoluir, é pre-
amor vai ser sempre a músi-           to tempo e esforço eles colo-        soa que circula o tempo todo            bre seu corpo, o cegam literal e      de onde vive até hoje, Izeddiou      ciso ter um pensamento por
ca pop. Sou dançarina! Mas,           caram nesses vídeos. ■               entre a África e a Europa.              metaforicamente. Para se defen-       começou a dançar aos 19 anos,        trás. Se não, é vazio. ■

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Uma espiadinha no multimídia mautner

  • 1. Sábado, 12 de novembro de 2011 O GLOBO SEGUNDO CADERNO ● 3 Uma espiadinha no multimídia Mautner O jornalista Pedro Bial volta ao ofício de cineasta em documentário sobre o cultuado tropicalista de 70 anos Fábio Rossi Rodrigo Fonseca PEDRO BIAL palco, assinada por Gualter Pu- po, utiliza em suas paredes co- rodrigo.fonseca@oglobo.com.br e uma imagem de res e elementos que caracteri- I magens da Alemanha nazis- “Jorge Mautner — zam diferentes passagens da ta, com direito a registros da obra de Mautner. Bial relembra o juventude hitlerista saudan- O filho do primeiro hit do cantor — “Loco- do o Führer, reunidas pelo Holocausto”, que motiva”, na voz de Wanderléa cineasta Frank Capra (1897-1991) —, sua carreira literária — com na série documental “Why we espera lançar no “Deus da chuva e da morte”, de fight” (1942), abrem o filme que primeiro semestre 1962, laureado com o prêmio Ja- marca a volta de Pedro Bial à di- buti — e sua incursão pelo cine- reção de longas-metragens de- de 2012: o ma, com o longa-metragem “O pois de 12 anos. É essencial a apresentador do demiurgo”, de 1972. menção à Segunda Guerra Mun- — Há uma sequência em que dial para que se entenda a com- “BBB” regressa ao Jorge encara sua filha, a diretora plexidade do cantor, violinista, cinema 12 anos de TV Amora Mautner, e os dois escritor e compositor de 70 anos falam de psicanálise. Ela vira pa- retratado em “Jorge Mautner — após seu primeiro ra ele e pergunta: “Pai, por que O filho do Holocausto”, uma pro- filme, “Outras você faz análise?” E ele diz: “Por dução de cerca de R$ 800 mil pressão pública.” Ali, está a irre- que Bial dirige em parceria com estórias” verência dele — diz Bial. o músico Heitor D’Alincourt. A base do documentário, coprodu- Perfil contemporâneo zido pelo Canal Brasil e que deve Para realçar o perfil contem- ser lançado no primeiro semes- porâneo das letras de Mautner tre de 2012, é a autobiografia ho- cantadas no filme, ele convidou mônima publicada por Mautner os músicos Berna Ceppas, Kas- em 2006. Nela, o autor de can- sin e Domenico Lancelotti para ções como “Vampiro” e “Maraca- acompanhar seu biografado, tu atômico” conta como seus pa- que trouxe consigo seu habitual rentes por parte de pai — um ju- parceiro, Nelson Jacobina. deu austríaco, ex-oficial da cava- — E, como em todo docu- laria austro-húngara — foram mentário brasileiro que se pre- executados em campos de con- za, meu filme tem o Nelsinho centração nazistas. Motta. Só que aqui ele não dá — Mautner é um artista que entrevista, aparece só em ima- discute a moral em todas as gem de arquivo, entrevistando suas frases, um cara que apren- o Mautner — brinca Bial. deu apenas três acordes e com Mantendo em sigilo o projeto eles construiu uma obra que gê- de um novo programa que apre- nios como Caetano Veloso e Gil- senta para a Rede Globo em berto Gil cultuam, mas cuja 2012, o cineasta exercita em grandeza muita gente desconhe- “Jorge Mautner — O filho do Ho- ce. Muita gente acha que “Mara- locausto” elementos da cartilha catu atômico” é do Chico Scien- que aprendeu em seu ofício co- ce, e não dele — diz Bial. mo repórter, cobrindo o fim da União Soviética, a unificação ale- Histórias em comum mã e a Guerra do Golfo. O jornalista carioca de 53 — O melhor filme que eu vi anos, encarregado desde 2002 sobre jornalismo é “O feitiço do de apresentar o “Big Brother tempo”, em que o Bill Murray é Brasil”, não filmava desde o lan- um apresentador que fica preso çamento de seu primeiro longa, Cinema nunca mais.” E, logo em gumento que reconciliou Bial Mas aí lembrei que a história de- diz Bial, que levou para “Jorge no mesmo dia eternamente. a ficção “Outras estórias” (1999), seguida, em 2001, o “Fantástico” com o desejo de filmar. le e a minha têm muito em co- Mautner — O filho do Holocaus- Aquele filme é uma metáfora pa- baseada na literatura de Guima- começou a sofrer uma perda de — Conheci o Heitor D’Alin- mum. Assim como ele, eu venho to” o desejo de se comunicar ra a rotina do jornalista, que por rães Rosa. Visto por 21.515 pa- audiência para o SBT, com a “Ca- court, que foi músico do Maut- de família estrangeira, com pai com as plateias com o máximo vezes deve cobrir a mesma pau- gantes, o filme não arrebatou sa dos artistas”. O império (a TV ner, no lançamento do filme so- judeu e mãe gentia. Como filho de clareza. — Queria um filme di- ta pela enésima vez. Mas a forma nem a crítica nem o público. Globo) contra-atacou compran- bre o Fluminense que ele fez com de estrangeiros, Mautner tem dático, do qual as pessoas saiam como você cobre faz a diferença — Pessoal e financeiramente, do o “Big Brother”, e coube a o André Barcinski (“Saudações uma relação de amor cívico com sabendo quem o Mautner é. — diz Bial. — O que diferenciava meu primeiro filme me deu um mim apresentar. Eu, que vinha tricolores”), quando eu havia o Brasil que é contagiante. Ele Na direção, ele seguiu um ca- o documentário do jornalismo é strike. As críticas não foram de uma experiência de corres- acabado de devorar as páginas carrega consigo a gratidão do es- minho atípico para o cinema do- que o cinema documental tinha ruins, mas foi decepcionante pondente estrangeiro, falei para de “O filho do Holocausto”. Ele trangeiro. Eu fiquei atraído pela cumental brasileiro: rodou todas a questão da autoria declarada, não ter conseguido me comuni- classes com quem nunca tinha me chamou para fazer um filme ideia de, a partir do Jorge, discu- as sequências, incluindo entre- expressa em sua linguagem. Ho- car com um público maior. Logo falado — diz Bial. sobre o Jorge, e eu pensei: “Vou tir a reinvenção do civismo, que vistas e números musicais, em je, com a internet, o jornalismo depois do strike, pensei: “Chega! Veio de seu codiretor o ar- me meter em cinema de novo?” foi confiscado pela ditadura — estúdio. A direção de arte do fica cada vez mais autoral. ■ Britney, em pessoa • Continuação da página 1 FESTIVAL PANORAMA 20 ANOS O movimento entre refletores e reflexões D a última vez agora que estou mais velha, em que esteve sou capaz de apreciar outros no Brasil, dez sons, como jazz e blues — anos atrás, pa- ilustra. ra o Rock in Rio, Britney E que música mais ouve Britney Spears hoje em dia? Coreógrafo e bailarino marroquino apresenta o espetáculo ‘Aléeff’ no CCBB Spears guarda boas lem- — Não estou concentrada Divulgação/Dimitri Tsiapkinis branças. O que pode dizer em um artista ou uma banda. Catharina Wrede sobre o Rio? Gosto de escutar no rádio to- catharina.wrede@oglobo.com.br — Eu amo quando o Blu (a dos os sucessos do momen- I arara do filme “Rio”) tenta to. E agora, em viagem pelo magine um palco em que os voar. Brincandeira. É que mundo, tenho visto um boca- refletores, em vez de esta- meus filhos adoram esse fil- do de MTV. Gosto de assistir rem pendurados no teto, me, assistimos a ele sem pa- a clipes de artistas como (a apontando para baixo, estão rar. Eu me lembro de todas cantora pop) Pixie Lott. dispostos de frente para a boca as pessoas, belas e gentis. de cena, entre a plateia e a ence- Por alguma razão, me vêm à Samba e quadris nação. Este é o cenário de “Alé- mente cores vivas — diz ela. Alguma música brasileira? eff”, espetáculo solo do coreó- Desde o Rock in Rio, muita — Quando penso nela, eu grafo e bailarino marroquino água rolou. E muitas moças me lembro logo do samba, e Taoufiq Izeddiou, de 36 anos, que vieram para disputar o filão meus quadris começam a se se apresenta hoje e amanhã no de Britney: Christina Aguile- mexer! — anima-se. Centro Cultural Banco do Brasil, ra, Pink, Avril Lavigne, Lady Referência do pop, Britney às 19h30m, como parte da pro- Gaga... Mas ela resistiu em também brilha com as músi- gramação do Festival Panorama, cena. E, no dia 2, completa 30 cas que canta. Ano passado, que este ano completa 20 anos. anos de idade. elas renderam um episódio Inspirado pelas oposições e — Na verdade, estou mui- inteiro do seriado “Glee”. E pelos extremos, como alto e bai- to animada (com o aniversá- circulam por aí as versões xo, quente e frio, claro e escuro, rio). Sinto-me feliz e sortuda mais diversas de seus hits, norte e sul, Izeddiou — fundador com tudo o que conquistei como “Toxic” (por Mark Ron- da primeira companhia de dan- pessoal e profissionalmente son, Yael Naim), “...Baby one ça contemporânea do Marrocos, até agora. Daqui para a fren- more time” (por Travis, Dres- a Anania — brinca e se movi- te, planejo relaxar mais e den Dolls), “Womanizer” menta em cena para questionar passar mais tempo com os (por Franz Ferdinand, Lily Al- contradições político-sociais no TAOUFIQ IZEDDIOU investiga contradições do mundo no seu solo, encenado hoje e amanhã, às 19h30m meus filhos — diz. len), “Oops, I did it again” no mundo, e especificamente E o que mudou para Brit- (pela banda de metal Chil- em seu país, o Marrocos. ney Spears de 2001 pra cá? dren of Bodom) e “Piece of — É como um jogo. Gosto “Aléeff” — que nada tem a ver der da claridade direta no rosto, após um curso de expressão — Fora o fato de eu estar me” (por Tricky). Mas ela de abordar a temática da visi- com “O aleph”, conto de Jorge o bailarino põe diversos óculos corporal em que estudou movi- dez anos mais velha e de ter tem outras preferências bilidade e da invisibilidade to- Luis Borges cujo nome é a pri- escuros coloridos à la Kanye mentos para uma peça de teatro dois lindos meninos, pouca quando se trata de se olhar tal que alguns assuntos ou meira letra do alfabeto hebraico, West, um sobre o outro, enquan- (“a dança me escolheu”, diz). coisa mudou. Ainda amo can- no espelho musical: pessoas têm — explica o co- mas sim com a expressão “eu to caminha trôpego pelo palco. Crítico feroz da atual dança con- tar e fazer shows. — Adoro ver meus fãs fa- reógrafo, pela primeira no Rio me viro”, em árabe — traz Ized- — É como se as pessoas, na temporânea, ele diz buscar refle- O entusiasmo pelo pop, ela zendo covers das minhas can- (mas segunda no Brasil; em diou sozinho em cena. Ele dança tentativa de querer ver tudo, xão em tudo o que faz: garante, permanece o mesmo ções e colocando na internet. 2008, apresentou-se em São iluminado apenas pelas luzes se cegassem com tanta luz — — Existem coreografias que de quando era adolescente. A maioria deles é realmente Paulo). — A coreografia fala dos refletores, que, ao mesmo reflete o artista. merecem ser jogadas na lixei- — Claro. Meu primeiro boa. Me faz sorrir saber quan- muito da minha vida, uma pes- tempo em que irradiam luz so- Nascido em Marrakesh, cida- ra. Para a dança evoluir, é pre- amor vai ser sempre a músi- to tempo e esforço eles colo- soa que circula o tempo todo bre seu corpo, o cegam literal e de onde vive até hoje, Izeddiou ciso ter um pensamento por ca pop. Sou dançarina! Mas, caram nesses vídeos. ■ entre a África e a Europa. metaforicamente. Para se defen- começou a dançar aos 19 anos, trás. Se não, é vazio. ■