1. EDIÇÃO ESPECIAL abril/maio 2013
retrato
doBRASIL
WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 8,00 | EDIÇÃO ESPECIAL
A RBMENSALAOcapaPSD.indd 1 03/04/13 10:39
2. ponto de vista
umA juStIçA que LemBRA
oS tempoS medIevAIS
No julgamento da Ação Penal exemplo “da prática de fazer alegações meiro grande trabalho ocidental sobre o
470 (AP 470), diante da crítica dos e de usar técnicas de investigação in- conjunto de questões a serem debatidas
advogados de defesa de que não havia justas a fim de restringir o dissenso e com vistas a uma reforma das prisões
provas contra os acusados e de que eles fazer acusações políticas”, como diz e das penas, de um ponto de vista mais
estavam sendo condenados apenas por a Wikipédia. Em português, a peça de racional. Beccaria se insurgiu contra
indícios, em desrespeito ao Código de Miller chama-se As bruxas de Salem os julgamentos secretos e as torturas,
Processo Penal brasileiro, vários mi- (Ediouro, 1997) e é uma boa leitura empregadas como meio de obtenção de
nistros do Supremo Tribunal Federal para se entender essa recidiva da justiça provas. Muitas das reformas dos códi-
(STF) se preocuparam em explicar que medieval no Brasil de hoje. Uma epide- gos penais europeus da época acharam
em casos que envolvem, segundo eles, mia, desconhecida para os moradores, inspiração em sua obra.
pessoas muito poderosas, capazes de assolou a região entre 1692 e 1693 e A tortura, praticada sob diversas
limpar os rastros deixados por suas atingiu muitas crianças. Por uma série formas ao longo dos séculos, ainda
ações criminosas, o uso dos indícios de interesses econômicos e pessoais, servia, oficialmente, na época de Bec-
é frequentemente a única e legítima foi transformada, afinal, num crime de caria, como meio de obter provas de
forma de fazer justiça. O argumento é bruxaria. Na história dramatizada, tem crimes. As bruxas, acusadas de ligação
compreensível quando juízes se veem papel destacado na condenação dos
diante de crimes clamorosos, evidentes
– os quais, como se diz, clamam aos
céus por punição – e quando, de fato,
indícios abundantes e sugestivos ligados
Não se pode,
ao crime apontam para os culpados.
No caso, no entanto, no julgamento
como na Idade
do famoso “mensalão”, não se tratava
da existência de dificuldades para ligar
Média, perseguir
supostos criminosos a um crime bem
determinado. O problema dos juízes
as “bruxas”, sem
foi que eles não se preocuparam em
primeiramente provar a existência do
antes, provar que
crime para depois procurar as ligações
dos culpados com o crime já então o crime existiu
devidamente caracterizado. É por essa
razão que, a nosso ver, se fez um tipo réus um juiz pretensioso que, segundo
de justiça que faz lembrar os tempos o próprio Miller, é o verdadeiro vilão da
medievais. Uma comparação boa é com história. Esse personagem se proclama
o julgamento das chamadas feiticeiras extremamente fiel aos regramentos
de Salem, um lugarejo na província de da Justiça, mas, no fundo, sabe ser o
Massachusetts, então uma das colônias julgamento das bruxas uma mentira.
inglesas que formaram os atuais Esta- Não perdoa ninguém, para não deixar
dos Unidos da América. O julgamento pairarem dúvidas sobre sua reputação
foi dramatizado por um dos maiores teocrática.
escritores do teatro americano, Arthur Pode-se dizer que as ideias da
Miller. Mas o fato existiu e sua sentença justiça medieval foram superadas nas
final foram vários enforcamentos. civilizações ocidentais modernas pelo
Miller (1915–2005) escreveu a peça Iluminismo, a também chamada Idade
The Crucible em 1953, como uma da Razão, dos séculos XVII e XVIII,
alegoria voltada contra o espírito das que promoveu o conhecimento cientí-
investigações feitas pela Comissão de fico, em detrimento da superstição, da
Inquérito sobre as Atividades Antia- tradição e da fé. No direito, um de seus
mericanas, formada no Congresso dos grandes intelectuais é o italiano Cesare
EUA e dirigida pelo senador Joseph Beccaria (1738–1794), autor de Dos
McCarthy. Hoje, ela é vista como um delitos e das penas, de 1764. É o pri-
2 | retratodoBRASIL especial mensalão
RBmensalao.indd 2 03/04/13 10:25
3. bra
com o demônio, eram torturadas até a lão acabou sendo uma espécie de exor- de muitas de suas campanhas, Duda
confissão. Se não confessavam, como cismo para tentar combater a terrível Mendonça, e para vários partidos da
lembrou o irônico cientista Carl Sagan epidemia de corrupção que existiria no chamada base aliada.
numa de suas obras, é porque o pacto País há séculos e que teria tido, com os O mensalão, segundo Jefferson, era
que tinham com o mal era suficiente- petistas e o governo Lula, um surto es- um esquema de compra de deputados
mente forte para fazê-las suportar as petacular e promovido “o mais atrevido por meio de uma mesada. Os petistas
torturas e, dessa forma extravagante, no e escandaloso esquema de corrupção e disseram: não, foi um esquema para
fundo confessarem seus vínculos maldi- de desvio de dinheiro público flagrado o pagamento de despesas eleitorais
tos. Um dos princípios essenciais para no Brasil”, como disse, em seu pedido com dinheiro tomado por emprés-
destruir resquícios da justiça medieval é de condenação dos réus do mensalão, timo de dois bancos mineiros pelo
obrigar os acusadores a provar o que se perante o STF, o procurador-geral da PT e por empresas de publicidade de
chama de “materialidade do crime”. O República, Roberto Gurgel. um cidadão chamado Marcos Valério,
crime não pode ser uma intenção, uma Como mostraremos a seguir, o que rapassava os recursos ao PT. A
hipótese. A bruxa não pode ser conde- mensalão foi uma espécie de maldição Procuradoria-Geral da República e a
nada por matar o papa se o papa estiver aspergida pelo ex-deputado Rober- maioria do STF, apoiadas numa verda-
vivinho da silva. Portanto, como diria to Jefferson sobre um esquema de deira campanha de perseguição contra
Beccaria, não se pode partir em busca financiamento eleitoral por meio do os chamados mensaleiros, movida
dos criminosos sem, em primeiro lugar, qual o partido do presidente Lula e de praticamente por todos os maiores
caracterizar, materialmente, o crime. seu ministro-chefe da Casa Civil, José jornais e redes de televisão do País, no
No caso do mensalão, o STF não Dirceu, distribuiu, entre 2003 e 2004, fundo consagrou a tese de Jefferson e,
exigiu dos acusadores essa providência cerca de 56 milhões de reais para vários com base em indícios – fraquíssimos,
fundamental. O julgamento do mensa- de seus filiados, para o marqueteiro como mostraremos – de que os em-
préstimos não existiam, disse que o
dinheiro veio de recursos desviados
do Banco do Brasil (BB) e da Câmara
dos Deputados por um esquema cujo
comando estava na própria Casa Civil
da Presidência da República.
Esses desvios são, então, as vigas
mestras da tese do mensalão. Provariam
a inexistência dos empréstimos, os
quais, existindo, rebaixariam o delito
cometido da categoria de “o grande
crime” de nossa história política para a
da conhecida praga do caixa dois, que há
décadas corrompe as campanhas elei-
torais brasileiras. Era fácil comprovar
que eles não existiam, como Retrato do
Brasil demonstra nesta edição especial.
Mesmo agora, oito anos depois, nem
as entidades supostamente roubadas,
isto é, o Banco do Brasil e a Câmara
dos Deputados, exigiram esse dinheiro
de volta.
E por que a condenação de tipo
medieval? Porque para muitos, à direi-
ta, o petismo é, e sempre foi, a encar-
nação do mal e para outros, à esquerda,
desiludidos, o petismo, que seria a
salvação do Brasil, passou a ser, sob o
comando de José Dirceu, nosso Lúci-
fer, uma espécie de anjo degenerado.
E porque, também, se criou um clima
irracional que pretendeu atacar a cor-
rupção do processo eleitoral brasileiro
com métodos medievais, com uma caça
às bruxas, as quais, encontrando-se
n o
da
presas e exemplarmente condenadas,
re
Lo
nos redimiriam.
io
ss
Cá
especial mensalão retratodoBRASIL | 3
RBmensalao.indd 3 03/04/13 10:25
4. O esquema
A descoberta do valerioduto,
canal para R$ 55,3 milhões
No dia 13 de julho de 2005,uma Os personagens têm papéis diversos reais, sendo 18 milhões para diversos
força-tarefa da Polícia Federal coman- do que supõe o senso comum. O cli- de seus diretórios e 10,5 milhões para
dada pelo delegado Luiz Zampronha ma escandaloso transformou Marcos Duda Mendonça, o marqueteiro da
esteve em Belo Horizonte, nos arqui- Valério, uma pessoa com algumas vir- campanha petista de 2002, que elegeu
vos do Rural, um banco mineiro de tudes e muitos defeitos, num monstro. o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
porte médio. Apoiada em um mandado Delúbio Soares, um militante petista Para o PL, o partido de José Alencar, o
da Justiça Federal, requisitou toda a do- histórico, foi expurgado do partido vice-presidente, eleito junto com Lula,
cumentação relativa às contas de Mar- por seis anos – só foi reintegrado em tinham ido 12,2 milhões. Para o PP,
cos Valério, um dos donos das agências 2011. Dumont, o presidente do banco, o partido do famoso ex-governador
de publicidade no estado pelas quais se apontado por vários dos envolvidos paulista Paulo Maluf, 7,8 milhões. Para
teria processado uma movimentação como uma figura central na montagem deputados do PMDB, 2,1 milhões. E,
ilícita de dinheiro. Zampronha saiu do esquema, morreu em fevereiro finalmente, 4,9 milhões foram para o
de lá com a documentação básica que de 2004. Antes, portanto, de dar seu PTB, do próprio denunciante, Roberto
iria orientar a gigantesca investigação testemuho sobre essa e outras versões Jefferson, então presidente do partido.
que se estenderia por vários anos. Até da história. Na opinião dos repórteres De onde vinha esse dinheiro? Os
hoje, final de março de 2013, o Rural, desta história, que conheceram vários depoimentos de todos os acusados
em sua defesa, distribui um comuni- dos personagens, cada um deles tem e toda a documentação levantada
cado no qual diz que já então, antes por meio das diversas investigações
O banco fez a
de o escândalo vir a público com a feitas mostram que o valerioduto foi
denúncia de Jefferson, “inclusive em alimentado por empréstimos tomados
um deliberado excesso de cautela e no Banco Rural e no BMG, outro
extrapolando as obrigações legais [...],
registrava em um sistema interno não
contabilidade de banco mineiro médio. Os tomadores
foram três empresas de Valério e seus
só as movimentações bancárias, mas
também todos os seus beneficiários”.
tudo que sócios já citados: SMP&B, a Graffiti
e a Rogério Tolentino Associados. A
Deixemos de lado, no entanto,
tanto as questões legais – o que era ou
repassou. E CPMI (Comissão Parlamentar Mista
de Inquérito) dos Correios, a principal
não obrigação do Rural fazer em fun-
ção das normas do Banco Central e da
entregou os investigação do Congresso sobre a his-
tória, resume os empréstimos: foram
legislação que busca coibir a movimen-
tação clandestina de dinheiro – como
nomes à PF sete contratos, assinados no prazo de
um ano e meio, entre 25 de fevereiro
a questão de saber se esse dinheiro de 2003 e 14 de julho de 2004. Como
era para o que se chama, na política, um papel diferente e todos deveriam eram de curto prazo, geralmente três
de caixa dois ou para algo diferente, ter sido tratados pela Justiça na medida meses, as dívidas foram, como se diz,
o mensalão. No momento, vale dizer certa de suas participações em crimes “roladas”: somando todas, foram 15 re-
que, efetivamente, o banco mineiro que tivessem sido também devidamen- novações. E, diz o relatório dos peritos
tinha uma grande lista de políticos te comprovados, o que, infelizmente, que os examinaram para a CPMI, um
ou seus intermediários que haviam não ocorreu. dos contratos, tomado pela SMP&B
recebido recursos do chamado vale- Mas o certo é que, dos arquivos do no BMG, foi liquidado com outro, to-
rioduto por meio de um “esquema”, Rural, depois confirmados por Delúbio mado pela Graffiti, também no BMG.
digamos assim, montado basicamente e Valério e por dezenas de inquéritos da Resumindo a conta, foram tomados
por Delúbio Soares, tesoureiro do PT, Polícia Federal, da Procuradoria-Geral por empréstimo 55,3 milhões de reais,
Marcos Valério e três de seus sócios em da República, do Congresso Nacional em valores da época da tomada..
algumas empresas – Rogério Tolentino, e de dezenas de repórteres dos maio- Esse dinheiro foi repassado ao PT
Ramon Hollerbach e Cristiano Paz – e res veículos de informação do País, da seguinte forma: a SMP&B abriu,
pelo próprio banco, especialmente, ao surgiram centenas de documentos do numa agência do Rural em Belo Hori-
que tudo indica, por seu presidente, valerioduto, como os que apresenta- zonte, uma conta em que os pagamen-
José Dumont, no começo de 2003. A mos nestas páginas. No conjunto, eles tos foram centralizados. Delúbio dizia
história não foi bem contada até hoje, mostram a distribuição de aproxima- a Valério a quem repassar o dinheiro.
ofuscada pelo escândalo causado pela damente 55,3 milhões de reais entre O publicitário, por sua vez, chefiava a
mídia em geral, por políticos, investi- políticos ou seus auxiliares de cinco gerente financeira da SMP&B, Simone
gadores e mesmo magistrados viciados partidos. O PT foi o principal benefici- Vasconcelos, encarregada de realizar a
também em manchetes e holofotes. ário. Recebeu cerca de 28,5 milhões de operação, o que ela fazia pessoalmente
4 | retratodoBRASIL especial mensalão
RBmensalao.indd 4 03/04/13 10:25
5. Reprodução
AS CONTAS ABERTAS que o documento identifica. À direita estão os recibos
Segundo os depoimentos de dirigentes do Banco Rural, assinados pelo contínuo de Pizzolato, Luiz Eduardo
de Delúbio Soares e dos dirigentes da empresa SMP&B, Ferreira da Silva, e Maria Regina Cunha, esposa do de-
por cuja conta passou o valerioduto, os empréstimos putado João Paulo Cunha. “Não era nem mensalão, nem
estavam perfeitamente contabilizados exatamente para caixa dois”, disse a RB Ramon Hollerbach, da SMP&B.
confirmar sua existência e para cobrar do PT que os “Eram empréstimos, efetivamente. Esperávamos que o
pagasse. A esquerda está a programação de 20 paga- PT os pagasse. Se era dinheiro para corrupção, porque
mentos de 300 mil reais cada, para a empresa de Duda fazer e depois entregar à polícia essa contabilidade
Mendonça. Quem deveria receber era Zilmar, sua sócia, minuciosa?”
ou com a ajuda de Geiza Dias, outra cuja função era levar o dinheiro até um natários finais do dinheiro, portanto,
funcionária da empresa. O dinheiro doleiro, a partir do qual a grana aca- não foram identificados, ou seja, não
era entregue geralmente em cheque ao bou em dólares numa conta de Duda foram denunciados pelos que pegaram
portador, que o descontava na boca Mendonça nas Bahamas. Os blocos o dinheiro diretamente do Rural ou via
do caixa, numa agência do Rural, na destinados aos diretórios regionais do Simone e Geiza.
maioria das vezes em Brasília. Quando o PT geralmente foram para interme- Para entender bem a história e seus
beneficiário do esquema não queria ir ao diários, como no caso do Pará, onde mistérios, é preciso guardar desta etapa
banco pessoalmente, mandava alguém apareceu, em primeiro lugar, Anita dois pontos: 1) o Rural fez questão
buscar o dinheiro. Ou, então, Simone Leocádia, secretária do presidente do de registrar os nomes de todos os
ou Geiza retirava o dinheiro do caixa partido na região, Paulo Rocha, que tomadores finais ou os intermediários
do Rural e o levava pessoalmente ao assumiu ser o destinatário dos recur- básicos: dirigentes regionais do PT ou
destinatário, às vezes em um carro-forte. sos, para, como disse, despesas locais, seus prepostos e dirigentes ou interme-
O dinheiro distribuído ao próprio das quais prestou contas. No caso dos diários dos partidos aos quais repassou
PT foi enviado, a mando de Delúbio, depósitos para os diretórios nacional, dinheiro; 2) o dinheiro do denunciante
em blocos. Um deles foi para Duda do Rio e do Rio Grande do Sul, por do mensalão, Roberto Jefferson, é de
Mendonça. Saiu em parcelas, como, exemplo, não existe essa contabilida- um dos blocos, mas ele jura que esse
de um modo geral, todos os outros. de precisa. Os intermediários, vários, dinheiro, ao contrário dos outros, é
As parcelas foram entregues no Brasil como no caso do diretório nacional, para despesas de campanha e não disse
nos caixas do Rural, como a todos não disseram a quem o dinheiro foi a quem distribuiu os 4 milhões de reais
os outros destinatários, mas se sabe repassado. O dinheiro para os outros recebidos. Segundo o tesoureiro de seu
que um dos recebedores, em nome de quatro partidos, PL, PP, PMDB e PTB, partido, Emerson Palmieri, o valor foi
Duda, foi o policial Davi Rodrigues, também foi repassado a intermediários, dividido em blocos de 100 mil e 150 mil
que, tudo indica, era um intermediário de um modo geral. Muitos dos desti- para ser repassado à companheirada.
especial mensalão retratodoBRASIL | 5
RBmensalao.indd 5 03/04/13 10:25
6. “Caixa dois” ou “mensalão”
esperto, jefferson diz: o meu
é caixa dois; o deles, mensalão
Na história contada por Roberto saques, de 100 mil reais cada, nos exemplo, acabaram dando matéria no
Jefferson nas duas entrevistas dadas dias 7 e 14 de janeiro de 2004, para circunspecto diário paulista O Estado
à Folha de S.Paulo, a 6 e 13 de junho repassar à moça que era amante do de S. Paulo, no dia 9 de agosto de
de 2005, na deflagração do escândalo chefe partidário e ficara desampa- 2005, sob o título “Ex-sócio confirma
do mensalão, ele diz ter recebido a rada com seu falecimento. Jefferson festas com garotas de programa em
informação do ex-presidente de sua foi, afinal, cassado pela Câmara dos Brasília”. O artigo nomeia um em-
legenda, o PTB, José Carlos Martinez, Deputados a 14 de setembro de 2005, presário que teria dito à PF ter sido
morto em outubro de 2003 num aci- por 313 votos contra 156. No voto contratado por Valério para promo-
dente aéreo. Pouco antes da morte, que encaminhou o pedido de cassação ver os dois eventos, nos três últimos
disse Jefferson à jornalista Renata Lo na Comissão de Ética da Câmara, andares de um dos hotéis da capital
Prete na primeira entrevista, Martinez o deputado Jairo Coelho (PFL–RJ) federal, e informa, vejam só, que “a PF
o teria procurado e dito, referindo-se condenou Jefferson por várias razões: desconfia que as festas teriam contado
ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares: não tinha provado o suborno de com a participação de parlamentares e
“Roberto, o Delúbio está fazendo um parlamentares com o mensalão, ele altos dirigentes dos governos federal
esquema de mesada, um ‘mensalão’, próprio recebera, para o PTB, 4 mi- e estadual”. O Estadão diz ainda que
para os parlamentares da base. O lhões de reais do valerioduto e ainda “a PF apurou que nos dias das duas
PT, o PL, e quer que o PTB também mentira, em seu depoimento perante festas citadas por [....] houve saques de
receba. Trinta mil reais para cada 3,5 milhões nas contas de Valério” e
Na primeira
deputado. O que me diz disso?” Je- conclui afirmando que “rastreamento
fferson, em resposta, afirma ter dito a do Banco Central mostra um maior
Martinez: “Eu digo: sou contra. Isso faturamento da empresa [do referido
é coisa de Câmara de Vereadores de
quinta categoria. Vai nos escravizar
entrevista à empresário, cujo nome omitimos], 28
milhões, nos dois primeiros anos do
e vai nos desmoralizar”. Em seguida,
afirmou à Folha: “O Martinez decidiu
Folha, Jefferson governo Lula”. Essa história acabou
sendo reproduzida nas “considerações
não aceitar essa mesada, que, segundo
ele, o doutor Delúbio já passava ao
não disse que finais” com as quais o procurador-
geral da República encaminhou ao
PP e ao PL”. Na mesma entrevista, o
ex-deputado disse também que, em
tinha ficado STF seu pedido de condenação dos
acusados em meados de 2012.
função de sua posição firme contra
o mensalão, Delúbio, após a morte
com 4 milhões A tese de que o dinheiro de Jeffer-
son era caixa dois e o dos outros era
de Martinez, procurou o líder do mensalão, como vimos, não mostrou
partido, José Múcio (PTB–PE), para a comissão, ao afirmar que ocorrera que o ex-deputado era o puro e os
convencê-lo a aceitar a mesada que uma reunião da bancada do PTB para outros, os corr uptos. Do mesmo
Jefferson barrara. Ele também afirma discutir o assunto e que o líder do modo, mesmo se considerarmos que
ter reunido sua bancada para conde- partido, José Múcio, havia discutido o dinheiro de Valério alimentou um
nar o recebimento de mesada e que a questão da mesada com Delúbio caixa dois no PT – como parece, aos
líderes dos partidos que já a recebiam, Soares, coisas que Múcio e outros dois repórteres desta história, o mais
como Valdemar Costa Neto, do PL, deputados do partido desmentiram. correto –, não significa dizer que se
e Pedro Henry, do PP, haviam se Nas histórias que acompanharam tratou apenas de dinheiro para pagar
unido para pressionar Múcio: “Que o grande escândalo político em Brasí- despesas de campanha e pronto.
que é isso? Vocês não vão receber? lia, muitas fazem referência a práticas Como disse Retrato do Brasil na sua
Que conversa é essa? Vão dar uma de de corrupção antiquíssimas. A Polícia edição de novembro passado “um
melhores do que a gente?”. Federal, na sua perseguição a Marcos arguto repórter da Folha de S.Paulo,
Nessa primeira entrevista à jorna- Valério, foi atrás de histórias de festas num debate recente (...), disse que
lista da Folha, Jefferson não contou de embalo que ele teria proporcionado dinheiro de caixa dois é assim mesmo
que o PTB já recebera 4 milhões de em um hotel da capital federal para e que viu deputado acusado de ter
reais do valerioduto. Muito menos parlamentares, nas quais estariam recebido dinheiro do valerioduto ves-
que, desse dinheiro, que passou a presentes garotas selecionadas por tido de modo mais sofisticado depois
controlar depois da morte de Marti- uma conhecida cafetina local. Duas desses deploráveis acontecimentos
nez, tinha autorizado um motorista dessas festas, em 2003 (uma em se- [do mensalão]”. A importância de
da confiança do partido a fazer dois tembro e outra em novembro), por Jefferson na história é que ele foi o
6 | retratodoBRASIL especial mensalão
RBmensalao.indd 6 03/04/13 10:25
7. Angeli
político sagaz que soube conduzi-la. falei para não fazer’. Eu pensei: ‘Vai resolveu segurar com mão firme o
Fora acuado por denúncias de cor- acabar’. Mas continuou.” leme de seu governo ameaçado de
rupção em duas matérias de capa da A essa altura, forças mais podero- adernar em meio à mais inclemente
revista Veja, a de maior influência no sas do que as lideradas por Jefferson tormenta que sobre ele se abateu nes-
País. Em uma delas, com a história preparavam-se para uma ofensiva ses dois anos e meio de existência, a
de um preposto seu nos Correios, contra o governo Lula, enfraquecido crise do Planalto parece a caminho de
cuja foto aparece na capa da revista por diversas razões que examinare- assumir um novo nome: José Dirceu
recebendo uma propina de 3 mil reais. mos com mais detalhe no capítulo de Oliveira e Silva”.
A reportagem narra o tráfico de influ- seguinte. Em seu primeiro editorial Possivelmente o Estadão perce-
ência praticado pelo PTB na estatal. sobre o mensalão, dois dias depois beu que uma iniciativa para tentar o
A outra matéria o apresenta como “o da entrevista de Jefferson à Folha, impeachment do presidente Lula não
homem-bomba”, prestes a explodir O Estado de S. Paulo, com certeza o encontraria maior apoio. No editorial,
a coligação governista. Jefferson diz mais influente e consequente veículo argumentava que a mudança do nome
que procurou a cúpula política do go- de imprensa do bloco político conser- da crise se justificava por declarações
verno petista para achar outra saída, vador do País, sob o título “O grande de Dirceu no exterior protestando
mas, ao ser atacado em outra matéria culpado”, atacava o presidente Lula contra a política econômica do pró-
de capa, dessa vez da revista Época, por sua incapacidade de enfrentar a prio governo numa atitude mais ofen-
sobre a qual imaginava que o PT te- crise, que, dizia, “na melhor das hipó- siva do que antes. Disse o Estadão:
ria alguma influência, percebeu que teses se tornará crônica, e, na pior, se “Não faz muito, quando perguntado
tinha de tentar sair atirando. Na sua transformará em crise institucional”. numa entrevista sobre as políticas
primeira entrevista à Folha, ele ainda No segundo editorial, do dia 11 de fiscal e monetária [do governo], ele se
poupa o então ministro-chefe da Casa junho, intitulado “O novo nome limitou a responder que todos sabem
Civil, José Dirceu. “Fui ao ministro da crise”, o famoso Estadão fazia o que ele pensa. Agora, em Lisboa,
José Dirceu, ainda no início de 2004, uma correção, ainda no seu editorial mudou totalmente de atitude. ‘Se
e contei: ‘Está havendo essa história principal: “Até a semana passada, o deixarem’, disse, como quem adverte
de mensalão. Alguns deputados do sinônimo da ‘crise’ era Luiz Inácio que não deixará, ‘fazem o superávit
PTB estão me cobrando. E eu não Lula da Silva, cujas omissões o torna- primário de 7%, juros de 20%.’ E
vou pegar. Não tem jeito’. O Zé deu ram ‘o grande culpado dos problemas arrematou, desafiador: ‘Isso é uma
um soco na mesa: ‘O Delúbio está de seu governo’, como se comentou disputa política. Não falar isso é faltar
errado. Isso não pode acontecer. Eu neste espaço. Mas, se Lula, enfim, com a verdade para a sociedade’”.
especial mensalão retratodoBRASIL | 7
RBmensalao.indd 7 03/04/13 10:25
8. Quem procura, acha
a auditoria foi buscar o que
se sabia não existir
Em 2002, antes de o PT ganhar as Imediatamente, surgiu a tese de que o sobre a forma de operação do FIV. Seus
eleições para a Presidência da República, dinheiro sacado do Rural tinha sido uma resultados só foram divulgados formal-
ficou famosa a profecia, do megainvesti- propina de Marcos Valério para Pizzolato mente em novembro de 2005, mas parte
dor George Soros, de que o partido não renovar o contrato de publicidade entre deles foi vazada para a imprensa muitas
podia ganhar as eleições e, se ganhasse, o BB e a DNA, agência de publicidade vezes antes, para alimentar o escândalo.
não levaria. De certo modo, foi o que de Valério e sócios. O FIV foi uma criação, no Brasil,
aconteceu. Luiz Inácio Lula da Silva ga- Pizzolato deixou a diretoria do BB da Visanet, nome fantasia da Visa In-
nhou as eleições no segundo turno, mas imediatamente. Não importa se no ternacional, a maior empresa global de
só depois de, sob intensa pressão dos desenrolar da história, foi provado que emissão de cartões de crédito e débito,
mercados, com o dólar chegando perto a renovação do contrato com a DNA os de marca Visa. Em 1995 ela chegou ao
da cotação de um por quatro reais, seu não foi assinada por ele – é de antes Brasil e fez a Visanet, sob seu controle,
partido assinar a Carta ao Povo Brasi- do governo Lula. Também não teria em associação com mais de 20 bancos
leiro, na qual promete cumprir todos os relevância o fato de uma devassa monu- locais, sendo o principal deles o Bradesco
contratos assinados pelo presidente Fer- mental da Receita Federal em sua história e o segundo, o Banco do Brasil. A Visa
nando Henrique Cardoso, e confirmar financeira acabasse comprovando que na Internacional é gigantesca. A Visanet,
esse compromisso pouco após a eleição, compra do apartamento em Copacabana hoje Cielo, era uma dentre muitas deze-
até com certo exagero, ao elevar a meta não existiu qualquer dinheiro estranho nas de outras emissoras de cartões Visa
do superávit primário, ou seja, a conten- às poupanças dele e de sua mulher, montadas por ela em vários países. Os
ção de despesas para garantir sobras de seus cartões movimentam, anualmente,
orçamento para o pagamento dos com-
promissos externos do País. Do ponto A decisão de o BB alguns trilhões de dólares por ano. Em
2004, por exemplo, o movimento de
de vista administrativo, duas medidas
foram tomadas pelo novo governo para não ter contrato dinheiro com os cartões Visa no Brasil
foi estimado em 156 bilhões de reais.
explicitar melhor esses compromissos
com o mercado financeiro: a escolha de para operar o Fundo Desse dinheiro, como faz em todos os
lugares do mundo, a Visa destina 0,1%
Visanet é de 2001.
Henrique Meirelles, ex-dirigente global para seus sócios fazerem propaganda
do BankBoston, para dirigir o Banco dos cartões Visa. Ou seja, em 2004, no
Central e de Cássio Casseb, ex-dirigente Brasil, a Visanet dedicou 156 milhões
do Citibank no País, para dirigir o Banco
do Brasil.
Não tinha nada a para serviços de promoção de cartões de
bandeira Visa, do Bradesco, do Banco do
No BB iria surgir o grande instru-
mento para a oposição transformar sua
ver com Pizzolato Brasil e dos outros sócios. O propósito
era aumentar ainda mais o faturamento
investigação sobre o valerioduto num da Visa Internacional no País e, é claro,
indício de “desvio de dinheiro público”. Andrea, nem mesmo que a história do os lucros da companhia, pois ela fica com
Esse instrumento foi a denúncia, surgida desvio fosse totalmente infundada. No a maior parte das comissões cobradas
em 3 de agosto – menos de dois meses próprio BB surgiu uma investigação que dos fornecedores de bens e serviços
após o mensalão ter se transformado iria fornecer indícios de que os trabalhos que aceitam os pagamentos por meio
na principal manchete de todos os no- da DNA para o BB, feitos por meio do desses cartões.
ticiários da grande mídia –, de que Luiz Fundo de Incentivos Visanet (FIV), na A auditoria feita no BB nos quatro
Eduardo Ferreira da Silva, um contínuo gestão de Pizzolato, no valor total de meses citados e depois completada nos
da Previ, o fundo de pensão do Banco 72,8 milhões de reais, poderiam não anos seguintes a pedidos do relator do
do Brasil, tinha sacado, a mando de ter sido realizados. E que, portanto, em processo, ministro Joaquim Barbosa, dos
Henrique Pizzolato, diretor de marketing parte desse montante, de algum modo dois procuradores-gerais da República
e comunicação do banco, nomeado no aportado à conta da SMP&B no Rural que cuidaram do caso, Antonio Fernando
governo Lula, exatos 326.660,27 reais que alimentou o valerioduto, estaria a de Souza e Roberto Gurgel, e, ainda, dos
numa das pontas do valerioduto, uma grana que transformaria os empréstimos advogados dos réus, está em 108 apensos
agência do Banco Rural no centro do Rio tomados por Valério e seus sócios junto da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal
de Janeiro. Pizzolato disse, logo depois, aos dois bancos mineiros em operações Federal. RB tem em seu site todos eles,
que se tratava de dinheiro para o diretório fajutas, feitas, de fato, para disfarçar a que formam um conjunto de cerca de 20
do PT no Rio, mas, a seguir, os jornais verdadeira origem do dinheiro, o desvio mil páginas. A auditoria não foi buscar,
descobriram que ele tinha comprado um de fundos públicos. Essa investigação, em primeiro lugar, a materialidade do
apartamento de 400 mil reais em Copa- feita por 20 técnicos do BB ao longo de crime, as provas concretas de que tinha
cabana algum tempo depois desse saque. quatro meses, foi uma extensa auditoria ocorrido um desvio de dinheiro do
8 | retratodoBRASIL especial mensalão
RBmensalao.indd 8 03/04/13 10:25
9. Banco do Brasil, de que um crime havia
sido cometido. Ela partiu em busca de
indícios de que crimes poderiam ser sido
cometidos. No caso, um de seus critérios
básicos foi tentar verificar se a execução
dos serviços do FIV pela empresa DNA,
a mando do BB, estava de acordo com
as normas de operação do banco para a
veiculação da publicidade que era paga
diretamente pelo seu orçamento.
Os auditores, ou as pessoas que os
comandaram, tinham, ou poderiam ter
encontrado, todas as informações que
mostrariam não ser esse o procedimento
adotado pelo BB para autorizar esse tipo
de gasto. Por contrato assinado entre o
BB e a Visanet em 1995 – portanto, no
governo Fernando Henrique Cardoso
–, as autorizações para os gastos de
publicidade via FIV eram emitidas por
um funcionário especialmente designado
pelo BB junto à Visanet – e no governo PORQUE O BB DISPENSOU O CONTRATO Trecho do parecer jurídico do banco,
Lula essa pessoa não era Pizzolato. Além que está nos autos da AP 470, no seu ítem 10, explica a decisão, de 2001, de não
disso, por decisão do departamento haver necessidade de contrato entre a Visanet e os fornecedores dos serviços de
jurídico do banco, tomada também no publicidade prestados ao BB para o uso dos recursos do FIV (Fundo de Incentivos
governo FHC, não existiria um con- Visanet). Abaixo está a tabela construída com dados da auditoria feita no banco
trato formal entre BB e Visanet para a sobre os recursos do FIV nos dois períodos 2001-2002, governo FHC, e 2003-2004,
operação desses recursos. Não haveria, governo Lula. A política de adiantamento dos recursos é a mesma. E os gastos com
também, um contrato formal entre a notas fiscais em poder da CBMP – Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos
Visanet e a DNA para essas operações. – o nome oficial da Visanet são de praticamente 100%.
Veja, ao lado, trecho de documento do
departamento jurídico do BB no qual se Receitas do FIV Adiantamentos Gastos com notas
Gastos sem
utilizadas pelo às agencias de fiscais em poder
afirma ser legal a dispensa desses instru- Banco do Brasil publicidade da CBMP
notas fiscais
mentos. Citando o artigo 436 do Código R$ milhões R$ milhões % R$ milhões % %
Civil, o documento diz expressamente: 2001 28,83 26,4 91,57 28,76 99,76 0,24
“Tal espécie de contrato não reclama 2002 32,03 21,9 68,37 31,99 99,88 0,12
uma formalidade, ou seja, não precisa
2003 38,43 29,7 77,28 38,28 99,61 0,39
ser escrito para se aperfeiçoar, bastando
2004 52,01 34,1 65,56 51,45 98,92 1,08
mero consentimento das partes”.
E isso foi feito, como pode ver quem
estudar cuidadosamente os fatos, não As relações entre Visanet, bancos com o BB na administração Fernando
por trama sinistra executada no governo e agências de publicidade tinham de Henrique Cardoso, e 2003 e 2004, de
FHC e seguida cavilosamente também ser mais frouxas, para que o negócio operação do fundo na administração
por Pizzolato no governo Lula. Um dos funcionasse melhor. Os negócios foram Luiz Inácio Lula da Silva, com Pizzolato
segredos da Visanet nos lugares em que feitos assim e o truque funcionou, es- na diretoria de marketing e comunica-
opera é colocar a serviço da venda de pecialmente para o BB, que se tornou, ção do banco –, as ações com dinheiro
seus cartões – e, portanto, do aumento nos anos da gestão Pizzolato, líder no do FIV alocado para o BB, com falta
de seu faturamento – bancos rivais entre faturamento de cartões de crédito entre absoluta ou parcial de documentos nos
si, cada um interessado em emitir mais os bancos associados à Visanet. arquivos do próprio BB, chegavam quase
cartões que o outro, disputando cada es- Os auditores foram procurar do- à metade dos recursos despendidos. Ao
paço do mercado. Por exemplo, se havia, cumentos onde esses documentos não procurarem os mesmos documentos na
como de fato houve nesse período, um estavam. Notas fiscais, faturas e recibos Visanet, os auditores os encontraram.
congresso de magistrados em Salvador e da agência DNA e de fornecedores que Evidentemente, a grande mídia – cujos
o BB queria fazer uma promoção no local, teriam feito para ela as ações de incentivo colunistas mais raivosos chamam os
isso não deveria estar escrito num plano autorizadas pelo BB foram buscados no petistas de petralhas – divulgou apenas
a ser discutido dentro da Visanet, onde próprio BB, onde não estavam. Como que os auditores tinham achado, nos ar-
estava o Bradesco, por exemplo, com mais quem procura acha, os auditores encon- quivos do BB, “fragilidades e falhas” que
ações que o BB na empresa e igualmente traram “fragilidades e falhas”: descobri- mostravam indícios de que os serviços
ávido para vender cartões Visa aos juízes, ram que, nos dois períodos até então – os da DNA para o BB poderiam não ter
pessoas de alto poder aquisitivo. anos 2001 e 2002, de operação do FIV sido realizados.
especial mensalão retratodoBRASIL | 9
RBmensalao.indd 9 03/04/13 10:25
10. Mídia e Congresso
como foi criado “o maior
escândalo político do país”
A transformação das “fragilidades e CPF. Cunha argumentou que o dinheiro sua divulgação foi bem anterior. Cópia
falhas” no processo de controle dos re- tinha sido enviado pelo PT, a mando de de suas conclusões preliminares foram
cursos do Fundo de Incentivos Visanet Delúbio Soares, e se destinava a uma repassadas à equipe de inspeção da
pelo Banco do Brasil num clamoroso pesquisa eleitoral na região onde ficam Terceira Secretaria de Controle Externo
“desvio de dinheiro público” não se deu sua base, Osasco, e outras importantes do TCU (3ª Secex) quando ela esteve
por força de afirmações contidas nos cidades da Região Metropolitana de na Câmara entre os dias 25 de julho e
frios relatórios da auditoria feita pelo São Paulo, como Barueri e Carapicuíba. 3 de agosto de 2005. Tanto o relatório
banco nesse fundo. Essa metamorfose Apresentou recibos do encarregado da de Souza quanto o relatório da turma
ocorreu após a denúncia do escândalo contratação das pessoas que fizeram de inspeção do TCU, apresentado ao
na Câmara dos Deputados, um local as pesquisas e pacotes de formulários secretário da 3ª Secex em setembro,
no qual o PT sofrera uma grande der- preenchidos nesse levantamento. Isso concluem que a agência SMP&B não
rota no início de 2005, com a perda não acalmou os ânimos oposicionistas tinha feito praticamente nada – 99,9%
da presidência da Casa, cargo em que acirrados com a história. de seus trabalhos tinham sido terceiri-
estava seu deputado João Paulo Cunha, Cunha pediu, então, que o presi- zados –, o que é a base para se concluir
um ex-metalúrgico, como o presidente dente da Câmara, deputado Severino que Valério e seus sócios receberam o
Lula. Na sucessão, o PT se dividira. Cavalcanti, encomendasse ao Tribunal dinheiro para serviços de publicidade
Foi apresentada inicialmente meia dú- de Contas da União (TCU) uma audi- da Câmara, nada fizeram e o desviaram.
zia de candidatos, inclusive o próprio Como se viu depois, as investigações
Cunha, para cuja reeleição se tentou,
sem sucesso, aprovar uma emenda
Não se pode da Câmara e do TCU prosseguiram
por quatro anos e três anos respectiva-
aos estatutos da Casa. Ao final, con-
trariando a decisão formal do partido,
esquecer que a mente e, em decisões colegiadas, essas
instituições absolveram completamente
o PT concorreu com dois candidatos:
um, oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh,
denúncia inicial João Paulo Cunha de qualquer culpa. E
o mais incrível é que o ministro Joaquim
conhecido ativista de direitos humanos
e deputado por São Paulo, e outro, Vir- do mensalão Barbosa, que comandou as votações
do STF que sentenciaram o deputado
gílio Guimarães, do PT de Minas. Por
sinal, no que interessa à nossa história, tem Policarpo, Cunha a nove anos e quatro meses de
prisão e mais 370 mil reais de multa,
ele é o homem que apresentou Delúbio
Soares a Marcos Valério. Em meados de da Veja tenha apresentado as conclusões de
Souza e da turma de inspeção da Secex
fevereiro, foi feito o pleito e, no primei- – e ainda exageradas numa proporção
ro turno, Greenhalgh venceu, por 207 toria nas condições da licitação e na de dez vezes – como resultado de duas
votos, contra 117 de Guimarães e 124 execução do contrato com a SMP&B. decisões plenárias de órgãos da Câmara
de Severino Cavalcanti, do PP, partido Foi como se tivesse pedido uma corda e do TCU.
da “base aliada”, como se sabe. No para ser enforcado. Severino pediu Os dois relatórios preliminares, de
segundo, Cavalcanti ganhou disparado: não só a auditoria que Cunha queria, Souza e o da primeira turma de inspe-
300 votos contra 195 de Greenhalgh. mas também outra, a um comandado ção da 3ª Secex, foram vazadas para a
Na Câmara, presidida por Caval- seu, Alexis Souza, que indicara para imprensa no começo de agosto de 2005.
canti desde então, surgiu, no começo chefiar a Secretaria de Controle Inter- No dia 11 daquele mês, Duda Men-
de julho, logo depois da divulgação no (Secin) da Câmara. Souza acabaria donça depôs na CPMI dos Correios e
das listas de beneficiários do valerio- não sendo empossado formalmente no disse ter recebido do PT, no exterior,
duto, um novo “indício” de desvio de cargo, que exige confirmação do nome o equivalente a 10,5 milhões de reais.
dinheiro público; no caso, contra Cunha pela mesa diretora da Casa, onde têm Vários deputados petistas choraram
e de modo parecido com o do “indício” assento, além do presidente, mais seis em plenário ao ouvi-lo. No dia 12, o
levantado contra Pizzolato. Ele teria as- deputados: dois vices e quatro secretá- presidente Lula fez um pronunciamento
sinado um contrato de publicidade com rios. Cavalcanti também acabaria sendo pela televisão no qual disse: “Eu me
a SMP&B, a agência já citada de Marcos atropelado pelo escândalo: renunciou sinto traído por práticas inaceitáveis
Valério e seus sócios, por ter recebido no dia 21 de setembro, sem que Souza das quais nunca tive conhecimento”.
deles uma propina de 50 mil reais. fosse oficializado no cargo. No dia 17, numa nota, a Executiva do
Esse dinheiro foi sacado na agência do Seu relatório, no entanto, fez estra- PT pediu desculpas ao povo brasileiro.
Banco Rural em Brasília pela esposa do gos. Ele foi entregue formalmente em No dia 1º de setembro, a CPI dos Bin-
deputado, que assinou o recibo corres- duas partes, em setembro e outubro, gos, chamada apropriadamente de “A
pondente, com seu nome e número do depois da renúncia de Severino. Porém, CPI do Fim do Mundo”, porque saiu
10 | retratodoBRASIL especial mensalão
RBmensalao.indd 10 03/04/13 10:25
11. FolhaPress
17 x 4: MENSALÃO RECONHECIDO em 11 meses de depoimentos e investigações”: “o PT, braço
POR GOLEADA, DIZ O PFL político-eleitoral do Governo Lula, comprou com dinheiro
Março de 2006, oposicionistas carregam em triunfo o público a adesão de deputados para formar a tristemente
deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), o relator da CPMI famosa “base governista”. O nome “mensalão” para essas
dos Correios, após a aprovação, por 17 votos a 4, do seu propinas milionárias é apenas uma marca de fantasia, um
relatório. O texto teria mostrado, diz a legenda da foto, apelido convencional, para o fato comprovado de que o
publicada no site do PFL, “o que todo o País comprovou Governo Lula e o PT praticaram atos de corrupção”.
em busca de assuntos contra o PT que dinheiro público usado para comprar controladas por Dantas, e não o Banco
pudessem criar manchetes, levou para apoio político e aprovar as propostas do Brasil e a Câmara, seriam os respon-
depor uma irmã do ex-prefeito de Santo iniciais do governo Lula. sáveis pelos recursos do valerioduto,
André Celso Daniel, do PT, morto em O papel da mídia nessa denúncia visto que a DNA tinha contratos de
2002. A CPI quis investigar se a morte e em seus desdobramentos não pode publicidade com elas e também recebe-
do prefeito não teria sido queima de ser minimizado. Não se pode esquecer ra muitos milhões dessas empresas nos
arquivo, motivada por ele ter se rebe- que a gravação da conversa de Maurício anos de 2003 e 2004. O indiciamento
lado contra um esquema de corrupção Marinho, o funcionário dos Correios de Dantas no mensalão, afinal, não foi
montado na prefeitura pelo PT. flagrado por Veja no recebimento de pedido pelo procurador-geral da Repú-
Tudo indica que a oposição só não uma propina de 3 mil reais de um em- blica, como se verá no capítulo seguinte,
pediu o impeachment do presidente presário, foi articulada com Policarpo mas a divisão do mensalão para que os
Lula no segundo semestre de 2005 Junior, chefe da sucursal da revista 40 indiciados pelo procurador fossem
porque não conseguiu ganhar a presi- em Brasília. O operador da gravação é ouvidos em seus locais de residência
dência da Câmara nas eleições dispu- Jairo Martins, preso com o empresário acabou permitindo que a Procuradoria
tadas em 28 de setembro. Aldo Rebelo Carlinhos Cachoeira no início do ano da República em São Paulo, onde mora
(PCdoB–SP), pela base governista, e passado. Ambos, junto com Policarpo, José Dirceu, acabasse comandando um
José Thomaz Nonô (PFL–AL), pela também estão envolvidos, ainda, na inquérito da PF voltado para investigar
oposição, foram os adversários prin- gravação das visitas a José Dirceu no as relações de Dantas com o mensalão.
cipais. No primeiro turno, empataram, apartamento em que ele atendia correli- “Acredita-se que o HD do banco” – o
com 182 votos cada. No segundo, Aldo gionários no Hotel Naoum, em Brasília. disco rígido do Opportunity, banco
ganhou apertado: 258 contra 243 votos. Não se pode esquecer também que associado ao financista – “possa conter
Mas José Dirceu teve seu mandato de o outro grande evento midiático do dados que comprovem a relação entre
deputado federal e os direitos políticos período, o escândalo Daniel Dantas, a Telemig, a Amazônia Celular e Mar-
suspensos pelo plenário da Câmara por liga-se com o do mensalão no momento cos Valério”, disse a procuradora Ana
293 votos contra 192, na madrugada de em que alguns deputados conseguem Roman, que autorizou a abertura do
1º de dezembro do ano do escândalo. enfiar no relatório final da CPMI dos inquérito, chefiado pelo delegado Ézio
A base para sua cassação: diversos in- Correios o pedido de indiciamento do Silva do início de 2006 até o início de
dícios de que ele seria o chefe de três financista. A Telemig, a Amazônia Ce- 2007 e depois pelo delegado Protógenes
quadrilhas articuladas para o desvio de lular e a Brasil Telecom, empresas então Queiroz.
especial mensalão retratodoBRASIL | 11
RBmensalao.indd 11 03/04/13 10:25
12. Quem chefia a quadilha
o procurador souza achou
dois chefões. cortou um...
Quando o STF aprovou seu indicia- que naquele mesmo dia apresentou a 2006”. Como se verá no capítulo que
mento, em 2007, como chefe da quadri- denúncia do mensalão ao STF. trata da investigação feita por RB, mais
lha do mensalão, Dirceu exibiu um exem- Destaque-se, para a nossa história, adiante nesta história, um dos documen-
plar da Folha de S.Paulo, que publicara que o procurador eliminou da lista quatro tos essenciais da Visanet para o caso é
declarações do ministro Ricardo Lewan- nomes do Banco do Brasil. Ficaram ape- um relatório dos advogados da empresa
dowski, para quem a corte votou “com a nas os dos petistas Henrique Pizzolato preparado para ser entregue por ela à
faca no pescoço”. O ex-ministro atacou e Luiz Gushiken. Saíram o presidente Receita Federal. Esse relatório declara,
a grande mídia, que já teria pré-julgado do banco, Cássio Casseb, e mais três em síntese, haver provas documentais
o mensalão, e ele era o grande alvo. Os funcionários, que vinham da adminis- de que não houve desvio de dinheiro do
jornais tinham publicado trechos de re- tração anterior, do governo de Fernando FIV destinado ao Banco do Brasil. Ele
latórios das investigações de Queiroz nas Henrique Cardoso, a despeito de terem estava entre os documentos apreendidos
quais arapongas procuravam identificar, assinado, com Pizzolato, os documentos inicialmente pela PF, mas foi devolvido à
nas vozes gravadas, menções ao nome considerados incriminadores, que enca- companhia graças à ação de seus advoga-
de Dirceu. Numa dessas gravações, a minharam os pedidos de liberação dos dos, os quais argumentaram ao STF, com
mais grotesca, um “ele” perdido no meio 73,8 milhões de reais em recursos do êxito, que o referido relatório é protegido
de uma conversa de dois assessores do Fundo de Incentivos Visanet, tidos como legalmente pelo direito de sigilo.
financista tinha sido interpretado por desviados dos cofres públicos. Destaque- O relatório inicial da CPMI dos
um dos arapongas como “José Dirceu”, Correios, também apresentado no dia 30
e “conta curral” seria o código para um de março, tinha 1.828 páginas e suas 122
pagamento que ele teria recebido num
paraíso fiscal (Ver O escândalo Daniel
O procurador sugestões de indiciamento seriam, uma
semana depois, no plenário da Câmara,
Dantas, duas investigações, editora Ma-
nifesto, páginas 80 e 81).
tirou, da lista também desidratadas: ficaram apenas 24
indiciamentos e uma lista apartada de 18
A etapa inicial do processo judicial
é o inquérito, cujas investigações são
de indiciados, deputados que poderiam ter cometido
“crimes eleitorais ou de sonegação fiscal”,
feitas pela polícia e, em casos de alcance
nacional, pela Polícia Federal. Na Justiça
Casseb e mais três não acusados sob o argumento de que a
investigação não teria tido tempo para
brasileira, quem comanda o processo
investigatório é um promotor e, caso
também do BB, análise de suas defesas mais recentes. O
documento de Souza, embora claramente
estejam envolvidas altas autoridades,
esse promotor é o procurador-geral da mas não petistas baseado nas investigações do Congres-
so, é relativamente sucinto. Depois de
República – no caso, Antonio Fernando apresentar os indiciados, basicamente
de Souza. Depois do inquérito policial, o se, também, que Souza não indiciou os mesmos que seriam julgados em
promotor verifica se há provas e indícios vários deputados apontados na lista de 2012 pelo STF, e de uma introdução, se
suficientes para mover uma ação penal Serraglio, mas ainda não julgados pela divide em sete blocos. Sua tese central
destinada a levar os acusados a julga- Câmara. Denunciou, porém, João Paulo procura se contrapor à de todos os réus,
mento. Na nossa história, o inquérito da Cunha, que até então também ainda que tinham se defendido, desde o início
Procuradoria-Geral da República é o de não havia sido julgado pelos deputados. do escândalo, com o argumento de que
número 2.245, de 2005, que desembocou Quando o foi, pouco depois, o plenário não tinha havido “o” crime histórico e
na Ação Penal 470 do STF. O processo o absolveu por 256 a 209 votos. O leitor excepcional batizado de mensalão, mas,
político, com as centenas de “inquéri- deve levar em conta, também, que houve sim, o tradicional crime de caixa dois. O
tos” promovidos pela mídia e as três um grande esforço da Visanet para influir pilar de sustentação da tese de que, sim, o
comissões parlamentares de inquérito na seleção dos indiciados e para não en- mensalão existira, apresentada inicialmen-
feitas pelo Congresso Nacional, teve tregar certos documentos seus à Polícia te por Souza, endossada com mais ênfase
uma espécie de conclusão preliminar a 30 Federal. A empresa apresentou várias por seu sucessor, Roberto Gurgel, e com
de março de 2006, quando o deputado ações no Supremo para contestar uma veemência e agressividade pelo ministro
Osmar Serraglio (PMDB–PR) apresen- decisão do então presidente da corte, Barbosa na fase do julgamento – eram os
tou pela primeira vez o relatório final Nelson Jobim, que determinava que a supostos desvios de recursos públicos. Os
da CPMI dos Correios, no qual pede o Visanet permitisse o acesso de peritos “desvios”, “desvios de recursos públicos”,
indiciamento de 122 pessoas. Os nomes do Instituto Nacional de Criminalística, “desvios de dinheiro público” são citados
dessa lista inicial foram reduzidos a um da PF, “a todos os documentos da em- mais de 30 vezes. E os exemplos mais de-
terço, 40 pessoas, pelo procurador Souza, presa no período de 2001 a janeiro de talhados desses desvios são atribuídos aos
12 | retratodoBRASIL especial mensalão
RBmensalao.indd 12 03/04/13 10:25
13. FolhaPress
dois petistas já citados: João Paulo Cunha, distribuído pelo PT vinha de empréstimos, tremamente suspeita, à Caixa Econômica
político com sete mandatos, de vereador, tomados pelo partido diretamente ou por Federal”. O BMG acabou sendo excluído
deputado estadual e deputado federal; e empresas de Marcos Valério. “Conforme do julgamento numa fase posterior.
Henrique Pizzolato, um homem de igre- anteriormente assinalado, os elementos Para enfatizar a existência de supos-
ja, propagandista do PT em campanhas de convicção obtidos comprovam que tas provas das relações de José Dirceu
pelo Paraná e figura principal do Banco esses empréstimos não seriam sequer efe- com Valério, o relatório chega a ser
do Brasil na campanha nacional contra a tivamente quitados. Tanto o grupo ligado bisonho. Diz que Valério “afirma que es-
fome idealizada por Herbert de Souza, o a Marcos Valério quanto as instituições teve na Casa Civil aproximadamente em
conhecido Betinho. financeiras apenas ingressaram no esque- quatro ocasiões” e, a certa altura, afirma
As acusações de Souza estão sub- ma, pois tiveram a prévia concordância do que o publicitário era a figura principal
mersas num texto muito mal escrito ministro-chefe da Casa Civil e a garantia da quadrilha o que está de acordo com
e mal concatenado. Ele começa pela da inexistência de controle sobre suas ati- o incrível veredito final do caso que
tentativa de caracterizar a “quadrilha” vidades ilícitas e de benefícios econômicos condenou Valério à maior pena de todos
comandada por José Dirceu, a “sofisti- diretos e indiretos.” os chamados mensaleiros – 40 anos, dois
cada organização criminosa” que teria É um texto confuso, que envere- meses e dez dias de prisão, mais 2,72
sido construída após a vitória do PT, em da por desvios. Por exemplo, chega a milhões de reais de multa –, mas é con-
2002, “para garantir a continuidade do sugerir que o BMG, um dos bancos traditório com a tese de que Dirceu era
projeto político” do partido “mediante que emprestaram dinheiro ao PT e o chefe da quadrilha (condenado a dez
a compra de suporte político” e que “se às empresas de Valério e sócios, era o anos e dez meses de prisão mais 676 mil
estruturou profissionalmente para a prá- centro de tudo: “Todos os fatos que se reais de multa). Aliás, ainda em relação à
tica de crimes como peculato, lavagem desenrolaram desde então demonstram chefiada quadrilha, a denúncia de Souza
de dinheiro, corrupção ativa, gestão que as ações desenvolvidas pelo núcleo comete outra extravagância: denuncia
fraudulenta, além das mais diversas político-partidário foram pautadas ex- Luiz Gushiken, ministro da Secretaria
formas de fraude”. Diz que Dirceu era clusivamente para beneficiar o banco de Comunicação Social da Presidência da
todo-poderoso: “A atuação voluntária e BMG, que, não por acaso, foi a primeira República e chefe de Henrique Pizzolato,
consciente do ex-ministro José Dirceu instituição financeira não pagadora de por ser o homem que controlava a pro-
no esquema garantiu às instituições fi- benefícios previdenciários habilitada à paganda do governo Lula. A questão que
nanceiras, empresas privadas e terceiros concessão dos créditos consignados, o o indiciamento de Gushiken levantava
envolvidos que nada lhes aconteceria, que lhe rendeu vultosa lucratividade, era: se o dinheiro básico desviado dos
como de fato não aconteceu até a eclo- decorrente, principalmente, dos meca- cofres públicos eram os 73,8 milhões de
são do escândalo, e também que seriam nismos utilizados em seu benefício, que reais supostamente extraviados por Pi-
beneficiados pelo governo federal em lhe permitiram sair na frente de todo o zzolato, o chefe da quadrilha deveria ser
assuntos de seu interesse econômico, mercado de bancos pequenos, negociar Gushiken, e não José Dirceu. Talvez por
como de fato ocorreu”. esses empréstimos com os aposentados essa incongruência Gushiken também
A seguir, busca destruir as provas apre- inclusive por telefone e, posteriormente, foi posto fora da acusação numa etapa
sentadas pelos acusados de que o dinheiro ceder essa carteira, em uma operação ex- posterior desta nossa incrível história.
especial mensalão retratodoBRASIL | 13
RBmensalao.indd 13 03/04/13 10:25
14. A prova ideológica
O perito não viu, Gurgel viu:
a grana tinha planos, ideias
A denúncia de Souza foi aceita pelo O procurador também mostra que a dinheiro do PT, de “atos de ofício” que
Supremo em agosto de 2007. O inquérito empresa fez o registro do empréstimo ao caracterizassem os crimes.
2.245 foi transformado, então, na Ação corrigir sua contabilidade após a denúncia Gurgel também usa, nas suas ale-
Penal 470, e a investigação a cargo da do mensalão, para regularizar sua posição gações, o truque no qual o ministro
Procuradoria-Geral da República pros- junto à Receita Federal. Em 2003, a conta Barbosa se especializaria no julgamento:
seguiu nessa nova fase até o começo de da SMP&B “1010-5 caixa – cheques depoimentos colhidos na fase do inqué-
julho de 2011, quando um novo procu- emitidos”, uma subconta da conta-caixa, rito policial, durante a qual os acusados
rador, Roberto Gurgel, no início de seu era utilizada para registrar operações que não tiveram direito ao contraditório. Ele
segundo mandato, apresentou, então, passavam por essas contas e nas quais a cita Jader Kalid Antônio, um doleiro mi-
as alegações finais da acusação para o empresa era emitente e beneficiária de neiro que executou repasses para a conta
julgamento. O documento de Gurgel, cheques de suas próprias contas bancá- de Duda Mendonça nas Bahamas. Kalid
muito mais extenso que o de Souza e rias, operações por meio das quais saía o depôs na PF e disse ter sido orientado,
muito mais bem escrito, mantém a mes- dinheiro do valerioduto. Gurgel, é claro, em 2003, por um dos sócios de Valério,
ma grandiloquência: “Trata-se da mais não usou essa novidade para concluir Ramon Hollerbach – que acabou rece-
grave agressão aos valores democráticos que os empréstimos ao PT existiam e bendo a segunda maior pena da história
que se possa conceber”, diz. A grande que eram contabilizados, de algum modo, do mensalão – 29 anos, sete meses 20
quadrilha, com três núcleos – político, pela SMP&B. Não aceitou, inclusive, que dias mais multa de 2,8 milhões de reais
operacional e financeiro – é a mesma e a correção da declaração do Imposto de –, a enviar para a conta de Duda nas
seu poderoso chefão é, igualmente, José Renda a posteriori, amplamente aceita Bahamas o dinheiro devido pelo PT .
Dirceu. “Ao assumir o cargo de ministro- pela Receita Federal em relação às demais O doleiro diz ainda ter sido Hollerbach
chefe da Casa Civil em janeiro de 2003, empresas, fosse válida neste caso. a pessoa que lhe passou o número da
José Dirceu passou a ter como missão Em sua acusação, Gurgel também conta do publicitário no exterior. Valério
a formação da base aliada do governo torce os depoimentos de líderes de nega que tenha mandado pagar Duda no
federal dentro do Congresso Nacional. partidos acusados de receber suborno, exterior. No dia em que Duda deu uma
Mais do que uma demanda momentânea, Valdemar Costa Neto, do PL, Pedro declaração desse tipo, em seu depoimen-
o objetivo era fortalecer um projeto de Henry, do PP, e Roberto Jefferson, do to na CPMI dos Correios, Valério, que
poder do Partido dos Trabalhadores PTB, que narram como foram negocia- estava em Brasília, foi ao Congresso e
de longo prazo. Partindo de uma visão dos os apoios em dinheiro do PT. Eles deu declarações que desmentiam o publi-
pragmática, que sempre marcou a sua negam o suborno e insistem em dizer citário baiano. Hollerbach jura que nunca
biografia, José Dirceu resolveu subornar que o que houve foram acordos políticos encontrou Duda e que jamais soube o
parlamentares federais, tendo como alvos permitidos pela lei eleitoral. Gurgel tenta número de qualquer conta sua.
preferenciais dirigentes partidários de usar esses depoimentos para provar que Por último, vale destacar na acusação
agremiações políticas.” José Dirceu era o chefe das negociações de Gurgel o que ele diz ser “a prova de-
O desvio de recursos públicos é man- da ajuda financeira. Chega a reconhecer finitiva” da ação do núcleo publicitário
tido como o pilar da acusação. Gurgel que “não discute a licitude da ação do formado por Rogério Tolentino, Marcos
reafirma que esse desvio está provado chefe do gabinete civil da Presidência Valério, Cristiano Paz e Ramon Holler-
e que é falsa a tese de que o dinheiro da República de articular junto ao Con- bach no “desvio de recursos do Banco
distribuído pelo esquema do valerioduto gresso Nacional a base parlamentar de do Brasil, pelo esquema do Fundo de
veio de empréstimos legítimos tomados apoio ao governo a que pertence”. Diz: Incentivos Visanet”, estipulado por ele
junto aos bancos mineiros Rural e BMG. “Evidentemente a articulação política em “R$ 73.851.000,00 (setenta e três
“A transferência de recursos pelos bancos insere-se nas atribuições do mencionado milhões, oitocentos e cinquenta e um
Rural e BMG para alimentar o esquema cargo”. Mas argumenta que a acusação mil reais)”. Gurgel diz que um laudo
ilícito jamais foi admitida pelos acusados. decorre do fato de essa base de apoio ter mostra que, no dia 22 de abril de 2004,
(...) Essa versão, entretanto, não pode ser sido formada “mediante o pagamento de a DNA sacou 10 milhões de reais da
aceita”, diz Gurgel, que, então, apresenta vantagens indevidas a seus integrantes”. conta 602000-3, no BB, na qual recebia
uma novidade: a SMP&B, que concen- O termo “vantagens indevidas”, gené- adiantamentos por serviços prestados
trava os repasses do valerioduto, tinha, já rico, é usado por ele, aqui, da mesma ao FIV, e transferiu essa quantia para
na sua contabilidade referente ao ano de forma que, sob o comando do ministro o BMG, para a compra de um CDB
2003, contas específicas para registrar as relator Joaquim Barbosa, viria a ser uti- (Certificado de Depósito Bancário, um
operações do esquema: “388003-6 Parti- lizado pela maioria dos outros ministros empréstimo do aplicador pelo qual o
do dos Trabalhadores – PT”, “388090- do Supremo no julgamento: como uma banco paga juros) que serviu de lastro
2 provisão encargos emprest PT”; e licença para não ter de provar a prática, para um empréstimo, dois dias depois,
“194001-9 adiantamentos concedidos”. pelos parlamentares que receberam do banco a uma empresa de Tolentino,
14 | retratodoBRASIL especial mensalão
RBmensalao.indd 14 03/04/13 10:25
15. ABr
A RELAÇÃO CACHOEIRA-MENSALÃO aprovou a indicação de Roberto Gurgel para procurador
Como se sabe, a imagem da capa de Veja que disparou o geral da República. Na foto, a sessão de aprovação, com
mensalão, em 2005, foi produzida com a ajuda de Jairo Torres no centro da mesa e Gurgel à sua direita. Mais tarde,
Martins um dos membros da quadrilha do empresário ainda 2009, o procurador Gurgel deixou de encaminhar o
Carlinhos Cachoeira e do senador Demóstenes Torres, pedido o indiciamento de Torres ao STF, pedido pela Polícia
cassado posteriormente. Em agosto de 2009 o senador Federal, depois de esta ter lhe encaminhado dezenas de
Torres era o presidente da Comissão do Senado que conversas incriminadoras entre Torres e Cachoeira.
Rogério Lanza Tolentino e Associados. os empréstimos, o delegado Luiz Flávio as operações. Zampronha deu várias
Este seria não só um empréstimo fictício, Zampronha, que fez a apreensão inicial de entrevistas. No dia 12 de setembro de
como também a prova do desvio. De documentos do mensalão, em 2005, foi 2012, ao votar pela absolvição de Geiza
fato, o dinheiro viria do BB. Como se chamado pelo então procurador Souza Dias, o ministro Lewandowski citou as
sabe, movimentar dinheiro entre contas para aprofundar a investigação sobre a declarações de Zampronha na imprensa
de bancos diferentes, por sócios, não origem de recursos do mensalão. Seu em defesa dela. Joaquim Barbosa disse
prova nada. O dinheiro não fala, não relatório, entregue a Gurgel antes da ela- que as declarações de Lewandowski
revela sua origem ou destino. Além do boração das considerações finais, diverge eram “bizarras”: “Isto é um absurdo. Em
mais, como se verá dois capítulos adiante, muito do atual procurador. No essencial, qualquer país decentemente organizado,
não houve o desvio do BB. para mais: o mensalão teria sido usado ao esse delegado já estaria, no mínimo, sus-
O exagero de Gurgel pode ser visto longo de anos. Mas ele diverge em pontos penso”. O relatório de Zampronha não
por meio das palavras dos próprios peri- que destroem a tese do mensalão: diz que foi aceito por Gurgel. O procurador não
tos, na conclusão do Laudo 1866/2009- os empréstimos são verdadeiros e seriam é um anjo, nas alturas, acima do bem e
INC, que afirma: “Os peritos entendem quitados com dinheiro a ser arrecadado do mal. Como escreveu Retrato do Brasil
que o contrato está acobertado por pelo esquema, como teria acontecido no em sua edição 62, que fez a cobertura de
garantias adequadas, vez que atendem às caso do mensalão mineiro. Zampronha sua denúncia do mensalão no plenário do
características de suficiência e liquidez exi- diz que o homem que construiu a ligação STF, em agosto do ano passado: “Gurgel
gidas pelas normas. Destaca-se que essa do Rural com o esquema era José Augusto é o mesmo que não viu a quadrilha da
conclusão diz respeito ao aspecto formal Dumont e que não ficou suficientemente qual participavam Cachoeira e o senador
do negócio, não tendo sido avaliado o seu provada a ligação dos dirigentes do Rural Torres, mesmo tendo os policiais que
aspecto ideológico, como a motivação condenados agora – Kátia Rabello (16 investigaram o empresário lhe apresen-
da DNA Propaganda Ltda. em fornecer anos e oito meses, multa de 1,5 milhão tado, como resultado da Operação Las
a garantia ou mesmo a origem dos re- de reais), José Roberto Salgado (16 anos Vegas, realizada em 2009, entre centenas
cursos que a constituíram”. Em resumo, e oito meses, multa de 1 milhão de reais) e de conversas grampeadas entre os dois,
no entender dos repórteres, a acusação Vinicius Samarane (oito anos, nove meses pelo menos 22 consideradas muito com-
de Gurgel foi ideológica. Ainda sobre e dez dias, multa de 598 mil reais) – com prometedoras”.
especial mensalão retratodoBRASIL | 15
RBmensalao.indd 15 03/04/13 10:25