Este documento apresenta vários contos e poemas sobre o tema de sapatos e pés. Três histórias em particular exploram como encontros casuais podem ocorrer quando mulheres estão menos arrumadas, contrastando com a crença de que homens preferem quando mulheres estão sempre perfumadas e produzidas. Os poemas abordam temas como a liberdade de andar descalça, a magia da dança, e o conforto dos pés. A revista literária celebra a feminilidade através de diferentes perspectivas sobre calçados e a j
1. ELIS::02
Australiana
Bella Dona
Betina Menini
Hacha
Magnólia Reis
Maria Miranda de Paula
Marina de Los Pasos
Munique Duarte
Regina de Lourdes
Virginia Z.
participações especiais
Bruna Moury
Grupo Dani Alegria
revista literária on line::ano01.edição02::novembro2012
2. ELIS::02
edição::Ani Almeida contate::colabore::
co-edição.diagramação::Tammy Almeida editora.revistaelis@gmail.com
colaboradores::Ani Almeida::Eduardo F. Moura::Guilherme C. Antunes::Ingrid www.revistaelis.blogspot.com
Machado::Joakim Antonio::Munique Duarte Alvim::Paulo Juner::Rafael @revistaelis
Zen::Rosa Queli Cambraia Soares::Sonia Regina Rocha Rodrigues ::Por ser uma Revista literária e de colaboração coletiva, as ideias e conceitos
participação especial::Bruna Moury::Grupo Dani Alegria expressos pelos autores selecionados são de suma responsabilidade dos mesmos,
imagens::Bruna Moury::Sandra Martins Modesto::Tammy Almeida assim como as declarações de autoria pelos textos e imagens publicados.
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3. ELIS é uma Revista Literária online, gratuita, que tem a
mulher como personagem principal.
"Elis é irreverente, feminina, ousada, criativa, inteligente...
Elis é mulher, ama, sofre, talvez sofra mais do que ame, e
continua, viva. Elis é o que sobra no reflexo do espelho: o
elemento secreto em cada mulher."
mundo da ELIS | Com uma temática e um desafio
diferentes à cada Edição, os colaboradores são convidados
a assumir um papel feminino e prosear em versos, textos e
imagens.
Opiniões e gostos à parte, o intuito é trazer aos leitores uma
variedade literária para o seu desfrute, com muito bom gosto
e prazer.
Assuma o seu melhor papel de mulher, perca o controle,
escreva e convença o leitor de que o seu texto é o mais
feminino da Revista, de que nele há a presença da Elis (mulher
brasileira, musa inspiradora da Revista, talvez, uma entidade).
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4. ELIS::02
"Não sei como a Leila insiste em namorar aquele pé-rapado do Robertinho! Já falei que ela se daria muito melhor com o costa-
larga do Ricardão, mas ela me escuta? Naaada! É pior que burro quando empaca, continua enfiando o pé na lama, andando de meia
furada...Tá parecendo a Irene, aquela rasteirinha do 202, que gosta de sofrer, vive de idealismos. Feminista até o último fio de
cabelo, pra ela, salto alto é hipocrisia, havaianas é status e all star, apenas modismo. Ela ainda se deu ao luxo de dar uma bota
no Fernandinho, acredita? Um rapaz pé-quente, ele não é de se jogar fora não... Eu me pergunto: porque eu não tenho essa sorte?
De ter um homem como o Fernandinho pra fazer meu pé-de-meia? As vezes a vida é tão injusta, né, Joanete? Ah, agora sim, você
ficou uma bonequinha com essa meia fina...hum, vai arrasar o coração do Paulão. É isso aí, amiga, pelo menos uma de nós têm que
se dar bem! Falando nisso, deixa eu ir ajeitar a janta do Juarez, uma verdadeira pedra no meu sapato, ou melhor, uma pedra de
tropeço, óh vida...".
Então, qual SAPATO você vai usar hoje?
Abra o seu armário para a ELIS e revele os seus sapatos mais íntimos, engraçados, encardidos e embolados!
::salto fino ::pé quebrado
::havaianas ::pé rapado
::pantufa ::bicho de pé
::ana bella ::pé-de-moleque
::bonequinha ::meia furada
::rasteirinha ::pedra no sapato
::bota ::sapato velho
::all star ::sapato molhado
::sapatilha ::sapato apertado
::sandália ::pé descalço
::meia fina ::couro e camurça
elis::sapatos 04
5. 06 ::editorial::
::pé descalço::
07 Par Ou Ímpar
08 sem título
::bonequinha::
09 .de.abraços.pro.ar.
::rasteirinha::
10 Nada como um encontro espontâneo e casual
::meia fina::
12 Meia fina rosa
::sandália::
13 Meias Azuis
::sapatilha::
15 Sapatilha.
::salto fino::
16 R$20.
17 Depois de dois goles
::pé quebrado::
18 fricote
::botas::
19 O delírio comum das botas roxas
::sapato molhado::
21 sem tíltulo
22 ::créditos::
6. editorial
Ani Almeida
Com que sapato eu vou...
pra onde mesmo?
Entre a briga de sapatos, chinelos e sandálias, a segunda
ELIS traz na sua vitrine textos repletos de bom-humor, amor,
inquietações e dramas nada incomuns.
Das ilustrações que apresentam o tema com leve destreza
(Conversa central e Ensolarou as pernas) aos sapatos e pés que
relatam momentos cômicos (Meias Azuis), a Revista é preenchida
com páginas animadas.
Entretanto, algo que predominou nos textos enviados foi não
apenas a busca pelo sapato ideal, mas por si mesmas: personagens
e mulheres que, oras se entendem muito bem consigo (Meia fina
rosa), outrora não compreendem a caminhada (Depois de dois goles)
e caminham sem escorregar na poética (Sapatilha.).
Mulheres, meninas, bailarinas e nem tão mulheres assim (vide
a dama de paus dos R$20.) expressam o repensar dos passos,
dos caminhos percorridos por nós, Elis. Mulheres que, na própria
etimologia poética da palavra, constantemente sonham (O delírio
comum das botas roxas) e amam (Sem título, Bella Dona).
Para finalizar, um gostoso haicai (Sem título) encerra essa
caminhada. Esperamos que o Sol desponte logo na próxima manhã.
Ótima leitura em passos sem pressa!
elis::sapatos 06
7. Par Ou Ímpar
Betina Menini
Chinelo e sapato
estão me dando uma canseira;
brigam tanto todo dia,
botei de castigo na prateleira.
Sapato anda emburrado,
chinelo não quer conversa,
vou dar puxão de orelha
num e noutro e vice versa.
Sapato quer ir à praia,
chinelo quer ter palmilha,
vão pro raio que os parta
e eu fujo para uma ilha.
Sapato é desaforado,
chinelo muito briguento.
Vou é andar descalça
que estes dois eu não aguento!
elis::sapatos 07
8. Bella Dona
Já quis ser bailarina
não pela dança
é que desde criança
me pegam nos braços
Sempre fui diferente
pode até ser fetiche
mas escolho sapatos
pensando nos braços
Que irão me envolver Quando os vejo
na dança, na cama nem sequer disfarço
me levantando no ar contato nos olhos
como a uma criança com tato nos braços
Dançarei na terra Mas com esse gosto
serei alçada a lua sei não ser única
tua doce loucura por isso eu cuido
erguida nos braços não por isso amarro
Só ando de pé descalço
Se acabar minha sorte
possui braços fortes
meu melhor sapato
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9. .de.abraços.pro.ar
Magnólia Reis
MAGRELA
rodopia
GIRA
fio de cabelo
na cabeça
feito balé
Abraça vento todo
como se
apertasse todo mundo
Cabelo
comprido-curto
brilho de purpurina.
Colorida
a pequena menina
menina bailarina
pisa em passo de valsa
o mundo que rodopia.
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10. Nada como um encontro espontâneo e casual
Australiana
O fato é que toda vez que a gente se arruma me disse que a gente nunca devia colocar calcinhas
toda, se produz, se perfuma, o sujeito desaparece! rasgadas ou desfiadas, porque se a gente desse
- desabafou Helena. - Homem gosta é de mulher azar de ser atropelada, todo mundo ia ver as nossas
desmazelada. Pois outro dia eu saí de manhã pra calcinhas e seria uma vergonha - riu - como se quem
ir a padaria, com o casaco por cima do pijama, que acudisse uma vítima de atropelamento fosse lá se
estava um frio de congelar pingüim, amarrei o cabelo preocupar em olhar as calcinhas. Ou como se fosse lá
de qualquer jeito na nuca, pois ninguém imagina que uma coisa comum a gente ser atropelada por aí.
vai trombar com o sapo encantado às sete da manhã O fato é que Patrícia estava de olho no dentista
em plena padaria, e não é que encontro um advogado do plantão de domingo. Até já dera um cartão do
todo alinhado, de terno e gravata, tomando café no consultório para ele, como quem não quer nada,
balcão, eu toda envergonhada e o gajo vem puxar acrescentando o seu telefone pessoal atrás, mas o
papo comigo, me convida para jantar e acabou virando moço, até agora, não dera sinal de ter entendido a
namoro? mensagem.
O mesmo acontece comigo - confessou Rita - eu Logo, logo, Patrícia teve a oportunidade de verificar
quando saio com calcinha nova, combinando com sutiã, esta particularidade dos homens - sua predileção pelo
não rola nada, nada. Pois quando acho que não vai que não é arrumado, arranjado, perfeito. Pois ao sair
rolar, enfio qualquer calcinha tipo 'olá, mamãe' como de casa em um dia de verão, foi surpreendida por uma
no filme da Bridgit Jones, o camarada me arrasta chuvarada destruidora de sandálias rasteirinhas.
para a cama? A coitada da moça, não bastasse estar sem guarda-
As três amigas riram. chuva, também ficou descalça. E lá estava ela, sem
- Acho que nunca via rolar nada comigo, então - graça, a voltar para casa como um pinto molhado,
exclamou Patrícia. - eu nunca saio de pijama e estou cabelos escorrendo, rasteirinhas na mão, quando
sempre com as calcinhas bonitas, vocês não vão esbarra no dentista. Ele, todo seco, elegante em seus
acreditar, mas é trauma de infância, um dia mamãe trajes de consultório. Ela bem que tentou passar sem
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11. ser notada, mas ele chamou-a pelo nome, e, como se
não percebesse o lastimável estado da moça, toca a
tagarelar, emendando um assunto no outro, e, por
fim, confessando:
- Faz tempo que estou a fim de você, que tal jantarmos
esta noite? Você gosta de lagosta?
Pois Patrícia contou esta história para as amigas na
praia de domingo:
- Lagosta? Ora essa, eu toda arrumada não
ganho nem copo de água, e descalça ganho lagosta?
Pois vivam os pés descalços, as rasteirinhas
arrebentadas, e desisto de vez de entender os
homens !
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12. Meia fina rosa
Munique Duarte
Saiu de lá de dentro
onde era um calor infernal
do lado de fora
frio alarmante de 10 graus
atravessou a rua e perdeu o táxi
que bom que economizaria então
a mixaria que ganhava
dentro de uma meia fina vermelha
dançando o que não entendia
do cantarolar inglês
da birosca de calor infernal.
Não escolheu nada daquilo
era uma fada quando criança
fez balé em meia fina rosa
sonhava flores na porta
depois de campainha tocada
a vida dá pontapés em quem não espera.
Imagina trocar a cor da meia fina
e ainda sonha com sapatilhas
as flores ela deixará para depois
se ajeita no casaco
no frio invernal
amanhã é outro dia, quem sabe?
Ela sabe muito bem.
A meia fina não trocará de cor.
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13. Meias Azuis
Regina de Lourdes
Amo Gustavo mais do que tudo. É meu noivo e, a não tarde, desabotoa a camisa de linho e a põe pra secar
ser que aconteça uma catástrofe, a não ser que o suor na cadeira antes de levar para o cesto. Livra-
uma bicicleta o atropele distraído pela praça, vamos se da calça vincada e põe o short de ficar em casa,
nos casar em, no máximo, um ano. Ele está para ser com uma camisa de algodão. Mas sua mania, eu ainda
promovido no cartório. Disse que se continuar puxando não disse (por uma vergonha boba, sei lá)... É que
o saco do chefe como já puxa, é promovido em menos Gustavo trabalha de sandália de couro e meia azul.
de um ano. É só isso que falta para nos casarmos:
uma promoção. Com o aumento, vai dar para pagar o No início eu também achava pavoroso, mas já me
aluguel no Catete. É que Gustavo não quer morar longe acostumei. Só não consigo olhar. Ele chega em casa,
da mãe. E não é má idéia ter a sogra por perto, uma se livra da camisa, se livra da calça, mas permanece
senhora muito experiente. Ela pode ajudar quando os com a sandália de couro e a meia azul. Eu tenho
netinhos chegarem. Se chegarem. Berenice, coitada, que tratá-lo assim, olhando no olho. Se olhar para
casou já tem seis anos e ainda não veio uma criança. seus pés azuis na ponta daquele caniço de perna,
Mas ela casou de maneira precipitada. Eu sempre fico roxa, desconcentro, consigo fazer nada. Ele só
disse, e mamãe sempre dizia, "quem casa quer casa, retira a sandália para dormir. Ao menos isso. Mas a
Berenice. Vai viver de que? De vento?", mas ela nem meia permanece. Amo Gustavo, mas aquela meia... Ele
te ligo. Casou com o Geremário, que não tem onde cair dorme com ela e só a retira na manhã do dia seguinte,
morto. Casamento assim não dura, menina. Berenice ao tomar banho, para colocar outra. Às vezes, me
diz que mais vale o amor. Besteira achar que o amor pego imaginando que pé pavoroso, de dedos finos e
é tudo. Mas eu amo o Gustavo, que fique claro, mais branquinhos, deve ter Gustavo para estar sempre de
do que tudo nesse mundo. É claro, sei que ele não é meia. E quando me ponho a imaginar nossas núpcias,
perfeito, como sei que eu também não sou. Gustavo nada me deprime mais do que imaginá-lo nu em pêlo,
tem manias. Ele chega em casa todo dia às seis da mas vestido com as desgracildas meias azuis.
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14. Samuel é verdureiro. Verdureiro, ué. Vende aipim na eram largas e muito brancas. A sola era rosadinha,
feira. Toda terça-feira eu compro aipim, porque o mas só se via o contorno, porque ele calçava aquela
Gustavo gosta. A mãe dele faz fritinho, com manteiga, havaiana azul e branca de pedreiro. As tiras do
fica uma delícia. Ele senta-se à mesa, com suas meias chinelo pareciam que estavam a ponto de arrebentar,
azuis e a sandália de couro, e devora! Toda terça- por tentarem sufocar o opulento pé que sustentava
feira, quando peço o aipim ao Samuel, ele não quer me Samuel. Um pé bojudo e livre.
deixar pagar. "Pra moça bonita é de graça", ele diz,
às vezes gargalhando, às vezes muito sério. "Mais Estou noiva do Samuel e nos casamos dentro de
respeito, Samuel, que eu sou noiva do seu Gustavo, uma semana, de qualquer maneira. Se uma bicicleta o
do cartório". Aí então que ele ri mais alto. Acho que atropela distraído na praça, pior para a bicicleta.
verdureiro não vai ao cartório, não é possível. Samuel
é um mulato feio que nem cipó, mas é bem alimentado,
sabe? Essa semana, na hora de em entregar o saco
do aipim, Samuel me segurou pelo braço antes de
dizer "pra moça bonita é de graça". Ultrajadíssima,
me senti ultrajadíssima! Eu sou noiva do seu Gustavo,
do cartório! Minha vontade foi virar a mão na cara
do verdureiro safado. Não sei o que me deu, subiu
uma coisa, menina. Eu disse "mostra o pé". Assim, na
cara dura, nem sei como. Samuel gargalhou e, meio
desajeitado, trouxe o pé para cima da barraca, que
o ocultou esse tempo todo. O pé do Samuel parecia
um sapo gordo e preto, enorme, saudável. As unhas
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15. Sapatilha.
Marina de los Pasos
"Quando calçava ela as sapatilhas, não sabia mais
seu nome ou sua platéia. Pois de olhos fechados
era a própria dança, e não mais a dançarina, quem
se entregava diante da música e também do silêncio
dos seus convidados. Quando lua morena despontava
no céu, de doce cabana saia chorosa, com os pés
descalços em busca do mar. Era jeito dela de andar
em paz com sua solidão. Quando o sol lhe convidava
a despertar, era de sapato e coração apertado que
saia de casa, para conseguir um espaço na própria
vida e uma folga das suas dívidas. E quando de volta
pra casa com seu salto fino na mão, percebia o seu
tamanho e seu lugar diante do mundo. Ainda que as
tantas versões de si pudessem escolher as cores, os
preços, os modelos e os tamanhos dos seus sapatos,
eram as ocasiões - e também os acasos - quem
definiam seus passos. Era o seu coração quem de
verdade caminhava, até que um dia resolveu parar,
cansado da caminhada".
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16. R$20.
Virgínia Z.
a prostituta parada no palco diz para os pais que é bailarina.
completamente lúcida, se comunica com os pais por cartas, dançarina
descartável. diz que tem saudade do acre, mas se cobre de batom
e entope o nariz de acetona. top de canutilho preto, salto agulha e
um brinquedo no meio das penas, rainha de paus. sai de casa para
o calçadão antes que as cortinas fechem, porque o balé é ruim
demais depois das onze.
dança na rua antes que os holofotes dos postes se apaguem.
antes que o patrocínio cesse.
mas antes que o carro passe,
antes que o meio-fio chegue,
o salto fino quebra
e a bailarina cai
e um menino chora
sem música o balé das coxas até acontece,
sem coxia acontece,
sem vontade acontece,
sem salto é impossível.
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17. Depois de dois goles
Hacha
Foi no dia em que o Sol se fechou em si e o céu Quando abandonei as chaves do portão, lancei o meu
gotejava fino. salto palito de dente no barro com água, cambaleei
Neste dia pela tarde usei o meu melhor vestido e por duas quadras levando os teus restos, rapaz.
coloquei os meus sapatos vernizados de salto doze Me ajoelhei em um montinho de terra, minhas unhas
agulha; vermelhos. ficaram barrentas, minha pele seguia o mesmo
Mesmo sendo mulher não entendo muito deste esquema, eu era porco na lama. Lancei mão da única
assunto, de ser mulher, porém de vermelho, entendo coisa material que lembrava a você. O meu sapato
muito bem. Vermelho é meu sangue, são as minhas vermelho de salto alfinete que espetava a terra
unhas, o meu batom, a marca de um chupão no teu enquanto eu era a que sangrava. Mesmo sendo
pescoço, é como eu fico com vergonha, quando eu mulher não entendo muito bem deste assunto, de ser
te via, quando você me tinha, as rosas que nunca mulher, porém julgo que toda mulher deveria ter um
ganhei, o sinal de parar, a raiva que me acaba, minha par destes sapatos vermelhos, também julgava que
menstruação desregularizada, as placas de trânsito, era preciso amar. Optei nessa fase da minha vida, ser
a marca das minhas mãos nas tuas costas de um homem, cerveja e mesa de bar.
abraço que eu não queria mais soltar...
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18. fricote
Magnólia Reis
Pois bem
eu assim
aula de salsa
rebolei.
Ia bem
até o fim
eu descalça
despenquei.
Lá vem
eu sem mim
calor da dança
tropecei.
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19. O delírio comum das botas roxas
Munique Duarte
Cinco da tarde não pousava naquele relógio imenso e Há muito Lália é inverno decepcionante de folhas
imundo há muitos dias. Quando o tempo e as amoreiras decadentes. A amoreira virou as costas para a doce
não estão a nosso favor, tudo apodrece em data menina que sonhava em ser bailarina e que fazia café
esquecida. Muito frio na espera. Nada ao redor de forte como ninguém. Dançou muitas valsas em muitos
casas minúsculas e redes penduradas. Tudo era verões quentes de chafarizes límpidos. Agora o vento
muito amarelo e com escadas na terra distante que do leste chegou com suas pestes inconfundíveis.
chamaram de impaciência. Lália está impaciente com Lália repassa todas as noites ao relento a sua
suas saias curtas e pretensões enormes. Bebendo decadência poética. Sofreu com uma história tão
água infectada de chafariz e arrastando suas botas comum como acontece com qualquer um. Qualquer um
roxas com meias grossas roxas de um tom abaixo. Não servia depois para afogar as memórias que restavam
acreditava mais no relógio da igreja cheio de restos e incomodavam como cravo nos dentes. Sorte, sorte,
de pombos e de migalhas de miradas humanas. sorte. Pedia toda noite sorte para continuar seus
Todos os dias iguais e todas as portas fechadas rumos e sorte para a sola da bota roxa durar um
para o mundo solteiro de Lália que perdeu o caminho pouco mais. O inverno interior de mesmices castiga. E
da passarela que cruzava a avenida fumegante as cinco horas que não chegam com o grande relógio
interminável e que terminava no seu coração e sua moldura de pombas sujas catedráticas.
empoeirado. Botas roxas não podem andar muito Sonha com anjos e suas trombetas brancas polidas,
quando trazem na sola lembranças cardiovasculares de cabeleiras arrumadas e hálito de jardim. Sente
terríveis. A água de chafariz servida em taça rosa já o cheiro das horas mornas, sem botas roxas e
naquele fim de tarde tão aconchegante perto da olhares depressivos, descalça nos pés e nas mãos,
lareira que estalava fagulhas perigosas. Pegou fogo e na mente e nos planos, pronta para mergulhar
muitos dias e muitas madrugadas para desembocar nos afazeres que fazem sentir um ser humano vivo
no calçar das mesmas botas roxas fora da estação e vivível. Sonha, Lália. Ela sonha todas as noites,
primaveril que Lália já havia se esquecido há muito. e o gatilho que dispara terá o som mais doce das
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20. horas mais bem vividas por ela, bailando sobre a
ponta do chafariz e reluzindo como trombeta branca
de quem conhece o mundo como a palma da mão lida
pela romena que morreu semana passada ao beber
água suja. Chafarizes envenenados. Vidas plantadas
em locais errôneos com suas dores de amor. Amor
de amora. Escuro, mole, perecível. Nada romântico
e vermelho. Sujo, feito a água urinada do anjinho
maldito do chafariz da mesmice da praça.
Hoje é dia de festa e as luzes se acendem para novas
auroras boreais. Botas roxas a postos. O dia inteiro
a postos. Coração de Lália pulsando na poeira. Tudo
certo, menos com aquele relógio roxo imenso que não
toca o blém-blém esperado das cinco. As pombas
devem ter comido o mecanismo do funcionamento.
Lália é a meia-noite repetida de cinco em cinco horas.
Como remédio roxo feito de botas de amoreira.
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21. chuvosa manhã -
os sapatos na calçada
sabem seu destino?
Maria Miranda de Paula
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22. créditos
Ani Almeida é comunicóloga e poetisa com pretensões de escritora. É também a
idealizadora e editora da Revista Elis.
anialmeida@gmail.com
Tammy Almeida é arquiteta e sonhadora
tammyalmeida@gmail.com
::participação especial::
Bruna Moury tem 21 anos e atualmente cursa Artes Plásticas (Visuais) na
Aeso em Recife. Tem experiência no campo das ilustrações manuais e digitais.
Já trabalhou para outra revista como ilustradora e design gráfico. Conta com a
bagagem do curso de design de moda já concluído anos atrás. Além do mundo dos
desenhos tem a fotografia como hobbie bem empregado.
http://celulascinza.blogspot.com.br
Grupo Dani Alegria é uma ação social coordenada por Sandra Martins Modesto,
que gentilmente nos envio a imagem ao lado: professora da rede pública de ensino.
Nasceu em São Paulo, capital. Adora ler e escrever e atualmente lidera o grupo de
palhaços que visita escolas, instituições, asilos e ongs. Jovens com faixa etária de
15 a 17 anos se vestem de palhaço levando entretenimento a pessoas que possuem
uma realidade bem difícil. Na foto, você tem os pés de Matheus Mendes, Luan
Cardoso, Paulo Giordan, Thaís Mariano, Cibelly Karoline, Fernanda Dayane, Ricardo
Rocha e Igor Medeiros.
sandramartinsc@uol.com.br
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23. créditos
autores desta edição
Australiana é Sonia Regina Rocha Rodrigues Marina de los Pasos é Guilherme C. Antunes | @guglicardoso
Médica de profissão e escritora por vocação. Ativista cultural por muitos anos, Sommelier de groselha, alvissareiro, poeta e farsante. Sinestésico e musical.
editou em Santos, junto com três outras escritoras santistas, o jornal literário Buscador, contraditório, intenso. Vasto... Escreve n'A Ilha de um homem só.
Um dedo de prosa e a revista cultural Chapéu-de-sol, que circularam entre 1996 http://arkhipelago.blogspot.com
e 2001.
http://alegriadeler.blogspot.com.br/
Munique Duarte é Munique Duarte Alvim | @muniquealvim
Bella Dona é Joakim Antonio Nasceu e vive em Santos Dumont-MG. É jornalista responsável pelas publicações
Um paulistano apaixonado por comunicação. Nascido na selva de pedra, mas com de quatro sindicatos de Juiz de Fora-MG.
um pé no sertão nordestino, de origens indígenas. Herdou a bagagem da cultura Bloga em http://textosimperdoaveis.blogspot.com. Participa da obra Escritos
e tradição oral, tornando-se contador de histórias. Em 2009, começou a escrever de Amor, lançada pela Casa do Novo Autor Editora, e Poesia e Prosa no Rio de
poesias e, desde então, nunca mais passou um dia sequer sem escrever. Janeiro, pela Taba Cultural. Já colaborou n'O BULE, Sobrecapa Literal, Escrita
http://descortinamental.blogspot.com.br Criativa (Portugal), Revista Diversos Afins, Jornal Opção, Jornal Relevo, Revista
Elis, Revista Pâncreas e Revista O Viés. Admiradora de Dalton Trevisan, Lygia
Fagundes Telles e Ferreira Gullar.
Betina Menini é Rosa Queli Cambraia Soares http://textosimperdoaveis.blogspot.com
Estudei Letras na PUC-POA. Adoro literatura, sou viciada em livros e me dedico a
escrever contos e poesias sempre que sobra um tempinho. Gosto principalmente
de textos bem-humorados, que divirtam e encantam.
Regina de Lourdes é Eduardo Ferreira Moura
Carioca, 23 anos, teve seu primeiro romance publicado em 2011, Esposa Perfeita,
Hacha é Ingrid Machado | @laahacha pela Editora Multifoco. Em 2012, pela mesma editora, veio o Meus Textículos, seu
Tem 22 anos, leonina, graduanda do curso de artes cênicas pela UFPE, é de Recife livro de contos. Atualmente escreve para a Revista IN, para o site Obvious, para
e o lugar mais longe que já esteve foi Brasília. Trabalha com teatro, produção o blog Letras et Cetera e para o Dona Zica tá Braba. Mantém também um blog
cultural, maquiagem social/artística e escreve desde dos onze anos.
pessoal, primeira moradia de seus textos, em: www.lifeonmarx.blogspot.com
www.lifeonmarx.blogspot.com
Magnólia Reis é Ani Almeida | @lunaticapoesia
Relações Públicas? Gestora Cultural? Escritora? Tem muitas dúvidas, mas agora
tem cabelos curtos. Não tem barba nem bigode. Tem vontade de ver palavras
Virginia Z. é Rafael Zen
voando por aí. Edita a Revista Elis e às escreve quando dá na telha na Lunatiquia. Escritor, artista plástico e publicitário. Já publicou dois livros coletivos em
www.lunaticapoesia.blogspot.com parceria com a Editora SESC: Só mais uma coisa (2008) e De Veritate (2009). Em
2012 lança seu primeiro livro solo, intitulado "A questão da Andorinha", vencedor
Maria Miranda de Paula é Paulo Juner do Edital do Fundo de Cultura da Prefeitura de Brusque/SC, edição 2012. Também
Oficineiro do escritor Charles Kiefer em 2005 e 2006, em Porto Alegre, RS. é coautor do concurso Poesia Urbana, que em 2012 lançou sua segunda edição. Na
Participante, com 3 contos, da antologia "Inventário das Delicadezas" lançada área das artes plásticas possui linha de pesquisa centrada na palavra e participa
em 2007 pela editora Nova Prova, em idem, idem. Vivente, no mais. do Grupo G13 Arte Contemporânea, iniciativa privada de produção e incentivo às
http://inventariodasdelicadezas.wordpress.com artes. Reside em Brusque, Santa Catarina, e tem 24 anos.
elis::sapatos 23
24. créditos
imagens
::capa e índice::composição com as ilustrações "Conversa Central" e
"Ensolarou as pernas"
Bruna Moury::ilustração
::07::sem título
autoria desconhecida::ilustração
::09::Fada 2 (2008) Fairy 2
Gepeto-Pinóquio::fotografia de escultura
http://madeiraviva.blogspot.com.br/2008/10/fada-2-2008-fairy-2.html
::12::isem título
Tammy Almeida::ilustração sobre foto de autoria desconhecida
::13::sem título
Tammy Almieda::ilustração
::14::sem título
Tammy Almeida::ilustração
::16::sem título
autoria desconehcida::foto
::18::sem título
Tammy Almeida::ilustração
::21::sem título
autoria desconhecida::foto
::22::sem título
Sandra Martins Modesto::foto
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