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EDIÇÃO ESPECIAL                                       abril/maio 2013




    retrato
     doBRASIL
     WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 8,00 | EDIÇÃO ESPECIAL




A RBMENSALAOcapaPSD.indd 1                                                  03/04/13 10:39
ponto de vista


              umA juStIçA que LemBRA
              oS tempoS medIevAIS
                  No julgamento da Ação Penal             exemplo “da prática de fazer alegações      meiro grande trabalho ocidental sobre o
              470 (AP 470), diante da crítica dos         e de usar técnicas de investigação in-      conjunto de questões a serem debatidas
              advogados de defesa de que não havia        justas a fim de restringir o dissenso e     com vistas a uma reforma das prisões
              provas contra os acusados e de que eles     fazer acusações políticas”, como diz        e das penas, de um ponto de vista mais
              estavam sendo condenados apenas por         a Wikipédia. Em português, a peça de        racional. Beccaria se insurgiu contra
              indícios, em desrespeito ao Código de       Miller chama-se As bruxas de Salem          os julgamentos secretos e as torturas,
              Processo Penal brasileiro, vários mi-       (Ediouro, 1997) e é uma boa leitura         empregadas como meio de obtenção de
              nistros do Supremo Tribunal Federal         para se entender essa recidiva da justiça   provas. Muitas das reformas dos códi-
              (STF) se preocuparam em explicar que        medieval no Brasil de hoje. Uma epide-      gos penais europeus da época acharam
              em casos que envolvem, segundo eles,        mia, desconhecida para os moradores,        inspiração em sua obra.
              pessoas muito poderosas, capazes de         assolou a região entre 1692 e 1693 e            A tortura, praticada sob diversas
              limpar os rastros deixados por suas         atingiu muitas crianças. Por uma série      formas ao longo dos séculos, ainda
              ações criminosas, o uso dos indícios        de interesses econômicos e pessoais,        servia, oficialmente, na época de Bec-
              é frequentemente a única e legítima         foi transformada, afinal, num crime de      caria, como meio de obter provas de
              forma de fazer justiça. O argumento é       bruxaria. Na história dramatizada, tem      crimes. As bruxas, acusadas de ligação
              compreensível quando juízes se veem         papel destacado na condenação dos
              diante de crimes clamorosos, evidentes
              – os quais, como se diz, clamam aos
              céus por punição – e quando, de fato,
              indícios abundantes e sugestivos ligados
                                                          Não se pode,
              ao crime apontam para os culpados.
                  No caso, no entanto, no julgamento
                                                          como na Idade
              do famoso “mensalão”, não se tratava
              da existência de dificuldades para ligar
                                                          Média, perseguir
              supostos criminosos a um crime bem
              determinado. O problema dos juízes
                                                          as “bruxas”, sem
              foi que eles não se preocuparam em
              primeiramente provar a existência do
                                                          antes, provar que
              crime para depois procurar as ligações
              dos culpados com o crime já então           o crime existiu
              devidamente caracterizado. É por essa
              razão que, a nosso ver, se fez um tipo      réus um juiz pretensioso que, segundo
              de justiça que faz lembrar os tempos        o próprio Miller, é o verdadeiro vilão da
              medievais. Uma comparação boa é com         história. Esse personagem se proclama
              o julgamento das chamadas feiticeiras       extremamente fiel aos regramentos
              de Salem, um lugarejo na província de       da Justiça, mas, no fundo, sabe ser o
              Massachusetts, então uma das colônias       julgamento das bruxas uma mentira.
              inglesas que formaram os atuais Esta-       Não perdoa ninguém, para não deixar
              dos Unidos da América. O julgamento         pairarem dúvidas sobre sua reputação
              foi dramatizado por um dos maiores          teocrática.
              escritores do teatro americano, Arthur          Pode-se dizer que as ideias da
              Miller. Mas o fato existiu e sua sentença   justiça medieval foram superadas nas
              final foram vários enforcamentos.           civilizações ocidentais modernas pelo
                  Miller (1915–2005) escreveu a peça      Iluminismo, a também chamada Idade
              The Crucible em 1953, como uma              da Razão, dos séculos XVII e XVIII,
              alegoria voltada contra o espírito das      que promoveu o conhecimento cientí-
              investigações feitas pela Comissão de       fico, em detrimento da superstição, da
              Inquérito sobre as Atividades Antia-        tradição e da fé. No direito, um de seus
              mericanas, formada no Congresso dos         grandes intelectuais é o italiano Cesare
              EUA e dirigida pelo senador Joseph          Beccaria (1738–1794), autor de Dos
              McCarthy. Hoje, ela é vista como um         delitos e das penas, de 1764. É o pri-


              2     | retratodoBRASIL especial mensalão



RBmensalao.indd 2                                                                                                                        03/04/13 10:25
bra
             com o demônio, eram torturadas até a        lão acabou sendo uma espécie de exor-      de muitas de suas campanhas, Duda
             confissão. Se não confessavam, como         cismo para tentar combater a terrível      Mendonça, e para vários partidos da
             lembrou o irônico cientista Carl Sagan      epidemia de corrupção que existiria no     chamada base aliada.
             numa de suas obras, é porque o pacto        País há séculos e que teria tido, com os       O mensalão, segundo Jefferson, era
             que tinham com o mal era suficiente-        petistas e o governo Lula, um surto es-    um esquema de compra de deputados
             mente forte para fazê-las suportar as       petacular e promovido “o mais atrevido     por meio de uma mesada. Os petistas
             torturas e, dessa forma extravagante, no    e escandaloso esquema de corrupção e       disseram: não, foi um esquema para
             fundo confessarem seus vínculos maldi-      de desvio de dinheiro público flagrado     o pagamento de despesas eleitorais
             tos. Um dos princípios essenciais para      no Brasil”, como disse, em seu pedido      com dinheiro tomado por emprés-
             destruir resquícios da justiça medieval é   de condenação dos réus do mensalão,        timo de dois bancos mineiros pelo
             obrigar os acusadores a provar o que se     perante o STF, o procurador-geral da       PT e por empresas de publicidade de
             chama de “materialidade do crime”. O        República, Roberto Gurgel.                 um cidadão chamado Marcos Valério,
             crime não pode ser uma intenção, uma            Como mostraremos a seguir, o           que rapassava os recursos ao PT. A
             hipótese. A bruxa não pode ser conde-       mensalão foi uma espécie de maldição       Procuradoria-Geral da República e a
             nada por matar o papa se o papa estiver     aspergida pelo ex-deputado Rober-          maioria do STF, apoiadas numa verda-
             vivinho da silva. Portanto, como diria      to Jefferson sobre um esquema de           deira campanha de perseguição contra
             Beccaria, não se pode partir em busca       financiamento eleitoral por meio do        os chamados mensaleiros, movida
             dos criminosos sem, em primeiro lugar,      qual o partido do presidente Lula e de     praticamente por todos os maiores
             caracterizar, materialmente, o crime.       seu ministro-chefe da Casa Civil, José     jornais e redes de televisão do País, no
                 No caso do mensalão, o STF não          Dirceu, distribuiu, entre 2003 e 2004,     fundo consagrou a tese de Jefferson e,
             exigiu dos acusadores essa providência      cerca de 56 milhões de reais para vários   com base em indícios – fraquíssimos,
             fundamental. O julgamento do mensa-         de seus filiados, para o marqueteiro       como mostraremos – de que os em-
                                                                                                    préstimos não existiam, disse que o
                                                                                                    dinheiro veio de recursos desviados
                                                                                                    do Banco do Brasil (BB) e da Câmara
                                                                                                    dos Deputados por um esquema cujo
                                                                                                    comando estava na própria Casa Civil
                                                                                                    da Presidência da República.
                                                                                                        Esses desvios são, então, as vigas
                                                                                                    mestras da tese do mensalão. Provariam
                                                                                                    a inexistência dos empréstimos, os
                                                                                                    quais, existindo, rebaixariam o delito
                                                                                                    cometido da categoria de “o grande
                                                                                                    crime” de nossa história política para a
                                                                                                    da conhecida praga do caixa dois, que há
                                                                                                    décadas corrompe as campanhas elei-
                                                                                                    torais brasileiras. Era fácil comprovar
                                                                                                    que eles não existiam, como Retrato do
                                                                                                    Brasil demonstra nesta edição especial.
                                                                                                    Mesmo agora, oito anos depois, nem
                                                                                                    as entidades supostamente roubadas,
                                                                                                    isto é, o Banco do Brasil e a Câmara
                                                                                                    dos Deputados, exigiram esse dinheiro
                                                                                                    de volta.
                                                                                                        E por que a condenação de tipo
                                                                                                    medieval? Porque para muitos, à direi-
                                                                                                    ta, o petismo é, e sempre foi, a encar-
                                                                                                    nação do mal e para outros, à esquerda,
                                                                                                    desiludidos, o petismo, que seria a
                                                                                                    salvação do Brasil, passou a ser, sob o
                                                                                                    comando de José Dirceu, nosso Lúci-
                                                                                                    fer, uma espécie de anjo degenerado.
                                                                                                    E porque, também, se criou um clima
                                                                                                    irracional que pretendeu atacar a cor-
                                                                                                    rupção do processo eleitoral brasileiro
                                                                                                    com métodos medievais, com uma caça
                                                                                                    às bruxas, as quais, encontrando-se
                                                                                n o
                                                                             da




                                                                                                    presas e exemplarmente condenadas,
                                                                             re
                                                                            Lo




                                                                                                    nos redimiriam.
                                                                        io
                                                                        ss
                                                                       Cá




                                                                                                     especial mensalão retratodoBRASIL   |   3




      RBmensalao.indd 3                                                                                                                          03/04/13 10:25
O esquema

              A descoberta do valerioduto,
              canal para R$ 55,3 milhões
                   No dia 13 de julho de 2005,uma         Os personagens têm papéis diversos         reais, sendo 18 milhões para diversos
              força-tarefa da Polícia Federal coman-      do que supõe o senso comum. O cli-         de seus diretórios e 10,5 milhões para
              dada pelo delegado Luiz Zampronha           ma escandaloso transformou Marcos          Duda Mendonça, o marqueteiro da
              esteve em Belo Horizonte, nos arqui-        Valério, uma pessoa com algumas vir-       campanha petista de 2002, que elegeu
              vos do Rural, um banco mineiro de           tudes e muitos defeitos, num monstro.      o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
              porte médio. Apoiada em um mandado          Delúbio Soares, um militante petista       Para o PL, o partido de José Alencar, o
              da Justiça Federal, requisitou toda a do-   histórico, foi expurgado do partido        vice-presidente, eleito junto com Lula,
              cumentação relativa às contas de Mar-       por seis anos – só foi reintegrado em      tinham ido 12,2 milhões. Para o PP,
              cos Valério, um dos donos das agências      2011. Dumont, o presidente do banco,       o partido do famoso ex-governador
              de publicidade no estado pelas quais se     apontado por vários dos envolvidos         paulista Paulo Maluf, 7,8 milhões. Para
              teria processado uma movimentação           como uma figura central na montagem        deputados do PMDB, 2,1 milhões. E,
              ilícita de dinheiro. Zampronha saiu         do esquema, morreu em fevereiro            finalmente, 4,9 milhões foram para o
              de lá com a documentação básica que         de 2004. Antes, portanto, de dar seu       PTB, do próprio denunciante, Roberto
              iria orientar a gigantesca investigação     testemuho sobre essa e outras versões      Jefferson, então presidente do partido.
              que se estenderia por vários anos. Até      da história. Na opinião dos repórteres         De onde vinha esse dinheiro? Os
              hoje, final de março de 2013, o Rural,      desta história, que conheceram vários      depoimentos de todos os acusados
              em sua defesa, distribui um comuni-         dos personagens, cada um deles tem         e toda a documentação levantada
              cado no qual diz que já então, antes                                                   por meio das diversas investigações

                                                          O banco fez a
              de o escândalo vir a público com a                                                     feitas mostram que o valerioduto foi
              denúncia de Jefferson, “inclusive em                                                   alimentado por empréstimos tomados
              um deliberado excesso de cautela e                                                     no Banco Rural e no BMG, outro
              extrapolando as obrigações legais [...],
              registrava em um sistema interno não
                                                          contabilidade de                           banco mineiro médio. Os tomadores
                                                                                                     foram três empresas de Valério e seus
              só as movimentações bancárias, mas
              também todos os seus beneficiários”.
                                                          tudo que                                   sócios já citados: SMP&B, a Graffiti
                                                                                                     e a Rogério Tolentino Associados. A
                   Deixemos de lado, no entanto,
              tanto as questões legais – o que era ou
                                                          repassou. E                                CPMI (Comissão Parlamentar Mista
                                                                                                     de Inquérito) dos Correios, a principal
              não obrigação do Rural fazer em fun-
              ção das normas do Banco Central e da
                                                          entregou os                                investigação do Congresso sobre a his-
                                                                                                     tória, resume os empréstimos: foram
              legislação que busca coibir a movimen-
              tação clandestina de dinheiro – como
                                                          nomes à PF                                 sete contratos, assinados no prazo de
                                                                                                     um ano e meio, entre 25 de fevereiro
              a questão de saber se esse dinheiro                                                    de 2003 e 14 de julho de 2004. Como
              era para o que se chama, na política,       um papel diferente e todos deveriam        eram de curto prazo, geralmente três
              de caixa dois ou para algo diferente,       ter sido tratados pela Justiça na medida   meses, as dívidas foram, como se diz,
              o mensalão. No momento, vale dizer          certa de suas participações em crimes      “roladas”: somando todas, foram 15 re-
              que, efetivamente, o banco mineiro          que tivessem sido também devidamen-        novações. E, diz o relatório dos peritos
              tinha uma grande lista de políticos         te comprovados, o que, infelizmente,       que os examinaram para a CPMI, um
              ou seus intermediários que haviam           não ocorreu.                               dos contratos, tomado pela SMP&B
              recebido recursos do chamado vale-              Mas o certo é que, dos arquivos do     no BMG, foi liquidado com outro, to-
              rioduto por meio de um “esquema”,           Rural, depois confirmados por Delúbio      mado pela Graffiti, também no BMG.
              digamos assim, montado basicamente          e Valério e por dezenas de inquéritos da   Resumindo a conta, foram tomados
              por Delúbio Soares, tesoureiro do PT,       Polícia Federal, da Procuradoria-Geral     por empréstimo 55,3 milhões de reais,
              Marcos Valério e três de seus sócios em     da República, do Congresso Nacional        em valores da época da tomada..
              algumas empresas – Rogério Tolentino,       e de dezenas de repórteres dos maio-           Esse dinheiro foi repassado ao PT
              Ramon Hollerbach e Cristiano Paz – e        res veículos de informação do País,        da seguinte forma: a SMP&B abriu,
              pelo próprio banco, especialmente, ao       surgiram centenas de documentos do         numa agência do Rural em Belo Hori-
              que tudo indica, por seu presidente,        valerioduto, como os que apresenta-        zonte, uma conta em que os pagamen-
              José Dumont, no começo de 2003. A           mos nestas páginas. No conjunto, eles      tos foram centralizados. Delúbio dizia
              história não foi bem contada até hoje,      mostram a distribuição de aproxima-        a Valério a quem repassar o dinheiro.
              ofuscada pelo escândalo causado pela        damente 55,3 milhões de reais entre        O publicitário, por sua vez, chefiava a
              mídia em geral, por políticos, investi-     políticos ou seus auxiliares de cinco      gerente financeira da SMP&B, Simone
              gadores e mesmo magistrados viciados        partidos. O PT foi o principal benefici-   Vasconcelos, encarregada de realizar a
              também em manchetes e holofotes.            ário. Recebeu cerca de 28,5 milhões de     operação, o que ela fazia pessoalmente

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Reprodução
         AS CONTAS ABERTAS                                                que o documento identifica. À direita estão os recibos
         Segundo os depoimentos de dirigentes do Banco Rural,             assinados pelo contínuo de Pizzolato, Luiz Eduardo
         de Delúbio Soares e dos dirigentes da empresa SMP&B,             Ferreira da Silva, e Maria Regina Cunha, esposa do de-
         por cuja conta passou o valerioduto, os empréstimos              putado João Paulo Cunha. “Não era nem mensalão, nem
         estavam perfeitamente contabilizados exatamente para             caixa dois”, disse a RB Ramon Hollerbach, da SMP&B.
         confirmar sua existência e para cobrar do PT que os              “Eram empréstimos, efetivamente. Esperávamos que o
         pagasse. A esquerda está a programação de 20 paga-               PT os pagasse. Se era dinheiro para corrupção, porque
         mentos de 300 mil reais cada, para a empresa de Duda             fazer e depois entregar à polícia essa contabilidade
         Mendonça. Quem deveria receber era Zilmar, sua sócia,            minuciosa?”

       ou com a ajuda de Geiza Dias, outra         cuja função era levar o dinheiro até um   natários finais do dinheiro, portanto,
       funcionária da empresa. O dinheiro          doleiro, a partir do qual a grana aca-    não foram identificados, ou seja, não
       era entregue geralmente em cheque ao        bou em dólares numa conta de Duda         foram denunciados pelos que pegaram
       portador, que o descontava na boca          Mendonça nas Bahamas. Os blocos           o dinheiro diretamente do Rural ou via
       do caixa, numa agência do Rural, na         destinados aos diretórios regionais do    Simone e Geiza.
       maioria das vezes em Brasília. Quando o     PT geralmente foram para interme-             Para entender bem a história e seus
       beneficiário do esquema não queria ir ao    diários, como no caso do Pará, onde       mistérios, é preciso guardar desta etapa
       banco pessoalmente, mandava alguém          apareceu, em primeiro lugar, Anita        dois pontos: 1) o Rural fez questão
       buscar o dinheiro. Ou, então, Simone        Leocádia, secretária do presidente do     de registrar os nomes de todos os
       ou Geiza retirava o dinheiro do caixa       partido na região, Paulo Rocha, que       tomadores finais ou os intermediários
       do Rural e o levava pessoalmente ao         assumiu ser o destinatário dos recur-     básicos: dirigentes regionais do PT ou
       destinatário, às vezes em um carro-forte.   sos, para, como disse, despesas locais,   seus prepostos e dirigentes ou interme-
           O dinheiro distribuído ao próprio       das quais prestou contas. No caso dos     diários dos partidos aos quais repassou
       PT foi enviado, a mando de Delúbio,         depósitos para os diretórios nacional,    dinheiro; 2) o dinheiro do denunciante
       em blocos. Um deles foi para Duda           do Rio e do Rio Grande do Sul, por        do mensalão, Roberto Jefferson, é de
       Mendonça. Saiu em parcelas, como,           exemplo, não existe essa contabilida-     um dos blocos, mas ele jura que esse
       de um modo geral, todos os outros.          de precisa. Os intermediários, vários,    dinheiro, ao contrário dos outros, é
       As parcelas foram entregues no Brasil       como no caso do diretório nacional,       para despesas de campanha e não disse
       nos caixas do Rural, como a todos           não disseram a quem o dinheiro foi        a quem distribuiu os 4 milhões de reais
       os outros destinatários, mas se sabe        repassado. O dinheiro para os outros      recebidos. Segundo o tesoureiro de seu
       que um dos recebedores, em nome de          quatro partidos, PL, PP, PMDB e PTB,      partido, Emerson Palmieri, o valor foi
       Duda, foi o policial Davi Rodrigues,        também foi repassado a intermediários,    dividido em blocos de 100 mil e 150 mil
       que, tudo indica, era um intermediário      de um modo geral. Muitos dos desti-       para ser repassado à companheirada.


                                                                                               especial mensalão retratodoBRASIL   |   5




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“Caixa dois” ou “mensalão”

              esperto, jefferson diz: o meu
              é caixa dois; o deles, mensalão
                  Na história contada por Roberto         saques, de 100 mil reais cada, nos          exemplo, acabaram dando matéria no
              Jefferson nas duas entrevistas dadas        dias 7 e 14 de janeiro de 2004, para        circunspecto diário paulista O Estado
              à Folha de S.Paulo, a 6 e 13 de junho       repassar à moça que era amante do           de S. Paulo, no dia 9 de agosto de
              de 2005, na deflagração do escândalo        chefe partidário e ficara desampa-          2005, sob o título “Ex-sócio confirma
              do mensalão, ele diz ter recebido a         rada com seu falecimento. Jefferson         festas com garotas de programa em
              informação do ex-presidente de sua          foi, afinal, cassado pela Câmara dos        Brasília”. O artigo nomeia um em-
              legenda, o PTB, José Carlos Martinez,       Deputados a 14 de setembro de 2005,         presário que teria dito à PF ter sido
              morto em outubro de 2003 num aci-           por 313 votos contra 156. No voto           contratado por Valério para promo-
              dente aéreo. Pouco antes da morte,          que encaminhou o pedido de cassação         ver os dois eventos, nos três últimos
              disse Jefferson à jornalista Renata Lo      na Comissão de Ética da Câmara,             andares de um dos hotéis da capital
              Prete na primeira entrevista, Martinez      o deputado Jairo Coelho (PFL–RJ)            federal, e informa, vejam só, que “a PF
              o teria procurado e dito, referindo-se      condenou Jefferson por várias razões:       desconfia que as festas teriam contado
              ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares:        não tinha provado o suborno de              com a participação de parlamentares e
              “Roberto, o Delúbio está fazendo um         parlamentares com o mensalão, ele           altos dirigentes dos governos federal
              esquema de mesada, um ‘mensalão’,           próprio recebera, para o PTB, 4 mi-         e estadual”. O Estadão diz ainda que
              para os parlamentares da base. O            lhões de reais do valerioduto e ainda       “a PF apurou que nos dias das duas
              PT, o PL, e quer que o PTB também           mentira, em seu depoimento perante          festas citadas por [....] houve saques de
              receba. Trinta mil reais para cada                                                      3,5 milhões nas contas de Valério” e

                                                          Na primeira
              deputado. O que me diz disso?” Je-                                                      conclui afirmando que “rastreamento
              fferson, em resposta, afirma ter dito a                                                 do Banco Central mostra um maior
              Martinez: “Eu digo: sou contra. Isso                                                    faturamento da empresa [do referido
              é coisa de Câmara de Vereadores de
              quinta categoria. Vai nos escravizar
                                                          entrevista à                                empresário, cujo nome omitimos], 28
                                                                                                      milhões, nos dois primeiros anos do
              e vai nos desmoralizar”. Em seguida,
              afirmou à Folha: “O Martinez decidiu
                                                          Folha, Jefferson                            governo Lula”. Essa história acabou
                                                                                                      sendo reproduzida nas “considerações
              não aceitar essa mesada, que, segundo
              ele, o doutor Delúbio já passava ao
                                                          não disse que                               finais” com as quais o procurador-
                                                                                                      geral da República encaminhou ao
              PP e ao PL”. Na mesma entrevista, o
              ex-deputado disse também que, em
                                                          tinha ficado                                STF seu pedido de condenação dos
                                                                                                      acusados em meados de 2012.
              função de sua posição firme contra
              o mensalão, Delúbio, após a morte
                                                          com 4 milhões                                   A tese de que o dinheiro de Jeffer-
                                                                                                      son era caixa dois e o dos outros era
              de Martinez, procurou o líder do                                                        mensalão, como vimos, não mostrou
              partido, José Múcio (PTB–PE), para          a comissão, ao afirmar que ocorrera         que o ex-deputado era o puro e os
              convencê-lo a aceitar a mesada que          uma reunião da bancada do PTB para          outros, os corr uptos. Do mesmo
              Jefferson barrara. Ele também afirma        discutir o assunto e que o líder do         modo, mesmo se considerarmos que
              ter reunido sua bancada para conde-         partido, José Múcio, havia discutido        o dinheiro de Valério alimentou um
              nar o recebimento de mesada e que           a questão da mesada com Delúbio             caixa dois no PT – como parece, aos
              líderes dos partidos que já a recebiam,     Soares, coisas que Múcio e outros           dois repórteres desta história, o mais
              como Valdemar Costa Neto, do PL,            deputados do partido desmentiram.           correto –, não significa dizer que se
              e Pedro Henry, do PP, haviam se                  Nas histórias que acompanharam         tratou apenas de dinheiro para pagar
              unido para pressionar Múcio: “Que           o grande escândalo político em Brasí-       despesas de campanha e pronto.
              que é isso? Vocês não vão receber?          lia, muitas fazem referência a práticas     Como disse Retrato do Brasil na sua
              Que conversa é essa? Vão dar uma de         de corrupção antiquíssimas. A Polícia       edição de novembro passado “um
              melhores do que a gente?”.                  Federal, na sua perseguição a Marcos        arguto repórter da Folha de S.Paulo,
                  Nessa primeira entrevista à jorna-      Valério, foi atrás de histórias de festas   num debate recente (...), disse que
              lista da Folha, Jefferson não contou        de embalo que ele teria proporcionado       dinheiro de caixa dois é assim mesmo
              que o PTB já recebera 4 milhões de          em um hotel da capital federal para         e que viu deputado acusado de ter
              reais do valerioduto. Muito menos           parlamentares, nas quais estariam           recebido dinheiro do valerioduto ves-
              que, desse dinheiro, que passou a           presentes garotas selecionadas por          tido de modo mais sofisticado depois
              controlar depois da morte de Marti-         uma conhecida cafetina local. Duas          desses deploráveis acontecimentos
              nez, tinha autorizado um motorista          dessas festas, em 2003 (uma em se-          [do mensalão]”. A importância de
              da confiança do partido a fazer dois        tembro e outra em novembro), por            Jefferson na história é que ele foi o


              6     | retratodoBRASIL especial mensalão



RBmensalao.indd 6                                                                                                                          03/04/13 10:25
Angeli




       político sagaz que soube conduzi-la.     falei para não fazer’. Eu pensei: ‘Vai     resolveu segurar com mão firme o
       Fora acuado por denúncias de cor-        acabar’. Mas continuou.”                   leme de seu governo ameaçado de
       rupção em duas matérias de capa da           A essa altura, forças mais podero-     adernar em meio à mais inclemente
       revista Veja, a de maior influência no   sas do que as lideradas por Jefferson      tormenta que sobre ele se abateu nes-
       País. Em uma delas, com a história       preparavam-se para uma ofensiva            ses dois anos e meio de existência, a
       de um preposto seu nos Correios,         contra o governo Lula, enfraquecido        crise do Planalto parece a caminho de
       cuja foto aparece na capa da revista     por diversas razões que examinare-         assumir um novo nome: José Dirceu
       recebendo uma propina de 3 mil reais.    mos com mais detalhe no capítulo           de Oliveira e Silva”.
       A reportagem narra o tráfico de influ-   seguinte. Em seu primeiro editorial            Possivelmente o Estadão perce-
       ência praticado pelo PTB na estatal.     sobre o mensalão, dois dias depois         beu que uma iniciativa para tentar o
       A outra matéria o apresenta como “o      da entrevista de Jefferson à Folha,        impeachment do presidente Lula não
       homem-bomba”, prestes a explodir         O Estado de S. Paulo, com certeza o        encontraria maior apoio. No editorial,
       a coligação governista. Jefferson diz    mais influente e consequente veículo       argumentava que a mudança do nome
       que procurou a cúpula política do go-    de imprensa do bloco político conser-      da crise se justificava por declarações
       verno petista para achar outra saída,    vador do País, sob o título “O grande      de Dirceu no exterior protestando
       mas, ao ser atacado em outra matéria     culpado”, atacava o presidente Lula        contra a política econômica do pró-
       de capa, dessa vez da revista Época,     por sua incapacidade de enfrentar a        prio governo numa atitude mais ofen-
       sobre a qual imaginava que o PT te-      crise, que, dizia, “na melhor das hipó-    siva do que antes. Disse o Estadão:
       ria alguma influência, percebeu que      teses se tornará crônica, e, na pior, se   “Não faz muito, quando perguntado
       tinha de tentar sair atirando. Na sua    transformará em crise institucional”.      numa entrevista sobre as políticas
       primeira entrevista à Folha, ele ainda   No segundo editorial, do dia 11 de         fiscal e monetária [do governo], ele se
       poupa o então ministro-chefe da Casa     junho, intitulado “O novo nome             limitou a responder que todos sabem
       Civil, José Dirceu. “Fui ao ministro     da crise”, o famoso Estadão fazia          o que ele pensa. Agora, em Lisboa,
       José Dirceu, ainda no início de 2004,    uma correção, ainda no seu editorial       mudou totalmente de atitude. ‘Se
       e contei: ‘Está havendo essa história    principal: “Até a semana passada, o        deixarem’, disse, como quem adverte
       de mensalão. Alguns deputados do         sinônimo da ‘crise’ era Luiz Inácio        que não deixará, ‘fazem o superávit
       PTB estão me cobrando. E eu não          Lula da Silva, cujas omissões o torna-     primário de 7%, juros de 20%.’ E
       vou pegar. Não tem jeito’. O Zé deu      ram ‘o grande culpado dos problemas        arrematou, desafiador: ‘Isso é uma
       um soco na mesa: ‘O Delúbio está         de seu governo’, como se comentou          disputa política. Não falar isso é faltar
       errado. Isso não pode acontecer. Eu      neste espaço. Mas, se Lula, enfim,         com a verdade para a sociedade’”.

                                                                                             especial mensalão retratodoBRASIL   |   7




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Quem procura, acha

              a auditoria foi buscar o que
              se sabia não existir
                   Em 2002, antes de o PT ganhar as         Imediatamente, surgiu a tese de que o        sobre a forma de operação do FIV. Seus
              eleições para a Presidência da República,     dinheiro sacado do Rural tinha sido uma      resultados só foram divulgados formal-
              ficou famosa a profecia, do megainvesti-      propina de Marcos Valério para Pizzolato     mente em novembro de 2005, mas parte
              dor George Soros, de que o partido não        renovar o contrato de publicidade entre      deles foi vazada para a imprensa muitas
              podia ganhar as eleições e, se ganhasse,      o BB e a DNA, agência de publicidade         vezes antes, para alimentar o escândalo.
              não levaria. De certo modo, foi o que         de Valério e sócios.                             O FIV foi uma criação, no Brasil,
              aconteceu. Luiz Inácio Lula da Silva ga-          Pizzolato deixou a diretoria do BB       da Visanet, nome fantasia da Visa In-
              nhou as eleições no segundo turno, mas        imediatamente. Não importa se no             ternacional, a maior empresa global de
              só depois de, sob intensa pressão dos         desenrolar da história, foi provado que      emissão de cartões de crédito e débito,
              mercados, com o dólar chegando perto          a renovação do contrato com a DNA            os de marca Visa. Em 1995 ela chegou ao
              da cotação de um por quatro reais, seu        não foi assinada por ele – é de antes        Brasil e fez a Visanet, sob seu controle,
              partido assinar a Carta ao Povo Brasi-        do governo Lula. Também não teria            em associação com mais de 20 bancos
              leiro, na qual promete cumprir todos os       relevância o fato de uma devassa monu-       locais, sendo o principal deles o Bradesco
              contratos assinados pelo presidente Fer-      mental da Receita Federal em sua história    e o segundo, o Banco do Brasil. A Visa
              nando Henrique Cardoso, e confirmar           financeira acabasse comprovando que na       Internacional é gigantesca. A Visanet,
              esse compromisso pouco após a eleição,        compra do apartamento em Copacabana          hoje Cielo, era uma dentre muitas deze-
              até com certo exagero, ao elevar a meta       não existiu qualquer dinheiro estranho       nas de outras emissoras de cartões Visa
              do superávit primário, ou seja, a conten-     às poupanças dele e de sua mulher,           montadas por ela em vários países. Os
              ção de despesas para garantir sobras de                                                    seus cartões movimentam, anualmente,
              orçamento para o pagamento dos com-
              promissos externos do País. Do ponto          A decisão de o BB                            alguns trilhões de dólares por ano. Em
                                                                                                         2004, por exemplo, o movimento de
              de vista administrativo, duas medidas
              foram tomadas pelo novo governo para          não ter contrato                             dinheiro com os cartões Visa no Brasil
                                                                                                         foi estimado em 156 bilhões de reais.
              explicitar melhor esses compromissos
              com o mercado financeiro: a escolha de        para operar o Fundo                          Desse dinheiro, como faz em todos os
                                                                                                         lugares do mundo, a Visa destina 0,1%

                                                            Visanet é de 2001.
              Henrique Meirelles, ex-dirigente global                                                    para seus sócios fazerem propaganda
              do BankBoston, para dirigir o Banco                                                        dos cartões Visa. Ou seja, em 2004, no
              Central e de Cássio Casseb, ex-dirigente                                                   Brasil, a Visanet dedicou 156 milhões
              do Citibank no País, para dirigir o Banco
              do Brasil.
                                                            Não tinha nada a                             para serviços de promoção de cartões de
                                                                                                         bandeira Visa, do Bradesco, do Banco do
                   No BB iria surgir o grande instru-
              mento para a oposição transformar sua
                                                            ver com Pizzolato                            Brasil e dos outros sócios. O propósito
                                                                                                         era aumentar ainda mais o faturamento
              investigação sobre o valerioduto num                                                       da Visa Internacional no País e, é claro,
              indício de “desvio de dinheiro público”.      Andrea, nem mesmo que a história do          os lucros da companhia, pois ela fica com
              Esse instrumento foi a denúncia, surgida      desvio fosse totalmente infundada. No        a maior parte das comissões cobradas
              em 3 de agosto – menos de dois meses          próprio BB surgiu uma investigação que       dos fornecedores de bens e serviços
              após o mensalão ter se transformado           iria fornecer indícios de que os trabalhos   que aceitam os pagamentos por meio
              na principal manchete de todos os no-         da DNA para o BB, feitos por meio do         desses cartões.
              ticiários da grande mídia –, de que Luiz      Fundo de Incentivos Visanet (FIV), na            A auditoria feita no BB nos quatro
              Eduardo Ferreira da Silva, um contínuo        gestão de Pizzolato, no valor total de       meses citados e depois completada nos
              da Previ, o fundo de pensão do Banco          72,8 milhões de reais, poderiam não          anos seguintes a pedidos do relator do
              do Brasil, tinha sacado, a mando de           ter sido realizados. E que, portanto, em     processo, ministro Joaquim Barbosa, dos
              Henrique Pizzolato, diretor de marketing      parte desse montante, de algum modo          dois procuradores-gerais da República
              e comunicação do banco, nomeado no            aportado à conta da SMP&B no Rural           que cuidaram do caso, Antonio Fernando
              governo Lula, exatos 326.660,27 reais         que alimentou o valerioduto, estaria a       de Souza e Roberto Gurgel, e, ainda, dos
              numa das pontas do valerioduto, uma           grana que transformaria os empréstimos       advogados dos réus, está em 108 apensos
              agência do Banco Rural no centro do Rio       tomados por Valério e seus sócios junto      da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal
              de Janeiro. Pizzolato disse, logo depois,     aos dois bancos mineiros em operações        Federal. RB tem em seu site todos eles,
              que se tratava de dinheiro para o diretório   fajutas, feitas, de fato, para disfarçar a   que formam um conjunto de cerca de 20
              do PT no Rio, mas, a seguir, os jornais       verdadeira origem do dinheiro, o desvio      mil páginas. A auditoria não foi buscar,
              descobriram que ele tinha comprado um         de fundos públicos. Essa investigação,       em primeiro lugar, a materialidade do
              apartamento de 400 mil reais em Copa-         feita por 20 técnicos do BB ao longo de      crime, as provas concretas de que tinha
              cabana algum tempo depois desse saque.        quatro meses, foi uma extensa auditoria      ocorrido um desvio de dinheiro do

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Banco do Brasil, de que um crime havia
       sido cometido. Ela partiu em busca de
       indícios de que crimes poderiam ser sido
       cometidos. No caso, um de seus critérios
       básicos foi tentar verificar se a execução
       dos serviços do FIV pela empresa DNA,
       a mando do BB, estava de acordo com
       as normas de operação do banco para a
       veiculação da publicidade que era paga
       diretamente pelo seu orçamento.
            Os auditores, ou as pessoas que os
       comandaram, tinham, ou poderiam ter
       encontrado, todas as informações que
       mostrariam não ser esse o procedimento
       adotado pelo BB para autorizar esse tipo
       de gasto. Por contrato assinado entre o
       BB e a Visanet em 1995 – portanto, no
       governo Fernando Henrique Cardoso
       –, as autorizações para os gastos de
       publicidade via FIV eram emitidas por
       um funcionário especialmente designado
       pelo BB junto à Visanet – e no governo        PORQUE O BB DISPENSOU O CONTRATO Trecho do parecer jurídico do banco,
       Lula essa pessoa não era Pizzolato. Além      que está nos autos da AP 470, no seu ítem 10, explica a decisão, de 2001, de não
       disso, por decisão do departamento            haver necessidade de contrato entre a Visanet e os fornecedores dos serviços de
       jurídico do banco, tomada também no           publicidade prestados ao BB para o uso dos recursos do FIV (Fundo de Incentivos
       governo FHC, não existiria um con-            Visanet). Abaixo está a tabela construída com dados da auditoria feita no banco
       trato formal entre BB e Visanet para a        sobre os recursos do FIV nos dois períodos 2001-2002, governo FHC, e 2003-2004,
       operação desses recursos. Não haveria,        governo Lula. A política de adiantamento dos recursos é a mesma. E os gastos com
       também, um contrato formal entre a            notas fiscais em poder da CBMP – Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos
       Visanet e a DNA para essas operações.         – o nome oficial da Visanet são de praticamente 100%.
       Veja, ao lado, trecho de documento do
       departamento jurídico do BB no qual se                  Receitas do FIV      Adiantamentos           Gastos com notas
                                                                                                                                 Gastos sem
                                                               utilizadas pelo      às agencias de          fiscais em poder
       afirma ser legal a dispensa desses instru-              Banco do Brasil       publicidade                da CBMP
                                                                                                                                 notas fiscais
       mentos. Citando o artigo 436 do Código                    R$ milhões      R$ milhões       %       R$ milhões     %            %
       Civil, o documento diz expressamente:           2001         28,83          26,4       91,57         28,76      99,76         0,24
       “Tal espécie de contrato não reclama            2002         32,03           21,9      68,37         31,99      99,88         0,12
       uma formalidade, ou seja, não precisa
                                                       2003         38,43           29,7      77,28         38,28      99,61         0,39
       ser escrito para se aperfeiçoar, bastando
                                                       2004         52,01           34,1      65,56         51,45      98,92         1,08
       mero consentimento das partes”.
            E isso foi feito, como pode ver quem
       estudar cuidadosamente os fatos, não             As relações entre Visanet, bancos             com o BB na administração Fernando
       por trama sinistra executada no governo      e agências de publicidade tinham de               Henrique Cardoso, e 2003 e 2004, de
       FHC e seguida cavilosamente também           ser mais frouxas, para que o negócio              operação do fundo na administração
       por Pizzolato no governo Lula. Um dos        funcionasse melhor. Os negócios foram             Luiz Inácio Lula da Silva, com Pizzolato
       segredos da Visanet nos lugares em que       feitos assim e o truque funcionou, es-            na diretoria de marketing e comunica-
       opera é colocar a serviço da venda de        pecialmente para o BB, que se tornou,             ção do banco –, as ações com dinheiro
       seus cartões – e, portanto, do aumento       nos anos da gestão Pizzolato, líder no            do FIV alocado para o BB, com falta
       de seu faturamento – bancos rivais entre     faturamento de cartões de crédito entre           absoluta ou parcial de documentos nos
       si, cada um interessado em emitir mais       os bancos associados à Visanet.                   arquivos do próprio BB, chegavam quase
       cartões que o outro, disputando cada es-         Os auditores foram procurar do-               à metade dos recursos despendidos. Ao
       paço do mercado. Por exemplo, se havia,      cumentos onde esses documentos não                procurarem os mesmos documentos na
       como de fato houve nesse período, um         estavam. Notas fiscais, faturas e recibos         Visanet, os auditores os encontraram.
       congresso de magistrados em Salvador e       da agência DNA e de fornecedores que              Evidentemente, a grande mídia – cujos
       o BB queria fazer uma promoção no local,     teriam feito para ela as ações de incentivo       colunistas mais raivosos chamam os
       isso não deveria estar escrito num plano     autorizadas pelo BB foram buscados no             petistas de petralhas – divulgou apenas
       a ser discutido dentro da Visanet, onde      próprio BB, onde não estavam. Como                que os auditores tinham achado, nos ar-
       estava o Bradesco, por exemplo, com mais     quem procura acha, os auditores encon-            quivos do BB, “fragilidades e falhas” que
       ações que o BB na empresa e igualmente       traram “fragilidades e falhas”: descobri-         mostravam indícios de que os serviços
       ávido para vender cartões Visa aos juízes,   ram que, nos dois períodos até então – os         da DNA para o BB poderiam não ter
       pessoas de alto poder aquisitivo.            anos 2001 e 2002, de operação do FIV              sido realizados.

                                                                                                        especial mensalão retratodoBRASIL        |   9




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Mídia e Congresso

              como foi criado “o maior
              escândalo político do país”
                  A transformação das “fragilidades e       CPF. Cunha argumentou que o dinheiro        sua divulgação foi bem anterior. Cópia
              falhas” no processo de controle dos re-       tinha sido enviado pelo PT, a mando de      de suas conclusões preliminares foram
              cursos do Fundo de Incentivos Visanet         Delúbio Soares, e se destinava a uma        repassadas à equipe de inspeção da
              pelo Banco do Brasil num clamoroso            pesquisa eleitoral na região onde ficam     Terceira Secretaria de Controle Externo
              “desvio de dinheiro público” não se deu       sua base, Osasco, e outras importantes      do TCU (3ª Secex) quando ela esteve
              por força de afirmações contidas nos          cidades da Região Metropolitana de          na Câmara entre os dias 25 de julho e
              frios relatórios da auditoria feita pelo      São Paulo, como Barueri e Carapicuíba.      3 de agosto de 2005. Tanto o relatório
              banco nesse fundo. Essa metamorfose           Apresentou recibos do encarregado da        de Souza quanto o relatório da turma
              ocorreu após a denúncia do escândalo          contratação das pessoas que fizeram         de inspeção do TCU, apresentado ao
              na Câmara dos Deputados, um local             as pesquisas e pacotes de formulários       secretário da 3ª Secex em setembro,
              no qual o PT sofrera uma grande der-          preenchidos nesse levantamento. Isso        concluem que a agência SMP&B não
              rota no início de 2005, com a perda           não acalmou os ânimos oposicionistas        tinha feito praticamente nada – 99,9%
              da presidência da Casa, cargo em que          acirrados com a história.                   de seus trabalhos tinham sido terceiri-
              estava seu deputado João Paulo Cunha,             Cunha pediu, então, que o presi-        zados –, o que é a base para se concluir
              um ex-metalúrgico, como o presidente          dente da Câmara, deputado Severino          que Valério e seus sócios receberam o
              Lula. Na sucessão, o PT se dividira.          Cavalcanti, encomendasse ao Tribunal        dinheiro para serviços de publicidade
              Foi apresentada inicialmente meia dú-         de Contas da União (TCU) uma audi-          da Câmara, nada fizeram e o desviaram.
              zia de candidatos, inclusive o próprio                                                    Como se viu depois, as investigações
              Cunha, para cuja reeleição se tentou,
              sem sucesso, aprovar uma emenda
                                                            Não se pode                                 da Câmara e do TCU prosseguiram
                                                                                                        por quatro anos e três anos respectiva-
              aos estatutos da Casa. Ao final, con-
              trariando a decisão formal do partido,
                                                            esquecer que a                              mente e, em decisões colegiadas, essas
                                                                                                        instituições absolveram completamente
              o PT concorreu com dois candidatos:
              um, oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh,
                                                            denúncia inicial                            João Paulo Cunha de qualquer culpa. E
                                                                                                        o mais incrível é que o ministro Joaquim
              conhecido ativista de direitos humanos
              e deputado por São Paulo, e outro, Vir-       do mensalão                                 Barbosa, que comandou as votações
                                                                                                        do STF que sentenciaram o deputado
              gílio Guimarães, do PT de Minas. Por
              sinal, no que interessa à nossa história,     tem Policarpo,                              Cunha a nove anos e quatro meses de
                                                                                                        prisão e mais 370 mil reais de multa,
              ele é o homem que apresentou Delúbio
              Soares a Marcos Valério. Em meados de         da Veja                                     tenha apresentado as conclusões de
                                                                                                        Souza e da turma de inspeção da Secex
              fevereiro, foi feito o pleito e, no primei-                                               – e ainda exageradas numa proporção
              ro turno, Greenhalgh venceu, por 207          toria nas condições da licitação e na       de dez vezes – como resultado de duas
              votos, contra 117 de Guimarães e 124          execução do contrato com a SMP&B.           decisões plenárias de órgãos da Câmara
              de Severino Cavalcanti, do PP, partido        Foi como se tivesse pedido uma corda        e do TCU.
              da “base aliada”, como se sabe. No            para ser enforcado. Severino pediu              Os dois relatórios preliminares, de
              segundo, Cavalcanti ganhou disparado:         não só a auditoria que Cunha queria,        Souza e o da primeira turma de inspe-
              300 votos contra 195 de Greenhalgh.           mas também outra, a um comandado            ção da 3ª Secex, foram vazadas para a
                  Na Câmara, presidida por Caval-           seu, Alexis Souza, que indicara para        imprensa no começo de agosto de 2005.
              canti desde então, surgiu, no começo          chefiar a Secretaria de Controle Inter-     No dia 11 daquele mês, Duda Men-
              de julho, logo depois da divulgação           no (Secin) da Câmara. Souza acabaria        donça depôs na CPMI dos Correios e
              das listas de beneficiários do valerio-       não sendo empossado formalmente no          disse ter recebido do PT, no exterior,
              duto, um novo “indício” de desvio de          cargo, que exige confirmação do nome        o equivalente a 10,5 milhões de reais.
              dinheiro público; no caso, contra Cunha       pela mesa diretora da Casa, onde têm        Vários deputados petistas choraram
              e de modo parecido com o do “indício”         assento, além do presidente, mais seis      em plenário ao ouvi-lo. No dia 12, o
              levantado contra Pizzolato. Ele teria as-     deputados: dois vices e quatro secretá-     presidente Lula fez um pronunciamento
              sinado um contrato de publicidade com         rios. Cavalcanti também acabaria sendo      pela televisão no qual disse: “Eu me
              a SMP&B, a agência já citada de Marcos        atropelado pelo escândalo: renunciou        sinto traído por práticas inaceitáveis
              Valério e seus sócios, por ter recebido       no dia 21 de setembro, sem que Souza        das quais nunca tive conhecimento”.
              deles uma propina de 50 mil reais.            fosse oficializado no cargo.                No dia 17, numa nota, a Executiva do
              Esse dinheiro foi sacado na agência do            Seu relatório, no entanto, fez estra-   PT pediu desculpas ao povo brasileiro.
              Banco Rural em Brasília pela esposa do        gos. Ele foi entregue formalmente em        No dia 1º de setembro, a CPI dos Bin-
              deputado, que assinou o recibo corres-        duas partes, em setembro e outubro,         gos, chamada apropriadamente de “A
              pondente, com seu nome e número do            depois da renúncia de Severino. Porém,      CPI do Fim do Mundo”, porque saiu

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FolhaPress
         17 x 4: MENSALÃO RECONHECIDO                                    em 11 meses de depoimentos e investigações”: “o PT, braço
         POR GOLEADA, DIZ O PFL                                          político-eleitoral do Governo Lula, comprou com dinheiro
         Março de 2006, oposicionistas carregam em triunfo o             público a adesão de deputados para formar a tristemente
         deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), o relator da CPMI           famosa “base governista”. O nome “mensalão” para essas
         dos Correios, após a aprovação, por 17 votos a 4, do seu        propinas milionárias é apenas uma marca de fantasia, um
         relatório. O texto teria mostrado, diz a legenda da foto,       apelido convencional, para o fato comprovado de que o
         publicada no site do PFL, “o que todo o País comprovou          Governo Lula e o PT praticaram atos de corrupção”.

       em busca de assuntos contra o PT que       dinheiro público usado para comprar        controladas por Dantas, e não o Banco
       pudessem criar manchetes, levou para       apoio político e aprovar as propostas      do Brasil e a Câmara, seriam os respon-
       depor uma irmã do ex-prefeito de Santo     iniciais do governo Lula.                  sáveis pelos recursos do valerioduto,
       André Celso Daniel, do PT, morto em            O papel da mídia nessa denúncia        visto que a DNA tinha contratos de
       2002. A CPI quis investigar se a morte     e em seus desdobramentos não pode          publicidade com elas e também recebe-
       do prefeito não teria sido queima de       ser minimizado. Não se pode esquecer       ra muitos milhões dessas empresas nos
       arquivo, motivada por ele ter se rebe-     que a gravação da conversa de Maurício     anos de 2003 e 2004. O indiciamento
       lado contra um esquema de corrupção        Marinho, o funcionário dos Correios        de Dantas no mensalão, afinal, não foi
       montado na prefeitura pelo PT.             flagrado por Veja no recebimento de        pedido pelo procurador-geral da Repú-
           Tudo indica que a oposição só não      uma propina de 3 mil reais de um em-       blica, como se verá no capítulo seguinte,
       pediu o impeachment do presidente          presário, foi articulada com Policarpo     mas a divisão do mensalão para que os
       Lula no segundo semestre de 2005           Junior, chefe da sucursal da revista       40 indiciados pelo procurador fossem
       porque não conseguiu ganhar a presi-       em Brasília. O operador da gravação é      ouvidos em seus locais de residência
       dência da Câmara nas eleições dispu-       Jairo Martins, preso com o empresário      acabou permitindo que a Procuradoria
       tadas em 28 de setembro. Aldo Rebelo       Carlinhos Cachoeira no início do ano       da República em São Paulo, onde mora
       (PCdoB–SP), pela base governista, e        passado. Ambos, junto com Policarpo,       José Dirceu, acabasse comandando um
       José Thomaz Nonô (PFL–AL), pela            também estão envolvidos, ainda, na         inquérito da PF voltado para investigar
       oposição, foram os adversários prin-       gravação das visitas a José Dirceu no      as relações de Dantas com o mensalão.
       cipais. No primeiro turno, empataram,      apartamento em que ele atendia correli-    “Acredita-se que o HD do banco” – o
       com 182 votos cada. No segundo, Aldo       gionários no Hotel Naoum, em Brasília.     disco rígido do Opportunity, banco
       ganhou apertado: 258 contra 243 votos.         Não se pode esquecer também que        associado ao financista – “possa conter
       Mas José Dirceu teve seu mandato de        o outro grande evento midiático do         dados que comprovem a relação entre
       deputado federal e os direitos políticos   período, o escândalo Daniel Dantas,        a Telemig, a Amazônia Celular e Mar-
       suspensos pelo plenário da Câmara por      liga-se com o do mensalão no momento       cos Valério”, disse a procuradora Ana
       293 votos contra 192, na madrugada de      em que alguns deputados conseguem          Roman, que autorizou a abertura do
       1º de dezembro do ano do escândalo.        enfiar no relatório final da CPMI dos      inquérito, chefiado pelo delegado Ézio
       A base para sua cassação: diversos in-     Correios o pedido de indiciamento do       Silva do início de 2006 até o início de
       dícios de que ele seria o chefe de três    financista. A Telemig, a Amazônia Ce-      2007 e depois pelo delegado Protógenes
       quadrilhas articuladas para o desvio de    lular e a Brasil Telecom, empresas então   Queiroz.

                                                                                              especial mensalão retratodoBRASIL   |   11




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Quem chefia a quadilha

              o procurador souza achou
              dois chefões. cortou um...
                  Quando o STF aprovou seu indicia-        que naquele mesmo dia apresentou a          2006”. Como se verá no capítulo que
              mento, em 2007, como chefe da quadri-        denúncia do mensalão ao STF.                trata da investigação feita por RB, mais
              lha do mensalão, Dirceu exibiu um exem-          Destaque-se, para a nossa história,     adiante nesta história, um dos documen-
              plar da Folha de S.Paulo, que publicara      que o procurador eliminou da lista quatro   tos essenciais da Visanet para o caso é
              declarações do ministro Ricardo Lewan-       nomes do Banco do Brasil. Ficaram ape-      um relatório dos advogados da empresa
              dowski, para quem a corte votou “com a       nas os dos petistas Henrique Pizzolato      preparado para ser entregue por ela à
              faca no pescoço”. O ex-ministro atacou       e Luiz Gushiken. Saíram o presidente        Receita Federal. Esse relatório declara,
              a grande mídia, que já teria pré-julgado     do banco, Cássio Casseb, e mais três        em síntese, haver provas documentais
              o mensalão, e ele era o grande alvo. Os      funcionários, que vinham da adminis-        de que não houve desvio de dinheiro do
              jornais tinham publicado trechos de re-      tração anterior, do governo de Fernando     FIV destinado ao Banco do Brasil. Ele
              latórios das investigações de Queiroz nas    Henrique Cardoso, a despeito de terem       estava entre os documentos apreendidos
              quais arapongas procuravam identificar,      assinado, com Pizzolato, os documentos      inicialmente pela PF, mas foi devolvido à
              nas vozes gravadas, menções ao nome          considerados incriminadores, que enca-      companhia graças à ação de seus advoga-
              de Dirceu. Numa dessas gravações, a          minharam os pedidos de liberação dos        dos, os quais argumentaram ao STF, com
              mais grotesca, um “ele” perdido no meio      73,8 milhões de reais em recursos do        êxito, que o referido relatório é protegido
              de uma conversa de dois assessores do        Fundo de Incentivos Visanet, tidos como     legalmente pelo direito de sigilo.
              financista tinha sido interpretado por       desviados dos cofres públicos. Destaque-        O relatório inicial da CPMI dos
              um dos arapongas como “José Dirceu”,                                                     Correios, também apresentado no dia 30
              e “conta curral” seria o código para um                                                  de março, tinha 1.828 páginas e suas 122
              pagamento que ele teria recebido num
              paraíso fiscal (Ver O escândalo Daniel
                                                           O procurador                                sugestões de indiciamento seriam, uma
                                                                                                       semana depois, no plenário da Câmara,
              Dantas, duas investigações, editora Ma-
              nifesto, páginas 80 e 81).
                                                           tirou, da lista                             também desidratadas: ficaram apenas 24
                                                                                                       indiciamentos e uma lista apartada de 18
                  A etapa inicial do processo judicial
              é o inquérito, cujas investigações são
                                                           de indiciados,                              deputados que poderiam ter cometido
                                                                                                       “crimes eleitorais ou de sonegação fiscal”,
              feitas pela polícia e, em casos de alcance
              nacional, pela Polícia Federal. Na Justiça
                                                           Casseb e mais três                          não acusados sob o argumento de que a
                                                                                                       investigação não teria tido tempo para
              brasileira, quem comanda o processo
              investigatório é um promotor e, caso
                                                           também do BB,                               análise de suas defesas mais recentes. O
                                                                                                       documento de Souza, embora claramente
              estejam envolvidas altas autoridades,
              esse promotor é o procurador-geral da        mas não petistas                            baseado nas investigações do Congres-
                                                                                                       so, é relativamente sucinto. Depois de
              República – no caso, Antonio Fernando                                                    apresentar os indiciados, basicamente
              de Souza. Depois do inquérito policial, o    se, também, que Souza não indiciou          os mesmos que seriam julgados em
              promotor verifica se há provas e indícios    vários deputados apontados na lista de      2012 pelo STF, e de uma introdução, se
              suficientes para mover uma ação penal        Serraglio, mas ainda não julgados pela      divide em sete blocos. Sua tese central
              destinada a levar os acusados a julga-       Câmara. Denunciou, porém, João Paulo        procura se contrapor à de todos os réus,
              mento. Na nossa história, o inquérito da     Cunha, que até então também ainda           que tinham se defendido, desde o início
              Procuradoria-Geral da República é o de       não havia sido julgado pelos deputados.     do escândalo, com o argumento de que
              número 2.245, de 2005, que desembocou        Quando o foi, pouco depois, o plenário      não tinha havido “o” crime histórico e
              na Ação Penal 470 do STF. O processo         o absolveu por 256 a 209 votos. O leitor    excepcional batizado de mensalão, mas,
              político, com as centenas de “inquéri-       deve levar em conta, também, que houve      sim, o tradicional crime de caixa dois. O
              tos” promovidos pela mídia e as três         um grande esforço da Visanet para influir   pilar de sustentação da tese de que, sim, o
              comissões parlamentares de inquérito         na seleção dos indiciados e para não en-    mensalão existira, apresentada inicialmen-
              feitas pelo Congresso Nacional, teve         tregar certos documentos seus à Polícia     te por Souza, endossada com mais ênfase
              uma espécie de conclusão preliminar a 30     Federal. A empresa apresentou várias        por seu sucessor, Roberto Gurgel, e com
              de março de 2006, quando o deputado          ações no Supremo para contestar uma         veemência e agressividade pelo ministro
              Osmar Serraglio (PMDB–PR) apresen-           decisão do então presidente da corte,       Barbosa na fase do julgamento – eram os
              tou pela primeira vez o relatório final      Nelson Jobim, que determinava que a         supostos desvios de recursos públicos. Os
              da CPMI dos Correios, no qual pede o         Visanet permitisse o acesso de peritos      “desvios”, “desvios de recursos públicos”,
              indiciamento de 122 pessoas. Os nomes        do Instituto Nacional de Criminalística,    “desvios de dinheiro público” são citados
              dessa lista inicial foram reduzidos a um     da PF, “a todos os documentos da em-        mais de 30 vezes. E os exemplos mais de-
              terço, 40 pessoas, pelo procurador Souza,    presa no período de 2001 a janeiro de       talhados desses desvios são atribuídos aos


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FolhaPress
       dois petistas já citados: João Paulo Cunha,     distribuído pelo PT vinha de empréstimos,     tremamente suspeita, à Caixa Econômica
       político com sete mandatos, de vereador,        tomados pelo partido diretamente ou por       Federal”. O BMG acabou sendo excluído
       deputado estadual e deputado federal; e         empresas de Marcos Valério. “Conforme         do julgamento numa fase posterior.
       Henrique Pizzolato, um homem de igre-           anteriormente assinalado, os elementos            Para enfatizar a existência de supos-
       ja, propagandista do PT em campanhas            de convicção obtidos comprovam que            tas provas das relações de José Dirceu
       pelo Paraná e figura principal do Banco         esses empréstimos não seriam sequer efe-      com Valério, o relatório chega a ser
       do Brasil na campanha nacional contra a         tivamente quitados. Tanto o grupo ligado      bisonho. Diz que Valério “afirma que es-
       fome idealizada por Herbert de Souza, o         a Marcos Valério quanto as instituições       teve na Casa Civil aproximadamente em
       conhecido Betinho.                              financeiras apenas ingressaram no esque-      quatro ocasiões” e, a certa altura, afirma
            As acusações de Souza estão sub-           ma, pois tiveram a prévia concordância do     que o publicitário era a figura principal
       mersas num texto muito mal escrito              ministro-chefe da Casa Civil e a garantia     da quadrilha o que está de acordo com
       e mal concatenado. Ele começa pela              da inexistência de controle sobre suas ati-   o incrível veredito final do caso que
       tentativa de caracterizar a “quadrilha”         vidades ilícitas e de benefícios econômicos   condenou Valério à maior pena de todos
       comandada por José Dirceu, a “sofisti-          diretos e indiretos.”                         os chamados mensaleiros – 40 anos, dois
       cada organização criminosa” que teria               É um texto confuso, que envere-           meses e dez dias de prisão, mais 2,72
       sido construída após a vitória do PT, em        da por desvios. Por exemplo, chega a          milhões de reais de multa –, mas é con-
       2002, “para garantir a continuidade do          sugerir que o BMG, um dos bancos              traditório com a tese de que Dirceu era
       projeto político” do partido “mediante          que emprestaram dinheiro ao PT e              o chefe da quadrilha (condenado a dez
       a compra de suporte político” e que “se         às empresas de Valério e sócios, era o        anos e dez meses de prisão mais 676 mil
       estruturou profissionalmente para a prá-        centro de tudo: “Todos os fatos que se        reais de multa). Aliás, ainda em relação à
       tica de crimes como peculato, lavagem           desenrolaram desde então demonstram           chefiada quadrilha, a denúncia de Souza
       de dinheiro, corrupção ativa, gestão            que as ações desenvolvidas pelo núcleo        comete outra extravagância: denuncia
       fraudulenta, além das mais diversas             político-partidário foram pautadas ex-        Luiz Gushiken, ministro da Secretaria
       formas de fraude”. Diz que Dirceu era           clusivamente para beneficiar o banco          de Comunicação Social da Presidência da
       todo-poderoso: “A atuação voluntária e          BMG, que, não por acaso, foi a primeira       República e chefe de Henrique Pizzolato,
       consciente do ex-ministro José Dirceu           instituição financeira não pagadora de        por ser o homem que controlava a pro-
       no esquema garantiu às instituições fi-         benefícios previdenciários habilitada à       paganda do governo Lula. A questão que
       nanceiras, empresas privadas e terceiros        concessão dos créditos consignados, o         o indiciamento de Gushiken levantava
       envolvidos que nada lhes aconteceria,           que lhe rendeu vultosa lucratividade,         era: se o dinheiro básico desviado dos
       como de fato não aconteceu até a eclo-          decorrente, principalmente, dos meca-         cofres públicos eram os 73,8 milhões de
       são do escândalo, e também que seriam           nismos utilizados em seu benefício, que       reais supostamente extraviados por Pi-
       beneficiados pelo governo federal em            lhe permitiram sair na frente de todo o       zzolato, o chefe da quadrilha deveria ser
       assuntos de seu interesse econômico,            mercado de bancos pequenos, negociar          Gushiken, e não José Dirceu. Talvez por
       como de fato ocorreu”.                          esses empréstimos com os aposentados          essa incongruência Gushiken também
            A seguir, busca destruir as provas apre-   inclusive por telefone e, posteriormente,     foi posto fora da acusação numa etapa
       sentadas pelos acusados de que o dinheiro       ceder essa carteira, em uma operação ex-      posterior desta nossa incrível história.

                                                                                                       especial mensalão retratodoBRASIL    |   13




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A prova ideológica

              O perito não viu, Gurgel viu:
              a grana tinha planos, ideias
                    A denúncia de Souza foi aceita pelo     O procurador também mostra que a              dinheiro do PT, de “atos de ofício” que
              Supremo em agosto de 2007. O inquérito        empresa fez o registro do empréstimo ao       caracterizassem os crimes.
              2.245 foi transformado, então, na Ação        corrigir sua contabilidade após a denúncia        Gurgel também usa, nas suas ale-
              Penal 470, e a investigação a cargo da        do mensalão, para regularizar sua posição     gações, o truque no qual o ministro
              Procuradoria-Geral da República pros-         junto à Receita Federal. Em 2003, a conta     Barbosa se especializaria no julgamento:
              seguiu nessa nova fase até o começo de        da SMP&B “1010-5 caixa – cheques              depoimentos colhidos na fase do inqué-
              julho de 2011, quando um novo procu-          emitidos”, uma subconta da conta-caixa,       rito policial, durante a qual os acusados
              rador, Roberto Gurgel, no início de seu       era utilizada para registrar operações que    não tiveram direito ao contraditório. Ele
              segundo mandato, apresentou, então,           passavam por essas contas e nas quais a       cita Jader Kalid Antônio, um doleiro mi-
              as alegações finais da acusação para o        empresa era emitente e beneficiária de        neiro que executou repasses para a conta
              julgamento. O documento de Gurgel,            cheques de suas próprias contas bancá-        de Duda Mendonça nas Bahamas. Kalid
              muito mais extenso que o de Souza e           rias, operações por meio das quais saía o     depôs na PF e disse ter sido orientado,
              muito mais bem escrito, mantém a mes-         dinheiro do valerioduto. Gurgel, é claro,     em 2003, por um dos sócios de Valério,
              ma grandiloquência: “Trata-se da mais         não usou essa novidade para concluir          Ramon Hollerbach – que acabou rece-
              grave agressão aos valores democráticos       que os empréstimos ao PT existiam e           bendo a segunda maior pena da história
              que se possa conceber”, diz. A grande         que eram contabilizados, de algum modo,       do mensalão – 29 anos, sete meses 20
              quadrilha, com três núcleos – político,       pela SMP&B. Não aceitou, inclusive, que       dias mais multa de 2,8 milhões de reais
              operacional e financeiro – é a mesma e        a correção da declaração do Imposto de        –, a enviar para a conta de Duda nas
              seu poderoso chefão é, igualmente, José       Renda a posteriori, amplamente aceita         Bahamas o dinheiro devido pelo PT .
              Dirceu. “Ao assumir o cargo de ministro-      pela Receita Federal em relação às demais     O doleiro diz ainda ter sido Hollerbach
              chefe da Casa Civil em janeiro de 2003,       empresas, fosse válida neste caso.            a pessoa que lhe passou o número da
              José Dirceu passou a ter como missão               Em sua acusação, Gurgel também           conta do publicitário no exterior. Valério
              a formação da base aliada do governo          torce os depoimentos de líderes de            nega que tenha mandado pagar Duda no
              federal dentro do Congresso Nacional.         partidos acusados de receber suborno,         exterior. No dia em que Duda deu uma
              Mais do que uma demanda momentânea,           Valdemar Costa Neto, do PL, Pedro             declaração desse tipo, em seu depoimen-
              o objetivo era fortalecer um projeto de       Henry, do PP, e Roberto Jefferson, do         to na CPMI dos Correios, Valério, que
              poder do Partido dos Trabalhadores            PTB, que narram como foram negocia-           estava em Brasília, foi ao Congresso e
              de longo prazo. Partindo de uma visão         dos os apoios em dinheiro do PT. Eles         deu declarações que desmentiam o publi-
              pragmática, que sempre marcou a sua           negam o suborno e insistem em dizer           citário baiano. Hollerbach jura que nunca
              biografia, José Dirceu resolveu subornar      que o que houve foram acordos políticos       encontrou Duda e que jamais soube o
              parlamentares federais, tendo como alvos      permitidos pela lei eleitoral. Gurgel tenta   número de qualquer conta sua.
              preferenciais dirigentes partidários de       usar esses depoimentos para provar que            Por último, vale destacar na acusação
              agremiações políticas.”                       José Dirceu era o chefe das negociações       de Gurgel o que ele diz ser “a prova de-
                    O desvio de recursos públicos é man-    da ajuda financeira. Chega a reconhecer       finitiva” da ação do núcleo publicitário
              tido como o pilar da acusação. Gurgel         que “não discute a licitude da ação do        formado por Rogério Tolentino, Marcos
              reafirma que esse desvio está provado         chefe do gabinete civil da Presidência        Valério, Cristiano Paz e Ramon Holler-
              e que é falsa a tese de que o dinheiro        da República de articular junto ao Con-       bach no “desvio de recursos do Banco
              distribuído pelo esquema do valerioduto       gresso Nacional a base parlamentar de         do Brasil, pelo esquema do Fundo de
              veio de empréstimos legítimos tomados         apoio ao governo a que pertence”. Diz:        Incentivos Visanet”, estipulado por ele
              junto aos bancos mineiros Rural e BMG.        “Evidentemente a articulação política         em “R$ 73.851.000,00 (setenta e três
              “A transferência de recursos pelos bancos     insere-se nas atribuições do mencionado       milhões, oitocentos e cinquenta e um
              Rural e BMG para alimentar o esquema          cargo”. Mas argumenta que a acusação          mil reais)”. Gurgel diz que um laudo
              ilícito jamais foi admitida pelos acusados.   decorre do fato de essa base de apoio ter     mostra que, no dia 22 de abril de 2004,
              (...) Essa versão, entretanto, não pode ser   sido formada “mediante o pagamento de         a DNA sacou 10 milhões de reais da
              aceita”, diz Gurgel, que, então, apresenta    vantagens indevidas a seus integrantes”.      conta 602000-3, no BB, na qual recebia
              uma novidade: a SMP&B, que concen-            O termo “vantagens indevidas”, gené-          adiantamentos por serviços prestados
              trava os repasses do valerioduto, tinha, já   rico, é usado por ele, aqui, da mesma         ao FIV, e transferiu essa quantia para
              na sua contabilidade referente ao ano de      forma que, sob o comando do ministro          o BMG, para a compra de um CDB
              2003, contas específicas para registrar as    relator Joaquim Barbosa, viria a ser uti-     (Certificado de Depósito Bancário, um
              operações do esquema: “388003-6 Parti-        lizado pela maioria dos outros ministros      empréstimo do aplicador pelo qual o
              do dos Trabalhadores – PT”, “388090-          do Supremo no julgamento: como uma            banco paga juros) que serviu de lastro
              2 provisão encargos emprest PT”; e            licença para não ter de provar a prática,     para um empréstimo, dois dias depois,
              “194001-9 adiantamentos concedidos”.          pelos parlamentares que receberam             do banco a uma empresa de Tolentino,

             14   | retratodoBRASIL especial mensalão



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ABr
         A RELAÇÃO CACHOEIRA-MENSALÃO                                            aprovou a indicação de Roberto Gurgel para procurador
         Como se sabe, a imagem da capa de Veja que disparou o                   geral da República. Na foto, a sessão de aprovação, com
         mensalão, em 2005, foi produzida com a ajuda de Jairo                   Torres no centro da mesa e Gurgel à sua direita. Mais tarde,
         Martins um dos membros da quadrilha do empresário                       ainda 2009, o procurador Gurgel deixou de encaminhar o
         Carlinhos Cachoeira e do senador Demóstenes Torres,                     pedido o indiciamento de Torres ao STF, pedido pela Polícia
         cassado posteriormente. Em agosto de 2009 o senador                     Federal, depois de esta ter lhe encaminhado dezenas de
         Torres era o presidente da Comissão do Senado que                       conversas incriminadoras entre Torres e Cachoeira.

       Rogério Lanza Tolentino e Associados.            os empréstimos, o delegado Luiz Flávio        as operações. Zampronha deu várias
       Este seria não só um empréstimo fictício,        Zampronha, que fez a apreensão inicial de     entrevistas. No dia 12 de setembro de
       como também a prova do desvio. De                documentos do mensalão, em 2005, foi          2012, ao votar pela absolvição de Geiza
       fato, o dinheiro viria do BB. Como se            chamado pelo então procurador Souza           Dias, o ministro Lewandowski citou as
       sabe, movimentar dinheiro entre contas           para aprofundar a investigação sobre a        declarações de Zampronha na imprensa
       de bancos diferentes, por sócios, não            origem de recursos do mensalão. Seu           em defesa dela. Joaquim Barbosa disse
       prova nada. O dinheiro não fala, não             relatório, entregue a Gurgel antes da ela-    que as declarações de Lewandowski
       revela sua origem ou destino. Além do            boração das considerações finais, diverge     eram “bizarras”: “Isto é um absurdo. Em
       mais, como se verá dois capítulos adiante,       muito do atual procurador. No essencial,      qualquer país decentemente organizado,
       não houve o desvio do BB.                        para mais: o mensalão teria sido usado ao     esse delegado já estaria, no mínimo, sus-
           O exagero de Gurgel pode ser visto           longo de anos. Mas ele diverge em pontos      penso”. O relatório de Zampronha não
       por meio das palavras dos próprios peri-         que destroem a tese do mensalão: diz que      foi aceito por Gurgel. O procurador não
       tos, na conclusão do Laudo 1866/2009-            os empréstimos são verdadeiros e seriam       é um anjo, nas alturas, acima do bem e
       INC, que afirma: “Os peritos entendem            quitados com dinheiro a ser arrecadado        do mal. Como escreveu Retrato do Brasil
       que o contrato está acobertado por               pelo esquema, como teria acontecido no        em sua edição 62, que fez a cobertura de
       garantias adequadas, vez que atendem às          caso do mensalão mineiro. Zampronha           sua denúncia do mensalão no plenário do
       características de suficiência e liquidez exi-   diz que o homem que construiu a ligação       STF, em agosto do ano passado: “Gurgel
       gidas pelas normas. Destaca-se que essa          do Rural com o esquema era José Augusto       é o mesmo que não viu a quadrilha da
       conclusão diz respeito ao aspecto formal         Dumont e que não ficou suficientemente        qual participavam Cachoeira e o senador
       do negócio, não tendo sido avaliado o seu        provada a ligação dos dirigentes do Rural     Torres, mesmo tendo os policiais que
       aspecto ideológico, como a motivação             condenados agora – Kátia Rabello (16          investigaram o empresário lhe apresen-
       da DNA Propaganda Ltda. em fornecer              anos e oito meses, multa de 1,5 milhão        tado, como resultado da Operação Las
       a garantia ou mesmo a origem dos re-             de reais), José Roberto Salgado (16 anos      Vegas, realizada em 2009, entre centenas
       cursos que a constituíram”. Em resumo,           e oito meses, multa de 1 milhão de reais) e   de conversas grampeadas entre os dois,
       no entender dos repórteres, a acusação           Vinicius Samarane (oito anos, nove meses      pelo menos 22 consideradas muito com-
       de Gurgel foi ideológica. Ainda sobre            e dez dias, multa de 598 mil reais) – com     prometedoras”.

                                                                                                        especial mensalão retratodoBRASIL   |   15




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A Construção do Mensalão
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A Construção do Mensalão

  • 1. EDIÇÃO ESPECIAL abril/maio 2013 retrato doBRASIL WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 8,00 | EDIÇÃO ESPECIAL A RBMENSALAOcapaPSD.indd 1 03/04/13 10:39
  • 2. ponto de vista umA juStIçA que LemBRA oS tempoS medIevAIS No julgamento da Ação Penal exemplo “da prática de fazer alegações meiro grande trabalho ocidental sobre o 470 (AP 470), diante da crítica dos e de usar técnicas de investigação in- conjunto de questões a serem debatidas advogados de defesa de que não havia justas a fim de restringir o dissenso e com vistas a uma reforma das prisões provas contra os acusados e de que eles fazer acusações políticas”, como diz e das penas, de um ponto de vista mais estavam sendo condenados apenas por a Wikipédia. Em português, a peça de racional. Beccaria se insurgiu contra indícios, em desrespeito ao Código de Miller chama-se As bruxas de Salem os julgamentos secretos e as torturas, Processo Penal brasileiro, vários mi- (Ediouro, 1997) e é uma boa leitura empregadas como meio de obtenção de nistros do Supremo Tribunal Federal para se entender essa recidiva da justiça provas. Muitas das reformas dos códi- (STF) se preocuparam em explicar que medieval no Brasil de hoje. Uma epide- gos penais europeus da época acharam em casos que envolvem, segundo eles, mia, desconhecida para os moradores, inspiração em sua obra. pessoas muito poderosas, capazes de assolou a região entre 1692 e 1693 e A tortura, praticada sob diversas limpar os rastros deixados por suas atingiu muitas crianças. Por uma série formas ao longo dos séculos, ainda ações criminosas, o uso dos indícios de interesses econômicos e pessoais, servia, oficialmente, na época de Bec- é frequentemente a única e legítima foi transformada, afinal, num crime de caria, como meio de obter provas de forma de fazer justiça. O argumento é bruxaria. Na história dramatizada, tem crimes. As bruxas, acusadas de ligação compreensível quando juízes se veem papel destacado na condenação dos diante de crimes clamorosos, evidentes – os quais, como se diz, clamam aos céus por punição – e quando, de fato, indícios abundantes e sugestivos ligados Não se pode, ao crime apontam para os culpados. No caso, no entanto, no julgamento como na Idade do famoso “mensalão”, não se tratava da existência de dificuldades para ligar Média, perseguir supostos criminosos a um crime bem determinado. O problema dos juízes as “bruxas”, sem foi que eles não se preocuparam em primeiramente provar a existência do antes, provar que crime para depois procurar as ligações dos culpados com o crime já então o crime existiu devidamente caracterizado. É por essa razão que, a nosso ver, se fez um tipo réus um juiz pretensioso que, segundo de justiça que faz lembrar os tempos o próprio Miller, é o verdadeiro vilão da medievais. Uma comparação boa é com história. Esse personagem se proclama o julgamento das chamadas feiticeiras extremamente fiel aos regramentos de Salem, um lugarejo na província de da Justiça, mas, no fundo, sabe ser o Massachusetts, então uma das colônias julgamento das bruxas uma mentira. inglesas que formaram os atuais Esta- Não perdoa ninguém, para não deixar dos Unidos da América. O julgamento pairarem dúvidas sobre sua reputação foi dramatizado por um dos maiores teocrática. escritores do teatro americano, Arthur Pode-se dizer que as ideias da Miller. Mas o fato existiu e sua sentença justiça medieval foram superadas nas final foram vários enforcamentos. civilizações ocidentais modernas pelo Miller (1915–2005) escreveu a peça Iluminismo, a também chamada Idade The Crucible em 1953, como uma da Razão, dos séculos XVII e XVIII, alegoria voltada contra o espírito das que promoveu o conhecimento cientí- investigações feitas pela Comissão de fico, em detrimento da superstição, da Inquérito sobre as Atividades Antia- tradição e da fé. No direito, um de seus mericanas, formada no Congresso dos grandes intelectuais é o italiano Cesare EUA e dirigida pelo senador Joseph Beccaria (1738–1794), autor de Dos McCarthy. Hoje, ela é vista como um delitos e das penas, de 1764. É o pri- 2 | retratodoBRASIL especial mensalão RBmensalao.indd 2 03/04/13 10:25
  • 3. bra com o demônio, eram torturadas até a lão acabou sendo uma espécie de exor- de muitas de suas campanhas, Duda confissão. Se não confessavam, como cismo para tentar combater a terrível Mendonça, e para vários partidos da lembrou o irônico cientista Carl Sagan epidemia de corrupção que existiria no chamada base aliada. numa de suas obras, é porque o pacto País há séculos e que teria tido, com os O mensalão, segundo Jefferson, era que tinham com o mal era suficiente- petistas e o governo Lula, um surto es- um esquema de compra de deputados mente forte para fazê-las suportar as petacular e promovido “o mais atrevido por meio de uma mesada. Os petistas torturas e, dessa forma extravagante, no e escandaloso esquema de corrupção e disseram: não, foi um esquema para fundo confessarem seus vínculos maldi- de desvio de dinheiro público flagrado o pagamento de despesas eleitorais tos. Um dos princípios essenciais para no Brasil”, como disse, em seu pedido com dinheiro tomado por emprés- destruir resquícios da justiça medieval é de condenação dos réus do mensalão, timo de dois bancos mineiros pelo obrigar os acusadores a provar o que se perante o STF, o procurador-geral da PT e por empresas de publicidade de chama de “materialidade do crime”. O República, Roberto Gurgel. um cidadão chamado Marcos Valério, crime não pode ser uma intenção, uma Como mostraremos a seguir, o que rapassava os recursos ao PT. A hipótese. A bruxa não pode ser conde- mensalão foi uma espécie de maldição Procuradoria-Geral da República e a nada por matar o papa se o papa estiver aspergida pelo ex-deputado Rober- maioria do STF, apoiadas numa verda- vivinho da silva. Portanto, como diria to Jefferson sobre um esquema de deira campanha de perseguição contra Beccaria, não se pode partir em busca financiamento eleitoral por meio do os chamados mensaleiros, movida dos criminosos sem, em primeiro lugar, qual o partido do presidente Lula e de praticamente por todos os maiores caracterizar, materialmente, o crime. seu ministro-chefe da Casa Civil, José jornais e redes de televisão do País, no No caso do mensalão, o STF não Dirceu, distribuiu, entre 2003 e 2004, fundo consagrou a tese de Jefferson e, exigiu dos acusadores essa providência cerca de 56 milhões de reais para vários com base em indícios – fraquíssimos, fundamental. O julgamento do mensa- de seus filiados, para o marqueteiro como mostraremos – de que os em- préstimos não existiam, disse que o dinheiro veio de recursos desviados do Banco do Brasil (BB) e da Câmara dos Deputados por um esquema cujo comando estava na própria Casa Civil da Presidência da República. Esses desvios são, então, as vigas mestras da tese do mensalão. Provariam a inexistência dos empréstimos, os quais, existindo, rebaixariam o delito cometido da categoria de “o grande crime” de nossa história política para a da conhecida praga do caixa dois, que há décadas corrompe as campanhas elei- torais brasileiras. Era fácil comprovar que eles não existiam, como Retrato do Brasil demonstra nesta edição especial. Mesmo agora, oito anos depois, nem as entidades supostamente roubadas, isto é, o Banco do Brasil e a Câmara dos Deputados, exigiram esse dinheiro de volta. E por que a condenação de tipo medieval? Porque para muitos, à direi- ta, o petismo é, e sempre foi, a encar- nação do mal e para outros, à esquerda, desiludidos, o petismo, que seria a salvação do Brasil, passou a ser, sob o comando de José Dirceu, nosso Lúci- fer, uma espécie de anjo degenerado. E porque, também, se criou um clima irracional que pretendeu atacar a cor- rupção do processo eleitoral brasileiro com métodos medievais, com uma caça às bruxas, as quais, encontrando-se n o da presas e exemplarmente condenadas, re Lo nos redimiriam. io ss Cá especial mensalão retratodoBRASIL | 3 RBmensalao.indd 3 03/04/13 10:25
  • 4. O esquema A descoberta do valerioduto, canal para R$ 55,3 milhões No dia 13 de julho de 2005,uma Os personagens têm papéis diversos reais, sendo 18 milhões para diversos força-tarefa da Polícia Federal coman- do que supõe o senso comum. O cli- de seus diretórios e 10,5 milhões para dada pelo delegado Luiz Zampronha ma escandaloso transformou Marcos Duda Mendonça, o marqueteiro da esteve em Belo Horizonte, nos arqui- Valério, uma pessoa com algumas vir- campanha petista de 2002, que elegeu vos do Rural, um banco mineiro de tudes e muitos defeitos, num monstro. o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. porte médio. Apoiada em um mandado Delúbio Soares, um militante petista Para o PL, o partido de José Alencar, o da Justiça Federal, requisitou toda a do- histórico, foi expurgado do partido vice-presidente, eleito junto com Lula, cumentação relativa às contas de Mar- por seis anos – só foi reintegrado em tinham ido 12,2 milhões. Para o PP, cos Valério, um dos donos das agências 2011. Dumont, o presidente do banco, o partido do famoso ex-governador de publicidade no estado pelas quais se apontado por vários dos envolvidos paulista Paulo Maluf, 7,8 milhões. Para teria processado uma movimentação como uma figura central na montagem deputados do PMDB, 2,1 milhões. E, ilícita de dinheiro. Zampronha saiu do esquema, morreu em fevereiro finalmente, 4,9 milhões foram para o de lá com a documentação básica que de 2004. Antes, portanto, de dar seu PTB, do próprio denunciante, Roberto iria orientar a gigantesca investigação testemuho sobre essa e outras versões Jefferson, então presidente do partido. que se estenderia por vários anos. Até da história. Na opinião dos repórteres De onde vinha esse dinheiro? Os hoje, final de março de 2013, o Rural, desta história, que conheceram vários depoimentos de todos os acusados em sua defesa, distribui um comuni- dos personagens, cada um deles tem e toda a documentação levantada cado no qual diz que já então, antes por meio das diversas investigações O banco fez a de o escândalo vir a público com a feitas mostram que o valerioduto foi denúncia de Jefferson, “inclusive em alimentado por empréstimos tomados um deliberado excesso de cautela e no Banco Rural e no BMG, outro extrapolando as obrigações legais [...], registrava em um sistema interno não contabilidade de banco mineiro médio. Os tomadores foram três empresas de Valério e seus só as movimentações bancárias, mas também todos os seus beneficiários”. tudo que sócios já citados: SMP&B, a Graffiti e a Rogério Tolentino Associados. A Deixemos de lado, no entanto, tanto as questões legais – o que era ou repassou. E CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) dos Correios, a principal não obrigação do Rural fazer em fun- ção das normas do Banco Central e da entregou os investigação do Congresso sobre a his- tória, resume os empréstimos: foram legislação que busca coibir a movimen- tação clandestina de dinheiro – como nomes à PF sete contratos, assinados no prazo de um ano e meio, entre 25 de fevereiro a questão de saber se esse dinheiro de 2003 e 14 de julho de 2004. Como era para o que se chama, na política, um papel diferente e todos deveriam eram de curto prazo, geralmente três de caixa dois ou para algo diferente, ter sido tratados pela Justiça na medida meses, as dívidas foram, como se diz, o mensalão. No momento, vale dizer certa de suas participações em crimes “roladas”: somando todas, foram 15 re- que, efetivamente, o banco mineiro que tivessem sido também devidamen- novações. E, diz o relatório dos peritos tinha uma grande lista de políticos te comprovados, o que, infelizmente, que os examinaram para a CPMI, um ou seus intermediários que haviam não ocorreu. dos contratos, tomado pela SMP&B recebido recursos do chamado vale- Mas o certo é que, dos arquivos do no BMG, foi liquidado com outro, to- rioduto por meio de um “esquema”, Rural, depois confirmados por Delúbio mado pela Graffiti, também no BMG. digamos assim, montado basicamente e Valério e por dezenas de inquéritos da Resumindo a conta, foram tomados por Delúbio Soares, tesoureiro do PT, Polícia Federal, da Procuradoria-Geral por empréstimo 55,3 milhões de reais, Marcos Valério e três de seus sócios em da República, do Congresso Nacional em valores da época da tomada.. algumas empresas – Rogério Tolentino, e de dezenas de repórteres dos maio- Esse dinheiro foi repassado ao PT Ramon Hollerbach e Cristiano Paz – e res veículos de informação do País, da seguinte forma: a SMP&B abriu, pelo próprio banco, especialmente, ao surgiram centenas de documentos do numa agência do Rural em Belo Hori- que tudo indica, por seu presidente, valerioduto, como os que apresenta- zonte, uma conta em que os pagamen- José Dumont, no começo de 2003. A mos nestas páginas. No conjunto, eles tos foram centralizados. Delúbio dizia história não foi bem contada até hoje, mostram a distribuição de aproxima- a Valério a quem repassar o dinheiro. ofuscada pelo escândalo causado pela damente 55,3 milhões de reais entre O publicitário, por sua vez, chefiava a mídia em geral, por políticos, investi- políticos ou seus auxiliares de cinco gerente financeira da SMP&B, Simone gadores e mesmo magistrados viciados partidos. O PT foi o principal benefici- Vasconcelos, encarregada de realizar a também em manchetes e holofotes. ário. Recebeu cerca de 28,5 milhões de operação, o que ela fazia pessoalmente 4 | retratodoBRASIL especial mensalão RBmensalao.indd 4 03/04/13 10:25
  • 5. Reprodução AS CONTAS ABERTAS que o documento identifica. À direita estão os recibos Segundo os depoimentos de dirigentes do Banco Rural, assinados pelo contínuo de Pizzolato, Luiz Eduardo de Delúbio Soares e dos dirigentes da empresa SMP&B, Ferreira da Silva, e Maria Regina Cunha, esposa do de- por cuja conta passou o valerioduto, os empréstimos putado João Paulo Cunha. “Não era nem mensalão, nem estavam perfeitamente contabilizados exatamente para caixa dois”, disse a RB Ramon Hollerbach, da SMP&B. confirmar sua existência e para cobrar do PT que os “Eram empréstimos, efetivamente. Esperávamos que o pagasse. A esquerda está a programação de 20 paga- PT os pagasse. Se era dinheiro para corrupção, porque mentos de 300 mil reais cada, para a empresa de Duda fazer e depois entregar à polícia essa contabilidade Mendonça. Quem deveria receber era Zilmar, sua sócia, minuciosa?” ou com a ajuda de Geiza Dias, outra cuja função era levar o dinheiro até um natários finais do dinheiro, portanto, funcionária da empresa. O dinheiro doleiro, a partir do qual a grana aca- não foram identificados, ou seja, não era entregue geralmente em cheque ao bou em dólares numa conta de Duda foram denunciados pelos que pegaram portador, que o descontava na boca Mendonça nas Bahamas. Os blocos o dinheiro diretamente do Rural ou via do caixa, numa agência do Rural, na destinados aos diretórios regionais do Simone e Geiza. maioria das vezes em Brasília. Quando o PT geralmente foram para interme- Para entender bem a história e seus beneficiário do esquema não queria ir ao diários, como no caso do Pará, onde mistérios, é preciso guardar desta etapa banco pessoalmente, mandava alguém apareceu, em primeiro lugar, Anita dois pontos: 1) o Rural fez questão buscar o dinheiro. Ou, então, Simone Leocádia, secretária do presidente do de registrar os nomes de todos os ou Geiza retirava o dinheiro do caixa partido na região, Paulo Rocha, que tomadores finais ou os intermediários do Rural e o levava pessoalmente ao assumiu ser o destinatário dos recur- básicos: dirigentes regionais do PT ou destinatário, às vezes em um carro-forte. sos, para, como disse, despesas locais, seus prepostos e dirigentes ou interme- O dinheiro distribuído ao próprio das quais prestou contas. No caso dos diários dos partidos aos quais repassou PT foi enviado, a mando de Delúbio, depósitos para os diretórios nacional, dinheiro; 2) o dinheiro do denunciante em blocos. Um deles foi para Duda do Rio e do Rio Grande do Sul, por do mensalão, Roberto Jefferson, é de Mendonça. Saiu em parcelas, como, exemplo, não existe essa contabilida- um dos blocos, mas ele jura que esse de um modo geral, todos os outros. de precisa. Os intermediários, vários, dinheiro, ao contrário dos outros, é As parcelas foram entregues no Brasil como no caso do diretório nacional, para despesas de campanha e não disse nos caixas do Rural, como a todos não disseram a quem o dinheiro foi a quem distribuiu os 4 milhões de reais os outros destinatários, mas se sabe repassado. O dinheiro para os outros recebidos. Segundo o tesoureiro de seu que um dos recebedores, em nome de quatro partidos, PL, PP, PMDB e PTB, partido, Emerson Palmieri, o valor foi Duda, foi o policial Davi Rodrigues, também foi repassado a intermediários, dividido em blocos de 100 mil e 150 mil que, tudo indica, era um intermediário de um modo geral. Muitos dos desti- para ser repassado à companheirada. especial mensalão retratodoBRASIL | 5 RBmensalao.indd 5 03/04/13 10:25
  • 6. “Caixa dois” ou “mensalão” esperto, jefferson diz: o meu é caixa dois; o deles, mensalão Na história contada por Roberto saques, de 100 mil reais cada, nos exemplo, acabaram dando matéria no Jefferson nas duas entrevistas dadas dias 7 e 14 de janeiro de 2004, para circunspecto diário paulista O Estado à Folha de S.Paulo, a 6 e 13 de junho repassar à moça que era amante do de S. Paulo, no dia 9 de agosto de de 2005, na deflagração do escândalo chefe partidário e ficara desampa- 2005, sob o título “Ex-sócio confirma do mensalão, ele diz ter recebido a rada com seu falecimento. Jefferson festas com garotas de programa em informação do ex-presidente de sua foi, afinal, cassado pela Câmara dos Brasília”. O artigo nomeia um em- legenda, o PTB, José Carlos Martinez, Deputados a 14 de setembro de 2005, presário que teria dito à PF ter sido morto em outubro de 2003 num aci- por 313 votos contra 156. No voto contratado por Valério para promo- dente aéreo. Pouco antes da morte, que encaminhou o pedido de cassação ver os dois eventos, nos três últimos disse Jefferson à jornalista Renata Lo na Comissão de Ética da Câmara, andares de um dos hotéis da capital Prete na primeira entrevista, Martinez o deputado Jairo Coelho (PFL–RJ) federal, e informa, vejam só, que “a PF o teria procurado e dito, referindo-se condenou Jefferson por várias razões: desconfia que as festas teriam contado ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares: não tinha provado o suborno de com a participação de parlamentares e “Roberto, o Delúbio está fazendo um parlamentares com o mensalão, ele altos dirigentes dos governos federal esquema de mesada, um ‘mensalão’, próprio recebera, para o PTB, 4 mi- e estadual”. O Estadão diz ainda que para os parlamentares da base. O lhões de reais do valerioduto e ainda “a PF apurou que nos dias das duas PT, o PL, e quer que o PTB também mentira, em seu depoimento perante festas citadas por [....] houve saques de receba. Trinta mil reais para cada 3,5 milhões nas contas de Valério” e Na primeira deputado. O que me diz disso?” Je- conclui afirmando que “rastreamento fferson, em resposta, afirma ter dito a do Banco Central mostra um maior Martinez: “Eu digo: sou contra. Isso faturamento da empresa [do referido é coisa de Câmara de Vereadores de quinta categoria. Vai nos escravizar entrevista à empresário, cujo nome omitimos], 28 milhões, nos dois primeiros anos do e vai nos desmoralizar”. Em seguida, afirmou à Folha: “O Martinez decidiu Folha, Jefferson governo Lula”. Essa história acabou sendo reproduzida nas “considerações não aceitar essa mesada, que, segundo ele, o doutor Delúbio já passava ao não disse que finais” com as quais o procurador- geral da República encaminhou ao PP e ao PL”. Na mesma entrevista, o ex-deputado disse também que, em tinha ficado STF seu pedido de condenação dos acusados em meados de 2012. função de sua posição firme contra o mensalão, Delúbio, após a morte com 4 milhões A tese de que o dinheiro de Jeffer- son era caixa dois e o dos outros era de Martinez, procurou o líder do mensalão, como vimos, não mostrou partido, José Múcio (PTB–PE), para a comissão, ao afirmar que ocorrera que o ex-deputado era o puro e os convencê-lo a aceitar a mesada que uma reunião da bancada do PTB para outros, os corr uptos. Do mesmo Jefferson barrara. Ele também afirma discutir o assunto e que o líder do modo, mesmo se considerarmos que ter reunido sua bancada para conde- partido, José Múcio, havia discutido o dinheiro de Valério alimentou um nar o recebimento de mesada e que a questão da mesada com Delúbio caixa dois no PT – como parece, aos líderes dos partidos que já a recebiam, Soares, coisas que Múcio e outros dois repórteres desta história, o mais como Valdemar Costa Neto, do PL, deputados do partido desmentiram. correto –, não significa dizer que se e Pedro Henry, do PP, haviam se Nas histórias que acompanharam tratou apenas de dinheiro para pagar unido para pressionar Múcio: “Que o grande escândalo político em Brasí- despesas de campanha e pronto. que é isso? Vocês não vão receber? lia, muitas fazem referência a práticas Como disse Retrato do Brasil na sua Que conversa é essa? Vão dar uma de de corrupção antiquíssimas. A Polícia edição de novembro passado “um melhores do que a gente?”. Federal, na sua perseguição a Marcos arguto repórter da Folha de S.Paulo, Nessa primeira entrevista à jorna- Valério, foi atrás de histórias de festas num debate recente (...), disse que lista da Folha, Jefferson não contou de embalo que ele teria proporcionado dinheiro de caixa dois é assim mesmo que o PTB já recebera 4 milhões de em um hotel da capital federal para e que viu deputado acusado de ter reais do valerioduto. Muito menos parlamentares, nas quais estariam recebido dinheiro do valerioduto ves- que, desse dinheiro, que passou a presentes garotas selecionadas por tido de modo mais sofisticado depois controlar depois da morte de Marti- uma conhecida cafetina local. Duas desses deploráveis acontecimentos nez, tinha autorizado um motorista dessas festas, em 2003 (uma em se- [do mensalão]”. A importância de da confiança do partido a fazer dois tembro e outra em novembro), por Jefferson na história é que ele foi o 6 | retratodoBRASIL especial mensalão RBmensalao.indd 6 03/04/13 10:25
  • 7. Angeli político sagaz que soube conduzi-la. falei para não fazer’. Eu pensei: ‘Vai resolveu segurar com mão firme o Fora acuado por denúncias de cor- acabar’. Mas continuou.” leme de seu governo ameaçado de rupção em duas matérias de capa da A essa altura, forças mais podero- adernar em meio à mais inclemente revista Veja, a de maior influência no sas do que as lideradas por Jefferson tormenta que sobre ele se abateu nes- País. Em uma delas, com a história preparavam-se para uma ofensiva ses dois anos e meio de existência, a de um preposto seu nos Correios, contra o governo Lula, enfraquecido crise do Planalto parece a caminho de cuja foto aparece na capa da revista por diversas razões que examinare- assumir um novo nome: José Dirceu recebendo uma propina de 3 mil reais. mos com mais detalhe no capítulo de Oliveira e Silva”. A reportagem narra o tráfico de influ- seguinte. Em seu primeiro editorial Possivelmente o Estadão perce- ência praticado pelo PTB na estatal. sobre o mensalão, dois dias depois beu que uma iniciativa para tentar o A outra matéria o apresenta como “o da entrevista de Jefferson à Folha, impeachment do presidente Lula não homem-bomba”, prestes a explodir O Estado de S. Paulo, com certeza o encontraria maior apoio. No editorial, a coligação governista. Jefferson diz mais influente e consequente veículo argumentava que a mudança do nome que procurou a cúpula política do go- de imprensa do bloco político conser- da crise se justificava por declarações verno petista para achar outra saída, vador do País, sob o título “O grande de Dirceu no exterior protestando mas, ao ser atacado em outra matéria culpado”, atacava o presidente Lula contra a política econômica do pró- de capa, dessa vez da revista Época, por sua incapacidade de enfrentar a prio governo numa atitude mais ofen- sobre a qual imaginava que o PT te- crise, que, dizia, “na melhor das hipó- siva do que antes. Disse o Estadão: ria alguma influência, percebeu que teses se tornará crônica, e, na pior, se “Não faz muito, quando perguntado tinha de tentar sair atirando. Na sua transformará em crise institucional”. numa entrevista sobre as políticas primeira entrevista à Folha, ele ainda No segundo editorial, do dia 11 de fiscal e monetária [do governo], ele se poupa o então ministro-chefe da Casa junho, intitulado “O novo nome limitou a responder que todos sabem Civil, José Dirceu. “Fui ao ministro da crise”, o famoso Estadão fazia o que ele pensa. Agora, em Lisboa, José Dirceu, ainda no início de 2004, uma correção, ainda no seu editorial mudou totalmente de atitude. ‘Se e contei: ‘Está havendo essa história principal: “Até a semana passada, o deixarem’, disse, como quem adverte de mensalão. Alguns deputados do sinônimo da ‘crise’ era Luiz Inácio que não deixará, ‘fazem o superávit PTB estão me cobrando. E eu não Lula da Silva, cujas omissões o torna- primário de 7%, juros de 20%.’ E vou pegar. Não tem jeito’. O Zé deu ram ‘o grande culpado dos problemas arrematou, desafiador: ‘Isso é uma um soco na mesa: ‘O Delúbio está de seu governo’, como se comentou disputa política. Não falar isso é faltar errado. Isso não pode acontecer. Eu neste espaço. Mas, se Lula, enfim, com a verdade para a sociedade’”. especial mensalão retratodoBRASIL | 7 RBmensalao.indd 7 03/04/13 10:25
  • 8. Quem procura, acha a auditoria foi buscar o que se sabia não existir Em 2002, antes de o PT ganhar as Imediatamente, surgiu a tese de que o sobre a forma de operação do FIV. Seus eleições para a Presidência da República, dinheiro sacado do Rural tinha sido uma resultados só foram divulgados formal- ficou famosa a profecia, do megainvesti- propina de Marcos Valério para Pizzolato mente em novembro de 2005, mas parte dor George Soros, de que o partido não renovar o contrato de publicidade entre deles foi vazada para a imprensa muitas podia ganhar as eleições e, se ganhasse, o BB e a DNA, agência de publicidade vezes antes, para alimentar o escândalo. não levaria. De certo modo, foi o que de Valério e sócios. O FIV foi uma criação, no Brasil, aconteceu. Luiz Inácio Lula da Silva ga- Pizzolato deixou a diretoria do BB da Visanet, nome fantasia da Visa In- nhou as eleições no segundo turno, mas imediatamente. Não importa se no ternacional, a maior empresa global de só depois de, sob intensa pressão dos desenrolar da história, foi provado que emissão de cartões de crédito e débito, mercados, com o dólar chegando perto a renovação do contrato com a DNA os de marca Visa. Em 1995 ela chegou ao da cotação de um por quatro reais, seu não foi assinada por ele – é de antes Brasil e fez a Visanet, sob seu controle, partido assinar a Carta ao Povo Brasi- do governo Lula. Também não teria em associação com mais de 20 bancos leiro, na qual promete cumprir todos os relevância o fato de uma devassa monu- locais, sendo o principal deles o Bradesco contratos assinados pelo presidente Fer- mental da Receita Federal em sua história e o segundo, o Banco do Brasil. A Visa nando Henrique Cardoso, e confirmar financeira acabasse comprovando que na Internacional é gigantesca. A Visanet, esse compromisso pouco após a eleição, compra do apartamento em Copacabana hoje Cielo, era uma dentre muitas deze- até com certo exagero, ao elevar a meta não existiu qualquer dinheiro estranho nas de outras emissoras de cartões Visa do superávit primário, ou seja, a conten- às poupanças dele e de sua mulher, montadas por ela em vários países. Os ção de despesas para garantir sobras de seus cartões movimentam, anualmente, orçamento para o pagamento dos com- promissos externos do País. Do ponto A decisão de o BB alguns trilhões de dólares por ano. Em 2004, por exemplo, o movimento de de vista administrativo, duas medidas foram tomadas pelo novo governo para não ter contrato dinheiro com os cartões Visa no Brasil foi estimado em 156 bilhões de reais. explicitar melhor esses compromissos com o mercado financeiro: a escolha de para operar o Fundo Desse dinheiro, como faz em todos os lugares do mundo, a Visa destina 0,1% Visanet é de 2001. Henrique Meirelles, ex-dirigente global para seus sócios fazerem propaganda do BankBoston, para dirigir o Banco dos cartões Visa. Ou seja, em 2004, no Central e de Cássio Casseb, ex-dirigente Brasil, a Visanet dedicou 156 milhões do Citibank no País, para dirigir o Banco do Brasil. Não tinha nada a para serviços de promoção de cartões de bandeira Visa, do Bradesco, do Banco do No BB iria surgir o grande instru- mento para a oposição transformar sua ver com Pizzolato Brasil e dos outros sócios. O propósito era aumentar ainda mais o faturamento investigação sobre o valerioduto num da Visa Internacional no País e, é claro, indício de “desvio de dinheiro público”. Andrea, nem mesmo que a história do os lucros da companhia, pois ela fica com Esse instrumento foi a denúncia, surgida desvio fosse totalmente infundada. No a maior parte das comissões cobradas em 3 de agosto – menos de dois meses próprio BB surgiu uma investigação que dos fornecedores de bens e serviços após o mensalão ter se transformado iria fornecer indícios de que os trabalhos que aceitam os pagamentos por meio na principal manchete de todos os no- da DNA para o BB, feitos por meio do desses cartões. ticiários da grande mídia –, de que Luiz Fundo de Incentivos Visanet (FIV), na A auditoria feita no BB nos quatro Eduardo Ferreira da Silva, um contínuo gestão de Pizzolato, no valor total de meses citados e depois completada nos da Previ, o fundo de pensão do Banco 72,8 milhões de reais, poderiam não anos seguintes a pedidos do relator do do Brasil, tinha sacado, a mando de ter sido realizados. E que, portanto, em processo, ministro Joaquim Barbosa, dos Henrique Pizzolato, diretor de marketing parte desse montante, de algum modo dois procuradores-gerais da República e comunicação do banco, nomeado no aportado à conta da SMP&B no Rural que cuidaram do caso, Antonio Fernando governo Lula, exatos 326.660,27 reais que alimentou o valerioduto, estaria a de Souza e Roberto Gurgel, e, ainda, dos numa das pontas do valerioduto, uma grana que transformaria os empréstimos advogados dos réus, está em 108 apensos agência do Banco Rural no centro do Rio tomados por Valério e seus sócios junto da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal de Janeiro. Pizzolato disse, logo depois, aos dois bancos mineiros em operações Federal. RB tem em seu site todos eles, que se tratava de dinheiro para o diretório fajutas, feitas, de fato, para disfarçar a que formam um conjunto de cerca de 20 do PT no Rio, mas, a seguir, os jornais verdadeira origem do dinheiro, o desvio mil páginas. A auditoria não foi buscar, descobriram que ele tinha comprado um de fundos públicos. Essa investigação, em primeiro lugar, a materialidade do apartamento de 400 mil reais em Copa- feita por 20 técnicos do BB ao longo de crime, as provas concretas de que tinha cabana algum tempo depois desse saque. quatro meses, foi uma extensa auditoria ocorrido um desvio de dinheiro do 8 | retratodoBRASIL especial mensalão RBmensalao.indd 8 03/04/13 10:25
  • 9. Banco do Brasil, de que um crime havia sido cometido. Ela partiu em busca de indícios de que crimes poderiam ser sido cometidos. No caso, um de seus critérios básicos foi tentar verificar se a execução dos serviços do FIV pela empresa DNA, a mando do BB, estava de acordo com as normas de operação do banco para a veiculação da publicidade que era paga diretamente pelo seu orçamento. Os auditores, ou as pessoas que os comandaram, tinham, ou poderiam ter encontrado, todas as informações que mostrariam não ser esse o procedimento adotado pelo BB para autorizar esse tipo de gasto. Por contrato assinado entre o BB e a Visanet em 1995 – portanto, no governo Fernando Henrique Cardoso –, as autorizações para os gastos de publicidade via FIV eram emitidas por um funcionário especialmente designado pelo BB junto à Visanet – e no governo PORQUE O BB DISPENSOU O CONTRATO Trecho do parecer jurídico do banco, Lula essa pessoa não era Pizzolato. Além que está nos autos da AP 470, no seu ítem 10, explica a decisão, de 2001, de não disso, por decisão do departamento haver necessidade de contrato entre a Visanet e os fornecedores dos serviços de jurídico do banco, tomada também no publicidade prestados ao BB para o uso dos recursos do FIV (Fundo de Incentivos governo FHC, não existiria um con- Visanet). Abaixo está a tabela construída com dados da auditoria feita no banco trato formal entre BB e Visanet para a sobre os recursos do FIV nos dois períodos 2001-2002, governo FHC, e 2003-2004, operação desses recursos. Não haveria, governo Lula. A política de adiantamento dos recursos é a mesma. E os gastos com também, um contrato formal entre a notas fiscais em poder da CBMP – Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos Visanet e a DNA para essas operações. – o nome oficial da Visanet são de praticamente 100%. Veja, ao lado, trecho de documento do departamento jurídico do BB no qual se Receitas do FIV Adiantamentos Gastos com notas Gastos sem utilizadas pelo às agencias de fiscais em poder afirma ser legal a dispensa desses instru- Banco do Brasil publicidade da CBMP notas fiscais mentos. Citando o artigo 436 do Código R$ milhões R$ milhões % R$ milhões % % Civil, o documento diz expressamente: 2001 28,83 26,4 91,57 28,76 99,76 0,24 “Tal espécie de contrato não reclama 2002 32,03 21,9 68,37 31,99 99,88 0,12 uma formalidade, ou seja, não precisa 2003 38,43 29,7 77,28 38,28 99,61 0,39 ser escrito para se aperfeiçoar, bastando 2004 52,01 34,1 65,56 51,45 98,92 1,08 mero consentimento das partes”. E isso foi feito, como pode ver quem estudar cuidadosamente os fatos, não As relações entre Visanet, bancos com o BB na administração Fernando por trama sinistra executada no governo e agências de publicidade tinham de Henrique Cardoso, e 2003 e 2004, de FHC e seguida cavilosamente também ser mais frouxas, para que o negócio operação do fundo na administração por Pizzolato no governo Lula. Um dos funcionasse melhor. Os negócios foram Luiz Inácio Lula da Silva, com Pizzolato segredos da Visanet nos lugares em que feitos assim e o truque funcionou, es- na diretoria de marketing e comunica- opera é colocar a serviço da venda de pecialmente para o BB, que se tornou, ção do banco –, as ações com dinheiro seus cartões – e, portanto, do aumento nos anos da gestão Pizzolato, líder no do FIV alocado para o BB, com falta de seu faturamento – bancos rivais entre faturamento de cartões de crédito entre absoluta ou parcial de documentos nos si, cada um interessado em emitir mais os bancos associados à Visanet. arquivos do próprio BB, chegavam quase cartões que o outro, disputando cada es- Os auditores foram procurar do- à metade dos recursos despendidos. Ao paço do mercado. Por exemplo, se havia, cumentos onde esses documentos não procurarem os mesmos documentos na como de fato houve nesse período, um estavam. Notas fiscais, faturas e recibos Visanet, os auditores os encontraram. congresso de magistrados em Salvador e da agência DNA e de fornecedores que Evidentemente, a grande mídia – cujos o BB queria fazer uma promoção no local, teriam feito para ela as ações de incentivo colunistas mais raivosos chamam os isso não deveria estar escrito num plano autorizadas pelo BB foram buscados no petistas de petralhas – divulgou apenas a ser discutido dentro da Visanet, onde próprio BB, onde não estavam. Como que os auditores tinham achado, nos ar- estava o Bradesco, por exemplo, com mais quem procura acha, os auditores encon- quivos do BB, “fragilidades e falhas” que ações que o BB na empresa e igualmente traram “fragilidades e falhas”: descobri- mostravam indícios de que os serviços ávido para vender cartões Visa aos juízes, ram que, nos dois períodos até então – os da DNA para o BB poderiam não ter pessoas de alto poder aquisitivo. anos 2001 e 2002, de operação do FIV sido realizados. especial mensalão retratodoBRASIL | 9 RBmensalao.indd 9 03/04/13 10:25
  • 10. Mídia e Congresso como foi criado “o maior escândalo político do país” A transformação das “fragilidades e CPF. Cunha argumentou que o dinheiro sua divulgação foi bem anterior. Cópia falhas” no processo de controle dos re- tinha sido enviado pelo PT, a mando de de suas conclusões preliminares foram cursos do Fundo de Incentivos Visanet Delúbio Soares, e se destinava a uma repassadas à equipe de inspeção da pelo Banco do Brasil num clamoroso pesquisa eleitoral na região onde ficam Terceira Secretaria de Controle Externo “desvio de dinheiro público” não se deu sua base, Osasco, e outras importantes do TCU (3ª Secex) quando ela esteve por força de afirmações contidas nos cidades da Região Metropolitana de na Câmara entre os dias 25 de julho e frios relatórios da auditoria feita pelo São Paulo, como Barueri e Carapicuíba. 3 de agosto de 2005. Tanto o relatório banco nesse fundo. Essa metamorfose Apresentou recibos do encarregado da de Souza quanto o relatório da turma ocorreu após a denúncia do escândalo contratação das pessoas que fizeram de inspeção do TCU, apresentado ao na Câmara dos Deputados, um local as pesquisas e pacotes de formulários secretário da 3ª Secex em setembro, no qual o PT sofrera uma grande der- preenchidos nesse levantamento. Isso concluem que a agência SMP&B não rota no início de 2005, com a perda não acalmou os ânimos oposicionistas tinha feito praticamente nada – 99,9% da presidência da Casa, cargo em que acirrados com a história. de seus trabalhos tinham sido terceiri- estava seu deputado João Paulo Cunha, Cunha pediu, então, que o presi- zados –, o que é a base para se concluir um ex-metalúrgico, como o presidente dente da Câmara, deputado Severino que Valério e seus sócios receberam o Lula. Na sucessão, o PT se dividira. Cavalcanti, encomendasse ao Tribunal dinheiro para serviços de publicidade Foi apresentada inicialmente meia dú- de Contas da União (TCU) uma audi- da Câmara, nada fizeram e o desviaram. zia de candidatos, inclusive o próprio Como se viu depois, as investigações Cunha, para cuja reeleição se tentou, sem sucesso, aprovar uma emenda Não se pode da Câmara e do TCU prosseguiram por quatro anos e três anos respectiva- aos estatutos da Casa. Ao final, con- trariando a decisão formal do partido, esquecer que a mente e, em decisões colegiadas, essas instituições absolveram completamente o PT concorreu com dois candidatos: um, oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh, denúncia inicial João Paulo Cunha de qualquer culpa. E o mais incrível é que o ministro Joaquim conhecido ativista de direitos humanos e deputado por São Paulo, e outro, Vir- do mensalão Barbosa, que comandou as votações do STF que sentenciaram o deputado gílio Guimarães, do PT de Minas. Por sinal, no que interessa à nossa história, tem Policarpo, Cunha a nove anos e quatro meses de prisão e mais 370 mil reais de multa, ele é o homem que apresentou Delúbio Soares a Marcos Valério. Em meados de da Veja tenha apresentado as conclusões de Souza e da turma de inspeção da Secex fevereiro, foi feito o pleito e, no primei- – e ainda exageradas numa proporção ro turno, Greenhalgh venceu, por 207 toria nas condições da licitação e na de dez vezes – como resultado de duas votos, contra 117 de Guimarães e 124 execução do contrato com a SMP&B. decisões plenárias de órgãos da Câmara de Severino Cavalcanti, do PP, partido Foi como se tivesse pedido uma corda e do TCU. da “base aliada”, como se sabe. No para ser enforcado. Severino pediu Os dois relatórios preliminares, de segundo, Cavalcanti ganhou disparado: não só a auditoria que Cunha queria, Souza e o da primeira turma de inspe- 300 votos contra 195 de Greenhalgh. mas também outra, a um comandado ção da 3ª Secex, foram vazadas para a Na Câmara, presidida por Caval- seu, Alexis Souza, que indicara para imprensa no começo de agosto de 2005. canti desde então, surgiu, no começo chefiar a Secretaria de Controle Inter- No dia 11 daquele mês, Duda Men- de julho, logo depois da divulgação no (Secin) da Câmara. Souza acabaria donça depôs na CPMI dos Correios e das listas de beneficiários do valerio- não sendo empossado formalmente no disse ter recebido do PT, no exterior, duto, um novo “indício” de desvio de cargo, que exige confirmação do nome o equivalente a 10,5 milhões de reais. dinheiro público; no caso, contra Cunha pela mesa diretora da Casa, onde têm Vários deputados petistas choraram e de modo parecido com o do “indício” assento, além do presidente, mais seis em plenário ao ouvi-lo. No dia 12, o levantado contra Pizzolato. Ele teria as- deputados: dois vices e quatro secretá- presidente Lula fez um pronunciamento sinado um contrato de publicidade com rios. Cavalcanti também acabaria sendo pela televisão no qual disse: “Eu me a SMP&B, a agência já citada de Marcos atropelado pelo escândalo: renunciou sinto traído por práticas inaceitáveis Valério e seus sócios, por ter recebido no dia 21 de setembro, sem que Souza das quais nunca tive conhecimento”. deles uma propina de 50 mil reais. fosse oficializado no cargo. No dia 17, numa nota, a Executiva do Esse dinheiro foi sacado na agência do Seu relatório, no entanto, fez estra- PT pediu desculpas ao povo brasileiro. Banco Rural em Brasília pela esposa do gos. Ele foi entregue formalmente em No dia 1º de setembro, a CPI dos Bin- deputado, que assinou o recibo corres- duas partes, em setembro e outubro, gos, chamada apropriadamente de “A pondente, com seu nome e número do depois da renúncia de Severino. Porém, CPI do Fim do Mundo”, porque saiu 10 | retratodoBRASIL especial mensalão RBmensalao.indd 10 03/04/13 10:25
  • 11. FolhaPress 17 x 4: MENSALÃO RECONHECIDO em 11 meses de depoimentos e investigações”: “o PT, braço POR GOLEADA, DIZ O PFL político-eleitoral do Governo Lula, comprou com dinheiro Março de 2006, oposicionistas carregam em triunfo o público a adesão de deputados para formar a tristemente deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), o relator da CPMI famosa “base governista”. O nome “mensalão” para essas dos Correios, após a aprovação, por 17 votos a 4, do seu propinas milionárias é apenas uma marca de fantasia, um relatório. O texto teria mostrado, diz a legenda da foto, apelido convencional, para o fato comprovado de que o publicada no site do PFL, “o que todo o País comprovou Governo Lula e o PT praticaram atos de corrupção”. em busca de assuntos contra o PT que dinheiro público usado para comprar controladas por Dantas, e não o Banco pudessem criar manchetes, levou para apoio político e aprovar as propostas do Brasil e a Câmara, seriam os respon- depor uma irmã do ex-prefeito de Santo iniciais do governo Lula. sáveis pelos recursos do valerioduto, André Celso Daniel, do PT, morto em O papel da mídia nessa denúncia visto que a DNA tinha contratos de 2002. A CPI quis investigar se a morte e em seus desdobramentos não pode publicidade com elas e também recebe- do prefeito não teria sido queima de ser minimizado. Não se pode esquecer ra muitos milhões dessas empresas nos arquivo, motivada por ele ter se rebe- que a gravação da conversa de Maurício anos de 2003 e 2004. O indiciamento lado contra um esquema de corrupção Marinho, o funcionário dos Correios de Dantas no mensalão, afinal, não foi montado na prefeitura pelo PT. flagrado por Veja no recebimento de pedido pelo procurador-geral da Repú- Tudo indica que a oposição só não uma propina de 3 mil reais de um em- blica, como se verá no capítulo seguinte, pediu o impeachment do presidente presário, foi articulada com Policarpo mas a divisão do mensalão para que os Lula no segundo semestre de 2005 Junior, chefe da sucursal da revista 40 indiciados pelo procurador fossem porque não conseguiu ganhar a presi- em Brasília. O operador da gravação é ouvidos em seus locais de residência dência da Câmara nas eleições dispu- Jairo Martins, preso com o empresário acabou permitindo que a Procuradoria tadas em 28 de setembro. Aldo Rebelo Carlinhos Cachoeira no início do ano da República em São Paulo, onde mora (PCdoB–SP), pela base governista, e passado. Ambos, junto com Policarpo, José Dirceu, acabasse comandando um José Thomaz Nonô (PFL–AL), pela também estão envolvidos, ainda, na inquérito da PF voltado para investigar oposição, foram os adversários prin- gravação das visitas a José Dirceu no as relações de Dantas com o mensalão. cipais. No primeiro turno, empataram, apartamento em que ele atendia correli- “Acredita-se que o HD do banco” – o com 182 votos cada. No segundo, Aldo gionários no Hotel Naoum, em Brasília. disco rígido do Opportunity, banco ganhou apertado: 258 contra 243 votos. Não se pode esquecer também que associado ao financista – “possa conter Mas José Dirceu teve seu mandato de o outro grande evento midiático do dados que comprovem a relação entre deputado federal e os direitos políticos período, o escândalo Daniel Dantas, a Telemig, a Amazônia Celular e Mar- suspensos pelo plenário da Câmara por liga-se com o do mensalão no momento cos Valério”, disse a procuradora Ana 293 votos contra 192, na madrugada de em que alguns deputados conseguem Roman, que autorizou a abertura do 1º de dezembro do ano do escândalo. enfiar no relatório final da CPMI dos inquérito, chefiado pelo delegado Ézio A base para sua cassação: diversos in- Correios o pedido de indiciamento do Silva do início de 2006 até o início de dícios de que ele seria o chefe de três financista. A Telemig, a Amazônia Ce- 2007 e depois pelo delegado Protógenes quadrilhas articuladas para o desvio de lular e a Brasil Telecom, empresas então Queiroz. especial mensalão retratodoBRASIL | 11 RBmensalao.indd 11 03/04/13 10:25
  • 12. Quem chefia a quadilha o procurador souza achou dois chefões. cortou um... Quando o STF aprovou seu indicia- que naquele mesmo dia apresentou a 2006”. Como se verá no capítulo que mento, em 2007, como chefe da quadri- denúncia do mensalão ao STF. trata da investigação feita por RB, mais lha do mensalão, Dirceu exibiu um exem- Destaque-se, para a nossa história, adiante nesta história, um dos documen- plar da Folha de S.Paulo, que publicara que o procurador eliminou da lista quatro tos essenciais da Visanet para o caso é declarações do ministro Ricardo Lewan- nomes do Banco do Brasil. Ficaram ape- um relatório dos advogados da empresa dowski, para quem a corte votou “com a nas os dos petistas Henrique Pizzolato preparado para ser entregue por ela à faca no pescoço”. O ex-ministro atacou e Luiz Gushiken. Saíram o presidente Receita Federal. Esse relatório declara, a grande mídia, que já teria pré-julgado do banco, Cássio Casseb, e mais três em síntese, haver provas documentais o mensalão, e ele era o grande alvo. Os funcionários, que vinham da adminis- de que não houve desvio de dinheiro do jornais tinham publicado trechos de re- tração anterior, do governo de Fernando FIV destinado ao Banco do Brasil. Ele latórios das investigações de Queiroz nas Henrique Cardoso, a despeito de terem estava entre os documentos apreendidos quais arapongas procuravam identificar, assinado, com Pizzolato, os documentos inicialmente pela PF, mas foi devolvido à nas vozes gravadas, menções ao nome considerados incriminadores, que enca- companhia graças à ação de seus advoga- de Dirceu. Numa dessas gravações, a minharam os pedidos de liberação dos dos, os quais argumentaram ao STF, com mais grotesca, um “ele” perdido no meio 73,8 milhões de reais em recursos do êxito, que o referido relatório é protegido de uma conversa de dois assessores do Fundo de Incentivos Visanet, tidos como legalmente pelo direito de sigilo. financista tinha sido interpretado por desviados dos cofres públicos. Destaque- O relatório inicial da CPMI dos um dos arapongas como “José Dirceu”, Correios, também apresentado no dia 30 e “conta curral” seria o código para um de março, tinha 1.828 páginas e suas 122 pagamento que ele teria recebido num paraíso fiscal (Ver O escândalo Daniel O procurador sugestões de indiciamento seriam, uma semana depois, no plenário da Câmara, Dantas, duas investigações, editora Ma- nifesto, páginas 80 e 81). tirou, da lista também desidratadas: ficaram apenas 24 indiciamentos e uma lista apartada de 18 A etapa inicial do processo judicial é o inquérito, cujas investigações são de indiciados, deputados que poderiam ter cometido “crimes eleitorais ou de sonegação fiscal”, feitas pela polícia e, em casos de alcance nacional, pela Polícia Federal. Na Justiça Casseb e mais três não acusados sob o argumento de que a investigação não teria tido tempo para brasileira, quem comanda o processo investigatório é um promotor e, caso também do BB, análise de suas defesas mais recentes. O documento de Souza, embora claramente estejam envolvidas altas autoridades, esse promotor é o procurador-geral da mas não petistas baseado nas investigações do Congres- so, é relativamente sucinto. Depois de República – no caso, Antonio Fernando apresentar os indiciados, basicamente de Souza. Depois do inquérito policial, o se, também, que Souza não indiciou os mesmos que seriam julgados em promotor verifica se há provas e indícios vários deputados apontados na lista de 2012 pelo STF, e de uma introdução, se suficientes para mover uma ação penal Serraglio, mas ainda não julgados pela divide em sete blocos. Sua tese central destinada a levar os acusados a julga- Câmara. Denunciou, porém, João Paulo procura se contrapor à de todos os réus, mento. Na nossa história, o inquérito da Cunha, que até então também ainda que tinham se defendido, desde o início Procuradoria-Geral da República é o de não havia sido julgado pelos deputados. do escândalo, com o argumento de que número 2.245, de 2005, que desembocou Quando o foi, pouco depois, o plenário não tinha havido “o” crime histórico e na Ação Penal 470 do STF. O processo o absolveu por 256 a 209 votos. O leitor excepcional batizado de mensalão, mas, político, com as centenas de “inquéri- deve levar em conta, também, que houve sim, o tradicional crime de caixa dois. O tos” promovidos pela mídia e as três um grande esforço da Visanet para influir pilar de sustentação da tese de que, sim, o comissões parlamentares de inquérito na seleção dos indiciados e para não en- mensalão existira, apresentada inicialmen- feitas pelo Congresso Nacional, teve tregar certos documentos seus à Polícia te por Souza, endossada com mais ênfase uma espécie de conclusão preliminar a 30 Federal. A empresa apresentou várias por seu sucessor, Roberto Gurgel, e com de março de 2006, quando o deputado ações no Supremo para contestar uma veemência e agressividade pelo ministro Osmar Serraglio (PMDB–PR) apresen- decisão do então presidente da corte, Barbosa na fase do julgamento – eram os tou pela primeira vez o relatório final Nelson Jobim, que determinava que a supostos desvios de recursos públicos. Os da CPMI dos Correios, no qual pede o Visanet permitisse o acesso de peritos “desvios”, “desvios de recursos públicos”, indiciamento de 122 pessoas. Os nomes do Instituto Nacional de Criminalística, “desvios de dinheiro público” são citados dessa lista inicial foram reduzidos a um da PF, “a todos os documentos da em- mais de 30 vezes. E os exemplos mais de- terço, 40 pessoas, pelo procurador Souza, presa no período de 2001 a janeiro de talhados desses desvios são atribuídos aos 12 | retratodoBRASIL especial mensalão RBmensalao.indd 12 03/04/13 10:25
  • 13. FolhaPress dois petistas já citados: João Paulo Cunha, distribuído pelo PT vinha de empréstimos, tremamente suspeita, à Caixa Econômica político com sete mandatos, de vereador, tomados pelo partido diretamente ou por Federal”. O BMG acabou sendo excluído deputado estadual e deputado federal; e empresas de Marcos Valério. “Conforme do julgamento numa fase posterior. Henrique Pizzolato, um homem de igre- anteriormente assinalado, os elementos Para enfatizar a existência de supos- ja, propagandista do PT em campanhas de convicção obtidos comprovam que tas provas das relações de José Dirceu pelo Paraná e figura principal do Banco esses empréstimos não seriam sequer efe- com Valério, o relatório chega a ser do Brasil na campanha nacional contra a tivamente quitados. Tanto o grupo ligado bisonho. Diz que Valério “afirma que es- fome idealizada por Herbert de Souza, o a Marcos Valério quanto as instituições teve na Casa Civil aproximadamente em conhecido Betinho. financeiras apenas ingressaram no esque- quatro ocasiões” e, a certa altura, afirma As acusações de Souza estão sub- ma, pois tiveram a prévia concordância do que o publicitário era a figura principal mersas num texto muito mal escrito ministro-chefe da Casa Civil e a garantia da quadrilha o que está de acordo com e mal concatenado. Ele começa pela da inexistência de controle sobre suas ati- o incrível veredito final do caso que tentativa de caracterizar a “quadrilha” vidades ilícitas e de benefícios econômicos condenou Valério à maior pena de todos comandada por José Dirceu, a “sofisti- diretos e indiretos.” os chamados mensaleiros – 40 anos, dois cada organização criminosa” que teria É um texto confuso, que envere- meses e dez dias de prisão, mais 2,72 sido construída após a vitória do PT, em da por desvios. Por exemplo, chega a milhões de reais de multa –, mas é con- 2002, “para garantir a continuidade do sugerir que o BMG, um dos bancos traditório com a tese de que Dirceu era projeto político” do partido “mediante que emprestaram dinheiro ao PT e o chefe da quadrilha (condenado a dez a compra de suporte político” e que “se às empresas de Valério e sócios, era o anos e dez meses de prisão mais 676 mil estruturou profissionalmente para a prá- centro de tudo: “Todos os fatos que se reais de multa). Aliás, ainda em relação à tica de crimes como peculato, lavagem desenrolaram desde então demonstram chefiada quadrilha, a denúncia de Souza de dinheiro, corrupção ativa, gestão que as ações desenvolvidas pelo núcleo comete outra extravagância: denuncia fraudulenta, além das mais diversas político-partidário foram pautadas ex- Luiz Gushiken, ministro da Secretaria formas de fraude”. Diz que Dirceu era clusivamente para beneficiar o banco de Comunicação Social da Presidência da todo-poderoso: “A atuação voluntária e BMG, que, não por acaso, foi a primeira República e chefe de Henrique Pizzolato, consciente do ex-ministro José Dirceu instituição financeira não pagadora de por ser o homem que controlava a pro- no esquema garantiu às instituições fi- benefícios previdenciários habilitada à paganda do governo Lula. A questão que nanceiras, empresas privadas e terceiros concessão dos créditos consignados, o o indiciamento de Gushiken levantava envolvidos que nada lhes aconteceria, que lhe rendeu vultosa lucratividade, era: se o dinheiro básico desviado dos como de fato não aconteceu até a eclo- decorrente, principalmente, dos meca- cofres públicos eram os 73,8 milhões de são do escândalo, e também que seriam nismos utilizados em seu benefício, que reais supostamente extraviados por Pi- beneficiados pelo governo federal em lhe permitiram sair na frente de todo o zzolato, o chefe da quadrilha deveria ser assuntos de seu interesse econômico, mercado de bancos pequenos, negociar Gushiken, e não José Dirceu. Talvez por como de fato ocorreu”. esses empréstimos com os aposentados essa incongruência Gushiken também A seguir, busca destruir as provas apre- inclusive por telefone e, posteriormente, foi posto fora da acusação numa etapa sentadas pelos acusados de que o dinheiro ceder essa carteira, em uma operação ex- posterior desta nossa incrível história. especial mensalão retratodoBRASIL | 13 RBmensalao.indd 13 03/04/13 10:25
  • 14. A prova ideológica O perito não viu, Gurgel viu: a grana tinha planos, ideias A denúncia de Souza foi aceita pelo O procurador também mostra que a dinheiro do PT, de “atos de ofício” que Supremo em agosto de 2007. O inquérito empresa fez o registro do empréstimo ao caracterizassem os crimes. 2.245 foi transformado, então, na Ação corrigir sua contabilidade após a denúncia Gurgel também usa, nas suas ale- Penal 470, e a investigação a cargo da do mensalão, para regularizar sua posição gações, o truque no qual o ministro Procuradoria-Geral da República pros- junto à Receita Federal. Em 2003, a conta Barbosa se especializaria no julgamento: seguiu nessa nova fase até o começo de da SMP&B “1010-5 caixa – cheques depoimentos colhidos na fase do inqué- julho de 2011, quando um novo procu- emitidos”, uma subconta da conta-caixa, rito policial, durante a qual os acusados rador, Roberto Gurgel, no início de seu era utilizada para registrar operações que não tiveram direito ao contraditório. Ele segundo mandato, apresentou, então, passavam por essas contas e nas quais a cita Jader Kalid Antônio, um doleiro mi- as alegações finais da acusação para o empresa era emitente e beneficiária de neiro que executou repasses para a conta julgamento. O documento de Gurgel, cheques de suas próprias contas bancá- de Duda Mendonça nas Bahamas. Kalid muito mais extenso que o de Souza e rias, operações por meio das quais saía o depôs na PF e disse ter sido orientado, muito mais bem escrito, mantém a mes- dinheiro do valerioduto. Gurgel, é claro, em 2003, por um dos sócios de Valério, ma grandiloquência: “Trata-se da mais não usou essa novidade para concluir Ramon Hollerbach – que acabou rece- grave agressão aos valores democráticos que os empréstimos ao PT existiam e bendo a segunda maior pena da história que se possa conceber”, diz. A grande que eram contabilizados, de algum modo, do mensalão – 29 anos, sete meses 20 quadrilha, com três núcleos – político, pela SMP&B. Não aceitou, inclusive, que dias mais multa de 2,8 milhões de reais operacional e financeiro – é a mesma e a correção da declaração do Imposto de –, a enviar para a conta de Duda nas seu poderoso chefão é, igualmente, José Renda a posteriori, amplamente aceita Bahamas o dinheiro devido pelo PT . Dirceu. “Ao assumir o cargo de ministro- pela Receita Federal em relação às demais O doleiro diz ainda ter sido Hollerbach chefe da Casa Civil em janeiro de 2003, empresas, fosse válida neste caso. a pessoa que lhe passou o número da José Dirceu passou a ter como missão Em sua acusação, Gurgel também conta do publicitário no exterior. Valério a formação da base aliada do governo torce os depoimentos de líderes de nega que tenha mandado pagar Duda no federal dentro do Congresso Nacional. partidos acusados de receber suborno, exterior. No dia em que Duda deu uma Mais do que uma demanda momentânea, Valdemar Costa Neto, do PL, Pedro declaração desse tipo, em seu depoimen- o objetivo era fortalecer um projeto de Henry, do PP, e Roberto Jefferson, do to na CPMI dos Correios, Valério, que poder do Partido dos Trabalhadores PTB, que narram como foram negocia- estava em Brasília, foi ao Congresso e de longo prazo. Partindo de uma visão dos os apoios em dinheiro do PT. Eles deu declarações que desmentiam o publi- pragmática, que sempre marcou a sua negam o suborno e insistem em dizer citário baiano. Hollerbach jura que nunca biografia, José Dirceu resolveu subornar que o que houve foram acordos políticos encontrou Duda e que jamais soube o parlamentares federais, tendo como alvos permitidos pela lei eleitoral. Gurgel tenta número de qualquer conta sua. preferenciais dirigentes partidários de usar esses depoimentos para provar que Por último, vale destacar na acusação agremiações políticas.” José Dirceu era o chefe das negociações de Gurgel o que ele diz ser “a prova de- O desvio de recursos públicos é man- da ajuda financeira. Chega a reconhecer finitiva” da ação do núcleo publicitário tido como o pilar da acusação. Gurgel que “não discute a licitude da ação do formado por Rogério Tolentino, Marcos reafirma que esse desvio está provado chefe do gabinete civil da Presidência Valério, Cristiano Paz e Ramon Holler- e que é falsa a tese de que o dinheiro da República de articular junto ao Con- bach no “desvio de recursos do Banco distribuído pelo esquema do valerioduto gresso Nacional a base parlamentar de do Brasil, pelo esquema do Fundo de veio de empréstimos legítimos tomados apoio ao governo a que pertence”. Diz: Incentivos Visanet”, estipulado por ele junto aos bancos mineiros Rural e BMG. “Evidentemente a articulação política em “R$ 73.851.000,00 (setenta e três “A transferência de recursos pelos bancos insere-se nas atribuições do mencionado milhões, oitocentos e cinquenta e um Rural e BMG para alimentar o esquema cargo”. Mas argumenta que a acusação mil reais)”. Gurgel diz que um laudo ilícito jamais foi admitida pelos acusados. decorre do fato de essa base de apoio ter mostra que, no dia 22 de abril de 2004, (...) Essa versão, entretanto, não pode ser sido formada “mediante o pagamento de a DNA sacou 10 milhões de reais da aceita”, diz Gurgel, que, então, apresenta vantagens indevidas a seus integrantes”. conta 602000-3, no BB, na qual recebia uma novidade: a SMP&B, que concen- O termo “vantagens indevidas”, gené- adiantamentos por serviços prestados trava os repasses do valerioduto, tinha, já rico, é usado por ele, aqui, da mesma ao FIV, e transferiu essa quantia para na sua contabilidade referente ao ano de forma que, sob o comando do ministro o BMG, para a compra de um CDB 2003, contas específicas para registrar as relator Joaquim Barbosa, viria a ser uti- (Certificado de Depósito Bancário, um operações do esquema: “388003-6 Parti- lizado pela maioria dos outros ministros empréstimo do aplicador pelo qual o do dos Trabalhadores – PT”, “388090- do Supremo no julgamento: como uma banco paga juros) que serviu de lastro 2 provisão encargos emprest PT”; e licença para não ter de provar a prática, para um empréstimo, dois dias depois, “194001-9 adiantamentos concedidos”. pelos parlamentares que receberam do banco a uma empresa de Tolentino, 14 | retratodoBRASIL especial mensalão RBmensalao.indd 14 03/04/13 10:25
  • 15. ABr A RELAÇÃO CACHOEIRA-MENSALÃO aprovou a indicação de Roberto Gurgel para procurador Como se sabe, a imagem da capa de Veja que disparou o geral da República. Na foto, a sessão de aprovação, com mensalão, em 2005, foi produzida com a ajuda de Jairo Torres no centro da mesa e Gurgel à sua direita. Mais tarde, Martins um dos membros da quadrilha do empresário ainda 2009, o procurador Gurgel deixou de encaminhar o Carlinhos Cachoeira e do senador Demóstenes Torres, pedido o indiciamento de Torres ao STF, pedido pela Polícia cassado posteriormente. Em agosto de 2009 o senador Federal, depois de esta ter lhe encaminhado dezenas de Torres era o presidente da Comissão do Senado que conversas incriminadoras entre Torres e Cachoeira. Rogério Lanza Tolentino e Associados. os empréstimos, o delegado Luiz Flávio as operações. Zampronha deu várias Este seria não só um empréstimo fictício, Zampronha, que fez a apreensão inicial de entrevistas. No dia 12 de setembro de como também a prova do desvio. De documentos do mensalão, em 2005, foi 2012, ao votar pela absolvição de Geiza fato, o dinheiro viria do BB. Como se chamado pelo então procurador Souza Dias, o ministro Lewandowski citou as sabe, movimentar dinheiro entre contas para aprofundar a investigação sobre a declarações de Zampronha na imprensa de bancos diferentes, por sócios, não origem de recursos do mensalão. Seu em defesa dela. Joaquim Barbosa disse prova nada. O dinheiro não fala, não relatório, entregue a Gurgel antes da ela- que as declarações de Lewandowski revela sua origem ou destino. Além do boração das considerações finais, diverge eram “bizarras”: “Isto é um absurdo. Em mais, como se verá dois capítulos adiante, muito do atual procurador. No essencial, qualquer país decentemente organizado, não houve o desvio do BB. para mais: o mensalão teria sido usado ao esse delegado já estaria, no mínimo, sus- O exagero de Gurgel pode ser visto longo de anos. Mas ele diverge em pontos penso”. O relatório de Zampronha não por meio das palavras dos próprios peri- que destroem a tese do mensalão: diz que foi aceito por Gurgel. O procurador não tos, na conclusão do Laudo 1866/2009- os empréstimos são verdadeiros e seriam é um anjo, nas alturas, acima do bem e INC, que afirma: “Os peritos entendem quitados com dinheiro a ser arrecadado do mal. Como escreveu Retrato do Brasil que o contrato está acobertado por pelo esquema, como teria acontecido no em sua edição 62, que fez a cobertura de garantias adequadas, vez que atendem às caso do mensalão mineiro. Zampronha sua denúncia do mensalão no plenário do características de suficiência e liquidez exi- diz que o homem que construiu a ligação STF, em agosto do ano passado: “Gurgel gidas pelas normas. Destaca-se que essa do Rural com o esquema era José Augusto é o mesmo que não viu a quadrilha da conclusão diz respeito ao aspecto formal Dumont e que não ficou suficientemente qual participavam Cachoeira e o senador do negócio, não tendo sido avaliado o seu provada a ligação dos dirigentes do Rural Torres, mesmo tendo os policiais que aspecto ideológico, como a motivação condenados agora – Kátia Rabello (16 investigaram o empresário lhe apresen- da DNA Propaganda Ltda. em fornecer anos e oito meses, multa de 1,5 milhão tado, como resultado da Operação Las a garantia ou mesmo a origem dos re- de reais), José Roberto Salgado (16 anos Vegas, realizada em 2009, entre centenas cursos que a constituíram”. Em resumo, e oito meses, multa de 1 milhão de reais) e de conversas grampeadas entre os dois, no entender dos repórteres, a acusação Vinicius Samarane (oito anos, nove meses pelo menos 22 consideradas muito com- de Gurgel foi ideológica. Ainda sobre e dez dias, multa de 598 mil reais) – com prometedoras”. especial mensalão retratodoBRASIL | 15 RBmensalao.indd 15 03/04/13 10:25