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ALANIS HITOMI ISHIHARA BRITO
ROTINAS DE PRODUÇÃO NO ECOSSISTEMA NO
JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL:
UMA ANÁLISE EM TORNO DO JORNALISTA ATIVISTA DO
MÍDIA NINJA
Londrina
2018
ALANIS HITOMI ISHIHARA BRITO
ROTINAS DE PRODUÇÃO E JORNALISMO PÓS-
INDUSTRIAL:
UMA ANÁLISE EM TORNO DO MÍDIA NINJA
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Departamento de Jornalismo
da Universidade Estadual de Londrina, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Comunicação Social –
Habilitação em Jornalismo
Orientador: Prof. Dr. Rodolfo Londero Rorato
Londrina
2018
ALANIS HITOMI ISHIHARA BRITO
ROTINAS DE PRODUÇÃO E JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL:
UMA ANÁLISE EM TORNO DO MÍDIA NINJA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Departamento de Jornalismo da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito parcial à obtenção do título de Bacharel
em Comunicação Social – Habilitação em
Jornalismo
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Orientador: Prof. Dr. Rodolfo Londero Rorato
Universidade Estadual de Londrina - UEL
____________________________________
Prof. Dr. André Azevedo da Fonseca
Universidade Estadual de Londrina - UEL
____________________________________
Prof. Dr. Michelle Moreira Braz
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Londrina, _____de ___________de _____.
Dedico este trabalho à Elza, guerreira,
merece todo o reconhecimento do
mundo por ocupar o cargo mais difícil
do mundo: ser mãe
AGRADECIMENTO (S)
Em 2013 fiz a decisão de escolher o curso de Jornalismo. Nos meus
altos 16 anos, fiz a decisão que marcaria meus próximos quatro anos. Nesses quatro
anos somadas a duas greves, uma sala de 17 alunos, dois congressos e uma
infinidade de conhecimento que nem imaginaria nos meus altos 16 anos. Esse
presente trabalho é a soma de tudo isso e mais um pouco.
Agradeço imensamente à minha mãe, Elza Yonamine, a quem dedico
esse trabalho. Não é fácil cuidar de três filhos sozinha nessa loucura de família que
temos e que amo de paixão. Obrigada por tudo.
Ao meu orientador, Rodolfo Londero Rorato, que conseguiu me aturar
desde as manhãs das quartas-feiras há exatos três anos. Foi você que deu aquele
empurrãozinho que fez me apaixonar por esse mundo doido acadêmico.
À Maria Vitória e Marina Gallo, que se esforçaram a ficar do meu lado
sempre: sem vocês o que seria o curso de jornalismo? Ao Gustavo Casado que desde
o segundo ano já me mostrou o poder da amizade.
E, por fim, aos professores do Curso de Comunicação Social –
Jornalismo, que fez-nos acreditar, como alunos que sim, o jornalismo está vivo e
somos o futuro dele.
“Jornalistas têm de ter lado, e o lado dos
jornalistas têm de ser o lado dos que mais
sofrem. Se me mandassem cobrir o tráfico de
escravos no século 18, eu jamais daria
destaque, no que escrevesse, à opinião do
capitão do navio mercador de escravos. Se me
mandassem cobrir a libertação num campo de
concentração nazista, eu não entrevistaria o
porta-voz da SS”.
Robert Fisk, jornalista do jornal britânico The
Independent
BRITO, Alanis H. I..Rotinas de produção e Jornalismo Pós-Industrial: uma
análise em torno do Mídia Ninja. 2018. 91 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo) – Universidade
Estadual de Londrina, Londrina, 2018.
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar o grupo Mídia Ninja e sua rotina de produção de
conteúdo no cenário das tecnologias digitais e na atual conjuntura de crise no
jornalismo. Para isso, retoma-se o debate sobre a origem da cibercultura, o termo
hacker e sua inserção na mídia radical e discute-se as relações entre ciberativismo,
midiativismo e jornalismo pós-industrial. Adentra-se no contexto histórico das teorias
do jornalismo, bem como a rotinização da notícia no âmbito industrial de sua origem
e no quadro do advento das tecnologias a partir do surgimento da internet na década
de 1980. A metodologia adotada é pesquisa bibliográfica, baseada na leitura de
autores como Lemos (2002), Castells (2012), Traquina (2012), Bruns (2011), Hanzen
(2013) entre outros, e a coleta de dados a partir das entrevistas feitas em dezembro
de 2017 e janeiro de 2018.
Palavras-chave: Teorias do Jornalismo. Rotinas jornalísticas. Produção de notícia.
Mídia Ninja. Jornalismo Pós-Industrial.
BRITO, Alanis.H. I.. Production routines and Post-Industrial Journalism: an
analysis around the Mídia Ninja. 2018. 91 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo) – Universidade
Estadual de Londrina, Londrina, 2018.
ABSTRACT
The objective of this thesis is to analyze the group Midia Ninja and its routine of content
production in the scenario of digital technologies and in the current crisis situation in
journalism. For this purpose, we resume the debate about the origin of cyberculture,
the term hacker and its insertion in the radical media and it is discussed the relations
between cyberactivism, media activism and post-industrial journalism. It is introduced
in the historical context of theories of journalism, as well as the routinization of the
news in the industrial scope of its origin and in the advent of technologies since the
emergence of the Internet in the 1980s. The methodology adopted is a bibliographical
research based on Lemos (2002), Castells (2012), Traquina (2012), Bruns (2011),
Hanzen (2013) among others, and the data collection from the interviews made in
December 2017 and January 2018.
Key words: Theories of Journalism. Journalistic routines. News production. Mídia
Ninja. Post-Industrial Journalism.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Jornal El Pais Brasil no Facebook com a ferramenta artigo instantâneo45
Figura 2 – Multidão de jovens em Brasília durante as Manifestações de 2013.......53
Figura 3 – Financiamento coletivo no site Catarse assinaturas...............................58
Figura 4 – Postagem do grupo na rede social Instagram........................................59
Figura 5 – Reunião do Mídia Ninja ..........................................................................64
Figura 6 – Foto de uma das reuniões do Mídia Ninja ..............................................64
Figura 7 – Site do The Guardian .............................................................................77
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................11
2 FUNDAMENTAÇÃO
2.1 CIBERATIVISMO E CULTURA HACKER...............................................................15
2.2 MÍDIA RADICAL .............................................................................................18
2.3 JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL .......................................................................20
3 PRODUÇÃO JORNALÍSTICA
3.1 TEORIAS DO JORNALISMO..............................................................................23
3.2 ROTINIZAÇÃO DO JORNALISMO.......................................................................33
3.3 ROTINA DE PRODUÇÃO NO JORNALISMO DIGITAL: NOVAS TEORIAS?...................42
4 ANÁLISE DESCRITIVA: ROTINA JORNALÍSTICA DO MÍDIA NINJA
4.1 GRUPO MÍDIA NINJA ......................................................................................50
4.2 ENTREVISTA E COLETA DE DADOS ..................................................................59
4.3 FAZENDO JORNALISMO INDEPENDENTE...........................................................61
5 REPRESENTAÇÃO DO FUTURO DO JORNALISMO? ..........................70
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................80
REFERÊNCIAS.........................................................................................84
ANEXOS ...................................................................................................91
11
1 INTRODUÇÃO
No século XXI, vivenciamos uma nova fase desse processo,
ocasionando transformações nas práticas sociais, na vivência do espaço urbano e na
forma de produzir e consumir informação. A cibercultura se torna onipresente,
estabelecendo uma rede que envolve usuários e objetos numa conexão generalizada,
não sendo mais o usuário quem se desloca até a rede, pois a internet é mais do que
um centro comunitário; de fato, ela cria a sua própria forma comunitária, uma nova
comunidade de super-conectados e de super-informados (LEMOS, 2002).
Atualmente, nossa sociedade está moldada pelo ambiente virtual e
regida por novas tecnologias, imersa num mundo midiático, onde todos estamos
interligados e conectados de alguma forma. Segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2014
(Pnad/IBGE), 95,4 milhões de brasileiros têm acesso à internet, o que corresponde a
54,4% das pessoas com 10 anos ou mais1. Só no Brasil, o comércio eletrônico
movimentou 13,60 bilhões de dólares (aproximadamente 43,40 bilhões de reais) em
20102. Segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, são 60 milhões de
computadores em uso, destes estima-se que 80,7% com acesso à internet somente
no ano de 2011.
A cibercultura, segundo Pierre Lévy, não é uma subcultura particular
ou a cultura de uma ou algumas “tribos”, mas, ao contrário, a cibercultura é a nova
forma de cultura (LÉVY apud LEMOS, 2002, p. 13). É o prolongamento da oralidade
e da escrita, uma cultura que surge a partir do uso da rede de computadores e de
outros suportes tecnológicos (como smartphones, populares atualmente), da
comunicação virtual, da indústria do entretenimento e do comércio eletrônico. É a
simulação do mundo pós-mídia (redes de computador, celulares, satélites, etc.), ou
seja, é produto da digitalização das mídias (LEMOS, 2002), da vinda de fluxos de
mensagens multimodal e bidirecional, em que o receptor se torna, também, um
emissor potencial. Portanto, essa cultura contemporânea é marcada pelas tecnologias
digitais, resultado da evolução da cultura moderna e da sociedade do espetáculo.
1 Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/04/internet-chega-pela-1-vez-mais-de-
50-das-casas-no-brasil-mostra-ibge.html>. Acesso em: 28 jul. 2017.
2 Pesquisa de acordo com a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas (EAESP).
12
Um dos principais teóricos brasileiros sobre a concepção da
cibercultura, André Lemos, contextualiza o desenvolvimento da cibercultura a partir
do surgimento da microinformática nos anos 1970, da convergência tecnológica e do
estabelecimento do personal computer (PC). Contudo, ela se consolidou nos anos
1980 e 90 com o surgimento da informática de massa e a popularização da internet,
ou seja, com a transformação do PC em um “computador coletivo”, conectado ao
ciberespaço – a substituição do PC pelo CC (LEMOS, 2002). Porém, a concepção da
cibercultura apresenta origens mais antigas, remetendo aos domínios científicos a
partir dos anos 1940, com a cibernética (1948), a inteligência artificial (1956), a teoria
da auto-organização e de sistemas (dos anos 1960), a tecnologia de comunicação de
massa (rádio, televisão e telefone) e a telemática (1950). Segundo Lemos,
embora a microinformática popular só surgisse em meados da década
de 70, precursores do que viria a ser a revolução da informática
pessoal (e do ciberespaço) começavam a pensar em tornar o
computador mais amigável desde os anos 40 (LEMOS, 2002, p. 109).
Castells (2003) compara a Internet com uma rede elétrica ou motor
elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o
domínio da atividade humana. Do mesmo modo que a distribuição de energia tornou
possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da
sociedade industrial, “a internet passou a ser a base tecnológica para a forma
organizacional da Era da Informação: a rede” (CASTELLS, 2003, p. 7).
Kerckhove (1995) faz uma investigação da nova realidade eletrônica
através das visões tecnopsicológica e psicotecnológicas em seu livro A Pele da
Cultura. Lá, discorre que a internet é, na realidade, um cérebro coletivo, que emite
sons quando o utilizamos.
A Internet vem de baixo, do subterrâneo, do subconsciente da
inteligência coletiva. Tal como o subconsciente, é constituída por mais
informação do que a que pode ser filtrada para um nível consciente. É
por isso que são necessárias cada vez maiores unidades de
processamento e distribuição (KERCKHOVE, 1995, p. 92).
Para Lévy (1999), a internet é vista como fonte promissora de
informações, ressaltando-se a perene transformação do ciberespaço, em que as
informações se multiplicam e atualizam-se de modo exponencial. Com a chegada do
13
ciberespaço, ele indica que “o computador não é mais um centro, e sim um nó, um
terminal, um componente da rede universal e calculante” (LÉVY, 1999, p. 44).
A interação homem-tecnologia tem evoluído a cada ano, e hoje, a vida
social contemporânea está transposta, de alguma forma, para as interfaces gráficas,
proporcionando uma interatividade comunicativa. A interatividade é a palavra-chave,
pois temos tudo ao nosso alcance através de redes interativas, como jogos, internet,
televisão, cinema, etc.
A tecnologia digital possibilita ao usuário interagir não apenas com o
objeto (a máquina ou a ferramenta), mas com a informação, ou seja, o conteúdo. E
esta interatividade afeta a relação entre computadores e ciberespaço de uma forma
ativa, baseada no princípio da simulação, permitindo até a comunicação inteligente
entre máquinas e objetos sem a mediação humana (marcada por objetos inteligentes,
agentes inteligentes, sistemas experts, etc.). Segundo Lemos, “a interatividade, seja
ela analógica ou digital, é baseada numa ordem mental, simbólica e imaginária, que
estrutura a própria relação do homem com o mundo” (LEMOS, 2002, p. 123).
Com base numa proposta de metodologia adotada na pesquisa
bibliográfica, os objetivos principais que nortearam o desenvolvimento do presente
trabalho, da exploração teórica à análise do objeto, foram retomar o debate sobre a
origem da cibercultura, rever o termo hacker e sua inserção na mídia radical, discutir
as relações entre ciberativismo, midiativismo e jornalismo pós-industrial, mapear o
contexto histórico da produção jornalística, bem como suas teorias, rotinas de
produção tradicionais do valor notícia e as rotinas de produção no cenário das
tecnologias digitais, para assim, adentrarmos na entrevista e análise do modelo
independente que prega o grupo Mídia Ninja.
O percurso da análise vai das considerações gerais produzidas sobre
o assunto dos primeiros anos do advento da internet, explorada massivamente por
teóricos como Lemos (2002), Lévy (1999, 2002, 2003). Para o levantamento de dados,
inicialmente partimos de uma pesquisa bibliográfica, além da consulta a livros,
pesquisas, teses, artigos, matérias jornalísticas, entre outros, com o propósito de
contribuir futuramente nos avanços de pesquisa nessa área.
Ao realizar a pesquisa junto ao objeto escolhido, utilizamos técnicas
qualitativas de coleta de dados como a entrevista semi-estruturada, bem como a
comparação das falas dos entrevistados e as citações de teóricos. Portanto,
analisaremos se o trabalho é resultante do novo jeito de praticar o jornalismo nas
14
esferas de participação, interatividade e ativismo discutido no decorrer do texto. Essa
pesquisa nos permitiu construir um conhecimento sobre o fazer prático dos agentes
do campo jornalístico e sobre aspectos que podem condicionar às ideias
disseminadas pelo relatório do jornalismo pós-industrial. Com isso, esperamos
contribuir para o avanço das reflexões no campo acadêmico, nas teorias do
jornalismo, na forma de produção e articulação da mídia jornalística.
15
2 FUNDAMENTAÇÃO
2.2 CIBERATIVISMO E CULTURA HACKER
“O futuro já chegou. Só não está distribuído de
forma equilibrada”
William Gibson
Para falarmos sobre a cultura hacker é preciso, primeiramente,
comentar sobre o ciberativismo. Com a expansão da internet, começaram a eclodir
diversos movimentos de ação direta, com práticas sociais e comunicativas
específicas, realizando novas formas de conflitualidades sociais. Neste
enquadramento, surge o ciberativismo. De origem estadunidense, é um conjunto de
práticas em defesa de causas políticas, socioambientais, sociotecnológicas e
culturais, realizadas nas redes cibernéticas, como a internet.
Inaugura-se, assim, um novo tipo de participação baseada na
construção de redes informativas pela difusão de informações na web
com objetivo de defesa dos recursos naturais e do ambiente, das
diversidades culturais das culturas indígenas, além do ativismo nos
territórios e na participação de fóruns mundiais contra o neoliberalismo
até as propostas da ONU (DI FELICE, 2013, p. 53).
O termo ciberativismo origina-se nos anos 1990, com o advento das
tecnologias digitais, e se manifesta através de diversos movimentos, além de
encontrar nas novas tecnologias de comunicação uma aliada para o fortalecimento de
sua organização. Desde seu surgimento, ao longo das transformações das
tecnologias de informação e comunicação, houve uma profusão de ações que
buscaram alcançar a interação para assim suprir suas demandas. Diante da mudança
da Web 1.0 para a Web 2.0, houve uma reconfiguração do termo ciberativismo, que,
nos últimos anos, delineia-se como uma forma intensiva de interação em rede entre
indivíduos, territórios e tecnologias digitais, designativa da conectividade
característica da ação social em e nas redes (DI FELICE, 2013).
Para o pesquisador Stephan Wray (1998), os ciber-historiadores do
futuro compreenderão o ano de 1998 como um grande marco devido ao surgimento
de duas importantes expressões do ciberativismo e das guerras de navegadores (the
browser wars): a desobediência civil eletrônica e o “hacktivismo”. Wray (1998)
16
descreve também que, no mesmo ano, na Grã-Bretanha, na Austrália, na Índia, na
China e em quase todos os continentes é possível encontrar relatos de hacktividade.
No livro The Hacker Crackdown: Law and Disorder on the Electronic
Frontier, Bruce Sterling (1992) conta sobre quando o sistema de comutação telefônica
de longa distância da AT&T caiu, em 1990. A rede de telefonia era o “parque de
diversões” de hackers, que geralmente eram phreaks3 também. Para ligarem sem
pagar e não serem rastreados, eles controlavam as centrais telefônicas e
grampeavam outros telefones. Para isso, os hackers começaram a desenvolver os
chamados boxes, dispositivos que emitiam tons usados para sinalização das linhas
telefônicas, como simular a colocação de moedas no telefone ou redirecionar uma
linha de um telefone para outro. Cada box realizava uma função diferente. Porém
alguns boxes possuíam defeitos e acabavam derrubando um tronco telefônico,
queimando sistemas. Devido a esses pequenos defeitos, as principais centrais de
comutação ficaram fora do ar, milhões de chamadas não podiam ser completadas,
porque as centrais que permaneceram ativas não conseguiam gerenciar o enorme
tráfego que estava a cargo delas. As causas da falha não foram esclarecidas: hackers
disseram que foi um bug do sistema, o governo americano afirma que os culpados
foram os hackers. A consequência gerou uma verdadeira inquisição: clãs (de hackers)
inteiros presos, BBS’s4 fechados e computadores apreendidos.
A definição original de hacker remetia a “um programador de
computador talentoso que poderia resolver quase qualquer problema muito
rapidamente, de modo inovador e utilizando meios não convencionais”. Entretanto,
esse termo foi colocado em disputa quando as redes informacionais adquiriram
importância econômica e social. Em um primeiro momento, os compromissos dos
hackers com a liberdade de informação e com o compartilhamento de códigos eram
vistos como negativos para a acumulação e lucratividade das grandes corporações
(SILVEIRA, 2010). Geralmente a matriz do pensamento hacker é moldada pelos
ditames da liberdade de informação: a informação, inclusive o conhecimento, não
deve ser propriedade de ninguém, e mesmo que seja, sua cópia não agride ninguém
devido à natureza intangível de seu conteúdo. Ou seja, a informação deve ser livre.
3 É o nome dado aos hackers de telefonia (Phone + freak ou Phreak). Os phreakers, no passado,
empregavam gravadores de fita e outros dispositivos para produzir sinais de controle, para então,
enganar o sistema de telefonia.
4 BBS é a sigla para Bulletin Board System. É um fórum da internet onde usuários podem trocar
informações ou discutir tópicos de interesse.
17
Julian Assange, fundador da Wikileaks, em seu livro Cypherpunks,
comenta que o potencial da rede mundial de computadores, como muitas tecnologias,
ainda está sendo descoberto e pouco explorado. Concomitantemente, seu rumo está
sendo definido pelo caminhar tecnológico e político, o que torna mais claro que a rede
é um espaço de disputa política.
Quando nos comunicamos por internet ou por telefonia celular, que
agora está imbuída na internet, nossas comunicações são
interceptadas por organizações militares de inteligência. É como ter
um tanque de guerra dentro do quarto. [...] Nesse sentido a internet,
que deveria ser um espaço civil, se transformou em um espaço
militarizado. Mas ela é um espaço nosso, porque todos nós a
utilizamos para nos comunicar uns com os outros, com nossa família,
como o núcleo mais íntimo de nossa vida privada. Então, na prática,
nossa vida privada entrou em uma zona militarizada. É como ter um
soldado embaixo da cama (ASSANGE, 2012).
Fundado em 2006, a organização ficou famosa em 2010 quando
publicou milhares de documentos secretos norte-americanos, supostamente vazados
pelo soldado Bradley Manning, que servia no Iraque. Como o próprio Assange pontua,
a Wikileaks é fruto da cultura cypherpunk5. Seu modo de fazer jornalismo é
revolucionário, pois expõe más condutas de governos, instituições e empresas, sem
se preocupar se uma empresa é anunciante ou credora ou se o governo é de direita
ou de esquerda.
A internet nasceu da improvável interseção da big science6, da
pesquisa militar e da cultura libertária (CASTELLS, 2003 p. 19). E os compromissos
dos hackers com a liberdade de informação e com o compartilhamento de códigos
eram vistos como negativos para a acumulação e lucratividade das grandes
corporações. Com isso, não evitou que essas grandes empresas monopolizem a
internet e centralizem de acordo com seus interesses.
Peter Sundue, co-fundador do Pirate Bay, maior plataforma de
torrents, disse em uma entrevista recente para o The Next Web7 que os usuários
5 Os cypherpunks surgiram nos anos 1990, na Califórnia (EUA), e são os pioneiros na criação de
espaços invisíveis na internet. Foram importantes no movimento em defesa da privacidade e
anonimidade online.
6 Big science refere-se às investigações científicas que envolvem projetos caros, geralmente
financiados pelo governo.
7 Disponível em: <https://thenextweb.com/eu/2017/06/09/pirate-bay-founder-weve-lost-the-internet-its-
all-about-damage-control-now/#.tnw_5JeJWGNQ>. Acesso em: 10 agost. 2017.
18
perderam o poder da internet, e que ele está nas mãos de grandes companhias.
Suedue afirma que agora está tudo centralizado e que ela serve apenas para os
desejos dessas grandes companhias.
Nós, como o povo, perdemos a internet para a sociedade capitalista.
Nós tivemos uma pequena abertura para uma internet
descentralizada, mas perdemos por sermos inocentes. Estas
companhias tentam soar como boas ao fazer isso, que elas estão “lhe
dando” algo. Como o Spotify, que te dá música e possui uma grande
paixão por música... E toda a Relação Pública que eles têm. Big Data
é como as grandes companhias de tabaco: nós não sabíamos como
elas eram perigosas, mas agora sabemos que elas dão câncer. Nós
estamos fumando nossas vidas em produtos de Big Data, e agora não
conseguimos parar (MAACK, 2017).
Lemos (2015) em “A crítica da crítica essencialista da cibercultura”,
aponta para os novos críticos da internet que mostram, através de uma perspectiva
essencialista, que a realidade das novas mídias do virtual estariam transformando o
mundo em um “parque de diversão” do liberalismo econômico. Críticos tais como
Evgeny Morozov (2012), que em seu livro The Net Delusion: The Dark Side of Internet
Freedom, argumenta que ela é uma ferramenta que tanto revolucionários e governos
autoritários podem usá-la. E que a cultura digital não passa de uma forma de
encantamento por um pensamento centrado na internet fazendo a fortuna e o apogeu
do neoliberalismo, tendo na ingenuidade e na ignorância das ciências políticas o seu
principal motor.
Jaron Lanier (2010) afirma que, no mundo da nova Web, os aplicativos
e tecnologias móveis, como tablets e celulares, não passam de um culto fetiche dos
gadgets, orientada mais pelo medo do que pelo amor, e que estamos nos distanciando
das pessoas e nos aproximando cada vez mais dos gadgets. Vale notar que, apesar
do aspecto essencialista de suas críticas, é interessante perceber como esses autores
apontam para o mesmo alvo, mostrando um certo mal-estar contemporâneo.
2.2 MÍDIA RADICAL
O hackativismo ganhou notoriedade, principalmente na mídia de
massas. Através da visibilidade proporcionada pela imprensa, o hackativismo trouxe
à tona assuntos “esquecidos” ou ocultos da sociedade, chamando atenção da
população para que ela reaja de alguma maneira. Devemos não somente destacar a
origem da cultura hacker a partir da internet, mas também do chamado foss (free and
19
open source software), comunidades de hackers que desenvolvem programas de
computador com o código de fonte aberto e com licenças de propriedade permissivas.
Tais programas permitem usar, copiar, estudar, melhorar e distribuir as mudanças
realizadas no software (SILVEIRA, 2010). Através desses eventos, podemos perceber
as conexões entre os objetivos dos hackers e os movimentos de mídia radical, onde
a informação deve ser livre, sem maquiagem (sem edição que modifique a notícia de
acordo com o interesse da corporação), e não ser transmitida apenas por um
oligopólio de mídia. Segundo John Downing (2002), a mídia radical ativista se volta
justamente para as experiências radicais fora de sua expressão industrial
hegemônica, dando voz às minorias subjugadas.
A internet representa, através do seu potencial democrático, uma
nova era para a mídia alternativa, pois proporciona a transmissão fácil de textos
simples, bem como uma série de formatos multimídia. Isto permitiu a distribuição de
conhecimentos e recursos em quase todos os lugares do mundo, fato até então
inédito. E pode ser um meio pelo qual a política torna-se participativa, seja regional ou
internacionalmente. O seu uso tem também impacto sobre o ativismo social e da
mídia.
É através das redes eletrônicas que os ativistas da mídia radical
possuem a oportunidade de expressar-se diretamente por meio da divulgação de
documentos na internet. A onipresença e a influência da mídia são geralmente
identificadas devido ao seu papel veiculador de valores, prioridades e perspectivas
hegemônicas. Porém, não se pode deixar de lado a forma marginal, alternativa,
autônoma e experimental da comunicação de massa, a mídia alternativa radical, que
são grupos de oposição em luta por transformações sociais. São por causa dessas
experiências radicais que a mídia radical é, às vezes, boicotada, hostilizada,
perseguida e até condenada à clandestinidade. Quando vinculadas a movimentos
sociais autênticos, as mídias radicais colocam em evidência o imenso potencial
estético, cognitivo, comunicativo e mobilizador dos meios massivos de expressão
(MACHADO, 2002, p. 10).
O termo cultura popular está concentrado na matriz da mídia radical
alternativa, e vale lembrar que a mídia é parte da cultura popular e da malha social
como um todo e não se encontra isolada, de modo ordeiro, em um território político
reservado e radical (DOWNING, 2002, p. 39). Hoje, esse tipo de mídia vai além do
uso radical das tecnologias, como rádio, vídeo e internet, mas inclui uma série de
20
atividades como o teatro de rua e os murais até a dança e a música. A mídia radical
não está interessada pela audiência, mas sim em propor ao seu público o debate, a
crítica e a ação.
Em primeiro lugar, a mídia radical expande o âmbito das informações
a partir da troca, do diálogo, aspecto no qual a mídia convencional perde por não
oferecer espaço às audiências. Em segundo lugar, ela frequentemente tenta ser mais
sensível do que a mídia convencional às vozes e aspirações dos excluídos, por ter
relação com os movimentos sociais ou com algum outro em formação. Normalmente,
é ela quem toma a dianteira na discussão de questões que só mais tarde receberão
atenção da mídia oficial. Em terceiro lugar, a mídia radical alternativa não precisa
censurar-se, pois não está submetido aos interesses do patrão e às leis de mercado
da propaganda. Os assuntos pautados muitas vezes saem da mídia radical para a
tradicional, o que possibilita um fluxo “inverso” do discurso, do menos para o mais
numeroso. Em quarto lugar, a mídia radical possui sua própria organização interna,
mais democrática e menos hierárquica (DOWNING, 2002).
É importante destacar, nesse contexto, a divergência entre
participação e interação nas redes sociais digitais. A mídia radical utiliza a ferramente
da internet como meio interativo dos participantes para praticar seu ativismo, mas é
alécomm das redes que exerce seu fundamento de participação ativa de seus
colaboradores, na rua, nos movimentos, expondo sua ideologia. A partir dessa
diferença que iremos aprofundar no objeto do estudo, o grupo Mídia Ninja, como se
dá sua interação e participação no ecossistema da rede.
2.3 JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL
A internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez,
a comunicação de muitos com muitos, num determinado momento, em escala global.
A influência das redes baseadas nela não se refere apenas ao número de usuários,
mas principalmente à qualidade de seu uso. Castells (2003) mostra como a não
compreensão da internet para além da esfera de disciplinas estritamente tecnológicas
toma a forma de profecias futurológicas baseadas na extrapolação simplista de
consequências sociais das tecnologias ou mesmo em distopias críticas, que
denunciam seus efeitos alienantes. Sobre os meios de comunicação, Castells
discorre:
21
A mídia, ávida por informar um público ansioso, mas carecendo da
capacidade autônoma de avaliar tendências sociais com rigor, oscila
entre noticiar o espantoso futuro que se oferece e seguir o princípio
básico do jornalismo: só notícia ruim é notícia. (CASTELLS, 2003, p.
9)
O jornalismo não está sabendo lidar com os avanços da capacidade
interativa da rede, de Web 2.0 por diante (já se configura a Web 5.08 em várias
instâncias da rede). O jornalismo é essencial, pois exerce um papel insubstituível tanto
em regimes democráticos como em economias de mercado. Porém muito do que se
produz hoje não passa de entretenimento ou diversão. Em um mesmo veículo, o
material produzido não precisa ser, necessariamente, dividido em notícias sérias e a
de futilidades. Mesmos cientes dessa diversidade, o hard news é o que distingue o
jornalismo de outra atividade comercial qualquer. Sempre existirá público para a
cobertura de esportes, fofocas de celebridades, jardinagem, etc. – mas não haveria
grande impacto para o país se toda essa atividade fosse feita por amadores ou
máquinas (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 33). O jornalismo em sua essência
faz diferença na cobertura de fatos importantes e reais, que contextualize a informação
de modo que chegue ao público e nele repercuta.
Deste modo, em 2012 foi lançado o relatório de pesquisa “Jornalismo
Pós-Industrial: Adaptação aos Novos Tempos”, do Tow Center for Digital Journalism
da Columbia Journalism School. O centro, estabelecido pela escola em 2010, procura
explorar como o desenvolvimento e surgimento das tecnologias está alterando o
jornalismo, suas práticas e consumo, por um público que tenta analisar a credibilidade
de informações que lhe são oferecidas em quantidades cada vez maiores, pelas mais
diversas fontes e transmitidas por diferentes plataformas. A pesquisa é dividida em
três partes: Jornalistas, Instituições e Ecossistema, e foi uma espécie de coroamento
dos primeiros anos de atividade do centro, pois o documento obteve enorme
repercussão assim que foi divulgado. Por meio de pesquisa e ensino, o centro vem
prestando auxílio a jornalistas, empresas jornalísticas e consumidores de jornalismo
para que eles possam compreender melhor e tentar entender os desafios desta época
8 Apesar da Web 4.0 ainda está em seu modo de desenvolvimento, há sinais bem claros da Web 5.0,
a rede sensorial-emotiva. A ideia é trazer sentimento às nossas interações com a rede. Ela interpretará
nossas emoções. Ao determinar nossas emoções, somando-se às tecnologias e conhecimentos
deixados pelas antecessoras, ao saber que estamos “tristes”, por exemplo, a web nos apontará os
melhores lugares com pessoas mais divertidas para nos animar. A Web 5.0 será, sem dúvida, mais
“afável” que as anteriores; e a mais manipuladora também (BENITO-OSORIO et al., 2013).
22
e suas perspectivas para o futuro.
Segundo os autores, no ecossistema do jornalismo pós-industrial, o
trabalho jornalístico é feito pela colaboração de amadores, multidões e máquinas.
Todos os indivíduos podem publicar; multidões ganharam força e os meios de
comunicação se tornaram sociais; e máquinas são usadas para possibilidades infinitas
abertas pela coleta de dados e o uso de algoritmos para organizá-los (ANDERSON;
BELL; SHIRKY, 2013). Essas mudanças fazem da velha fórmula de produzir notícia
um modelo que vem se desgastando há muito tempo. Em muitos acontecimentos de
relevância jornalística, é bem provável que a primeira descrição dos fatos seja feita
por um indivíduo munido por um aparelho celular, e não por um jornalista profissional.
Em casos como chacinas, desastres naturais, as observações iniciais já foram
concluídas. Como ocorreu em tantas outras mudanças no ramo do jornalismo, nesse
caso o jornalista também não foi substituído, mas sim transferido para um patamar
acima da cadeia editorial. Não cabe mais ao profissional registrar a primeira imagem,
mas em ser aquele que solicita a informação e, em seguida, filtra e contextualiza,
dando sentido ao que recebe. A “apuração de dados” é uma das principais qualidades
do ofício e é a função que serve de forma mais direta ao interesse público.
A disponibilidade de recursos, como fotos tiradas pelo cidadão
comum, não elimina a necessidade do jornalismo nem de jornalistas,
mas altera sua função. O profissional deixa de ser o responsável por
registrar a primeira imagem ou fazer uma observação inicial e passa a
ser aquele que solicita a informação e, em seguida, filtra e
contextualiza o que recebe. (...) essa multidão que pode ser
interrogada e utilizada para uma versão mais completa dos fatos ou
para a descoberta de coisas que seriam difíceis ou demoradas de
apurar com o modelo tradicional de reportagem. (ANDERSON; BELL;
SHIRKY, 2013, p. 44).
A “apuração de dados” é uma das principais qualidades do ofício,
sendo a função que serve de forma mais direta ao interesse público. Está no cerne do
jornalista, é aquilo que ninguém mais pode fazer. A importância desse trabalho revela
uma batalha travada em torno do jornalismo na última década e meia: a briga entre
blogueiros vs. jornalistas e o conflito sobre agregação de conteúdo vs. cobertura
própria.
23
3 PRODUÇÃO JORNALÍSTICA
3.1 TEORIAS DO JORNALISMO
Uma breve passada com os olhos pelos jornais diários, vê-se a vida
dividida e seções que vão desde o geral da sociedade, a economia, a ciência, a
educação, aos esportes, à arte, à cultura, à própria mídia (ao documentar televisão),
aos media, ao planeta e suas divisões, nacional, regional e internacional, ao essencial,
à vida. Livros, teorias e manuais sobre o jornalismo tentam definir e analisar as
notícias como tudo o que é importante e/ou interessante. Mas o que o jornalismo é,
seja um conjunto de histórias (da vida, da alegria, da tragédia), e construídas como se
fosse uma narrativa, os profissionais, pode-se dizer, interagem de uma forma
silenciosa com a sociedade por meio de limites demarcados pelos valores sociais que
regem fronteiras entre normal e anormal, legítimo e ilegítimo, aceitável e desviante
(TRAQUINA, 2012, p. 29).
Tais valores referem-se à ética e ao profissionalismo que o jornalista
carrega consigo. É uma construção da identidade profissional no campo jornalístico
que implica em definir “como ser jornalista e estar na profissão, é um ethos9
profissional” (TRAQUINA, 2012, p.100), permitindo que o grupo se localize
socialmente, diferenciando-se, por sua vez, de outros grupos profissionais. A
existência de padrões apropriados de conduta, ou seja, a existência de códigos
deontológicos é um fator importante na elaboração do processo de definição de
normas, deveres e valores básicos do jornalismo, “que sustentam de forma vigorosa
o aspecto virtuoso que os agentes do campo pretendem atribuir à atividade”
(OLIVEIRA, 2005, p. 28). Criação de manuais de redação, com seções voltadas para
uma formatação da postura do profissional de jornalismo e ética, é mais um exemplo
dessa reafirmação de valores e regras sobre os comportamentos considerados
adequados no campo.
Eles (as pessoas na ocupação) procurarão também definir e
possivelmente consegui-lo-ão, não apenas uma conduta apropriada,
mas até modos de pensar e de crer para todos individualmente e para
o corpo social e político com respeito a uma certa área alargada de
vida que creem estar no seu domínio ocupacional. (HUGHES, 1959
apud TRAQUINA, 2012, p. 199).
9 Identidade profissional, isto é, um ethos. É uma definição de uma maneira de como se deve ser
(jornalista) / estar (no jornalismo).
24
Segundo Traquina (2012, p. 31), poucas profissões e poucos
profissionais têm sido objeto de análises minuciosas intensivas ou de tantas críticas
quanto à profissão quanto o jornalismo e os jornalistas. Compreender porque as
notícias são como são - título dado por célebres teóricos como Nelson Traquina
(2012), Michael Schudson (1988) e Jorge Pedro Sousa (2002), além de objetos de
estudos, têm surgido diferentes teorias para explicá-las. É interessante refletirmos
sobre a evolução que essas diversas abordagens, ao longo dos anos, oferecem ao
jornalismo como um “espaço” aberto aos diversos agentes sociais.
Vale ressaltar que Sousa (2002) comenta que, para que uma teoria
científica seja construída, têm de existir dados suficientes para se poder enunciá-la
com veracidade e clareza. Uma teoria científica do jornalismo deve procurar integrar
os mais diversos fenômenos que enfatizem o resultado do processo de produção
jornalística: a notícia. Assim, uma teoria do jornalismo deve explicar o resultado (a
notícia) e seus efeitos, para remeter a uma universalidade da ciência. Contudo, uma
teoria do jornalismo, como qualquer outra teoria do campo científico, deverá manter
sua vigência enquanto não ocorrerem fenômenos que a contradigam, pois, o
conhecimento científico, que é construído, como qualquer outro tipo de conhecimento,
é “marcado pela possibilidade de refutação e, portanto, pela revisibilidade” (SOUSA,
2002).
O estudo do jornalismo constitui um campo científico que perpetua já
por várias décadas e, depois de tantos estudos nesse campo, é possível esboçar a
existência de várias teorias que tentam, ao menos na época da pesquisa, responder
à pergunta por que a notícias são como são. Traquina (2012) reitera que o termo
“teoria” ainda é discutível, pois pode significar apenas uma explicação que seja
plausível e interessante ao fato, e não um conjunto complexo elaborado e interligado
por princípios e proposições. Observa-se, também, que essas teorias não são
independentes uma da outra, ou seja, não são puras e não se excluem mutuamente.
Sousa (2002) afirma que a teoria do jornalismo deve ser vista
essencialmente como uma teoria da notícia, já que a notícia é o resultado desejado
do processo jornalístico de produção de informação. Entre outras palavras, segundo
o autor, a notícia é o fenômeno que deve ser explicado e previsto pela teoria do
jornalismo e, portanto, qualquer teoria do jornalismo deve esforçar-se por delimitar o
conceito de notícia.
25
A notícia é um artefato linguístico porque é uma construção humana
baseada na linguagem, seja ela verbal ou de outra natureza (como a
linguagem das imagens). A notícia nasce da interação entre a
realidade perceptível, os sentidos que permitem ao ser humano
“apropriar-se” da realidade, a mente que se esforça por apreender e
compreender essa realidade e as linguagens que alicerçam e
traduzem esse esforço cognoscitivo (SOUSA, 2002).
Com a criação da penny press, os jornais são encarados como um
negócio que pode gerar lucros, proporcional ao aumento das tiragens. Assim, com o
objetivo de fornecer informações e não propaganda, os jornais começam a oferecer
um novo produto: as notícias – cuja ideia central é a separação entre “fatos” e
“opiniões” (Traquina, 2012, p. 34). E é a partir desse período, durante o
desenvolvimento da imprensa enquanto atividade comercial e do nascimento do
chamado “jornalismo informativo” - novo modelo de jornalismo do século XIX, que
começou a se configurar as representações construídas no campo jornalístico.
Traquina (2012) defende que os jornalistas são, na verdade, participantes ativos no
processo de construção da realidade. Ou seja, as notícias são um resultado de um
processo de produção, definido como a percepção, somada à seleção e à
transformação de uma matéria-prima (os acontecimentos) num produto (as notícias).
É a partir desse modelo e do processo de profissionalização da
atividade que o jornalista começa a então, se revestir de uma série de valores e
representações sobre seu ideal profissional. Os jornalistas constroem seu discurso
identitário para estabelecer um sentido de vinculação com a profissão, que dá sentido
e orienta o seu papel na sociedade, trazendo aos indivíduos reconhecimento social
(OLIVEIRA, 2005, p. 16). Stuart Hall et al. (2002) escrevem que
Então, quando os eventos são atraídos pela mídia para quadros de
significado e interpretação, assume-se que todos nós possuímos e
sabemos como usar essas estruturas, e que elas são derivadas
fundamentalmente das mesmas estruturas de compreensão para
todos os grupos sociais e públicos. (HALL et al., 2002, p. 55-56,
tradução minha).10
Utilizando a sistemização já consolidada e seguindo estudos de
10
No original, em língua inglesa: “So that, when events are ‘maped’ by the media into frameworks of
meaning and interpretation, it is assumed that we all equally possess and know how to use these
frameworks, and that they are drawn from fundamentally the same structures of understanding for all
social groups and audiences”.
26
Traquina (2012) e Sousa (2002), há de se considerar várias "teorias" de tendência
divisionista que podem ser esquematizadas em linhas gerais com seus respectivos
pontos centrais:
1. Teoria do espelho – Primeira teoria e a mais antiga, as notícias são
como são porque a realidade assim as determina, ou seja, uma transmissão não
expurgada da realidade. O jornalista, com base nesta explicação, seria um agente que
não possui interesses específicos a defender e que o desviam de sua missão de
informar, somente procurar a verdade e contar o que aconteceu. Em desuso pela
academia, segue sendo o senso comum dentro das redações jornalísticas. Por ser
antiga, é uma explicação ainda pobre e insuficiente, sem qualquer intuito de pôr em
causa a integridade dos jornalistas.
2. Gatekeeping – as notícias são resultado de uma seleção de
acontecimentos, com base nas opções particulares de cada jornalista, ou seja, dá
ênfase à percepção e seleção individual do jornalista, caracterizando a seleção como
subjetiva e decorrente dos valores do jornalista/selecionador. Publicado em 1950 por
David Manning White, baseia-se numa pesquisa sobre a atividade de um jornalista
num jornal de porte médio norte-americano, Mr. Gates, que anotou por uma semana
os motivos que o levaram a rejeitar as notícias que não publicou. Na perspectiva do
gatekeeper, o processo de produção de notícia é concebido por uma série de escolhas
onde tem de passar por diversos portões. Por analisar as notícias apenas a partir de
quem produz, ou seja, as notícias são apenas produtos da experiência, atitude do
jornalista, trata-se de uma Teoria da Ação Pessoal (SCHUDSON, 1988). De certa
maneira, é uma teoria que privilegia uma abordagem micro-sociológica, no nível do
indivíduo, ignorando quaisquer fatores macro-sociológicos como a organização
jornalística, (Traquina, 2012, p. 153), portanto, ainda uma visão limitada do processo
de produção de notícias.
3. Teoria organizacional – Essa teoria amplia um pouco mais a
perspectiva teórica, do âmbito individual ao organizacional jornalístico – um nível mais
vasto. Forte nos anos 1960, a partir do estudo seminal de Warren Breed (1955),
Controle social da redação: uma análise funcional, onde o autor sustenta que o
jornalista se molda na política editorial da empresa do que a qualquer crença que
carregue com si, através de uma sucessão sutil de recompensa e punição. Assim, na
teoria organizacional, a ênfase recai na notícia como resultado dos condicionantes
organizacionais, como as “hierarquias, as formas de socialização e aculturação dos
27
jornalistas, a rede de captura de acontecimentos que o órgão jornalístico lança sobre
o espaço, os recursos humanos e financeiros desse órgão, a respectiva política
editorial, etc.” (SOUSA, 2002). Breed ainda conclui que a linha editorial da
organização é geralmente seguida, e a fonte de recompensas do jornalista não se
localiza com os seus leitores, mas sim entre os seus colegas e superiores. “Em vez
de aderir as ideias sociais e profissionais, o jornalista redefine os seus valores até o
nível mais pragmático do grupo redatorial (Traquina, 2012, p. 159).
4. Teoria da ação política – Na nova fase de investigação dos estudos
de Jornalismo a partir da década de 1970, alargou o âmbito de suas preocupações do
nível do indivíduo, ao nível organizacional, ao nível comunidade profissional
(TUCHMAN, 1991 apud TRAQUINA, 2012). Segundo essa teoria, as notícias
distorcem a realidade, face aos interesses políticos dos agentes sociais, embora
pudessem ser o seu espelho. A relação entre o jornalismo e a sociedade, pende sobre
“as implicações políticas e sociais da atividade jornalística, o papel social das notícias
e “a capacidade do Quarto Poder em corresponder às enormes expectativas em si
depositadas pela própria teoria democrática” (TRAQUINA, 2005, p.163). Sousa, em
sua releitura de Traquina (2012), aponta:
Há duas versões desta "teoria". Uma delas afirma que as notícias são
dissonantes da realidade porque os jornalistas, sem autonomia, estão
sujeitos a um controle ideológico e mesmo conspirativo que leva os
media noticiosos a agirem como um instrumento ao serviço da classe
dominante e do poder. Por isso, para esses teóricos as notícias dão
uma visão direitista, liberal e conservadora do mundo e contribuem
para a sustentação do status quo. A outra versão sustenta que os
media noticiosos são instrumentos da ideologia dos jornalistas. Estes
são vistos como quase totalmente autónomos em relação aos diversos
poderes. As notícias seriam enviesadas da realidade porque reflectem
as convicções ideológicas e políticas dos jornalistas e as suas
ideologias profissionais. Como os jornalistas, para esses pensadores,
são maioritariamente de esquerda, as notícias tendem a privilegiar
uma visão esquerdista do mundo (SOUSA, 2002, p.4-5).
Assim, nas teorias de ação política, os media noticiosos são
estudados de uma forma instrumentalista. Seja de esquerda ou direita, esses pontos
de vistas defendem a posição de que a notícia serve os interesses políticos, ou seja,
são distorções sistemáticas que privilegiam certos agentes sociais.
5. Teoria construcionista- Oposta à Teoria do Espelho, esta linha de
investigação argumenta que é impossível os media noticiosos simplesmente refletirem
28
à realidade através das notícias, pelo simples fato de que as próprias notícias ajudam
a construir a própria realidade. Defendem também que não existe uma lingaugem
neutra nas notícias, pois elas são histórias que resultam de um processo de
construção, linguística, organizacional, social, cultural. Segundo Sousa (2002), as
rotinas são vistas como o resultado de um esforço organizacional para assumir uma
vantagem estratégica.
Todavia, numa tentativa de resguardar sua legitimidade profissional,
os jornalistas ainda resistem em aceitar a definição de notícia como construção - ao
paradigma da construção, de referir às notícias como histórias. A partir disso, Stuart
Hall (1984) aponta:
Sabe, eles (os jornalistas) dizem: “há um acontecimento; quer dizer
alguma coisa. Quem quer que lá esteja vai perceber o que é que isso
significa. Tiramos fotos. Escrevemos um relato. Transmitimos tão
autenticamente quanto possível através dos media, e a audiência verá
e perceberá o que aconteceu”. Assim que você disser, “mas as
pessoas têm interesses em diferentes versões desse acontecimento,
e que qualquer acontecimento pode ser construído nas mais diversas
maneiras e que se pode ser feito para significar as coisas de maneira
diferente, ” isso (afirmação) de certo modo ataca ou mina seu sentido
de legitimidade profissional, e eles (jornalistas) resistem bastante à
noção de que a notícia não é apenas um relato, mas uma
construção”11
(HALL, 1984, p. 4, tradução minha).
A partir dos anos 1960 e 1970, emergem duas teorias que também
partilham esse novo paradigma de notícias como construção social: a Teoria
Estruturalista e a Interacionista – elas são complementares entre sim, porém divergem
em certos pontos importantes. Ambas rejeitam a teoria do espelho e pontuam que as
notícias são resultadode processos complexos de interação do jornalista, não apenas
na organização à qual pertencem, como era defendido na Teoria Organizacional, de
Breed, mas entre jornalistas e as fontes de informação, os jornalistas e a sociedade,
entre os membros da comunidade profissional, seja dentro ou fora da organização.
6. Teoria Estruturalista – Sousa (2002, p. 5) resume a teoria segundo
11 No original, em língua inglesa: “You know, they say, “There is na event: it means something.
Anybody who’s there would understand that’s what it means. We take pictures of it. We write of it. We
write an account of it. We transmit it as authentically as possible through the media, and the audience
will see it and understand what went on”. And as soon as you say, “But people have interests in
different versions of that event, and any one event can be constructed in a number of different ways,
and be made to mean things differently,” that somehow attacks or undermines their sense of
professional legitimacy, and they very much resist the notion that news is not just an account, but a
construction.”
29
seus defensores:
[...] as notícias são um produto socialmente construído que reproduz
a ideologia dominante e legitima o status quo. Isto acontece porque os
jornalistas e os órgãos de comunicação social têm uma reduzida
margem de autonomia, cultivam uma cultura rotinizada e
burocratizada e estão sujeitos ao controle da classe dominante,
proprietária dos meios de comunicação, que vincula os media às suas
(primeiras) definições dos acontecimentos.
Assim como a Teoria de Ação Política, é uma outra teoria macros-
socióloga, e concorda que o papel da mídia reproduz a ideologia dominante, porém
diverge desta por reconhecer a “autonomia relativa” dos jornalistas em relação a um
controle econômico direto, mas (Traquina, 2012, p. 176-177). Ou seja, os valores
notícias são elementos largamente partilhados entre os diferentes meios de
comunicação, sendo determinantes na socialização profissional, prática e ideológica
dos jornalistas.
Em seu livro “The social production of news: Mugging in the media”,
Hall e seus coautores esclarecem que os aspectos do processo de construção da
notícia envolvem a identificação (exemplo, nomeação, definição e referências a outros
eventos ao público12) e contextualização de acontecimentos (atribuído a um contexto
social, dentro de um quadro de significados familiar para o público) onde mapas
culturais de significado do mundo social são acionados pelos jornalistas a partir das
suas percepções consensuais sobre a sociedade. É pelos mapas que os jornalistas
buscam tornar os acontecimentos significativos e inteligíveis. Assim, o jornalismo
também oferece, em suas narrativas, interpretações acerca dos fatos que relata.
Os media, segundo esse pensamento, contribuem para a hegemonia
ideológica, e para justificar tal perspectiva, Hall et al. apontam a relação estrutural
entre os media e os chamados definidores primários (primary definers). Nesta lógica,
as fontes do tipo oficial, de caráter institucional, é que tendem a comandar a
interpretação das notícias, estabelecendo os termos de referência do restante da
cobertura jornalística. (Hall et al., 1973, p. 54-59)
Então, para os defensores desta teoria, os media não se limitam a
12 Aqui, na colocação do autor refere-se à audiência/ espectador do veículo no qual o jornalista
trabalha.
30
criar as notícias, nem a transmitir a ideologia da classe dominante13. Aliás, segundo
os próprios autores, os media não são frequentemente os primary definers:
A mídia não "cria" simplesmente a notícia; nem simplesmente
transmite a ideologia da "classe dominante" de forma conspiradora.
Na verdade, sugerimos, em um sentido crítico, que a mídia geralmente
não é o "definidor primário" das notícias; mas a sua relação
estruturada com o poder tem o efeito de fazê-los desempenhar um
papel crucial, mas secundário, na reprodução das definições de quem
tem acesso privilegiado, de direito, à mídia como "fontes
credenciadas". Deste ponto de vista, no momento da produção de
notícias, a mídia está em posição de subordinação estruturada aos
definidores primários14
(HALL et al., 1973, p. 59, tradução minha).
7. Teoria Interacionista- Para esta teoria, os jornalistas vivem sob a
tirania do fator tempo. O seu desafio cotidiano é ter de elaborar um produto final, seja
notícia, jornal, telejornal, ou seja, trabalhar sob o deadline. As notícias também são
um processo de construção social, (produto de um processo de percepção, seleção e
transformação de acontecimentos), realizado por profissionais relativamente
autônomos, que compartilham uma cultura comum e sujeitam-se aos
“constrangimentos organizacionais, os enquadramentos e narrativas culturais que
governam a expressão jornalística, as rotinas que orientam e condicionam a produção
de notícias, os valores-notícia e as negociações entre jornalistas e fontes de
informação.” (SOUSA, 2002, p.5).
É visível que as teorias acima sintetizadas não apresentam fronteiras
muito bem definidas. Autores como Sousa (2002) e Schudson (1988) estejam entre
os defensores de que as teorias unidimensionais não conseguem explicar as notícias,
propondo então uma teoria unificada, sistematizadora.
8. Teoria unificada do jornalismo - Alguns estudiosos acreditam na
existência de conhecimento suficiente para se edificar uma teoria do jornalismo, outros
não. Nesse trabalho, resumiremos a teoria de Sousa (2002, 2004), defensor da
13 Devido ao seu marxismo, Hall et al.precisam explicar como esse papel ideológico dos media é a
continuição do sistema capitalista, isto é, a forma como os media asseguram a “ideologia dominante”
(Traquina, 2012, p.179).
14 No original, em língua inglesa:“The media, then, do not simply 'create' the news; nor do they simply
transmit the ideology of the 'ruling class' in a conspiratorial fashion. Indeed, we have suggested that, in
a critical sense, the media are frequently not the 'primary definers' of news events at all; but their
structured relationship to power has the effect of making them play a crucial but secondary role in
reproducing the definitions of those who have privileged access, as of right, to the media as
'accredited sources'. From this point of view, in the moment of news production, the media stand in a
position of structured subordination to the primary definers” (grifo do autor).
31
criação de uma teoria unificada do jornalismo e caso aconteça alguma contradição da
teoria, que seja, eventualmente, revista e substituída. Sousa acredita que uma teoria
científica deve ser “formulada de maneira breve, simples, clara e, se possível,
matematizada” (Sousa, 2002, p. 10). Ainda, segundo o autor, a teoria do jornalismo
deve explicar como surge, como se difunde e quais os efeitos que gera o produto
jornalístico (notícia).
De acordo com os resultados de pesquisas realizadas no campo dos
estudos jornalísticos, como Sousa (2002), Shoemaker e Resse (1996) e Shudson
(1988), Sousa (2002) percebeu dois pontos sobre as notícias:
A teoria unificada da notícia de Sousa tem o seguinte enunciado: a
notícia é o resultado da interação simultaneamente histórica e
presente de forças de matriz pessoal, social (organizacional e extra
organizacional), ideológica, cultural, do meio físico e dos dispositivos
tecnológicos, tendo efeitos cognitivos, afetivos e comportamentais
sobre as pessoas, o que por sua vez produz efeitos de mudança ou
permanência e de formação de referências sobre as sociedades, as
culturas e as civilizações (SOUSA, 2002, p. 10).
Sousa transformou os dois pontos acima em duas funções
interligadas num sistema:
N = f (Fp.Fso.Fseo.Fi.Fc.Fh.Fmf.Fdt) 15
En = f (Nf.Nc.P.Cm.Cf.Cs.Ci.Cc.Ch)16
A primeira equação (em que Notícia (N) é Função (F) de várias forças)
mostra que a notícia é produto de um processo histórico e presente da interação de
várias forças (pessoal, social, ideológica, cultural, meio físico em que são fabricadas,
dispositivos tecnológicos usados no seu processo de fabrico e difusão, histórica). A
segunda equação17 (Efeitos da Notícia (En) são Função (F) de diversas variáveis)
15 Segundo o autor da formulação da teoria, a tradução matemática da fórmula diz respeito que a
construção da notícia é uma função em que N (notícia) é diretamente proporcional ao produto das
forças: pessoal (Fp), sócio-organizacional (Fso), extra-organizacional (Fseo), ideológica (Fi), cultural
(Fc), histórica (Fh), do meio físico (Fmf) e dos dispositivos tecnológicos (Fdt).
16 Nesta fórmula, os Efeitos da Notícia (En) é diretamente proporcional ao produto das funções que
seriam: formato de notícia (Nf), conteúdo da notícia (Nc), pessoa (P), circunstância: meio de difusão
da notícia (Cm), circunstância: condições físicas de recepção da notícia (Cf), circunstância: sociedade
(Cs), circunstância: ideologia (Ci), circunstância: cultura (Cc), circunstância: história (Ch).
17 Em seu trabalho posterior, “Construindo uma teoria multifactorial da notícia como uma teoria do
jornalismo” de 2004, Sousa dividiu essa segunda fórmula em duas sem alterar o conteúdo.
32
evidencia os efeitos de uma notícia, ou seja, dependem da própria notícia, da pessoa
que a consome, das circunstâncias que a pessoa a recebe.
O pesquisador enfatiza que ainda “é possível explicar qualquer notícia
em função da interação dessas forças e prever que qualquer notícia que venha a ser
enunciada e fabricada dentro do sistema jornalístico resultará igualmente da interação
dessas forças” (SOUSA, 2014, p. 42).
9. Newsmaking, Responsabilidade Social, Agendamento- Fortalecido
nas décadas mais recentes, a perspectiva do newsmaking possui uma abordagem
mais sociológica do jornalismo e que parte do reconhecer a existência de condições
na seleção e na construção dos acontecimentos a serem narrados para definir o
produto do jornalismo (notícia). A Teoria do Newsmaking tem, entre seus principais
sistematizadores, Mauro Wolf (2010), Nelson Traquina (2001, 2005, 2008) e o norte-
americano Gaye Tuchman (1978). Por esta visão, o Jornalismo “está longe de ser o
espelho do real. É, antes, a construção de uma suposta realidade” (PENA, 2010,
p.128). Nessa abordagem, a notícia em seu estado final seria resultado da negociação
entre vários, de certa forma, gatekeepers, que, a despeito de suas inevitáveis
subjetividades individuais, atuariam com base em critérios profissionais de
noticiabilidade. Esses critérios variam de cada agente social, podemos citar: grau e
nível hierárquico das pessoas envolvidas no fato; impacto sobre a nação e interesse
nacional; proximidade do acontecimento; quantidade de pessoas que o acontecimento
envolve; novidade; inesperado; personalização; infração; feitos excepcionais;
interesse público, etc. Tal papel de selecionar o conteúdo dos noticiários, demonstra
o papel da imprensa que representa de forma desigual os grupos sociais, refletindo
apenas uma aparente polifonia nas páginas dos jornais. As fontes oficiais e
institucionais, que mantêm uma relação próxima com a mídia, são mais facilmente
representadas no conteúdo do noticiário (OLIVEIRA, 2005, p. 81).
A Teoria da Responsabilidade social é um preceito romantizado e caro
no campo jornalístico. Nessa perspectiva, os jornalistas são vistos como “cães de
guarda da sociedade” (watchdog journalism) dos poderes instituídos (Legislativo,
Executivo e Judiciário). Como cão de guarda, o profissional da imprensa teria “uma
espécie de “missão cívica” (“heroica”) a desempenhar” (SOUSA, 2002a, p. 87). A
importância do trabalho do jornalismo de investigar, descobrir as irregularidades do
governo e através de denúncias, torná-las públicas à sociedade, reforça as
representações sociais que classificam o jornalista como corregedor dos desvios, cão
33
de guarda e vigilante responsável pela cobrança do bom desempenho dos órgãos e
poderes instituídos (OLIVEIRA, 2005, p. 111).
A mitologia jornalística coloca os membros desta comunidade
profissional no papel de servidores do público que procura saber o que
aconteceu, no papel de “cães de guarda” que protegem os cidadãos
contra os abusos do poder, no papel de “Quarto Poder” que vigia os
outros poderes, atuando doa a quem doer, no papel mesmo de herói
do sistema democrático (Ungaro, 1992), tão bem projetado e, por
diversas formas, no imaginário coletivo no espaço público
democrático, e sobretudo em diversos filmes em que a magia do
cinema oferece uma constelação de símbolos e representações da
mitologia jornalística (TRAQUINA, 2004, p.87).
Outro enfoque das teorias do jornalismo é a agenda setting ou Teoria
do agendamento. O conceito toma forma com os trabalhos apresentados por
McCombs e Shaw em 1972. De acordo com o agendamento, as pessoas têm
tendência para incluir ou excluir de seus próprios conhecimentos aquilo que a mídia
inclui ou exclui do seu próprio conteúdo (CASTRO, 2012, p 6). A mídia estrutura a
realidade social para o público, organiza novos elementos dessa mesma imagem para
formar opiniões e crenças novas.
Apesar do surgimento de tecnologias, especialmente nos anos mais
recentes, como a internet, banda larga e conexão sem fio (especialmente o sistema
Wi-Fi18, disponível inclusive na grande maioria dos dispositivos móveis), em que os
cidadãos podem acessar diretamente a inúmeros documentos, as previsões sobre o
futuro do jornalismo parecem prematuramente errôneas - a chegada do cibermedia
pode reforçar o papel do jornalismo e do jornalista nas sociedades contemporâneas,
como falaremos mais adiante.
3.2 ROTINIZAÇÃO DO JORNALISMO
“As notícias não são o que aconteceu, mas
uma história sobre o que aconteceu”
Robert Darton
Ser jornalista ainda atrai muitos jovens apaixonados, idealistas, gente
18
Dispositivo de rede local sem fio.
34
que é curiosa, indagadora - que se perguntam se há uma solução para salvar o
mundo, pessoas que se sentem realizadas de informar e trazer em primeira mão a
informação à sociedade. Ciente de suas características, direitos, deveres, e também
conscientes de suas lutas e esperanças, os aspirantes desejam a carreira por estar
representando uma profissão desburocratizada, onde não há rotina e onde o
inesperado sempre acontece. E dentro de toda essa representação do que é estar na
profissão de jornalista, é razoável admitirmos que tal reprodução é romantizada. O
jornalista, homem, sendo retratado como um tipo intelectual e boêmio que vive de café
e intensos tragos de cigarro na redação, ou mesmo o jornalista enquanto herói.
Essa visão mudou significativamente nas redações de hoje, marcadas
cada vez mais pelo compasso industrial (OLIVEIRA, 2005, p. 56). A profissão,
podemos afirmar, ainda tem laços muito fortes ligados em uma visão mais romântica,
quando os discursos profissionais do que é ser jornalista ou quando tentam defini-la
carregam uma aura militante e aquele desejo de mudar o mundo. Vemos claramente
esse discurso do jornalista húngaro, Joseph Pulitzer (1904), criador do Prêmio
Pulitzer19, maior prêmio de jornalismo norte-americano, quando define o que é um
jornalista:
Um jornalista é o vigia da ponte de comando do barco do Estado. Ele
percebe uma vela que passa, as pequenas coisas interessantes que
pontuam o horizonte quando o tempo está bom. Ele avisa sobre o
nadador à deriva que o navio pode salvar. Perscruta através da neblina
e da tempestade para avisar dos perigos adiante. Está ali para zelar
pela segurança e pelo bem-estar das pessoas que nele confiam
(PULITZER, 1904).
Jornalistas consagrados no campo jornalístico como Marcelo Canella,
ditam o papel do jornalista para participantes do Globo Lab20 Profissão Repórter na
edição de 2017: “Nosso papel é importante para jogar luz em temas obscurecidos pela
visão cansada das pessoas e pela ideia que o inaceitável pode ser aceito. Mas o que
19 Prêmio norte-americano outorgado a pessoas que realizem trabalhos de excelência na área do
jornalismo, literatura e composição musical. É administrado pela Universidade de Colúmbia, em Nova
Iorque (EUA). Foi criado em 1917 por Joseph Pulitzer que, na altura da sua morte, deixou dinheiro à
universidade. Parte do dinheiro foi usada para começar o curso de jornalismo na universidade no ano
de 1912. O Prêmio Pulitzer é anunciado sempre em abril e os indicados são escolhidos por uma
banca independente.
20 Segundo o próprio site da emissora, o Globo Lab “é um laboratório de ideias promovido pela rede
Globo para fomentar a inovação, identificar talentos criativos e fortalecer o relacionamento com a
nova geração de produtores de conteúdo e influenciadores digitais”. Todo ano o laboratório seleciona
jovens para atividades de cocriação e desenvolvimento de projetos em parceria com múltiplas áreas
da Globo.
35
muda a realidade é a sociedade politicamente organizada”. Para Miriam Leitão (2006),
jornalista e apresentadora de TV, o jornalista não precisa ser todas as “coisas”: crítico,
fiscal do governo, defensor da minoria dentre outras denominações, mas apenas ser
aquele que busca a informação:
“Não acho que o jornalista seja toda essas coisas que às vezes
achamos que somos. Não acho que tenhamos que ser fiscais. Acho
apenas que temos que estar atentos aos assuntos mais importantes e
ter uma visão crítica em relação ao governo, aos políticos, aos
empresários. A função primeira do jornalista é absolutamente simples:
buscar e trazer informação. Quando o jornalista começa a achar que
faz a história, ou que tem uma função social, é fiscal, é juiz, ele está
errado” (LEITÃO, 2006).
Já para o autor Walter Lippmann, entende que o público considera
que o jornal deve servir com a verdade duas vezes todo dia, como era costume ler o
jornal pela manhã e final da tarde, para assim, nos apresentar um “quadro verdadeiro
do que nos interessa do mundo exterior” (LIPPMANN, 2008a, p. 152). Contudo, vale
lembrar que o autor mesmo sugere que não devemos substituir a imprensa pelas
instituições, mas que a imprensa fosse um órgão da democracia direta:
A imprensa não é um substituto das instituições. É como um foco de
lanterna que se move nervosamente em busca de um episódio e
depois outro na escuridão. Os homens não conseguem realizar a
tarefa do mundo apenas com essa luz. Não conseguem governar a
sociedade por episódios, incidentes e erupções. Somente quando eles
trabalharem com uma luz firme e própria é que a imprensa revelará
uma situação suficientemente inteligível para uma decisão popular
(LIPPMANN, 2008b, p. 183).
Os autores Harvey Molotch e Marylin Lester, em 1974 entendem que
o trabalho dos jornalistas – assim como outras profissões, ‘historiadores, sociólogos e
analistas políticos – oferece aos cidadãos um leque de ocorrências a partir das quais
se elabora um sentido de tempo público (MOLOTCH; LESTER, 1999). Além disso,
eles pontuam o papel que o jornalismo cumpre na democracia: o grau de autonomia
do campo jornalístico é um fator que distingue as ditaduras das democracias
(MOLOTCH; LESTER, 1999).
A legitimação do jornalismo enquanto instituição social é fortemente
ligada na ideia que é necessário retratar fielmente a realidade para o público. Essa
construção, firmado pelo jornalismo com seus leitores, pressupõe que o público creia
36
nas notícias ou nessa reconstrução discursiva, através de um contrato de leitura
(Franciscato, 2005). Oriunda de todo um esforço empreendido no final do século XIX,
para desvincular a imprensa da política e baseá-la no relato de fatos, foi a promotora
da formação de um novo código deontológico (FRANZONI; RIBEIRO; MACEDO;
2011, p. 2) que levaria o jornalismo a ser identificado com valores até hoje a ele
associados, como a verdade, a independência, a objetividade e a noção de serviço
público (TRAQUINA, 2012).
É preciso relembrar, porém, que o jornalismo que conhecemos hoje
não é atual, ele possui as suas raízes no século XIX. Foi durante o século XIX que
houve o desenvolvimento da imprensa popular e, a expansão dos jornais, com o
aumento do número de tiragens, foi simultânea à crescente comercialização da
imprensa. E ainda, segundo Traquina (2012, p. 34-35), os jornais, na época, a
chamada penny press21, foram encarados como um negócio que rende lucros. Estes
jornais tinham o objetivo de fornecer informação: as notícias, baseadas nos “fatos” e
não em “opiniões” (TRAQUINA, 2012, p. 35).
Desde então, a atividade é configurada como um negócio e as notícias
como mercadorias que alimentam o desenvolvimento de empresas altamente
lucrativas. Surgiram então a publicidade como uma forma de financiamento, avançou
a rapidez e a agilidade na transmissão da notícia – um marco de identidade do
jornalismo em que a obsessão de fornecer as últimas notícias, de preferência em
primeira mão e com exclusividade do veículo, continua ainda cada vez mais viva.
Com o desenvolvimento da reportagem, especialmente a grande
reportagem, o jornalismo ganha certo prestígio. Somente no final dos anos 1880 que
a grande reportagem se torna essencial no jornalismo francês (FERENCZI, 1993, p.
47-48). E entre os grandes repórteres, os mais admirados na época ficam a cargo dos
correspondentes de guerra, marcado, principalmente, na guerra russo-japonesa que
ocorreu em 1904-1905 (FERENCZI, 1993, p. 48).
A comercialização da notícia tornou possível o amadurecimento da
profissão de jornalista. Os grandes jornais, como o The Times, começaram a pagar
21
O conceito “Penny Press” surgiu nos Estados Unidos com a criação de jornais maioritariamente
noticiosos, politicamente independentes, baratos e com um discurso acessível e direcionados para as
pessoas comuns. Eram jornais generalistas, com elevadas tiragens, que na última década do século
já atingiam mais de um milhão de exemplares, predominantemente noticiosos, apelativos, com textos
simples, uso de imagens e machetes, grafismo inovador, títulos apelativos em termos de conteúdo e
no aspeto gráfico, de preço reduzido.
37
mais para os profissionais de modo que começou a atrair mais pessoas para esse
campo, permitindo que a profissão de repórter tivesse um nível social melhorado
(TRAQUINA, 2012, p. 63). A expansão da imprensa implicou no desenvolvimento do
capitalismo, na alfabetização dos cidadãos, a constituição de centros urbanos, na
emergência de um novo sistema de governo. Também podemos afirmar que, devido
a constante luta em prol da liberdade e de autonomia, foi possível o aumento do
número de pessoas que se dedicavam em período integral à atividade jornalística.
Nas últimas décadas, o caráter empresarial e mercadológico da
imprensa ganhou maior agressividade e visibilidade. Nesse contexto, amparadas no
discurso da exaltação técnica, empresas como a Folha de S. Paulo estimularam a
adoção de uma postura a que se convencionou chamar de profissionalismo,
(OLIVEIRA, 2005, p. 56), lançado manuais de redação e ética para moldar o novo
profissional no campo jornalístico. Para o jornalismo, portanto, a objetividade, junto
com a clareza e a concisão, são regras claras da notícia. Por mais que os manuais de
redação afirmem que a objetividade perdeu seu peso, ela não foi descartada e
continua a ser uma meta. (TRAVANCAS, 2010, p. 97). Como podemos ver no Manual
da Redação da Folha de S. Paulo (2001, p. 28):
Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir
um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em larga medida
subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e
emoções. Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais
objetivo possível. Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a
forma, as circunstâncias e as repercussões, o jornalista precisa
encarar o fato com distanciamento e frieza, o que não significa apatia
nem desinteresse.
E, paralelamente à transformação da notícia como um produto da
imprensa, houve uma tentativa de padronizar os textos produzidos dentro das
redações. O famoso lead foi criado pela imprensa estadunidense para atender ao
leitor que precisa obter o maior número de informações no menor tempo possível. É
então exigido do jornalista que ele seja capaz de “criar e inovar a partir da fórmula do
lead, respondendo com eficiência às perguntas fundamentais sobre o fato noticiado”
(TRAVANCAS, 2010, p. 28).
Não podemos esquecer também do fato que existe o imaginário social
sobre o papel do jornalista na sociedade, como aquele que consegue explicar os
acontecimentos e apresentá-los ao público que, por sua vez, terá mais condições de
38
organizar sua rotina e de tomar decisões a partir dessas informações coletadas. Tal
ato de testemunhar, descobrir e entender o que é importante, e então transmitir isso
de maneira com que vários públicos possam entender, é a “tarefa sagrada” dos
jornalistas, como pontuam Anderson, Bell e Shirky (2014).
Dividida em seções temáticas (editorias), a cobertura da redação se
concentra durante determinadas horas, “quando a maior parte dos agentes da
redação está trabalhando. Fora desse período, apenas acontecimentos com
significativo valor-notícia justificam o deslocamento ou atraso no horário de
fechamento do jornal” (OLIVEIRA, 2005, p. 75). Apesar da velocidade ser um
elemento inerente à prática do jornalismo diário, pode-se afirmar que o ritmo de
produção nas redações, especialmente com o aparecimento do jornalismo online,
acentuou-se nos últimos anos. Então, nesse contexto, onde os deadlines são cada
vez mais apertados, a pressão por desempenho no processo produtivo tende a ser
maior (OLIVEIRA, 2005, p. 75).
No início do século XX, as organizações midiáticas começam a sofrer
uma série de transformações, e também, início de questionamentos sobre o
jornalismo, especialmente por causa das mudanças que as tecnologias trouxeram e
trazem à rotina e à identidade do campo e aos profissionais que nele atuam. Em 1993,
a professora Isabel Travancas afirma que a ideia de cidadania está subordinada a
informação e, o jornalista é responsável pela transmissão de informação, portanto o
papel do jornalista é essencial em termos de construção da cidadania. “Não há
cidadão sem conhecimento, é este que torna o indivíduo um cidadão, na medida em
que as informações lhe possibilitam escolhas, avaliações e participação na sociedade.
Sem isso, sua atuação ficaria restrita ou seria inexistente” (TRAVANCAS, 1993, p.
107).
Mais tarde, em seu outro texto em que discute a produção da notícia
a partir de etnografias realizadas nas redações brasileiras, Travancas resume que,
entre outras, “as finalidades da imprensa são informar, opinar, prestar serviços, divertir
e mediar, entre outras” (TRAVANCAS, 2010, p. 99). Travancas acrescenta ainda que,
ao analisar a rotina de jornalistas, percebe que essas finalidades variam de
importância conforme os veículos e que os interesses da empresa, de alguma forma,
também atravessam as práticas jornalísticas.
Traquina (2012, p. 195) em seu capítulo “Rotinização do trabalho
jornalístico” mostra que as formas rotineiras de trabalho permitem aos jornalistas
39
trabalharem com maior eficácia e, significamente, os repórteres e os diretores
identificam esse conhecimento com profissionalismo. Visto como um método de
controle de trabalho, o profissionalismo consiste em dominar as técnicas da escrita,
mas também no domínio de saber quem contatar como fonte, quais perguntas fazer,
ou seja, todo o saber do procedimento profissional (ERICSON et al. 1987 apud
TRAQUINA).
Quando há uma grande cobertura de evento, os profissionais do meio
jornalístico tornam-se numa operação muito rotinizada, assim, confrontados pelo fator
da escassez de tempo e pela abundância de acontecimentos, lutando para impor
ordem no espaço e no tempo, os jornalistas são obrigados a criar uma rotina do
inesperado22, devido a dependência dos canais de rotina (TRAQUINA, 2012, p. 197).
Essa dependência dos canais de rotina pode acarretar consequências
negativas sobre o trabalho do profissional do jornalismo. Por exemplo, quando as
fontes começam a fazer parte da mesma rotina do jornalista de forma regular, pode
acabar gerando uma interdependência. O perigo é evidente, como ressalta Lippman:
O jornalista entra inevitalmente em contato pessoal com os líderes
políticos e homens de negócio, criando relações de confiança e de
simpatia; é muitas vezes difícil e muito embaraçoso ignorá-las (HOCH,
1974 apud TRAQUINA, 2012, p. 197).
Assim, quando há essa dependência dos jornalistas com as fontes,
podem ficar orientados para a fonte e, assim, escrever para a fonte e não ao público,
como seria seu objetivo ético. Pode haver também que, uma parte significativa das
notícias sejam condicionadas por fontes que conhecem a mecânica do trabalho
jornalístico.
Por isso, deve-se ressaltar a importância de uma rede de notícias
(news net) de uma instituição jornalística, organizada a partir da cobertura realidade
pelos seus profissionais, pela distribuição de suas sucursais e pelos contatos que
pode estabelecer com outras instituições, como os press releases ou releases
(MOURA, 2006, p. 39-40). É bom lembrar que os releases são condicionados aos
22
Termo designado por Gaye Tuchman (1973) evidencia que, na produção jornalística, o fator
“tempo” acaba distanciando o jornalista, que trabalha com o fatual, da possibilidade de produzir
notícias analíticas. O deadline e a hora do fechamento impõem pressões ao jornalista que, para “dar
tempo”, lança mão de certas estratégias como a objetividade. Ademais, a empresa jornalística busca
planejar o seu futuro trabalho fazendo um organograma dos acontecimentos previstos, impondo
assim, um ritmo ao jornalista, criando, portanto, uma rotina do inesperado.
40
interesses de suas instituições de origem.
Mesmo com as vantagens trazidas pela introdução de novos
equipamentos tecnológicos nas instituições do jornalismo não representam,
necessariamente, condições mais favoráveis de trabalho, já que a própria mídia
enfatiza o imediatismo, prima a velocidade, acompanhadas pela redução do quadro
de funcionários. Hoje, é bem difícil presenciar nas redações figuras como o redator e
o revisor, por exemplo. Com a extinção desses cargos, acentuou-se o ritmo de
trabalho dos repórteres, consequentemente acumulando esses papéis em suas
funções. Em algumas redações, nota-se que, além de produzir material para o jornal
impresso, a função do repórter também é responsável por abastecer o site de seu
veículo, assim como páginas de redes sociais. Para os jornalistas que trabalham
exclusivamente para o suporte online, as condições de produção são ainda mais
urgentes. Nesse meio, a instantaneidade tem sido considerada um indicativo de
qualidade do produto. (OLIVEIRA, 2005, p. 72).
Sousa (2002b) lembra ainda que, em deadlines ou em horários de
fechamento, o jornalista interrompe o processo de coleta de informações das fontes
para, imediatamente, começar a construção de elaboração do texto com os dados
obtidos até então, mesmo que estes estejam insuficientes para a problematização do
assunto:
A pressão do tempo, agudizada pela competitividade, levaria ainda os
jornalistas a relatar frequentemente as histórias em situações de
incerteza, quer porque nem sempre reúnem os dados desejados quer
porque necessitam de selecionar rapidamente acontecimentos e
informações (SOUSA, 2002b, p.48).
LOPES (2014) não esquece que o “fazer jornalismo” e todo esse
saber de produção de notícias é atravessado por uma série de vetores sociais e um
deles é a força do dinheiro. Organizações jornalísticas como emissoras de rádio, redes
de televisão, jornais, portais de notícias são uma empresa, e como tal, são
interessados em gerarem lucros:
O processo de produção de notícias está integrado em uma rotina
industrial e, dessa forma, critérios de noticiabilidade atravessam
diferentes interesses. O setor de marketing almeja que os anunciantes
do jornal ultrapassem os quadrados a eles destinados e sejam boas
fontes de notícias. Os editores setoriais querem que suas editorias
sejam capa e tenham mais destaque. Os repórteres reconhecem que,
para alcançarem boa reputação ou mobilidade profissional, precisam
41
estar em sintonia com política da organização. Mas o grande problema
é que, no fim das contas, a balança mais importante para todas esses
interesses são as vendas, a audiência e, com esse fiel, manter valores
e atitudes éticos e juridicamente legais torna-se um desafio (LOPES,
2014).
Em contraponto à essa lógica mercadológica, o Código de Ética do
Jornalistas Brasileiro afirma, em seu primeiro artigo, que “o acesso à informação de
relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir
que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse” (CÓDIGO..., artigo 1.º).
Há atualmente um quadro grande de insegurança nas redações. Os
profissionais do campo jornalístico acabam passando por várias dificuldades, desde a
escassa vaga de emprego23, onde há grande mão-de-obra e pouca absorção desta
disponibilidade no mercado, os baixos vencimentos e as precárias condições de
trabalho trazem dificuldades para se discutir melhores condições, juntamente com o
aumento da rotatividade de jornalistas na redação. Além de tudo isso, segundo
Oliveira (2005), os jornalistas contemporâneos do meio impresso têm enfrentado
dificuldades perante sua posição de comunicador com a adoção das tecnologias:
Além do fantasma do desemprego, os jornalistas do meio impresso
também têm convivido com o incômodo questionamento da validade
de sua posição de comunicador na sociedade contemporânea, onde
um fluxo sem precedentes de informações tem sido divulgado no meio
digital, muitas vezes sem qualquer mediação por parte de um
profissional da comunicação. Sintomático é o famoso caso do
escândalo envolvendo Mônica Lewinski. O fato vazou pela Internet
antes de qualquer veículo jornalístico ter acesso à informação. Ou
seja, os jornais (impressos e eletrônicos) foram simplesmente furados
por um não jornalista. Os debates questionando a sobrevivência do
jornal impresso em longo prazo, a partir do advento da Internet,
ganharam expressão nos últimos tempos. Segundo Dizard (2000),
apesar das mudanças trazidas pelas novas tecnologias, a imprensa
provavelmente continuará ocupando um lugar importante na mídia por
muito tempo. Contudo, para sobreviver, segundo o teórico, os jornais
terão que adaptar seus formatos (OLIVEIRA, 2005, p. 30).
Para Travancas (2010) o jornalista ainda possui a função de apurar e,
mesmo com a entrada das tecnologias, os profissionais da área têm rotinas
corriqueiras e estressantes:
23 As universidades brasileiras formam anualmente em seus cursos de jornalismo e comunicação,
milhares de profissionais, sendo que o mercado abre poucas vagas para a grande parcela deles.
42
Os jornalistas continuam tendo rotinas estressantes, intensas,
imprevisíveis, mesmo com a entrada em cena dos computadores e
das novas tecnologias. As próprias tecnologias, em certo aspecto, não
“aliviaram” o trabalho dos repórteres, como é o caso do celular e da
internet. Ao contrário, ele pode ser localizado em qualquer lugar e
pode transmitir informações a todo hora em tempo “real” sem maiores
dificuldades. Isso na realidade vai exigir uma performance mais
engajada e conectada do que antes. O jornalista, hoje, precisa ser um
profissional de múltiplas habilidades. E nem na pesquisa dos anos 90,
nem na de 2000, estava presente a questão da convergência
midiática. Muitos profissionais hoje são obrigados a produzir conteúdo
para mídias distintas, fazendo inclusive o papel de fotógrafo ou
cinegrafista, graças às novas tecnologias (TRAVANCAS, 2010, p. 100)
De acordo com Natalia Raimondo Anselmino (2012) em seu livro
sobre o jornalismo online e o público24, a introdução das tecnologias obrigam as
instituições jornalísticas a mudarem as rotinas profissionais e os modelos de negócios
e, da mesma forma, devem fazer com que os intelectuais da área vejam a necessidade
de incluir essas discussões nas perspectivas e na teoria.
3.3 ROTINA DE PRODUÇÃO NO JORNALISMO DIGITAL: NOVAS TEORIAS?
Em 1930, a introdução da imagem como ferramenta nos jornais
estadunidenses trouxe inovações editorais significativas no jornalismo, tanto na sua
estrutura institucional de produção e nas relações de trabalho quanto no formato e no
conteúdo propriamente dito (FRANCISCATO, 2003, p. 215). Essa mudança trouxe
também a consolidação editorial com o imediato, o factual e a objetividade, pois a
captura da imagem dentro de certo enquadramento pelas lentes da câmera, revela
certo potencial deste recurso no registro do ‘instante’:
A captação do 'instante' já foi uma inovação técnica na história da
fotografia, pois representou a superação de um tempo de espera (o
ato de posar como duração) até que as chapas pudessem captar a
imagens. Por isso que Lissovsky considera que "...o instantâneo não
diz respeito à segmentação do movimento, mas à desaparição do
durante no interior do ato fotográfico" (1999 apud FRANCISCATO).
O ‘instantâneo’ surgido através do ato de fotografar possui o mesmo
sentido da instantaneidade jornalística contemporânea do produto notícia. Ao mesmo
tempo que a câmera trouxe a superação do intervalo de tempo entre o evento e seu
24 Disponível em: <http://www.cim.unr.edu.ar/archivos/la_prensa_online_y_su_publico_gratuito.pdf>.
Acesso em: 09 jan. 2018.
43
registro, a concepção do produto notícia, que busca registrar o instante em tempo real
com o máximo de fidelidade possível (ponto de vista da Teoria do Espelho, mais a
objetividade, concisão), para assim, transmiti-lo imediatamente, e a introdução da
transmissão ao vivo, através das mídias como rádio e televisão, radicalizou ainda mais
a vinculação com o público-leitor ao “tempo dos acontecimentos”. E com esse aparato
comunicativo capaz de interligar sociedades, se deu não somente em decorrência do
papel desempenhado pelo conteúdo jornalístico, mas também pela multiplicidade das
mídias e de seus produtos midiáticos.
Esse caráter ilustrativo que prima a transmissão do instantâneo não é
algo novo dos aparelhos tecnológicos do começo da década de 2010. Não irei adiante,
neste momento, para levantar um contexto histórico das mídias e suas evoluções até
os dias atuais, ou sobre a definição do jornalismo digital. Conforme nossa linha de
trabalho, nesse subcapítulo discutiremos sobre a convergência do cenário da
comunicação com a internet e, se é necessário reformular, até então, novas teorias
sobre a produção jornalística em face às teorias estudadas no capítulo anterior.
Importa-nos salientar alguns aspectos sobre essa mudança na forma de transmitir
informação e como isso afeta em nosso objeto de estudo.
Ultimamente, é difícil você não se informar através de uma rede social.
Vídeos da última chuva forte que derrubou inúmeras árvores no centro da cidade, o
conto que ‘viralizou’ na internet, “Cat Person25”, que gerou inúmeros debates em redes
sociais e na grande mídia sobre os relacionamentos atuais – caso raro de ficções. Ou
mesmo podemos citar o exemplo do Caso Weinstein que começou em 5 de outubro
de 2017, desde a publicação do jornal New York Times26 relatando a primeira
acusação de assédio contra o produtor de Hollywood, Harvey Weinstein. Porém foi
mesmo a partir do tweet27 da atriz Alyssa Milano com a hashtag “me too” (“eu
também”), que nas primeiras 24 horas, as 500 mil respostas no Twitter e os doze
milhões de posts no Facebook, mulheres do mundo inteiro contaram seus relatos de
assédio.
25 Disponível em: <https://www.newyorker.com/magazine/2017/12/11/cat-person>. Acesso em 08 jan.
2018.
26 Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/10/05/us/harvey-weinstein-harassment-
allegations.html>. Acesso em 08 jan. 2018.
27 No original, em língua inglesa: “If you’ve been sexually harrassed or assaulted write ‘me too’ as a
reply to this tweet”. (Se você já foi assediada ou agredida sexualmente, responda esse tweet com um
‘eu também’.)
44
É nesse boom de avalanches de compartilhamentos e respostas que
inúmeros posts viralizam todo dia nas redes sociais. Seja um assunto de
entretenimento, que esteja em pauta na mídia e nas redes sociais (como no caso
citado acima) ou sobre um vídeo de um Youtuber que incomodou as pessoas28: as
empresas de jornalismo sabem disso. O ingresso de tradicionais grupos de mídia nas
plataformas online, como o New York Times, The Guardian e BBC, que passaram a
publicar artigos e matérias diretamente na rede social Facebook desde maio de 2015,
“revela mais uma ação das grandes companhias de comunicação para atraírem a
audiência virtual e fazerem frente à produção de conteúdo nas redes sociais”
(HANZEN, 2015). Essa relação pode implicar a várias consequências, uma delas é a
perda de controle na distribuição das informações no espaço online por parte dos
meios de comunicação. Ou seja, a imprensa submete seu conteúdo de acordo com
as regras e à gestão da empresa de Mark Zuckerberg29, sem possibilidade de controle
do seu próprio produto.
Por outro lado, o Facebook oferece às empresas de mídia ferramentas
para divulgação de conteúdo informativo, como por exemplo, mapas interativos e a
capacidade de postar fotos de alta resolução, permitindo uma visão especial pelos
leitores. Também existe a opção de postagens de artigos instantâneos30 - criado
especialmente para usuários com aparelho celular, ao qual permite que o
carregamento do artigo seja 10 vezes mais rápido31 do que normalmente seria no site
28 O norte-americano e Youtuber, Logan Paul, 22, no começo desse ano, subiu um vídeo polêmico
para os seus quinze milhões de seguidores no Youtube e quase quatro milhões no Twitter, em que
mostra um homem enforcado na floresta Aokigahara, localizada nas bases do Monte Fuji, no Japão.
29 Mark Zuckerberg é um programador e empresário norte-americano, que ficou conhecido
internacionalmente por ser um dos fundadores da rede social mais acessada do mundo, o Facebook.
30 Update da rede social Facebook, em que a rede social começa a hospedar reportagens
diretamente em seus servidores, acompanhado por recursos multimídia adicionais. Disponível desde
o dia 13 de maior de 2015, começando em jornais como The New York Times, The Guardian, Buzz
Feed entre outros.
31 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1628506-como-funcionam-artigos-
e-reportagens-publicados-diretamente-no-facebook.shtml>. Acesso em 08 jan. 2018.
45
Figura 1 - Jornal El Pais Brasil no Facebook com a ferramenta artigo instantâneo
Fonte: Facebook
Mas com essas indefinições de quem é o ganhador ou o perdedor
nesse cenário da comunicação, a convergência32, de acordo com Henry Jenkins
(2008), não significa perfeita estabilidade nem unanimidade. O fato é que as
tecnologias “acabou” com a linha tênue que havia entre o emissor e o receptor da
informação, aproximando mais essa relação e permitindo que os indivíduos sejam ao
mesmo tempo produtores, consumidores e comentaristas da notícia veiculada no meio
online. Diante de tal protagonismo do cidadão conectado, o jornalista possui menos
controle da informação e tempo para a produção da informação. Devido a isso, “já não
32
Baseado na definição de JENKIS (2008, p. 27), aqui a convergência refere-se ao fluxo de
conteúdos através de “múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados
midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase
qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam”. É uma palavra, segundo
o próprio autor que, consegue definir “transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e
sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando”.
46
é possível seguir à risca a Teoria da Organização que pressupõe que as notícias são
como são porque as empresas e organizações jornalísticas assim as determinam”
(HANZEN, 2015).
E, concomitante a essa difusão de notícias, as empresas de notícia
não saem perdendo de todo modo. Vale destacar que os meios de comunicação têm
se beneficiado em grande medida das redes sociais, pois fidelizam seus seguidores,
melhoram a identidade da sua marca e, como já citado, distribuem seu conteúdo em
efeito cascata (através de compartilhamentos) entre os membros da rede social,
melhorando sua repercussão (LONGHI, FLORES, WEBER 2011 apud HANZEN
2015). É possível encontrar também críticas nas plataformas digitais33, como em blogs
e sites de redes sociais, quando se referem no que seria o bom jornalismo (BRUNS,
2011, p. 119).
A busca de um equilíbrio entre postar as notícias com primazia
velocidade, objetividade, credibilidade e ainda tendo uma proximidade com o usuário
no processo de produção34 não é uma tarefa fácil numa época de convergência de
mídias. As hipóteses e manuais de produção herdadas dos jornais norte-americanos
e que chegaram no final da década de 80 aqui no Brasil, ajudam os profissionais a
tentarem administrar e a organizar o trabalho na redação, (HANZEN, 2015). Porém,
ainda segundo Hanzen (2015):
A nova realidade implica olhar estas hipóteses de forma crítica e
incluindo as novas variáveis da interação. Contudo, o atual cenário
não chega a colocar as teorias em suspeição. Mas exige a
incorporação das mudanças que ocorreram no jornalismo, desde o
advento da internet, e, mais recentemente, com as mídias sociais.
E não somente o público que pressiona o jornalista a ser veloz na
transmissão de notícias, a mídia enfatiza o imediatismo, tanto mais o jornalista estará
condicionado a produzir notícias superficiais, ou apoiado apenas no discurso de fontes
oficiais e em ideias feitas (que reproduzem, respectivamente, valores de poderes
instituídos e do senso comum), tudo consciente pela empresa, ambiente profissional
e pelos próprios empregados. Outro ponto negativo que podemos citar é a divulgação
33 Discutido mais profundamente no último capítulo do presente trabalho.
34 Aqui, o usuário participa do processo de produção da notícia através do seu compartilhamento, em
que repassa para outros usuários (seus seguidores ou followers), ampliando o efeito de transmissão
da informação do veículo. Assim, a repetição dessa ação potencializa o processo conhecido como
spread, fazendo com que o usuário se sinta fazendo parte de todo esse ciclo.
Rotinas de produção no ecossistema no jornalismo pós-industrial: Uma análise em torno do jornalista ativista do Mídia Ninja
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Rotinas de produção no ecossistema no jornalismo pós-industrial: Uma análise em torno do jornalista ativista do Mídia Ninja

  • 1. ALANIS HITOMI ISHIHARA BRITO ROTINAS DE PRODUÇÃO NO ECOSSISTEMA NO JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL: UMA ANÁLISE EM TORNO DO JORNALISTA ATIVISTA DO MÍDIA NINJA Londrina 2018
  • 2. ALANIS HITOMI ISHIHARA BRITO ROTINAS DE PRODUÇÃO E JORNALISMO PÓS- INDUSTRIAL: UMA ANÁLISE EM TORNO DO MÍDIA NINJA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo Orientador: Prof. Dr. Rodolfo Londero Rorato Londrina 2018
  • 3. ALANIS HITOMI ISHIHARA BRITO ROTINAS DE PRODUÇÃO E JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL: UMA ANÁLISE EM TORNO DO MÍDIA NINJA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo BANCA EXAMINADORA ____________________________________ Orientador: Prof. Dr. Rodolfo Londero Rorato Universidade Estadual de Londrina - UEL ____________________________________ Prof. Dr. André Azevedo da Fonseca Universidade Estadual de Londrina - UEL ____________________________________ Prof. Dr. Michelle Moreira Braz Universidade Estadual de Londrina - UEL Londrina, _____de ___________de _____.
  • 4. Dedico este trabalho à Elza, guerreira, merece todo o reconhecimento do mundo por ocupar o cargo mais difícil do mundo: ser mãe
  • 5. AGRADECIMENTO (S) Em 2013 fiz a decisão de escolher o curso de Jornalismo. Nos meus altos 16 anos, fiz a decisão que marcaria meus próximos quatro anos. Nesses quatro anos somadas a duas greves, uma sala de 17 alunos, dois congressos e uma infinidade de conhecimento que nem imaginaria nos meus altos 16 anos. Esse presente trabalho é a soma de tudo isso e mais um pouco. Agradeço imensamente à minha mãe, Elza Yonamine, a quem dedico esse trabalho. Não é fácil cuidar de três filhos sozinha nessa loucura de família que temos e que amo de paixão. Obrigada por tudo. Ao meu orientador, Rodolfo Londero Rorato, que conseguiu me aturar desde as manhãs das quartas-feiras há exatos três anos. Foi você que deu aquele empurrãozinho que fez me apaixonar por esse mundo doido acadêmico. À Maria Vitória e Marina Gallo, que se esforçaram a ficar do meu lado sempre: sem vocês o que seria o curso de jornalismo? Ao Gustavo Casado que desde o segundo ano já me mostrou o poder da amizade. E, por fim, aos professores do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, que fez-nos acreditar, como alunos que sim, o jornalismo está vivo e somos o futuro dele.
  • 6. “Jornalistas têm de ter lado, e o lado dos jornalistas têm de ser o lado dos que mais sofrem. Se me mandassem cobrir o tráfico de escravos no século 18, eu jamais daria destaque, no que escrevesse, à opinião do capitão do navio mercador de escravos. Se me mandassem cobrir a libertação num campo de concentração nazista, eu não entrevistaria o porta-voz da SS”. Robert Fisk, jornalista do jornal britânico The Independent
  • 7. BRITO, Alanis H. I..Rotinas de produção e Jornalismo Pós-Industrial: uma análise em torno do Mídia Ninja. 2018. 91 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2018. RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar o grupo Mídia Ninja e sua rotina de produção de conteúdo no cenário das tecnologias digitais e na atual conjuntura de crise no jornalismo. Para isso, retoma-se o debate sobre a origem da cibercultura, o termo hacker e sua inserção na mídia radical e discute-se as relações entre ciberativismo, midiativismo e jornalismo pós-industrial. Adentra-se no contexto histórico das teorias do jornalismo, bem como a rotinização da notícia no âmbito industrial de sua origem e no quadro do advento das tecnologias a partir do surgimento da internet na década de 1980. A metodologia adotada é pesquisa bibliográfica, baseada na leitura de autores como Lemos (2002), Castells (2012), Traquina (2012), Bruns (2011), Hanzen (2013) entre outros, e a coleta de dados a partir das entrevistas feitas em dezembro de 2017 e janeiro de 2018. Palavras-chave: Teorias do Jornalismo. Rotinas jornalísticas. Produção de notícia. Mídia Ninja. Jornalismo Pós-Industrial.
  • 8. BRITO, Alanis.H. I.. Production routines and Post-Industrial Journalism: an analysis around the Mídia Ninja. 2018. 91 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2018. ABSTRACT The objective of this thesis is to analyze the group Midia Ninja and its routine of content production in the scenario of digital technologies and in the current crisis situation in journalism. For this purpose, we resume the debate about the origin of cyberculture, the term hacker and its insertion in the radical media and it is discussed the relations between cyberactivism, media activism and post-industrial journalism. It is introduced in the historical context of theories of journalism, as well as the routinization of the news in the industrial scope of its origin and in the advent of technologies since the emergence of the Internet in the 1980s. The methodology adopted is a bibliographical research based on Lemos (2002), Castells (2012), Traquina (2012), Bruns (2011), Hanzen (2013) among others, and the data collection from the interviews made in December 2017 and January 2018. Key words: Theories of Journalism. Journalistic routines. News production. Mídia Ninja. Post-Industrial Journalism.
  • 9. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Jornal El Pais Brasil no Facebook com a ferramenta artigo instantâneo45 Figura 2 – Multidão de jovens em Brasília durante as Manifestações de 2013.......53 Figura 3 – Financiamento coletivo no site Catarse assinaturas...............................58 Figura 4 – Postagem do grupo na rede social Instagram........................................59 Figura 5 – Reunião do Mídia Ninja ..........................................................................64 Figura 6 – Foto de uma das reuniões do Mídia Ninja ..............................................64 Figura 7 – Site do The Guardian .............................................................................77
  • 10. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................11 2 FUNDAMENTAÇÃO 2.1 CIBERATIVISMO E CULTURA HACKER...............................................................15 2.2 MÍDIA RADICAL .............................................................................................18 2.3 JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL .......................................................................20 3 PRODUÇÃO JORNALÍSTICA 3.1 TEORIAS DO JORNALISMO..............................................................................23 3.2 ROTINIZAÇÃO DO JORNALISMO.......................................................................33 3.3 ROTINA DE PRODUÇÃO NO JORNALISMO DIGITAL: NOVAS TEORIAS?...................42 4 ANÁLISE DESCRITIVA: ROTINA JORNALÍSTICA DO MÍDIA NINJA 4.1 GRUPO MÍDIA NINJA ......................................................................................50 4.2 ENTREVISTA E COLETA DE DADOS ..................................................................59 4.3 FAZENDO JORNALISMO INDEPENDENTE...........................................................61 5 REPRESENTAÇÃO DO FUTURO DO JORNALISMO? ..........................70 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................80 REFERÊNCIAS.........................................................................................84 ANEXOS ...................................................................................................91
  • 11. 11 1 INTRODUÇÃO No século XXI, vivenciamos uma nova fase desse processo, ocasionando transformações nas práticas sociais, na vivência do espaço urbano e na forma de produzir e consumir informação. A cibercultura se torna onipresente, estabelecendo uma rede que envolve usuários e objetos numa conexão generalizada, não sendo mais o usuário quem se desloca até a rede, pois a internet é mais do que um centro comunitário; de fato, ela cria a sua própria forma comunitária, uma nova comunidade de super-conectados e de super-informados (LEMOS, 2002). Atualmente, nossa sociedade está moldada pelo ambiente virtual e regida por novas tecnologias, imersa num mundo midiático, onde todos estamos interligados e conectados de alguma forma. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2014 (Pnad/IBGE), 95,4 milhões de brasileiros têm acesso à internet, o que corresponde a 54,4% das pessoas com 10 anos ou mais1. Só no Brasil, o comércio eletrônico movimentou 13,60 bilhões de dólares (aproximadamente 43,40 bilhões de reais) em 20102. Segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, são 60 milhões de computadores em uso, destes estima-se que 80,7% com acesso à internet somente no ano de 2011. A cibercultura, segundo Pierre Lévy, não é uma subcultura particular ou a cultura de uma ou algumas “tribos”, mas, ao contrário, a cibercultura é a nova forma de cultura (LÉVY apud LEMOS, 2002, p. 13). É o prolongamento da oralidade e da escrita, uma cultura que surge a partir do uso da rede de computadores e de outros suportes tecnológicos (como smartphones, populares atualmente), da comunicação virtual, da indústria do entretenimento e do comércio eletrônico. É a simulação do mundo pós-mídia (redes de computador, celulares, satélites, etc.), ou seja, é produto da digitalização das mídias (LEMOS, 2002), da vinda de fluxos de mensagens multimodal e bidirecional, em que o receptor se torna, também, um emissor potencial. Portanto, essa cultura contemporânea é marcada pelas tecnologias digitais, resultado da evolução da cultura moderna e da sociedade do espetáculo. 1 Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/04/internet-chega-pela-1-vez-mais-de- 50-das-casas-no-brasil-mostra-ibge.html>. Acesso em: 28 jul. 2017. 2 Pesquisa de acordo com a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP).
  • 12. 12 Um dos principais teóricos brasileiros sobre a concepção da cibercultura, André Lemos, contextualiza o desenvolvimento da cibercultura a partir do surgimento da microinformática nos anos 1970, da convergência tecnológica e do estabelecimento do personal computer (PC). Contudo, ela se consolidou nos anos 1980 e 90 com o surgimento da informática de massa e a popularização da internet, ou seja, com a transformação do PC em um “computador coletivo”, conectado ao ciberespaço – a substituição do PC pelo CC (LEMOS, 2002). Porém, a concepção da cibercultura apresenta origens mais antigas, remetendo aos domínios científicos a partir dos anos 1940, com a cibernética (1948), a inteligência artificial (1956), a teoria da auto-organização e de sistemas (dos anos 1960), a tecnologia de comunicação de massa (rádio, televisão e telefone) e a telemática (1950). Segundo Lemos, embora a microinformática popular só surgisse em meados da década de 70, precursores do que viria a ser a revolução da informática pessoal (e do ciberespaço) começavam a pensar em tornar o computador mais amigável desde os anos 40 (LEMOS, 2002, p. 109). Castells (2003) compara a Internet com uma rede elétrica ou motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade humana. Do mesmo modo que a distribuição de energia tornou possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da sociedade industrial, “a internet passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede” (CASTELLS, 2003, p. 7). Kerckhove (1995) faz uma investigação da nova realidade eletrônica através das visões tecnopsicológica e psicotecnológicas em seu livro A Pele da Cultura. Lá, discorre que a internet é, na realidade, um cérebro coletivo, que emite sons quando o utilizamos. A Internet vem de baixo, do subterrâneo, do subconsciente da inteligência coletiva. Tal como o subconsciente, é constituída por mais informação do que a que pode ser filtrada para um nível consciente. É por isso que são necessárias cada vez maiores unidades de processamento e distribuição (KERCKHOVE, 1995, p. 92). Para Lévy (1999), a internet é vista como fonte promissora de informações, ressaltando-se a perene transformação do ciberespaço, em que as informações se multiplicam e atualizam-se de modo exponencial. Com a chegada do
  • 13. 13 ciberespaço, ele indica que “o computador não é mais um centro, e sim um nó, um terminal, um componente da rede universal e calculante” (LÉVY, 1999, p. 44). A interação homem-tecnologia tem evoluído a cada ano, e hoje, a vida social contemporânea está transposta, de alguma forma, para as interfaces gráficas, proporcionando uma interatividade comunicativa. A interatividade é a palavra-chave, pois temos tudo ao nosso alcance através de redes interativas, como jogos, internet, televisão, cinema, etc. A tecnologia digital possibilita ao usuário interagir não apenas com o objeto (a máquina ou a ferramenta), mas com a informação, ou seja, o conteúdo. E esta interatividade afeta a relação entre computadores e ciberespaço de uma forma ativa, baseada no princípio da simulação, permitindo até a comunicação inteligente entre máquinas e objetos sem a mediação humana (marcada por objetos inteligentes, agentes inteligentes, sistemas experts, etc.). Segundo Lemos, “a interatividade, seja ela analógica ou digital, é baseada numa ordem mental, simbólica e imaginária, que estrutura a própria relação do homem com o mundo” (LEMOS, 2002, p. 123). Com base numa proposta de metodologia adotada na pesquisa bibliográfica, os objetivos principais que nortearam o desenvolvimento do presente trabalho, da exploração teórica à análise do objeto, foram retomar o debate sobre a origem da cibercultura, rever o termo hacker e sua inserção na mídia radical, discutir as relações entre ciberativismo, midiativismo e jornalismo pós-industrial, mapear o contexto histórico da produção jornalística, bem como suas teorias, rotinas de produção tradicionais do valor notícia e as rotinas de produção no cenário das tecnologias digitais, para assim, adentrarmos na entrevista e análise do modelo independente que prega o grupo Mídia Ninja. O percurso da análise vai das considerações gerais produzidas sobre o assunto dos primeiros anos do advento da internet, explorada massivamente por teóricos como Lemos (2002), Lévy (1999, 2002, 2003). Para o levantamento de dados, inicialmente partimos de uma pesquisa bibliográfica, além da consulta a livros, pesquisas, teses, artigos, matérias jornalísticas, entre outros, com o propósito de contribuir futuramente nos avanços de pesquisa nessa área. Ao realizar a pesquisa junto ao objeto escolhido, utilizamos técnicas qualitativas de coleta de dados como a entrevista semi-estruturada, bem como a comparação das falas dos entrevistados e as citações de teóricos. Portanto, analisaremos se o trabalho é resultante do novo jeito de praticar o jornalismo nas
  • 14. 14 esferas de participação, interatividade e ativismo discutido no decorrer do texto. Essa pesquisa nos permitiu construir um conhecimento sobre o fazer prático dos agentes do campo jornalístico e sobre aspectos que podem condicionar às ideias disseminadas pelo relatório do jornalismo pós-industrial. Com isso, esperamos contribuir para o avanço das reflexões no campo acadêmico, nas teorias do jornalismo, na forma de produção e articulação da mídia jornalística.
  • 15. 15 2 FUNDAMENTAÇÃO 2.2 CIBERATIVISMO E CULTURA HACKER “O futuro já chegou. Só não está distribuído de forma equilibrada” William Gibson Para falarmos sobre a cultura hacker é preciso, primeiramente, comentar sobre o ciberativismo. Com a expansão da internet, começaram a eclodir diversos movimentos de ação direta, com práticas sociais e comunicativas específicas, realizando novas formas de conflitualidades sociais. Neste enquadramento, surge o ciberativismo. De origem estadunidense, é um conjunto de práticas em defesa de causas políticas, socioambientais, sociotecnológicas e culturais, realizadas nas redes cibernéticas, como a internet. Inaugura-se, assim, um novo tipo de participação baseada na construção de redes informativas pela difusão de informações na web com objetivo de defesa dos recursos naturais e do ambiente, das diversidades culturais das culturas indígenas, além do ativismo nos territórios e na participação de fóruns mundiais contra o neoliberalismo até as propostas da ONU (DI FELICE, 2013, p. 53). O termo ciberativismo origina-se nos anos 1990, com o advento das tecnologias digitais, e se manifesta através de diversos movimentos, além de encontrar nas novas tecnologias de comunicação uma aliada para o fortalecimento de sua organização. Desde seu surgimento, ao longo das transformações das tecnologias de informação e comunicação, houve uma profusão de ações que buscaram alcançar a interação para assim suprir suas demandas. Diante da mudança da Web 1.0 para a Web 2.0, houve uma reconfiguração do termo ciberativismo, que, nos últimos anos, delineia-se como uma forma intensiva de interação em rede entre indivíduos, territórios e tecnologias digitais, designativa da conectividade característica da ação social em e nas redes (DI FELICE, 2013). Para o pesquisador Stephan Wray (1998), os ciber-historiadores do futuro compreenderão o ano de 1998 como um grande marco devido ao surgimento de duas importantes expressões do ciberativismo e das guerras de navegadores (the browser wars): a desobediência civil eletrônica e o “hacktivismo”. Wray (1998)
  • 16. 16 descreve também que, no mesmo ano, na Grã-Bretanha, na Austrália, na Índia, na China e em quase todos os continentes é possível encontrar relatos de hacktividade. No livro The Hacker Crackdown: Law and Disorder on the Electronic Frontier, Bruce Sterling (1992) conta sobre quando o sistema de comutação telefônica de longa distância da AT&T caiu, em 1990. A rede de telefonia era o “parque de diversões” de hackers, que geralmente eram phreaks3 também. Para ligarem sem pagar e não serem rastreados, eles controlavam as centrais telefônicas e grampeavam outros telefones. Para isso, os hackers começaram a desenvolver os chamados boxes, dispositivos que emitiam tons usados para sinalização das linhas telefônicas, como simular a colocação de moedas no telefone ou redirecionar uma linha de um telefone para outro. Cada box realizava uma função diferente. Porém alguns boxes possuíam defeitos e acabavam derrubando um tronco telefônico, queimando sistemas. Devido a esses pequenos defeitos, as principais centrais de comutação ficaram fora do ar, milhões de chamadas não podiam ser completadas, porque as centrais que permaneceram ativas não conseguiam gerenciar o enorme tráfego que estava a cargo delas. As causas da falha não foram esclarecidas: hackers disseram que foi um bug do sistema, o governo americano afirma que os culpados foram os hackers. A consequência gerou uma verdadeira inquisição: clãs (de hackers) inteiros presos, BBS’s4 fechados e computadores apreendidos. A definição original de hacker remetia a “um programador de computador talentoso que poderia resolver quase qualquer problema muito rapidamente, de modo inovador e utilizando meios não convencionais”. Entretanto, esse termo foi colocado em disputa quando as redes informacionais adquiriram importância econômica e social. Em um primeiro momento, os compromissos dos hackers com a liberdade de informação e com o compartilhamento de códigos eram vistos como negativos para a acumulação e lucratividade das grandes corporações (SILVEIRA, 2010). Geralmente a matriz do pensamento hacker é moldada pelos ditames da liberdade de informação: a informação, inclusive o conhecimento, não deve ser propriedade de ninguém, e mesmo que seja, sua cópia não agride ninguém devido à natureza intangível de seu conteúdo. Ou seja, a informação deve ser livre. 3 É o nome dado aos hackers de telefonia (Phone + freak ou Phreak). Os phreakers, no passado, empregavam gravadores de fita e outros dispositivos para produzir sinais de controle, para então, enganar o sistema de telefonia. 4 BBS é a sigla para Bulletin Board System. É um fórum da internet onde usuários podem trocar informações ou discutir tópicos de interesse.
  • 17. 17 Julian Assange, fundador da Wikileaks, em seu livro Cypherpunks, comenta que o potencial da rede mundial de computadores, como muitas tecnologias, ainda está sendo descoberto e pouco explorado. Concomitantemente, seu rumo está sendo definido pelo caminhar tecnológico e político, o que torna mais claro que a rede é um espaço de disputa política. Quando nos comunicamos por internet ou por telefonia celular, que agora está imbuída na internet, nossas comunicações são interceptadas por organizações militares de inteligência. É como ter um tanque de guerra dentro do quarto. [...] Nesse sentido a internet, que deveria ser um espaço civil, se transformou em um espaço militarizado. Mas ela é um espaço nosso, porque todos nós a utilizamos para nos comunicar uns com os outros, com nossa família, como o núcleo mais íntimo de nossa vida privada. Então, na prática, nossa vida privada entrou em uma zona militarizada. É como ter um soldado embaixo da cama (ASSANGE, 2012). Fundado em 2006, a organização ficou famosa em 2010 quando publicou milhares de documentos secretos norte-americanos, supostamente vazados pelo soldado Bradley Manning, que servia no Iraque. Como o próprio Assange pontua, a Wikileaks é fruto da cultura cypherpunk5. Seu modo de fazer jornalismo é revolucionário, pois expõe más condutas de governos, instituições e empresas, sem se preocupar se uma empresa é anunciante ou credora ou se o governo é de direita ou de esquerda. A internet nasceu da improvável interseção da big science6, da pesquisa militar e da cultura libertária (CASTELLS, 2003 p. 19). E os compromissos dos hackers com a liberdade de informação e com o compartilhamento de códigos eram vistos como negativos para a acumulação e lucratividade das grandes corporações. Com isso, não evitou que essas grandes empresas monopolizem a internet e centralizem de acordo com seus interesses. Peter Sundue, co-fundador do Pirate Bay, maior plataforma de torrents, disse em uma entrevista recente para o The Next Web7 que os usuários 5 Os cypherpunks surgiram nos anos 1990, na Califórnia (EUA), e são os pioneiros na criação de espaços invisíveis na internet. Foram importantes no movimento em defesa da privacidade e anonimidade online. 6 Big science refere-se às investigações científicas que envolvem projetos caros, geralmente financiados pelo governo. 7 Disponível em: <https://thenextweb.com/eu/2017/06/09/pirate-bay-founder-weve-lost-the-internet-its- all-about-damage-control-now/#.tnw_5JeJWGNQ>. Acesso em: 10 agost. 2017.
  • 18. 18 perderam o poder da internet, e que ele está nas mãos de grandes companhias. Suedue afirma que agora está tudo centralizado e que ela serve apenas para os desejos dessas grandes companhias. Nós, como o povo, perdemos a internet para a sociedade capitalista. Nós tivemos uma pequena abertura para uma internet descentralizada, mas perdemos por sermos inocentes. Estas companhias tentam soar como boas ao fazer isso, que elas estão “lhe dando” algo. Como o Spotify, que te dá música e possui uma grande paixão por música... E toda a Relação Pública que eles têm. Big Data é como as grandes companhias de tabaco: nós não sabíamos como elas eram perigosas, mas agora sabemos que elas dão câncer. Nós estamos fumando nossas vidas em produtos de Big Data, e agora não conseguimos parar (MAACK, 2017). Lemos (2015) em “A crítica da crítica essencialista da cibercultura”, aponta para os novos críticos da internet que mostram, através de uma perspectiva essencialista, que a realidade das novas mídias do virtual estariam transformando o mundo em um “parque de diversão” do liberalismo econômico. Críticos tais como Evgeny Morozov (2012), que em seu livro The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom, argumenta que ela é uma ferramenta que tanto revolucionários e governos autoritários podem usá-la. E que a cultura digital não passa de uma forma de encantamento por um pensamento centrado na internet fazendo a fortuna e o apogeu do neoliberalismo, tendo na ingenuidade e na ignorância das ciências políticas o seu principal motor. Jaron Lanier (2010) afirma que, no mundo da nova Web, os aplicativos e tecnologias móveis, como tablets e celulares, não passam de um culto fetiche dos gadgets, orientada mais pelo medo do que pelo amor, e que estamos nos distanciando das pessoas e nos aproximando cada vez mais dos gadgets. Vale notar que, apesar do aspecto essencialista de suas críticas, é interessante perceber como esses autores apontam para o mesmo alvo, mostrando um certo mal-estar contemporâneo. 2.2 MÍDIA RADICAL O hackativismo ganhou notoriedade, principalmente na mídia de massas. Através da visibilidade proporcionada pela imprensa, o hackativismo trouxe à tona assuntos “esquecidos” ou ocultos da sociedade, chamando atenção da população para que ela reaja de alguma maneira. Devemos não somente destacar a origem da cultura hacker a partir da internet, mas também do chamado foss (free and
  • 19. 19 open source software), comunidades de hackers que desenvolvem programas de computador com o código de fonte aberto e com licenças de propriedade permissivas. Tais programas permitem usar, copiar, estudar, melhorar e distribuir as mudanças realizadas no software (SILVEIRA, 2010). Através desses eventos, podemos perceber as conexões entre os objetivos dos hackers e os movimentos de mídia radical, onde a informação deve ser livre, sem maquiagem (sem edição que modifique a notícia de acordo com o interesse da corporação), e não ser transmitida apenas por um oligopólio de mídia. Segundo John Downing (2002), a mídia radical ativista se volta justamente para as experiências radicais fora de sua expressão industrial hegemônica, dando voz às minorias subjugadas. A internet representa, através do seu potencial democrático, uma nova era para a mídia alternativa, pois proporciona a transmissão fácil de textos simples, bem como uma série de formatos multimídia. Isto permitiu a distribuição de conhecimentos e recursos em quase todos os lugares do mundo, fato até então inédito. E pode ser um meio pelo qual a política torna-se participativa, seja regional ou internacionalmente. O seu uso tem também impacto sobre o ativismo social e da mídia. É através das redes eletrônicas que os ativistas da mídia radical possuem a oportunidade de expressar-se diretamente por meio da divulgação de documentos na internet. A onipresença e a influência da mídia são geralmente identificadas devido ao seu papel veiculador de valores, prioridades e perspectivas hegemônicas. Porém, não se pode deixar de lado a forma marginal, alternativa, autônoma e experimental da comunicação de massa, a mídia alternativa radical, que são grupos de oposição em luta por transformações sociais. São por causa dessas experiências radicais que a mídia radical é, às vezes, boicotada, hostilizada, perseguida e até condenada à clandestinidade. Quando vinculadas a movimentos sociais autênticos, as mídias radicais colocam em evidência o imenso potencial estético, cognitivo, comunicativo e mobilizador dos meios massivos de expressão (MACHADO, 2002, p. 10). O termo cultura popular está concentrado na matriz da mídia radical alternativa, e vale lembrar que a mídia é parte da cultura popular e da malha social como um todo e não se encontra isolada, de modo ordeiro, em um território político reservado e radical (DOWNING, 2002, p. 39). Hoje, esse tipo de mídia vai além do uso radical das tecnologias, como rádio, vídeo e internet, mas inclui uma série de
  • 20. 20 atividades como o teatro de rua e os murais até a dança e a música. A mídia radical não está interessada pela audiência, mas sim em propor ao seu público o debate, a crítica e a ação. Em primeiro lugar, a mídia radical expande o âmbito das informações a partir da troca, do diálogo, aspecto no qual a mídia convencional perde por não oferecer espaço às audiências. Em segundo lugar, ela frequentemente tenta ser mais sensível do que a mídia convencional às vozes e aspirações dos excluídos, por ter relação com os movimentos sociais ou com algum outro em formação. Normalmente, é ela quem toma a dianteira na discussão de questões que só mais tarde receberão atenção da mídia oficial. Em terceiro lugar, a mídia radical alternativa não precisa censurar-se, pois não está submetido aos interesses do patrão e às leis de mercado da propaganda. Os assuntos pautados muitas vezes saem da mídia radical para a tradicional, o que possibilita um fluxo “inverso” do discurso, do menos para o mais numeroso. Em quarto lugar, a mídia radical possui sua própria organização interna, mais democrática e menos hierárquica (DOWNING, 2002). É importante destacar, nesse contexto, a divergência entre participação e interação nas redes sociais digitais. A mídia radical utiliza a ferramente da internet como meio interativo dos participantes para praticar seu ativismo, mas é alécomm das redes que exerce seu fundamento de participação ativa de seus colaboradores, na rua, nos movimentos, expondo sua ideologia. A partir dessa diferença que iremos aprofundar no objeto do estudo, o grupo Mídia Ninja, como se dá sua interação e participação no ecossistema da rede. 2.3 JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL A internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num determinado momento, em escala global. A influência das redes baseadas nela não se refere apenas ao número de usuários, mas principalmente à qualidade de seu uso. Castells (2003) mostra como a não compreensão da internet para além da esfera de disciplinas estritamente tecnológicas toma a forma de profecias futurológicas baseadas na extrapolação simplista de consequências sociais das tecnologias ou mesmo em distopias críticas, que denunciam seus efeitos alienantes. Sobre os meios de comunicação, Castells discorre:
  • 21. 21 A mídia, ávida por informar um público ansioso, mas carecendo da capacidade autônoma de avaliar tendências sociais com rigor, oscila entre noticiar o espantoso futuro que se oferece e seguir o princípio básico do jornalismo: só notícia ruim é notícia. (CASTELLS, 2003, p. 9) O jornalismo não está sabendo lidar com os avanços da capacidade interativa da rede, de Web 2.0 por diante (já se configura a Web 5.08 em várias instâncias da rede). O jornalismo é essencial, pois exerce um papel insubstituível tanto em regimes democráticos como em economias de mercado. Porém muito do que se produz hoje não passa de entretenimento ou diversão. Em um mesmo veículo, o material produzido não precisa ser, necessariamente, dividido em notícias sérias e a de futilidades. Mesmos cientes dessa diversidade, o hard news é o que distingue o jornalismo de outra atividade comercial qualquer. Sempre existirá público para a cobertura de esportes, fofocas de celebridades, jardinagem, etc. – mas não haveria grande impacto para o país se toda essa atividade fosse feita por amadores ou máquinas (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 33). O jornalismo em sua essência faz diferença na cobertura de fatos importantes e reais, que contextualize a informação de modo que chegue ao público e nele repercuta. Deste modo, em 2012 foi lançado o relatório de pesquisa “Jornalismo Pós-Industrial: Adaptação aos Novos Tempos”, do Tow Center for Digital Journalism da Columbia Journalism School. O centro, estabelecido pela escola em 2010, procura explorar como o desenvolvimento e surgimento das tecnologias está alterando o jornalismo, suas práticas e consumo, por um público que tenta analisar a credibilidade de informações que lhe são oferecidas em quantidades cada vez maiores, pelas mais diversas fontes e transmitidas por diferentes plataformas. A pesquisa é dividida em três partes: Jornalistas, Instituições e Ecossistema, e foi uma espécie de coroamento dos primeiros anos de atividade do centro, pois o documento obteve enorme repercussão assim que foi divulgado. Por meio de pesquisa e ensino, o centro vem prestando auxílio a jornalistas, empresas jornalísticas e consumidores de jornalismo para que eles possam compreender melhor e tentar entender os desafios desta época 8 Apesar da Web 4.0 ainda está em seu modo de desenvolvimento, há sinais bem claros da Web 5.0, a rede sensorial-emotiva. A ideia é trazer sentimento às nossas interações com a rede. Ela interpretará nossas emoções. Ao determinar nossas emoções, somando-se às tecnologias e conhecimentos deixados pelas antecessoras, ao saber que estamos “tristes”, por exemplo, a web nos apontará os melhores lugares com pessoas mais divertidas para nos animar. A Web 5.0 será, sem dúvida, mais “afável” que as anteriores; e a mais manipuladora também (BENITO-OSORIO et al., 2013).
  • 22. 22 e suas perspectivas para o futuro. Segundo os autores, no ecossistema do jornalismo pós-industrial, o trabalho jornalístico é feito pela colaboração de amadores, multidões e máquinas. Todos os indivíduos podem publicar; multidões ganharam força e os meios de comunicação se tornaram sociais; e máquinas são usadas para possibilidades infinitas abertas pela coleta de dados e o uso de algoritmos para organizá-los (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013). Essas mudanças fazem da velha fórmula de produzir notícia um modelo que vem se desgastando há muito tempo. Em muitos acontecimentos de relevância jornalística, é bem provável que a primeira descrição dos fatos seja feita por um indivíduo munido por um aparelho celular, e não por um jornalista profissional. Em casos como chacinas, desastres naturais, as observações iniciais já foram concluídas. Como ocorreu em tantas outras mudanças no ramo do jornalismo, nesse caso o jornalista também não foi substituído, mas sim transferido para um patamar acima da cadeia editorial. Não cabe mais ao profissional registrar a primeira imagem, mas em ser aquele que solicita a informação e, em seguida, filtra e contextualiza, dando sentido ao que recebe. A “apuração de dados” é uma das principais qualidades do ofício e é a função que serve de forma mais direta ao interesse público. A disponibilidade de recursos, como fotos tiradas pelo cidadão comum, não elimina a necessidade do jornalismo nem de jornalistas, mas altera sua função. O profissional deixa de ser o responsável por registrar a primeira imagem ou fazer uma observação inicial e passa a ser aquele que solicita a informação e, em seguida, filtra e contextualiza o que recebe. (...) essa multidão que pode ser interrogada e utilizada para uma versão mais completa dos fatos ou para a descoberta de coisas que seriam difíceis ou demoradas de apurar com o modelo tradicional de reportagem. (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 44). A “apuração de dados” é uma das principais qualidades do ofício, sendo a função que serve de forma mais direta ao interesse público. Está no cerne do jornalista, é aquilo que ninguém mais pode fazer. A importância desse trabalho revela uma batalha travada em torno do jornalismo na última década e meia: a briga entre blogueiros vs. jornalistas e o conflito sobre agregação de conteúdo vs. cobertura própria.
  • 23. 23 3 PRODUÇÃO JORNALÍSTICA 3.1 TEORIAS DO JORNALISMO Uma breve passada com os olhos pelos jornais diários, vê-se a vida dividida e seções que vão desde o geral da sociedade, a economia, a ciência, a educação, aos esportes, à arte, à cultura, à própria mídia (ao documentar televisão), aos media, ao planeta e suas divisões, nacional, regional e internacional, ao essencial, à vida. Livros, teorias e manuais sobre o jornalismo tentam definir e analisar as notícias como tudo o que é importante e/ou interessante. Mas o que o jornalismo é, seja um conjunto de histórias (da vida, da alegria, da tragédia), e construídas como se fosse uma narrativa, os profissionais, pode-se dizer, interagem de uma forma silenciosa com a sociedade por meio de limites demarcados pelos valores sociais que regem fronteiras entre normal e anormal, legítimo e ilegítimo, aceitável e desviante (TRAQUINA, 2012, p. 29). Tais valores referem-se à ética e ao profissionalismo que o jornalista carrega consigo. É uma construção da identidade profissional no campo jornalístico que implica em definir “como ser jornalista e estar na profissão, é um ethos9 profissional” (TRAQUINA, 2012, p.100), permitindo que o grupo se localize socialmente, diferenciando-se, por sua vez, de outros grupos profissionais. A existência de padrões apropriados de conduta, ou seja, a existência de códigos deontológicos é um fator importante na elaboração do processo de definição de normas, deveres e valores básicos do jornalismo, “que sustentam de forma vigorosa o aspecto virtuoso que os agentes do campo pretendem atribuir à atividade” (OLIVEIRA, 2005, p. 28). Criação de manuais de redação, com seções voltadas para uma formatação da postura do profissional de jornalismo e ética, é mais um exemplo dessa reafirmação de valores e regras sobre os comportamentos considerados adequados no campo. Eles (as pessoas na ocupação) procurarão também definir e possivelmente consegui-lo-ão, não apenas uma conduta apropriada, mas até modos de pensar e de crer para todos individualmente e para o corpo social e político com respeito a uma certa área alargada de vida que creem estar no seu domínio ocupacional. (HUGHES, 1959 apud TRAQUINA, 2012, p. 199). 9 Identidade profissional, isto é, um ethos. É uma definição de uma maneira de como se deve ser (jornalista) / estar (no jornalismo).
  • 24. 24 Segundo Traquina (2012, p. 31), poucas profissões e poucos profissionais têm sido objeto de análises minuciosas intensivas ou de tantas críticas quanto à profissão quanto o jornalismo e os jornalistas. Compreender porque as notícias são como são - título dado por célebres teóricos como Nelson Traquina (2012), Michael Schudson (1988) e Jorge Pedro Sousa (2002), além de objetos de estudos, têm surgido diferentes teorias para explicá-las. É interessante refletirmos sobre a evolução que essas diversas abordagens, ao longo dos anos, oferecem ao jornalismo como um “espaço” aberto aos diversos agentes sociais. Vale ressaltar que Sousa (2002) comenta que, para que uma teoria científica seja construída, têm de existir dados suficientes para se poder enunciá-la com veracidade e clareza. Uma teoria científica do jornalismo deve procurar integrar os mais diversos fenômenos que enfatizem o resultado do processo de produção jornalística: a notícia. Assim, uma teoria do jornalismo deve explicar o resultado (a notícia) e seus efeitos, para remeter a uma universalidade da ciência. Contudo, uma teoria do jornalismo, como qualquer outra teoria do campo científico, deverá manter sua vigência enquanto não ocorrerem fenômenos que a contradigam, pois, o conhecimento científico, que é construído, como qualquer outro tipo de conhecimento, é “marcado pela possibilidade de refutação e, portanto, pela revisibilidade” (SOUSA, 2002). O estudo do jornalismo constitui um campo científico que perpetua já por várias décadas e, depois de tantos estudos nesse campo, é possível esboçar a existência de várias teorias que tentam, ao menos na época da pesquisa, responder à pergunta por que a notícias são como são. Traquina (2012) reitera que o termo “teoria” ainda é discutível, pois pode significar apenas uma explicação que seja plausível e interessante ao fato, e não um conjunto complexo elaborado e interligado por princípios e proposições. Observa-se, também, que essas teorias não são independentes uma da outra, ou seja, não são puras e não se excluem mutuamente. Sousa (2002) afirma que a teoria do jornalismo deve ser vista essencialmente como uma teoria da notícia, já que a notícia é o resultado desejado do processo jornalístico de produção de informação. Entre outras palavras, segundo o autor, a notícia é o fenômeno que deve ser explicado e previsto pela teoria do jornalismo e, portanto, qualquer teoria do jornalismo deve esforçar-se por delimitar o conceito de notícia.
  • 25. 25 A notícia é um artefato linguístico porque é uma construção humana baseada na linguagem, seja ela verbal ou de outra natureza (como a linguagem das imagens). A notícia nasce da interação entre a realidade perceptível, os sentidos que permitem ao ser humano “apropriar-se” da realidade, a mente que se esforça por apreender e compreender essa realidade e as linguagens que alicerçam e traduzem esse esforço cognoscitivo (SOUSA, 2002). Com a criação da penny press, os jornais são encarados como um negócio que pode gerar lucros, proporcional ao aumento das tiragens. Assim, com o objetivo de fornecer informações e não propaganda, os jornais começam a oferecer um novo produto: as notícias – cuja ideia central é a separação entre “fatos” e “opiniões” (Traquina, 2012, p. 34). E é a partir desse período, durante o desenvolvimento da imprensa enquanto atividade comercial e do nascimento do chamado “jornalismo informativo” - novo modelo de jornalismo do século XIX, que começou a se configurar as representações construídas no campo jornalístico. Traquina (2012) defende que os jornalistas são, na verdade, participantes ativos no processo de construção da realidade. Ou seja, as notícias são um resultado de um processo de produção, definido como a percepção, somada à seleção e à transformação de uma matéria-prima (os acontecimentos) num produto (as notícias). É a partir desse modelo e do processo de profissionalização da atividade que o jornalista começa a então, se revestir de uma série de valores e representações sobre seu ideal profissional. Os jornalistas constroem seu discurso identitário para estabelecer um sentido de vinculação com a profissão, que dá sentido e orienta o seu papel na sociedade, trazendo aos indivíduos reconhecimento social (OLIVEIRA, 2005, p. 16). Stuart Hall et al. (2002) escrevem que Então, quando os eventos são atraídos pela mídia para quadros de significado e interpretação, assume-se que todos nós possuímos e sabemos como usar essas estruturas, e que elas são derivadas fundamentalmente das mesmas estruturas de compreensão para todos os grupos sociais e públicos. (HALL et al., 2002, p. 55-56, tradução minha).10 Utilizando a sistemização já consolidada e seguindo estudos de 10 No original, em língua inglesa: “So that, when events are ‘maped’ by the media into frameworks of meaning and interpretation, it is assumed that we all equally possess and know how to use these frameworks, and that they are drawn from fundamentally the same structures of understanding for all social groups and audiences”.
  • 26. 26 Traquina (2012) e Sousa (2002), há de se considerar várias "teorias" de tendência divisionista que podem ser esquematizadas em linhas gerais com seus respectivos pontos centrais: 1. Teoria do espelho – Primeira teoria e a mais antiga, as notícias são como são porque a realidade assim as determina, ou seja, uma transmissão não expurgada da realidade. O jornalista, com base nesta explicação, seria um agente que não possui interesses específicos a defender e que o desviam de sua missão de informar, somente procurar a verdade e contar o que aconteceu. Em desuso pela academia, segue sendo o senso comum dentro das redações jornalísticas. Por ser antiga, é uma explicação ainda pobre e insuficiente, sem qualquer intuito de pôr em causa a integridade dos jornalistas. 2. Gatekeeping – as notícias são resultado de uma seleção de acontecimentos, com base nas opções particulares de cada jornalista, ou seja, dá ênfase à percepção e seleção individual do jornalista, caracterizando a seleção como subjetiva e decorrente dos valores do jornalista/selecionador. Publicado em 1950 por David Manning White, baseia-se numa pesquisa sobre a atividade de um jornalista num jornal de porte médio norte-americano, Mr. Gates, que anotou por uma semana os motivos que o levaram a rejeitar as notícias que não publicou. Na perspectiva do gatekeeper, o processo de produção de notícia é concebido por uma série de escolhas onde tem de passar por diversos portões. Por analisar as notícias apenas a partir de quem produz, ou seja, as notícias são apenas produtos da experiência, atitude do jornalista, trata-se de uma Teoria da Ação Pessoal (SCHUDSON, 1988). De certa maneira, é uma teoria que privilegia uma abordagem micro-sociológica, no nível do indivíduo, ignorando quaisquer fatores macro-sociológicos como a organização jornalística, (Traquina, 2012, p. 153), portanto, ainda uma visão limitada do processo de produção de notícias. 3. Teoria organizacional – Essa teoria amplia um pouco mais a perspectiva teórica, do âmbito individual ao organizacional jornalístico – um nível mais vasto. Forte nos anos 1960, a partir do estudo seminal de Warren Breed (1955), Controle social da redação: uma análise funcional, onde o autor sustenta que o jornalista se molda na política editorial da empresa do que a qualquer crença que carregue com si, através de uma sucessão sutil de recompensa e punição. Assim, na teoria organizacional, a ênfase recai na notícia como resultado dos condicionantes organizacionais, como as “hierarquias, as formas de socialização e aculturação dos
  • 27. 27 jornalistas, a rede de captura de acontecimentos que o órgão jornalístico lança sobre o espaço, os recursos humanos e financeiros desse órgão, a respectiva política editorial, etc.” (SOUSA, 2002). Breed ainda conclui que a linha editorial da organização é geralmente seguida, e a fonte de recompensas do jornalista não se localiza com os seus leitores, mas sim entre os seus colegas e superiores. “Em vez de aderir as ideias sociais e profissionais, o jornalista redefine os seus valores até o nível mais pragmático do grupo redatorial (Traquina, 2012, p. 159). 4. Teoria da ação política – Na nova fase de investigação dos estudos de Jornalismo a partir da década de 1970, alargou o âmbito de suas preocupações do nível do indivíduo, ao nível organizacional, ao nível comunidade profissional (TUCHMAN, 1991 apud TRAQUINA, 2012). Segundo essa teoria, as notícias distorcem a realidade, face aos interesses políticos dos agentes sociais, embora pudessem ser o seu espelho. A relação entre o jornalismo e a sociedade, pende sobre “as implicações políticas e sociais da atividade jornalística, o papel social das notícias e “a capacidade do Quarto Poder em corresponder às enormes expectativas em si depositadas pela própria teoria democrática” (TRAQUINA, 2005, p.163). Sousa, em sua releitura de Traquina (2012), aponta: Há duas versões desta "teoria". Uma delas afirma que as notícias são dissonantes da realidade porque os jornalistas, sem autonomia, estão sujeitos a um controle ideológico e mesmo conspirativo que leva os media noticiosos a agirem como um instrumento ao serviço da classe dominante e do poder. Por isso, para esses teóricos as notícias dão uma visão direitista, liberal e conservadora do mundo e contribuem para a sustentação do status quo. A outra versão sustenta que os media noticiosos são instrumentos da ideologia dos jornalistas. Estes são vistos como quase totalmente autónomos em relação aos diversos poderes. As notícias seriam enviesadas da realidade porque reflectem as convicções ideológicas e políticas dos jornalistas e as suas ideologias profissionais. Como os jornalistas, para esses pensadores, são maioritariamente de esquerda, as notícias tendem a privilegiar uma visão esquerdista do mundo (SOUSA, 2002, p.4-5). Assim, nas teorias de ação política, os media noticiosos são estudados de uma forma instrumentalista. Seja de esquerda ou direita, esses pontos de vistas defendem a posição de que a notícia serve os interesses políticos, ou seja, são distorções sistemáticas que privilegiam certos agentes sociais. 5. Teoria construcionista- Oposta à Teoria do Espelho, esta linha de investigação argumenta que é impossível os media noticiosos simplesmente refletirem
  • 28. 28 à realidade através das notícias, pelo simples fato de que as próprias notícias ajudam a construir a própria realidade. Defendem também que não existe uma lingaugem neutra nas notícias, pois elas são histórias que resultam de um processo de construção, linguística, organizacional, social, cultural. Segundo Sousa (2002), as rotinas são vistas como o resultado de um esforço organizacional para assumir uma vantagem estratégica. Todavia, numa tentativa de resguardar sua legitimidade profissional, os jornalistas ainda resistem em aceitar a definição de notícia como construção - ao paradigma da construção, de referir às notícias como histórias. A partir disso, Stuart Hall (1984) aponta: Sabe, eles (os jornalistas) dizem: “há um acontecimento; quer dizer alguma coisa. Quem quer que lá esteja vai perceber o que é que isso significa. Tiramos fotos. Escrevemos um relato. Transmitimos tão autenticamente quanto possível através dos media, e a audiência verá e perceberá o que aconteceu”. Assim que você disser, “mas as pessoas têm interesses em diferentes versões desse acontecimento, e que qualquer acontecimento pode ser construído nas mais diversas maneiras e que se pode ser feito para significar as coisas de maneira diferente, ” isso (afirmação) de certo modo ataca ou mina seu sentido de legitimidade profissional, e eles (jornalistas) resistem bastante à noção de que a notícia não é apenas um relato, mas uma construção”11 (HALL, 1984, p. 4, tradução minha). A partir dos anos 1960 e 1970, emergem duas teorias que também partilham esse novo paradigma de notícias como construção social: a Teoria Estruturalista e a Interacionista – elas são complementares entre sim, porém divergem em certos pontos importantes. Ambas rejeitam a teoria do espelho e pontuam que as notícias são resultadode processos complexos de interação do jornalista, não apenas na organização à qual pertencem, como era defendido na Teoria Organizacional, de Breed, mas entre jornalistas e as fontes de informação, os jornalistas e a sociedade, entre os membros da comunidade profissional, seja dentro ou fora da organização. 6. Teoria Estruturalista – Sousa (2002, p. 5) resume a teoria segundo 11 No original, em língua inglesa: “You know, they say, “There is na event: it means something. Anybody who’s there would understand that’s what it means. We take pictures of it. We write of it. We write an account of it. We transmit it as authentically as possible through the media, and the audience will see it and understand what went on”. And as soon as you say, “But people have interests in different versions of that event, and any one event can be constructed in a number of different ways, and be made to mean things differently,” that somehow attacks or undermines their sense of professional legitimacy, and they very much resist the notion that news is not just an account, but a construction.”
  • 29. 29 seus defensores: [...] as notícias são um produto socialmente construído que reproduz a ideologia dominante e legitima o status quo. Isto acontece porque os jornalistas e os órgãos de comunicação social têm uma reduzida margem de autonomia, cultivam uma cultura rotinizada e burocratizada e estão sujeitos ao controle da classe dominante, proprietária dos meios de comunicação, que vincula os media às suas (primeiras) definições dos acontecimentos. Assim como a Teoria de Ação Política, é uma outra teoria macros- socióloga, e concorda que o papel da mídia reproduz a ideologia dominante, porém diverge desta por reconhecer a “autonomia relativa” dos jornalistas em relação a um controle econômico direto, mas (Traquina, 2012, p. 176-177). Ou seja, os valores notícias são elementos largamente partilhados entre os diferentes meios de comunicação, sendo determinantes na socialização profissional, prática e ideológica dos jornalistas. Em seu livro “The social production of news: Mugging in the media”, Hall e seus coautores esclarecem que os aspectos do processo de construção da notícia envolvem a identificação (exemplo, nomeação, definição e referências a outros eventos ao público12) e contextualização de acontecimentos (atribuído a um contexto social, dentro de um quadro de significados familiar para o público) onde mapas culturais de significado do mundo social são acionados pelos jornalistas a partir das suas percepções consensuais sobre a sociedade. É pelos mapas que os jornalistas buscam tornar os acontecimentos significativos e inteligíveis. Assim, o jornalismo também oferece, em suas narrativas, interpretações acerca dos fatos que relata. Os media, segundo esse pensamento, contribuem para a hegemonia ideológica, e para justificar tal perspectiva, Hall et al. apontam a relação estrutural entre os media e os chamados definidores primários (primary definers). Nesta lógica, as fontes do tipo oficial, de caráter institucional, é que tendem a comandar a interpretação das notícias, estabelecendo os termos de referência do restante da cobertura jornalística. (Hall et al., 1973, p. 54-59) Então, para os defensores desta teoria, os media não se limitam a 12 Aqui, na colocação do autor refere-se à audiência/ espectador do veículo no qual o jornalista trabalha.
  • 30. 30 criar as notícias, nem a transmitir a ideologia da classe dominante13. Aliás, segundo os próprios autores, os media não são frequentemente os primary definers: A mídia não "cria" simplesmente a notícia; nem simplesmente transmite a ideologia da "classe dominante" de forma conspiradora. Na verdade, sugerimos, em um sentido crítico, que a mídia geralmente não é o "definidor primário" das notícias; mas a sua relação estruturada com o poder tem o efeito de fazê-los desempenhar um papel crucial, mas secundário, na reprodução das definições de quem tem acesso privilegiado, de direito, à mídia como "fontes credenciadas". Deste ponto de vista, no momento da produção de notícias, a mídia está em posição de subordinação estruturada aos definidores primários14 (HALL et al., 1973, p. 59, tradução minha). 7. Teoria Interacionista- Para esta teoria, os jornalistas vivem sob a tirania do fator tempo. O seu desafio cotidiano é ter de elaborar um produto final, seja notícia, jornal, telejornal, ou seja, trabalhar sob o deadline. As notícias também são um processo de construção social, (produto de um processo de percepção, seleção e transformação de acontecimentos), realizado por profissionais relativamente autônomos, que compartilham uma cultura comum e sujeitam-se aos “constrangimentos organizacionais, os enquadramentos e narrativas culturais que governam a expressão jornalística, as rotinas que orientam e condicionam a produção de notícias, os valores-notícia e as negociações entre jornalistas e fontes de informação.” (SOUSA, 2002, p.5). É visível que as teorias acima sintetizadas não apresentam fronteiras muito bem definidas. Autores como Sousa (2002) e Schudson (1988) estejam entre os defensores de que as teorias unidimensionais não conseguem explicar as notícias, propondo então uma teoria unificada, sistematizadora. 8. Teoria unificada do jornalismo - Alguns estudiosos acreditam na existência de conhecimento suficiente para se edificar uma teoria do jornalismo, outros não. Nesse trabalho, resumiremos a teoria de Sousa (2002, 2004), defensor da 13 Devido ao seu marxismo, Hall et al.precisam explicar como esse papel ideológico dos media é a continuição do sistema capitalista, isto é, a forma como os media asseguram a “ideologia dominante” (Traquina, 2012, p.179). 14 No original, em língua inglesa:“The media, then, do not simply 'create' the news; nor do they simply transmit the ideology of the 'ruling class' in a conspiratorial fashion. Indeed, we have suggested that, in a critical sense, the media are frequently not the 'primary definers' of news events at all; but their structured relationship to power has the effect of making them play a crucial but secondary role in reproducing the definitions of those who have privileged access, as of right, to the media as 'accredited sources'. From this point of view, in the moment of news production, the media stand in a position of structured subordination to the primary definers” (grifo do autor).
  • 31. 31 criação de uma teoria unificada do jornalismo e caso aconteça alguma contradição da teoria, que seja, eventualmente, revista e substituída. Sousa acredita que uma teoria científica deve ser “formulada de maneira breve, simples, clara e, se possível, matematizada” (Sousa, 2002, p. 10). Ainda, segundo o autor, a teoria do jornalismo deve explicar como surge, como se difunde e quais os efeitos que gera o produto jornalístico (notícia). De acordo com os resultados de pesquisas realizadas no campo dos estudos jornalísticos, como Sousa (2002), Shoemaker e Resse (1996) e Shudson (1988), Sousa (2002) percebeu dois pontos sobre as notícias: A teoria unificada da notícia de Sousa tem o seguinte enunciado: a notícia é o resultado da interação simultaneamente histórica e presente de forças de matriz pessoal, social (organizacional e extra organizacional), ideológica, cultural, do meio físico e dos dispositivos tecnológicos, tendo efeitos cognitivos, afetivos e comportamentais sobre as pessoas, o que por sua vez produz efeitos de mudança ou permanência e de formação de referências sobre as sociedades, as culturas e as civilizações (SOUSA, 2002, p. 10). Sousa transformou os dois pontos acima em duas funções interligadas num sistema: N = f (Fp.Fso.Fseo.Fi.Fc.Fh.Fmf.Fdt) 15 En = f (Nf.Nc.P.Cm.Cf.Cs.Ci.Cc.Ch)16 A primeira equação (em que Notícia (N) é Função (F) de várias forças) mostra que a notícia é produto de um processo histórico e presente da interação de várias forças (pessoal, social, ideológica, cultural, meio físico em que são fabricadas, dispositivos tecnológicos usados no seu processo de fabrico e difusão, histórica). A segunda equação17 (Efeitos da Notícia (En) são Função (F) de diversas variáveis) 15 Segundo o autor da formulação da teoria, a tradução matemática da fórmula diz respeito que a construção da notícia é uma função em que N (notícia) é diretamente proporcional ao produto das forças: pessoal (Fp), sócio-organizacional (Fso), extra-organizacional (Fseo), ideológica (Fi), cultural (Fc), histórica (Fh), do meio físico (Fmf) e dos dispositivos tecnológicos (Fdt). 16 Nesta fórmula, os Efeitos da Notícia (En) é diretamente proporcional ao produto das funções que seriam: formato de notícia (Nf), conteúdo da notícia (Nc), pessoa (P), circunstância: meio de difusão da notícia (Cm), circunstância: condições físicas de recepção da notícia (Cf), circunstância: sociedade (Cs), circunstância: ideologia (Ci), circunstância: cultura (Cc), circunstância: história (Ch). 17 Em seu trabalho posterior, “Construindo uma teoria multifactorial da notícia como uma teoria do jornalismo” de 2004, Sousa dividiu essa segunda fórmula em duas sem alterar o conteúdo.
  • 32. 32 evidencia os efeitos de uma notícia, ou seja, dependem da própria notícia, da pessoa que a consome, das circunstâncias que a pessoa a recebe. O pesquisador enfatiza que ainda “é possível explicar qualquer notícia em função da interação dessas forças e prever que qualquer notícia que venha a ser enunciada e fabricada dentro do sistema jornalístico resultará igualmente da interação dessas forças” (SOUSA, 2014, p. 42). 9. Newsmaking, Responsabilidade Social, Agendamento- Fortalecido nas décadas mais recentes, a perspectiva do newsmaking possui uma abordagem mais sociológica do jornalismo e que parte do reconhecer a existência de condições na seleção e na construção dos acontecimentos a serem narrados para definir o produto do jornalismo (notícia). A Teoria do Newsmaking tem, entre seus principais sistematizadores, Mauro Wolf (2010), Nelson Traquina (2001, 2005, 2008) e o norte- americano Gaye Tuchman (1978). Por esta visão, o Jornalismo “está longe de ser o espelho do real. É, antes, a construção de uma suposta realidade” (PENA, 2010, p.128). Nessa abordagem, a notícia em seu estado final seria resultado da negociação entre vários, de certa forma, gatekeepers, que, a despeito de suas inevitáveis subjetividades individuais, atuariam com base em critérios profissionais de noticiabilidade. Esses critérios variam de cada agente social, podemos citar: grau e nível hierárquico das pessoas envolvidas no fato; impacto sobre a nação e interesse nacional; proximidade do acontecimento; quantidade de pessoas que o acontecimento envolve; novidade; inesperado; personalização; infração; feitos excepcionais; interesse público, etc. Tal papel de selecionar o conteúdo dos noticiários, demonstra o papel da imprensa que representa de forma desigual os grupos sociais, refletindo apenas uma aparente polifonia nas páginas dos jornais. As fontes oficiais e institucionais, que mantêm uma relação próxima com a mídia, são mais facilmente representadas no conteúdo do noticiário (OLIVEIRA, 2005, p. 81). A Teoria da Responsabilidade social é um preceito romantizado e caro no campo jornalístico. Nessa perspectiva, os jornalistas são vistos como “cães de guarda da sociedade” (watchdog journalism) dos poderes instituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário). Como cão de guarda, o profissional da imprensa teria “uma espécie de “missão cívica” (“heroica”) a desempenhar” (SOUSA, 2002a, p. 87). A importância do trabalho do jornalismo de investigar, descobrir as irregularidades do governo e através de denúncias, torná-las públicas à sociedade, reforça as representações sociais que classificam o jornalista como corregedor dos desvios, cão
  • 33. 33 de guarda e vigilante responsável pela cobrança do bom desempenho dos órgãos e poderes instituídos (OLIVEIRA, 2005, p. 111). A mitologia jornalística coloca os membros desta comunidade profissional no papel de servidores do público que procura saber o que aconteceu, no papel de “cães de guarda” que protegem os cidadãos contra os abusos do poder, no papel de “Quarto Poder” que vigia os outros poderes, atuando doa a quem doer, no papel mesmo de herói do sistema democrático (Ungaro, 1992), tão bem projetado e, por diversas formas, no imaginário coletivo no espaço público democrático, e sobretudo em diversos filmes em que a magia do cinema oferece uma constelação de símbolos e representações da mitologia jornalística (TRAQUINA, 2004, p.87). Outro enfoque das teorias do jornalismo é a agenda setting ou Teoria do agendamento. O conceito toma forma com os trabalhos apresentados por McCombs e Shaw em 1972. De acordo com o agendamento, as pessoas têm tendência para incluir ou excluir de seus próprios conhecimentos aquilo que a mídia inclui ou exclui do seu próprio conteúdo (CASTRO, 2012, p 6). A mídia estrutura a realidade social para o público, organiza novos elementos dessa mesma imagem para formar opiniões e crenças novas. Apesar do surgimento de tecnologias, especialmente nos anos mais recentes, como a internet, banda larga e conexão sem fio (especialmente o sistema Wi-Fi18, disponível inclusive na grande maioria dos dispositivos móveis), em que os cidadãos podem acessar diretamente a inúmeros documentos, as previsões sobre o futuro do jornalismo parecem prematuramente errôneas - a chegada do cibermedia pode reforçar o papel do jornalismo e do jornalista nas sociedades contemporâneas, como falaremos mais adiante. 3.2 ROTINIZAÇÃO DO JORNALISMO “As notícias não são o que aconteceu, mas uma história sobre o que aconteceu” Robert Darton Ser jornalista ainda atrai muitos jovens apaixonados, idealistas, gente 18 Dispositivo de rede local sem fio.
  • 34. 34 que é curiosa, indagadora - que se perguntam se há uma solução para salvar o mundo, pessoas que se sentem realizadas de informar e trazer em primeira mão a informação à sociedade. Ciente de suas características, direitos, deveres, e também conscientes de suas lutas e esperanças, os aspirantes desejam a carreira por estar representando uma profissão desburocratizada, onde não há rotina e onde o inesperado sempre acontece. E dentro de toda essa representação do que é estar na profissão de jornalista, é razoável admitirmos que tal reprodução é romantizada. O jornalista, homem, sendo retratado como um tipo intelectual e boêmio que vive de café e intensos tragos de cigarro na redação, ou mesmo o jornalista enquanto herói. Essa visão mudou significativamente nas redações de hoje, marcadas cada vez mais pelo compasso industrial (OLIVEIRA, 2005, p. 56). A profissão, podemos afirmar, ainda tem laços muito fortes ligados em uma visão mais romântica, quando os discursos profissionais do que é ser jornalista ou quando tentam defini-la carregam uma aura militante e aquele desejo de mudar o mundo. Vemos claramente esse discurso do jornalista húngaro, Joseph Pulitzer (1904), criador do Prêmio Pulitzer19, maior prêmio de jornalismo norte-americano, quando define o que é um jornalista: Um jornalista é o vigia da ponte de comando do barco do Estado. Ele percebe uma vela que passa, as pequenas coisas interessantes que pontuam o horizonte quando o tempo está bom. Ele avisa sobre o nadador à deriva que o navio pode salvar. Perscruta através da neblina e da tempestade para avisar dos perigos adiante. Está ali para zelar pela segurança e pelo bem-estar das pessoas que nele confiam (PULITZER, 1904). Jornalistas consagrados no campo jornalístico como Marcelo Canella, ditam o papel do jornalista para participantes do Globo Lab20 Profissão Repórter na edição de 2017: “Nosso papel é importante para jogar luz em temas obscurecidos pela visão cansada das pessoas e pela ideia que o inaceitável pode ser aceito. Mas o que 19 Prêmio norte-americano outorgado a pessoas que realizem trabalhos de excelência na área do jornalismo, literatura e composição musical. É administrado pela Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque (EUA). Foi criado em 1917 por Joseph Pulitzer que, na altura da sua morte, deixou dinheiro à universidade. Parte do dinheiro foi usada para começar o curso de jornalismo na universidade no ano de 1912. O Prêmio Pulitzer é anunciado sempre em abril e os indicados são escolhidos por uma banca independente. 20 Segundo o próprio site da emissora, o Globo Lab “é um laboratório de ideias promovido pela rede Globo para fomentar a inovação, identificar talentos criativos e fortalecer o relacionamento com a nova geração de produtores de conteúdo e influenciadores digitais”. Todo ano o laboratório seleciona jovens para atividades de cocriação e desenvolvimento de projetos em parceria com múltiplas áreas da Globo.
  • 35. 35 muda a realidade é a sociedade politicamente organizada”. Para Miriam Leitão (2006), jornalista e apresentadora de TV, o jornalista não precisa ser todas as “coisas”: crítico, fiscal do governo, defensor da minoria dentre outras denominações, mas apenas ser aquele que busca a informação: “Não acho que o jornalista seja toda essas coisas que às vezes achamos que somos. Não acho que tenhamos que ser fiscais. Acho apenas que temos que estar atentos aos assuntos mais importantes e ter uma visão crítica em relação ao governo, aos políticos, aos empresários. A função primeira do jornalista é absolutamente simples: buscar e trazer informação. Quando o jornalista começa a achar que faz a história, ou que tem uma função social, é fiscal, é juiz, ele está errado” (LEITÃO, 2006). Já para o autor Walter Lippmann, entende que o público considera que o jornal deve servir com a verdade duas vezes todo dia, como era costume ler o jornal pela manhã e final da tarde, para assim, nos apresentar um “quadro verdadeiro do que nos interessa do mundo exterior” (LIPPMANN, 2008a, p. 152). Contudo, vale lembrar que o autor mesmo sugere que não devemos substituir a imprensa pelas instituições, mas que a imprensa fosse um órgão da democracia direta: A imprensa não é um substituto das instituições. É como um foco de lanterna que se move nervosamente em busca de um episódio e depois outro na escuridão. Os homens não conseguem realizar a tarefa do mundo apenas com essa luz. Não conseguem governar a sociedade por episódios, incidentes e erupções. Somente quando eles trabalharem com uma luz firme e própria é que a imprensa revelará uma situação suficientemente inteligível para uma decisão popular (LIPPMANN, 2008b, p. 183). Os autores Harvey Molotch e Marylin Lester, em 1974 entendem que o trabalho dos jornalistas – assim como outras profissões, ‘historiadores, sociólogos e analistas políticos – oferece aos cidadãos um leque de ocorrências a partir das quais se elabora um sentido de tempo público (MOLOTCH; LESTER, 1999). Além disso, eles pontuam o papel que o jornalismo cumpre na democracia: o grau de autonomia do campo jornalístico é um fator que distingue as ditaduras das democracias (MOLOTCH; LESTER, 1999). A legitimação do jornalismo enquanto instituição social é fortemente ligada na ideia que é necessário retratar fielmente a realidade para o público. Essa construção, firmado pelo jornalismo com seus leitores, pressupõe que o público creia
  • 36. 36 nas notícias ou nessa reconstrução discursiva, através de um contrato de leitura (Franciscato, 2005). Oriunda de todo um esforço empreendido no final do século XIX, para desvincular a imprensa da política e baseá-la no relato de fatos, foi a promotora da formação de um novo código deontológico (FRANZONI; RIBEIRO; MACEDO; 2011, p. 2) que levaria o jornalismo a ser identificado com valores até hoje a ele associados, como a verdade, a independência, a objetividade e a noção de serviço público (TRAQUINA, 2012). É preciso relembrar, porém, que o jornalismo que conhecemos hoje não é atual, ele possui as suas raízes no século XIX. Foi durante o século XIX que houve o desenvolvimento da imprensa popular e, a expansão dos jornais, com o aumento do número de tiragens, foi simultânea à crescente comercialização da imprensa. E ainda, segundo Traquina (2012, p. 34-35), os jornais, na época, a chamada penny press21, foram encarados como um negócio que rende lucros. Estes jornais tinham o objetivo de fornecer informação: as notícias, baseadas nos “fatos” e não em “opiniões” (TRAQUINA, 2012, p. 35). Desde então, a atividade é configurada como um negócio e as notícias como mercadorias que alimentam o desenvolvimento de empresas altamente lucrativas. Surgiram então a publicidade como uma forma de financiamento, avançou a rapidez e a agilidade na transmissão da notícia – um marco de identidade do jornalismo em que a obsessão de fornecer as últimas notícias, de preferência em primeira mão e com exclusividade do veículo, continua ainda cada vez mais viva. Com o desenvolvimento da reportagem, especialmente a grande reportagem, o jornalismo ganha certo prestígio. Somente no final dos anos 1880 que a grande reportagem se torna essencial no jornalismo francês (FERENCZI, 1993, p. 47-48). E entre os grandes repórteres, os mais admirados na época ficam a cargo dos correspondentes de guerra, marcado, principalmente, na guerra russo-japonesa que ocorreu em 1904-1905 (FERENCZI, 1993, p. 48). A comercialização da notícia tornou possível o amadurecimento da profissão de jornalista. Os grandes jornais, como o The Times, começaram a pagar 21 O conceito “Penny Press” surgiu nos Estados Unidos com a criação de jornais maioritariamente noticiosos, politicamente independentes, baratos e com um discurso acessível e direcionados para as pessoas comuns. Eram jornais generalistas, com elevadas tiragens, que na última década do século já atingiam mais de um milhão de exemplares, predominantemente noticiosos, apelativos, com textos simples, uso de imagens e machetes, grafismo inovador, títulos apelativos em termos de conteúdo e no aspeto gráfico, de preço reduzido.
  • 37. 37 mais para os profissionais de modo que começou a atrair mais pessoas para esse campo, permitindo que a profissão de repórter tivesse um nível social melhorado (TRAQUINA, 2012, p. 63). A expansão da imprensa implicou no desenvolvimento do capitalismo, na alfabetização dos cidadãos, a constituição de centros urbanos, na emergência de um novo sistema de governo. Também podemos afirmar que, devido a constante luta em prol da liberdade e de autonomia, foi possível o aumento do número de pessoas que se dedicavam em período integral à atividade jornalística. Nas últimas décadas, o caráter empresarial e mercadológico da imprensa ganhou maior agressividade e visibilidade. Nesse contexto, amparadas no discurso da exaltação técnica, empresas como a Folha de S. Paulo estimularam a adoção de uma postura a que se convencionou chamar de profissionalismo, (OLIVEIRA, 2005, p. 56), lançado manuais de redação e ética para moldar o novo profissional no campo jornalístico. Para o jornalismo, portanto, a objetividade, junto com a clareza e a concisão, são regras claras da notícia. Por mais que os manuais de redação afirmem que a objetividade perdeu seu peso, ela não foi descartada e continua a ser uma meta. (TRAVANCAS, 2010, p. 97). Como podemos ver no Manual da Redação da Folha de S. Paulo (2001, p. 28): Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções. Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais objetivo possível. Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e as repercussões, o jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza, o que não significa apatia nem desinteresse. E, paralelamente à transformação da notícia como um produto da imprensa, houve uma tentativa de padronizar os textos produzidos dentro das redações. O famoso lead foi criado pela imprensa estadunidense para atender ao leitor que precisa obter o maior número de informações no menor tempo possível. É então exigido do jornalista que ele seja capaz de “criar e inovar a partir da fórmula do lead, respondendo com eficiência às perguntas fundamentais sobre o fato noticiado” (TRAVANCAS, 2010, p. 28). Não podemos esquecer também do fato que existe o imaginário social sobre o papel do jornalista na sociedade, como aquele que consegue explicar os acontecimentos e apresentá-los ao público que, por sua vez, terá mais condições de
  • 38. 38 organizar sua rotina e de tomar decisões a partir dessas informações coletadas. Tal ato de testemunhar, descobrir e entender o que é importante, e então transmitir isso de maneira com que vários públicos possam entender, é a “tarefa sagrada” dos jornalistas, como pontuam Anderson, Bell e Shirky (2014). Dividida em seções temáticas (editorias), a cobertura da redação se concentra durante determinadas horas, “quando a maior parte dos agentes da redação está trabalhando. Fora desse período, apenas acontecimentos com significativo valor-notícia justificam o deslocamento ou atraso no horário de fechamento do jornal” (OLIVEIRA, 2005, p. 75). Apesar da velocidade ser um elemento inerente à prática do jornalismo diário, pode-se afirmar que o ritmo de produção nas redações, especialmente com o aparecimento do jornalismo online, acentuou-se nos últimos anos. Então, nesse contexto, onde os deadlines são cada vez mais apertados, a pressão por desempenho no processo produtivo tende a ser maior (OLIVEIRA, 2005, p. 75). No início do século XX, as organizações midiáticas começam a sofrer uma série de transformações, e também, início de questionamentos sobre o jornalismo, especialmente por causa das mudanças que as tecnologias trouxeram e trazem à rotina e à identidade do campo e aos profissionais que nele atuam. Em 1993, a professora Isabel Travancas afirma que a ideia de cidadania está subordinada a informação e, o jornalista é responsável pela transmissão de informação, portanto o papel do jornalista é essencial em termos de construção da cidadania. “Não há cidadão sem conhecimento, é este que torna o indivíduo um cidadão, na medida em que as informações lhe possibilitam escolhas, avaliações e participação na sociedade. Sem isso, sua atuação ficaria restrita ou seria inexistente” (TRAVANCAS, 1993, p. 107). Mais tarde, em seu outro texto em que discute a produção da notícia a partir de etnografias realizadas nas redações brasileiras, Travancas resume que, entre outras, “as finalidades da imprensa são informar, opinar, prestar serviços, divertir e mediar, entre outras” (TRAVANCAS, 2010, p. 99). Travancas acrescenta ainda que, ao analisar a rotina de jornalistas, percebe que essas finalidades variam de importância conforme os veículos e que os interesses da empresa, de alguma forma, também atravessam as práticas jornalísticas. Traquina (2012, p. 195) em seu capítulo “Rotinização do trabalho jornalístico” mostra que as formas rotineiras de trabalho permitem aos jornalistas
  • 39. 39 trabalharem com maior eficácia e, significamente, os repórteres e os diretores identificam esse conhecimento com profissionalismo. Visto como um método de controle de trabalho, o profissionalismo consiste em dominar as técnicas da escrita, mas também no domínio de saber quem contatar como fonte, quais perguntas fazer, ou seja, todo o saber do procedimento profissional (ERICSON et al. 1987 apud TRAQUINA). Quando há uma grande cobertura de evento, os profissionais do meio jornalístico tornam-se numa operação muito rotinizada, assim, confrontados pelo fator da escassez de tempo e pela abundância de acontecimentos, lutando para impor ordem no espaço e no tempo, os jornalistas são obrigados a criar uma rotina do inesperado22, devido a dependência dos canais de rotina (TRAQUINA, 2012, p. 197). Essa dependência dos canais de rotina pode acarretar consequências negativas sobre o trabalho do profissional do jornalismo. Por exemplo, quando as fontes começam a fazer parte da mesma rotina do jornalista de forma regular, pode acabar gerando uma interdependência. O perigo é evidente, como ressalta Lippman: O jornalista entra inevitalmente em contato pessoal com os líderes políticos e homens de negócio, criando relações de confiança e de simpatia; é muitas vezes difícil e muito embaraçoso ignorá-las (HOCH, 1974 apud TRAQUINA, 2012, p. 197). Assim, quando há essa dependência dos jornalistas com as fontes, podem ficar orientados para a fonte e, assim, escrever para a fonte e não ao público, como seria seu objetivo ético. Pode haver também que, uma parte significativa das notícias sejam condicionadas por fontes que conhecem a mecânica do trabalho jornalístico. Por isso, deve-se ressaltar a importância de uma rede de notícias (news net) de uma instituição jornalística, organizada a partir da cobertura realidade pelos seus profissionais, pela distribuição de suas sucursais e pelos contatos que pode estabelecer com outras instituições, como os press releases ou releases (MOURA, 2006, p. 39-40). É bom lembrar que os releases são condicionados aos 22 Termo designado por Gaye Tuchman (1973) evidencia que, na produção jornalística, o fator “tempo” acaba distanciando o jornalista, que trabalha com o fatual, da possibilidade de produzir notícias analíticas. O deadline e a hora do fechamento impõem pressões ao jornalista que, para “dar tempo”, lança mão de certas estratégias como a objetividade. Ademais, a empresa jornalística busca planejar o seu futuro trabalho fazendo um organograma dos acontecimentos previstos, impondo assim, um ritmo ao jornalista, criando, portanto, uma rotina do inesperado.
  • 40. 40 interesses de suas instituições de origem. Mesmo com as vantagens trazidas pela introdução de novos equipamentos tecnológicos nas instituições do jornalismo não representam, necessariamente, condições mais favoráveis de trabalho, já que a própria mídia enfatiza o imediatismo, prima a velocidade, acompanhadas pela redução do quadro de funcionários. Hoje, é bem difícil presenciar nas redações figuras como o redator e o revisor, por exemplo. Com a extinção desses cargos, acentuou-se o ritmo de trabalho dos repórteres, consequentemente acumulando esses papéis em suas funções. Em algumas redações, nota-se que, além de produzir material para o jornal impresso, a função do repórter também é responsável por abastecer o site de seu veículo, assim como páginas de redes sociais. Para os jornalistas que trabalham exclusivamente para o suporte online, as condições de produção são ainda mais urgentes. Nesse meio, a instantaneidade tem sido considerada um indicativo de qualidade do produto. (OLIVEIRA, 2005, p. 72). Sousa (2002b) lembra ainda que, em deadlines ou em horários de fechamento, o jornalista interrompe o processo de coleta de informações das fontes para, imediatamente, começar a construção de elaboração do texto com os dados obtidos até então, mesmo que estes estejam insuficientes para a problematização do assunto: A pressão do tempo, agudizada pela competitividade, levaria ainda os jornalistas a relatar frequentemente as histórias em situações de incerteza, quer porque nem sempre reúnem os dados desejados quer porque necessitam de selecionar rapidamente acontecimentos e informações (SOUSA, 2002b, p.48). LOPES (2014) não esquece que o “fazer jornalismo” e todo esse saber de produção de notícias é atravessado por uma série de vetores sociais e um deles é a força do dinheiro. Organizações jornalísticas como emissoras de rádio, redes de televisão, jornais, portais de notícias são uma empresa, e como tal, são interessados em gerarem lucros: O processo de produção de notícias está integrado em uma rotina industrial e, dessa forma, critérios de noticiabilidade atravessam diferentes interesses. O setor de marketing almeja que os anunciantes do jornal ultrapassem os quadrados a eles destinados e sejam boas fontes de notícias. Os editores setoriais querem que suas editorias sejam capa e tenham mais destaque. Os repórteres reconhecem que, para alcançarem boa reputação ou mobilidade profissional, precisam
  • 41. 41 estar em sintonia com política da organização. Mas o grande problema é que, no fim das contas, a balança mais importante para todas esses interesses são as vendas, a audiência e, com esse fiel, manter valores e atitudes éticos e juridicamente legais torna-se um desafio (LOPES, 2014). Em contraponto à essa lógica mercadológica, o Código de Ética do Jornalistas Brasileiro afirma, em seu primeiro artigo, que “o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse” (CÓDIGO..., artigo 1.º). Há atualmente um quadro grande de insegurança nas redações. Os profissionais do campo jornalístico acabam passando por várias dificuldades, desde a escassa vaga de emprego23, onde há grande mão-de-obra e pouca absorção desta disponibilidade no mercado, os baixos vencimentos e as precárias condições de trabalho trazem dificuldades para se discutir melhores condições, juntamente com o aumento da rotatividade de jornalistas na redação. Além de tudo isso, segundo Oliveira (2005), os jornalistas contemporâneos do meio impresso têm enfrentado dificuldades perante sua posição de comunicador com a adoção das tecnologias: Além do fantasma do desemprego, os jornalistas do meio impresso também têm convivido com o incômodo questionamento da validade de sua posição de comunicador na sociedade contemporânea, onde um fluxo sem precedentes de informações tem sido divulgado no meio digital, muitas vezes sem qualquer mediação por parte de um profissional da comunicação. Sintomático é o famoso caso do escândalo envolvendo Mônica Lewinski. O fato vazou pela Internet antes de qualquer veículo jornalístico ter acesso à informação. Ou seja, os jornais (impressos e eletrônicos) foram simplesmente furados por um não jornalista. Os debates questionando a sobrevivência do jornal impresso em longo prazo, a partir do advento da Internet, ganharam expressão nos últimos tempos. Segundo Dizard (2000), apesar das mudanças trazidas pelas novas tecnologias, a imprensa provavelmente continuará ocupando um lugar importante na mídia por muito tempo. Contudo, para sobreviver, segundo o teórico, os jornais terão que adaptar seus formatos (OLIVEIRA, 2005, p. 30). Para Travancas (2010) o jornalista ainda possui a função de apurar e, mesmo com a entrada das tecnologias, os profissionais da área têm rotinas corriqueiras e estressantes: 23 As universidades brasileiras formam anualmente em seus cursos de jornalismo e comunicação, milhares de profissionais, sendo que o mercado abre poucas vagas para a grande parcela deles.
  • 42. 42 Os jornalistas continuam tendo rotinas estressantes, intensas, imprevisíveis, mesmo com a entrada em cena dos computadores e das novas tecnologias. As próprias tecnologias, em certo aspecto, não “aliviaram” o trabalho dos repórteres, como é o caso do celular e da internet. Ao contrário, ele pode ser localizado em qualquer lugar e pode transmitir informações a todo hora em tempo “real” sem maiores dificuldades. Isso na realidade vai exigir uma performance mais engajada e conectada do que antes. O jornalista, hoje, precisa ser um profissional de múltiplas habilidades. E nem na pesquisa dos anos 90, nem na de 2000, estava presente a questão da convergência midiática. Muitos profissionais hoje são obrigados a produzir conteúdo para mídias distintas, fazendo inclusive o papel de fotógrafo ou cinegrafista, graças às novas tecnologias (TRAVANCAS, 2010, p. 100) De acordo com Natalia Raimondo Anselmino (2012) em seu livro sobre o jornalismo online e o público24, a introdução das tecnologias obrigam as instituições jornalísticas a mudarem as rotinas profissionais e os modelos de negócios e, da mesma forma, devem fazer com que os intelectuais da área vejam a necessidade de incluir essas discussões nas perspectivas e na teoria. 3.3 ROTINA DE PRODUÇÃO NO JORNALISMO DIGITAL: NOVAS TEORIAS? Em 1930, a introdução da imagem como ferramenta nos jornais estadunidenses trouxe inovações editorais significativas no jornalismo, tanto na sua estrutura institucional de produção e nas relações de trabalho quanto no formato e no conteúdo propriamente dito (FRANCISCATO, 2003, p. 215). Essa mudança trouxe também a consolidação editorial com o imediato, o factual e a objetividade, pois a captura da imagem dentro de certo enquadramento pelas lentes da câmera, revela certo potencial deste recurso no registro do ‘instante’: A captação do 'instante' já foi uma inovação técnica na história da fotografia, pois representou a superação de um tempo de espera (o ato de posar como duração) até que as chapas pudessem captar a imagens. Por isso que Lissovsky considera que "...o instantâneo não diz respeito à segmentação do movimento, mas à desaparição do durante no interior do ato fotográfico" (1999 apud FRANCISCATO). O ‘instantâneo’ surgido através do ato de fotografar possui o mesmo sentido da instantaneidade jornalística contemporânea do produto notícia. Ao mesmo tempo que a câmera trouxe a superação do intervalo de tempo entre o evento e seu 24 Disponível em: <http://www.cim.unr.edu.ar/archivos/la_prensa_online_y_su_publico_gratuito.pdf>. Acesso em: 09 jan. 2018.
  • 43. 43 registro, a concepção do produto notícia, que busca registrar o instante em tempo real com o máximo de fidelidade possível (ponto de vista da Teoria do Espelho, mais a objetividade, concisão), para assim, transmiti-lo imediatamente, e a introdução da transmissão ao vivo, através das mídias como rádio e televisão, radicalizou ainda mais a vinculação com o público-leitor ao “tempo dos acontecimentos”. E com esse aparato comunicativo capaz de interligar sociedades, se deu não somente em decorrência do papel desempenhado pelo conteúdo jornalístico, mas também pela multiplicidade das mídias e de seus produtos midiáticos. Esse caráter ilustrativo que prima a transmissão do instantâneo não é algo novo dos aparelhos tecnológicos do começo da década de 2010. Não irei adiante, neste momento, para levantar um contexto histórico das mídias e suas evoluções até os dias atuais, ou sobre a definição do jornalismo digital. Conforme nossa linha de trabalho, nesse subcapítulo discutiremos sobre a convergência do cenário da comunicação com a internet e, se é necessário reformular, até então, novas teorias sobre a produção jornalística em face às teorias estudadas no capítulo anterior. Importa-nos salientar alguns aspectos sobre essa mudança na forma de transmitir informação e como isso afeta em nosso objeto de estudo. Ultimamente, é difícil você não se informar através de uma rede social. Vídeos da última chuva forte que derrubou inúmeras árvores no centro da cidade, o conto que ‘viralizou’ na internet, “Cat Person25”, que gerou inúmeros debates em redes sociais e na grande mídia sobre os relacionamentos atuais – caso raro de ficções. Ou mesmo podemos citar o exemplo do Caso Weinstein que começou em 5 de outubro de 2017, desde a publicação do jornal New York Times26 relatando a primeira acusação de assédio contra o produtor de Hollywood, Harvey Weinstein. Porém foi mesmo a partir do tweet27 da atriz Alyssa Milano com a hashtag “me too” (“eu também”), que nas primeiras 24 horas, as 500 mil respostas no Twitter e os doze milhões de posts no Facebook, mulheres do mundo inteiro contaram seus relatos de assédio. 25 Disponível em: <https://www.newyorker.com/magazine/2017/12/11/cat-person>. Acesso em 08 jan. 2018. 26 Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/10/05/us/harvey-weinstein-harassment- allegations.html>. Acesso em 08 jan. 2018. 27 No original, em língua inglesa: “If you’ve been sexually harrassed or assaulted write ‘me too’ as a reply to this tweet”. (Se você já foi assediada ou agredida sexualmente, responda esse tweet com um ‘eu também’.)
  • 44. 44 É nesse boom de avalanches de compartilhamentos e respostas que inúmeros posts viralizam todo dia nas redes sociais. Seja um assunto de entretenimento, que esteja em pauta na mídia e nas redes sociais (como no caso citado acima) ou sobre um vídeo de um Youtuber que incomodou as pessoas28: as empresas de jornalismo sabem disso. O ingresso de tradicionais grupos de mídia nas plataformas online, como o New York Times, The Guardian e BBC, que passaram a publicar artigos e matérias diretamente na rede social Facebook desde maio de 2015, “revela mais uma ação das grandes companhias de comunicação para atraírem a audiência virtual e fazerem frente à produção de conteúdo nas redes sociais” (HANZEN, 2015). Essa relação pode implicar a várias consequências, uma delas é a perda de controle na distribuição das informações no espaço online por parte dos meios de comunicação. Ou seja, a imprensa submete seu conteúdo de acordo com as regras e à gestão da empresa de Mark Zuckerberg29, sem possibilidade de controle do seu próprio produto. Por outro lado, o Facebook oferece às empresas de mídia ferramentas para divulgação de conteúdo informativo, como por exemplo, mapas interativos e a capacidade de postar fotos de alta resolução, permitindo uma visão especial pelos leitores. Também existe a opção de postagens de artigos instantâneos30 - criado especialmente para usuários com aparelho celular, ao qual permite que o carregamento do artigo seja 10 vezes mais rápido31 do que normalmente seria no site 28 O norte-americano e Youtuber, Logan Paul, 22, no começo desse ano, subiu um vídeo polêmico para os seus quinze milhões de seguidores no Youtube e quase quatro milhões no Twitter, em que mostra um homem enforcado na floresta Aokigahara, localizada nas bases do Monte Fuji, no Japão. 29 Mark Zuckerberg é um programador e empresário norte-americano, que ficou conhecido internacionalmente por ser um dos fundadores da rede social mais acessada do mundo, o Facebook. 30 Update da rede social Facebook, em que a rede social começa a hospedar reportagens diretamente em seus servidores, acompanhado por recursos multimídia adicionais. Disponível desde o dia 13 de maior de 2015, começando em jornais como The New York Times, The Guardian, Buzz Feed entre outros. 31 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1628506-como-funcionam-artigos- e-reportagens-publicados-diretamente-no-facebook.shtml>. Acesso em 08 jan. 2018.
  • 45. 45 Figura 1 - Jornal El Pais Brasil no Facebook com a ferramenta artigo instantâneo Fonte: Facebook Mas com essas indefinições de quem é o ganhador ou o perdedor nesse cenário da comunicação, a convergência32, de acordo com Henry Jenkins (2008), não significa perfeita estabilidade nem unanimidade. O fato é que as tecnologias “acabou” com a linha tênue que havia entre o emissor e o receptor da informação, aproximando mais essa relação e permitindo que os indivíduos sejam ao mesmo tempo produtores, consumidores e comentaristas da notícia veiculada no meio online. Diante de tal protagonismo do cidadão conectado, o jornalista possui menos controle da informação e tempo para a produção da informação. Devido a isso, “já não 32 Baseado na definição de JENKIS (2008, p. 27), aqui a convergência refere-se ao fluxo de conteúdos através de “múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam”. É uma palavra, segundo o próprio autor que, consegue definir “transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando”.
  • 46. 46 é possível seguir à risca a Teoria da Organização que pressupõe que as notícias são como são porque as empresas e organizações jornalísticas assim as determinam” (HANZEN, 2015). E, concomitante a essa difusão de notícias, as empresas de notícia não saem perdendo de todo modo. Vale destacar que os meios de comunicação têm se beneficiado em grande medida das redes sociais, pois fidelizam seus seguidores, melhoram a identidade da sua marca e, como já citado, distribuem seu conteúdo em efeito cascata (através de compartilhamentos) entre os membros da rede social, melhorando sua repercussão (LONGHI, FLORES, WEBER 2011 apud HANZEN 2015). É possível encontrar também críticas nas plataformas digitais33, como em blogs e sites de redes sociais, quando se referem no que seria o bom jornalismo (BRUNS, 2011, p. 119). A busca de um equilíbrio entre postar as notícias com primazia velocidade, objetividade, credibilidade e ainda tendo uma proximidade com o usuário no processo de produção34 não é uma tarefa fácil numa época de convergência de mídias. As hipóteses e manuais de produção herdadas dos jornais norte-americanos e que chegaram no final da década de 80 aqui no Brasil, ajudam os profissionais a tentarem administrar e a organizar o trabalho na redação, (HANZEN, 2015). Porém, ainda segundo Hanzen (2015): A nova realidade implica olhar estas hipóteses de forma crítica e incluindo as novas variáveis da interação. Contudo, o atual cenário não chega a colocar as teorias em suspeição. Mas exige a incorporação das mudanças que ocorreram no jornalismo, desde o advento da internet, e, mais recentemente, com as mídias sociais. E não somente o público que pressiona o jornalista a ser veloz na transmissão de notícias, a mídia enfatiza o imediatismo, tanto mais o jornalista estará condicionado a produzir notícias superficiais, ou apoiado apenas no discurso de fontes oficiais e em ideias feitas (que reproduzem, respectivamente, valores de poderes instituídos e do senso comum), tudo consciente pela empresa, ambiente profissional e pelos próprios empregados. Outro ponto negativo que podemos citar é a divulgação 33 Discutido mais profundamente no último capítulo do presente trabalho. 34 Aqui, o usuário participa do processo de produção da notícia através do seu compartilhamento, em que repassa para outros usuários (seus seguidores ou followers), ampliando o efeito de transmissão da informação do veículo. Assim, a repetição dessa ação potencializa o processo conhecido como spread, fazendo com que o usuário se sinta fazendo parte de todo esse ciclo.