Este capítulo descreve a perspectiva de Edward Cullen durante o almoço na escola. Ele ouve os pensamentos de sua família e colegas, mas não consegue ouvir os pensamentos de Bella Swan, a nova estudante. Isso intriga Edward, que fica observando as reações de Bella enquanto recebe informações sobre os Cullen.
1. º Capitulo - À Primeira Vista
Esta era a hora do dia em que eu desejava conseguir dormir. Liceu.
Ou será que a palavra certa era purgatório? Se houvesse uma maneira de compensar os
meus pecados, isto devia contar de alguma forma. O tédio não era uma coisa com a qual
eu me tenha habituado. Cada dia parecia mais impossivelmente monótono do que o
último.
Suponho que esta era a minha forma de dormir - se dormir era definido como um
estado inerte entre períodos activos.
Olhei para as falhas no gesso do tecto do canto mais distante do refeitório, imaginando
padrões dentro deles que não existiam. Era a única maneira de desligar as vozes que
tagarelavam como a corrente de um rio dentro da minha cabeça.
Várias centenas de vozes que eu ignorava por puro aborrecimento.
Quando se tratava da mente humana, eu já tinha ouvido tudo e mais um pouco. Hoje,
todos os pensamentos estavam a ser consumidos com o drama comum de uma nova
adição ao pequeno corpo estudantil daqui. Não levou muito tempo para ouvir todos.
Tinha visto o rosto a repetir-se de pensamento em pensamento sob todos os ângulos.
Só uma rapariga humana normal. A excitação pela chegada dela era cansativamente
previsível - como um objecto brilhante para uma criança. Metade do corpo estudantil
masculino já se estava a imaginar apaixonado por ela, só porque ela era algo de novo
para se olhar. Tentei desligá-los ainda mais.
Só existiam quatro vozes que eu bloqueava mais por cortesia do que por desgosto: a
minha família, os meus dois irmãos e duas irmãs, que já estavam tão habituados à falta
de privacidade quando estavam ao pé de mim que já nem pensavam nisso. Eu dava-lhes
toda a privacidade que conseguia. Se pudesse evitar, não os ouvia.
Eu tentava, mas ainda assim… eu sabia.
A Rosalie estava a pensar, como sempre, nela mesma. Tinha visto o reflexo do seu
perfil no copo de alguém, e estava a meditar sobre a sua própria perfeição. A mente de
2. Rosalie era uma piscina superficial com poucas surpresas.
O Emmett estava furioso por causa de uma luta que tinha perdido contra Jasper na
noite passada. Ia usar toda a sua limitada paciência para chegar até o fim do dia de
aulas e planear uma vingança. Nunca me senti muito intrusivo a ouvir os pensamentos de
Emmett, porque ele nunca pensava em alguma coisa que não dissesse em voz alta ou
fizesse. Talvez só me sentisse culpado a ler as mentes dos outros porque sabia que
havia coisas que eles não iriam querer que eu soubesse.
Se a mente de Rosalie era uma piscina superficial, então a de Emmett era uma lagoa
sem sombras, clara como cristal.
E Jasper estava… a sofrer. Segurei um suspiro.
Edward. Alice chamou-me na sua cabeça, e teve a minha atenção imediatamente. Era
exactamente como se ela me estivesse a chamar em voz alta. Eu estava feliz que o
nome que me foi dado tinha saído um bocado de moda ultimamente. Seria enervante,
sempre que alguém pensasse num Edward qualquer, a minha cabeça virar-se-ia
automaticamente…
A minha cabeça não se virou desta vez. A Alice e eu éramos bons nestas conversas
privadas. Era raro quando alguém nos apanhava. Eu mantive os meus olhos nas linhas do
gesso do tecto.
Como é que ele se está a aguentar? - Perguntou-me.
Eu fiz uma careta só com um pequeno movimento da minha boca. Nada que pudesse
alertar os outros. Eu podia estar facilmente a fazer uma careta de aborrecimento.
O tom mental de Alice estava alarmado agora, eu vi na mente dela que ela estava a
observar o Jasper com a sua visão periférica. Há algum perigo? Ela procurou, no futuro
imediato, vasculhando por visões de monotonia para a fonte da minha careta. Eu virei a
minha cabeça lentamente para a esquerda, como se estivesse a olhar para os tijolos na
parede, suspirei, e depois para a direita, de volta para as falhas no teto. Só a Alice
sabia que eu estava a abanar a minha cabeça.
Ela relaxou. Avisa-me se piorar.
3. Mexi apenas os meus olhos, para cima em direcção do tecto, e para baixo outra vez.
Obrigada por estares a fazer isto.
Eu estava feliz por não ter de lhe responder em voz alta. O que é que ia dizer? ‘O
prazer é meu’? Dificilmente era isso. Eu não gostava de ouvir as lutas do Jasper. Era
mesmo necessário fazer experiências como estas? Será que o caminho mais seguro não
seria admitir que ele nunca seria capaz de lidar com a sede da mesma maneira que nós
conseguíamos, e não forçar os seus limites? Para quê brincar com o desastre?
Já passaram duas semanas desde a nossa última caçada. Isso não era imensamente
difícil para o resto de nós. Ocasionalmente era um bocado desconfortável - se um
humano se aproximasse demais, se o vento soprasse na direcção errada. Mas os
humanos raramente se aproximavam demais. Os instintos deles diziam-lhes o que as
suas mentes conscientes nunca iriam entender: nós éramos perigosos.
Jasper era muito perigoso neste momento.
Nesse momento, uma rapariga pequena parou na ponta da mesa mais próxima da nossa,
parando para falar com uma amiga. Alisou o cabelo curto, cor de areia, passando os
dedos por ele. Os aquecedores mandaram o cheiro para a nossa direcção. Eu já estava
habituado à maneira como esse cheiro me fazia sentir - a dor seca na minha garganta, o
grito vazio no meu estômago, a contracção automática dos meus músculos, o excesso do
fluxo de veneno na minha boca…
Tudo isto era muito normal, geralmente fácil de ignorar. Só que era mais difícil agora,
com esses sentimentos mais fortes, duplicados, enquanto acompanhava a reacção de
Jasper. Era uma sede gémea, e não apenas a minha.
O Jasper estava a deixar que a sua imaginação divagasse. Estava a imaginar. A
imaginar-se a levantar do seu lugar ao lado de Alice e sentar-se ao lado da rapariga.
Estava a pensar em inclinar-se para baixo e para a frente, como se fosse falar ao seu
ouvido, e os seus lábios a tocarem o arco da garganta dela. Estava a imaginar como
seria a sensação de sentir o fluxo quente do pulso dela por baixo de sua pele fina na
boca dele…
4. Dei um pontapé na cadeira dele.
Ele encontrou o meu olhar por um minuto e depois olhou para baixo. Eu conseguia ouvir
a vergonha e a rebeldia a lutar na cabeça dele.
- Desculpa - Jasper murmurou.
Levantei os ombros.
- Não ias fazer nada - Alice murmurou-lhe, acalmando o seu desapontamento. - Eu vi
isso.
Lutei contra a careta que teria denunciado a mentira dela. Nós tínhamos que
permanecer juntos, a Alice e eu. Não era fácil ouvir vozes ou ter visões do futuro. Duas
aberrações no meio daqueles que já eram aberrações. Protegíamos os segredos um do
outro.
- Ajuda um bocado se pensares neles como seres humanos - a Alice sugeriu, a sua voz
alta, musical, era demasiado rápida para os ouvidos humanos entenderem, se algum
deles estivesse perto o suficiente para ouvir. - O nome dela é Whitney. Tem uma
irmãzinha que adora. A mãe dela convidou a Esme para aquela festa de jardim, lembras-
te?
- Eu sei quem ela é - Jasper disse curtamente. Virou-se para olhar por uma das
pequenas janelas que eram colocadas bem em baixo das vigas à volta da grande sala. O
tom dele acabou com a conversa.
Ele tinha que caçar hoje à noite. Era ridículo arriscar-se desta maneira, a tentar testar
a sua força, a tentar construir a sua resistência. O Jasper devia simplesmente aceitar
as suas limitações e lidar com elas. Os seus hábitos antigos não condiziam com os
hábitos que nós escolhemos; ele não devia exigir tanto de si mesmo desta maneira.
Alice suspirou baixinho e levantou-se, levando o seu tabuleiro de comida - o seu
adereço, isso é que era - com ela e deixando-o sozinho. Ela sabia quando ele já estava
farto dos encorajamentos dela. Apesar de Rosalie e Emmett serem mais abertos em
relação ao seu relacionamento, eram Alice e Jasper que conheciam cada traço de humor
do outro como o seu próprio. Como se conseguissem ler mentes também - só que só um
5. do outro.
Edward Cullen.
Reacção de reflexo. Virei-me com o som do meu nome a ser chamado, apesar de não
estar a ser chamado, só pensado.
Os meus olhos prenderam-se por uma pequena fracção de segundo com um grande par
de olhos humanos, cor de chocolate num rosto pálido, com formato de coração. Eu já
conhecia o rosto, apesar de nunca o ter visto até este momento. Ele esteve em quase
todas as cabeças humanas hoje. A nova estudante, Isabella Swan. Filha do chefe de
polícia da cidade, trazida para viver aqui por uma nova situação de custódia. Bella. Ela
corrigia toda a gente que usava o seu nome inteiro…
Desviei o olhar, aborrecido. Levei um segundo para perceber que não tinha sido ela
quem pensou no meu nome.
É claro que ela já se está a apaixonar pelos Cullen, ouvi o primeiro pensamento
continuar.
Agora eu reconhecia a “voz”. Jessica Stanley - já há algum tempo que não me
incomodava com as suas tagarelices internas. Foi um alívio quando ela se curou da sua
paixão deslocada. Era quase impossível escapar dos seus constantes, ridículos sonhos
diurnos. Desejei, naquela altura, poder explicar exactamente o que teria acontecido se
os meus lábios, e os dentes atrás deles, se chegassem de alguma maneira perto dela.
Isso teria silenciado aquelas fantasias incómodas. Pensar na reacção dela quase me fez
sorrir.
Ela nem sequer é bonita. Não sei por que é que o Eric está a olhar tanto para ela… ou o
Mike. Suspirou mentalmente no último nome. A nova paixão dela, o genericamente
popular Mike Newton, era completamente indiferente a ela. Aparentemente, não era
tão indiferente sobre a rapariga nova. Como uma criança com um objecto brilhante
outra vez.
Isso colocou uma pontada maligna nos pensamentos de Jessica, apesar de ser
externamente cordial com a recém-chegada enquanto explicava os conhecimentos
6. comuns sobre a minha família. A nova estudante devia ter perguntado sobre nós.
Hoje estão todos a olhar para mim também, a Jessica pensou presumidamente num
aparte. É uma sorte que Bella vá ter duas aulas comigo… aposto que Mike vai perguntar
o que ela…
Tentei bloquear os pensamentos antes que a mesquinharia e a insignificância me
deixassem louco.
- A Jessica Stanley está a dar à nova rapariga Swan todos os podres do clã Cullen
-murmurei para o Emmett como distracção. Ele gargalhou por debaixo do fôlego.
Espero que esteja a fazer isso bem, pensou.
- Na verdade, é muito pouco criativo. Só uma pequena ponta de escândalo. Nenhum
mexerico horroroso. Estou um bocado desapontado.
E a rapariga nova? Também está desapontada com os mexericos?
Tentei ouvir o que essa rapariga nova, Bella, estava a pensar das histórias de Jessica.
O que é que ela via quando olhava para a estranha família de pele pálida que era
universalmente evitada?
Era mais ou menos a minha obrigação saber a reacção dela. Eu era como um espião, por
falta de uma palavra melhor, para a minha família. Para nos proteger. Se alguém
começasse a suspeitar, eu podia dar-nos a oportunidade de ter um aviso prévio para nos
retirarmos facilmente. Isso acontecia ocasionalmente - algum humano com uma mente
activa via-nos como personagens de um livro ou um filme. Geralmente entendiam tudo
mal, mas era melhor mudarmo-nos para algum sítio novo do que arriscarmos o
escrutínio. Muito, muito raramente, alguém adivinhava correctamente.
Nós não lhes dávamos oportunidade de testar as suas hipóteses. Simplesmente
desaparecíamos, para nos tornarmos nada mais do que uma memória assustadora…
Não ouvi nada, apesar de conseguir ouvir onde a tagarelice frívola de Jessica
continuava ali perto. Era como se não houvesse ninguém sentado ao lado dela. Que
estranho, será que a rapariga nova tinha ido embora? Não parecia provável, já que
Jessica continuava a mexericar com ela. Olhei para cima para verificar, sentindo-me
7. meio estranho. Verificar o que os meus “ouvidos” extras me podiam dizer não era uma
coisa que eu tinha que fazer.
Outra vez, os meus olhos prenderam-se naqueles mesmos grandes olhos castanhos.
Ela estava sentada exactamente como antes, olhando para nós, uma coisa natural a
fazer-se, acho, já que a Jessica ainda estava a espalhar as fofocas locais sobre os
Cullen.
Pensar em nós também seria natural.
Mas eu não ouvia nem sequer um sussurro. Um quente e convidativo vermelho deu cor às
suas bochechas quando ela olhou para baixo, desviando o olhar da embaraçosa situação
de ser apanhada a encarar um estranho. Era bom que Jasper ainda estivesse a olhar
para a janela. Eu não gostava de imaginar o que aquele simples agrupamento de sangue
faria com o seu controle.
As emoções estavam tão claras como se tivessem sido escritas na testa dela: surpresa,
enquanto ela, sem saber, absorvia as diferenças entre a espécie dela e a minha;
curiosidade, enquanto ouvia as explicações de Jessica; e algo mais… fascínio? Não seria
a primeira vez. Nós éramos lindos para eles, a nossa presa.
E depois, finalmente, vergonha, quando a apanhei a olhar para mim.
E, mesmo assim, apesar de os seus pensamentos serem tão claros através dos seus
olhos estranhos - estranhos por causa da profundidade deles; os olhos castanhos
normalmente pareciam vazios na sua escuridão - não conseguia ouvir nada além do
silêncio vindo do lugar onde ela estava sentada. Absolutamente nada.
Senti um momento desconfortável.
Isto não era uma coisa pela qual eu já tinha passado antes. Havia algo de errado
comigo? Sentia-me exactamente da mesma maneira que me sentia sempre. Preocupado,
tentei ouvir melhor.
Todas as vozes que estive a bloquear, passaram a gritar na minha cabeça de repente.
…pergunto-me de que música é que ela gosta… talvez eu possa mencionar aquele CD
novo…, Mike Newton estava a pensar, a duas mesas de distância - fixado em Bella Swan.
8. Vejam-no só a olhar para ela! Será que já não é suficiente que tenha metade das miúdas
da escola caídas por ele? Eric Yorkie estava a ter pensamentos de mágoa, também
girando à volta da rapariga.
…tão nojento. Quase que dava para pensar que ela é famosa ou alguma coisa assim… Até
o Edward CULLEN está a olhar! A Lauren Mallory estava com tantos ciúmes que a cara
dela devia estar com uma cor verde como a de jade. E Jessica, a ostentar a sua nova
melhor amiga. Que piada…, a rapariga continuou a soltar veneno com os pensamentos.
…Aposto que toda a gente já deve ter-lhe perguntado isso. Mas eu gostava de falar com
ela. Vou pensar numa uma pergunta mais original…, Ashley Dowling meditou.
…Talvez esteja na minha aula de Espanhol…, June Richardson desejou.
…Tenho toneladas de coisas para fazer essa noite! Trigonometria e o teste de inglês.
Espero que a minha mãe… Angela Weber, uma rapariga tímida, cujos pensamentos eram
anormalmente gentis, era a única na mesa que não estava obcecada com aquela Bella.
Conseguia ouvi-los a todos, ouvir cada coisinha insignificante que eles pensavam
enquanto os pensamentos passavam nas suas mentes. Mas absolutamente nada vinha da
nova estudante com olhos enganosamente comunicativos.
E, é claro, eu conseguia ouvir o que a rapariga dizia quando falava com Jessica. Eu não
precisava ouvir os pensamentos para ouvir sua voz baixa, clara, no outro lado da sala.
- Qual deles é o rapaz com cabelo castanho arruivado? – Ouvi-a a perguntar, enquanto
dava uma olhadela pelo canto dos olhos, mas desviou rapidamente quando viu que eu
ainda estava a olhar para ela.
Se eu tivesse que esperar que o som da voz dela me pudesse ajudar a conectar aos seus
pensamentos, que estavam perdidos em algum lugar onde eu não podia chegar, ficaria
instantaneamente desapontado. Geralmente, os pensamentos das pessoas vinham
acompanhados por um grupo de frases que diziam completamente o contrário nas suas
vozes físicas. Mas aquela voz baixa, tímida, não era familiar, não era nenhuma das
centenas de vozes que rodeavam a sala, eu tinha a certeza disso. Ela era inteiramente
nova.
9. Oh, boa sorte, idiota! A Jessica pensou antes de responder à pergunta dela.
- É o Edward. É lindo, como é evidente, mas não percas tempo. Ele não sai com
raparigas. Pelos vistos, nenhuma das raparigas daqui é suficientemente atraente para
ele – Torceu o nariz como se a fungar.
Virei a minha cabeça para esconder um sorriso. A Jessica e as suas amigas não tinham a
mínima ideia da sorte que tinham por nenhuma delas ser particularmente apelativa para
mim.
Por baixo do humor passageiro, senti um estranho impulso, um que não entendia
claramente. Tinha alguma coisa a ver com os pensamentos maldosos de Jessica, dos
quais a rapariga nova não fazia ideia… Senti uma estranha urgência de me meter entre
elas, para proteger aquela Bella Swan dos trabalhos obscuros da mente de Jessica. Que
coisa estranha para se sentir. A tentar entender as motivações por trás desse impulso,
examinei a rapariga nova mais uma vez. Talvez fosse algum instinto de protecção que
estava há muito tempo enterrado - o mais forte pelo mais fraco. Esta rapariga parecia
mais frágil do que as suas novas colegas de turma. A pele dela era tão translúcida que
era difícil de acreditar que ela oferecia tanta resistência ao mundo exterior. Conseguia
ver o ritmo da pulsação do sangue através das veias dela, debaixo da sua membrana
clara, pálida…Mas não me ia concentrar nisso. Eu era bom nesta vida que tinha
escolhido, mas eu estava com tanta sede quanto o Jasper, e era melhor não convidar a
tentação.
Havia uma fraca linha de preocupação entre as suas sobrancelhas da qual ela não
parecia aperceber-se.
Isto era inacreditavelmente frustrante! Eu conseguia ver claramente que ela estava
tensa por ter que se sentar ali, ter que conversar com estranhos, ser o centro das
atenções.
Conseguia sentir a sua timidez pela maneira como segurava os seus ombros de
aparência frágil, levemente encolhidos, como se estivesse à espera de ser empurrada a
qualquer momento. E, mesmo assim, eu só podia sentir, só podia ver, só podia imaginar.
10. Não havia nada sem ser silêncio vindo daquela rapariga humana muito normal.
Eu não conseguia ouvir nada. Porquê?
- Vamos? - A Rosalie murmurou, interrompendo a minha concentração. Desviei o olhar
da rapariga com uma sensação de alívio. Não queria continuar a falhar naquilo - isso
irritava-me. Eu não queria desenvolver nenhuma espécie de interesse especial pelos
seus pensamentos simplesmente porque estavam escondidos de mim. Sem dúvida,
quando eu conseguisse decifrar os seus pensamentos - e eu ia encontrar uma forma de
fazer isso - eles iam ser exactamente tão insignificantes e banais quanto os
pensamentos de qualquer humano. Não iam valer o esforço que eu faria para os
alcançar.
- Então, a novata já está com medo de nós? - O Emmett perguntou, ainda à espera da
resposta à pergunta anterior.
Encolhi os ombros. Ele não estava interessado o suficiente para me pressionar por mais
informações. E eu também não devia estar interessado.
Levantámo-nos da mesa e saímos do refeitório.
Emmett, Rosalie e Jasper estavam a fingir estar no último ano; foram para as aulas
deles. Eu estava a fingir ser mais novo que eles. Fui para a minha aula de Biologia do
nível médio, preparando a minha mente para o tédio. Era pouco provável que o Sr.
Banner, um homem com uma inteligência não mais que comum, pudesse dizer na sua aula
alguma coisa que pudesse surpreender alguém que já tinha dois níveis de graduação em
medicina.
Na sala de aula, sentei-me na minha cadeira e deixei os livros - adereços de novo; eles
não tinham nada que eu já não soubesse - espalhados pela mesa. Eu era o único aluno
que tinha uma mesa só para si. Os humanos não eram espertos o suficiente para saber
que tinham medo de mim, mas os seus instintos de sobrevivência eram suficientes para
mantê-los afastados de mim.
A sala foi-se enchendo lentamente enquanto eles voltavam do almoço. Inclinei-me na
minha cadeira e esperei que o tempo passasse. Outra vez, desejei ser capaz de dormir.
11. Como eu estava a pensar nela, quando Angela Weber acompanhou a rapariga nova pela
porta, o nome dela chamou a minha atenção.
A Bella parece ser tão tímida quanto eu. Aposto que hoje foi muito difícil para ela. Eu
queria poder dizer alguma coisa… Mas provavelmente só ia parecer uma estúpida…
Boa! Mike Newton virou-se na sua cadeira para observar a entrada da rapariga.
Ainda, do lugar onde Bella estava, nada. O espaço vazio onde os pensamentos dela
deviam estar deixou-me irritado e enervado.
Ela aproximou-se, passando pelo corredor ao meu lado para chegar à mesa do
professor.
Pobre rapariga; o lugar ao meu lado era o único que estava vazio.
Automaticamente, limpei aquele que seria o lado dela da mesa, colocando os meus livros
numa pilha. Duvidava que ela se fosse sentir muito confortável aqui. Ia ter que aguentar
um longo período - nesta aula, pelo menos. Talvez, no entanto, se ela se sentasse ao meu
lado, eu fosse capaz de desvendar os seus segredos… não que alguma vez tivesse
precisado de tanta proximidade… não que eu fosse encontrar alguma coisa que valesse a
pena ouvir…
Bella Swan caminhou para o fluxo do ar aquecido que soprava na minha direcção do
aquecedor.
O cheiro dela atingiu-me como uma bola, como um bastão de basebol. Não existe
nenhuma imagem violenta o suficiente para explicar a força do que aconteceu comigo
naquele momento.
Naquele instante, eu não era nada nem perto do humano que um dia fui, nenhum traço
da humanidade na qual eu me tentei esconder.
Eu era um predador. E ela era a minha presa. Não havia mais nada neste mundo sem ser
essa verdade.
Não havia uma sala cheia de testemunhas - na minha cabeça eles já eram danos
colaterais. Já tinha passado o mistério dos pensamentos dela. Os pensamentos dela não
significavam nada, ela não ia passar muito mais tempo a pensar.
12. Eu era um vampiro e ela tinha o sangue mais doce que eu já tinha cheirado em oitenta
anos.
Nunca imaginei que um cheiro assim pudesse existir. Se eu soubesse que existia, já
tinha saído à procura há muito tempo. Eu teria vasculhado o planeta por ela. Conseguia
imaginar o sabor…
A sede queimou-me garganta como fogo. A minha boca estava torrada e desidratada. O
fluxo fresco de veneno não fez nada para afastar essa sensação. O meu estômago
revirou-se com fome que era um eco da sede. Os meus músculos contraíram-se para
atacar.
Nem tinha passado um segundo. Ela ainda estava no mesmo passo que a tinha colocado
no vento na minha direcção.
Enquanto os pés dela tocavam o chão, os seus olhos deslizaram na minha direcção. Um
movimento que ela claramente estava à espera que fosse rápido. O olhar dela encontrou
o meu, e eu vi-me reflectido no grande espelho dos seus olhos.
O choque do rosto que eu vi salvou-lhe a vida por alguns momentos. Ela não facilitou as
coisas. Quando viu a minha expressão, o sangue apareceu-lhe nas bochechas de novo,
deixando a pele dela com a cor mais deliciosa que eu já tinha visto. O cheiro era um
grosso nevoeiro no meu cérebro. Eu mal conseguia pensar através dele.
Os meus pensamentos enfureceram-se, resistindo ao controle, incoerentes.
Agora ela caminhava mais depressa, como se tivesse percebido que precisava de
escapar. A pressa dela deixou-a desastrada - tropeçou e inclinou-se para a frente,
caindo quase em cima da rapariga que se sentava à minha frente. Vulnerável, fraca. Até
mais que o normal para um humano.
Tentei-me concentrar no rosto que tinha visto nos olhos dela, um rosto que eu
reconhecia com nojo. O rosto do monstro em mim - o rosto que eu tinha afastado com
décadas de esforço e disciplina inflexível. Como ele tinha voltado à superfície com
tanta facilidade agora!
O cheiro invadiu-me novamente, ferindo-me os pensamentos e quase me fez saltar do
13. meu lugar.
Não.
A minha mão agarrou-se à borda da mesa enquanto eu me tentava segurar à cadeira.
A madeira não estava à altura disso. A minha mão partiu-a e afastou-se cheia de restos
de fuligem, deixando a marca dos meus dedos cravadas na madeira que restou.
Destruir as provas. Essa era a regra fundamental.
Rapidamente pulverizei os limites da mesa com as pontas dos dedos, sem deixar nada
além de um buraco e uma pilha de fuligem no chão, que limpei com o meu pé.
Destruir as provas. Estragos colaterais…
Eu sabia o que tinha que acontecer agora. A rapariga ia ter que se vir se sentar ao meu
lado, e eu ia ter que matá-la.
Os inocentes espectadores na sala, outras dezoito crianças e um homem, já não podiam
ter permissão para sair daquela sala, assim que vissem o que iam ver em breve.
Fiquei rígido com o pensamento do que planeava fazer. Mesmo nos meus piores dias,
nunca tinha cometido este tipo de atrocidade. Nunca matei inocentes em nenhuma
destas oito décadas. E agora planeava matar vinte de uma só vez.
O rosto do monstro no espelho gozou comigo.
Mesmo que uma parte de mim se afastasse desse monstro, a outra parte estava a fazer
planos.
Se eu matasse a rapariga primeiro, só teria uns quinze ou vinte segundos com ela antes
que os outros humanos na sala começassem a reagir. Talvez um pouco mais de tempo, se
eles não percebessem logo no início o que eu estava a fazer. Ela não teria tempo de
gritar ou de sentir dor; eu não ia matá-la cruelmente. Pelo menos podia dar-lhe isso.
Uma morte rápida àquela estranha com sangue horrivelmente desejável.
Mas depois eu iria ter que impedi-los de fugir. Não ia precisar de me preocupar com as
janelas, elas eram altas e demasiado pequenas para servir como escapatória para
alguém. Só a porta – bloqueio-a e eles ficarão presos.
Ia ser mais lento e difícil se tentasse matá-los a todos quando estivessem em pânico e
14. a misturarem-se, movimentarem-se no caos. Nada impossível, mas iria haver muito mais
barulho. Ia dar tempo para muitos gritos. Alguém poderia ouvir… e eu seria obrigado a
matar ainda mais inocentes naquela hora negra.
E o sangue dela iria arrefecer enquanto eu estivesse a assassinar os outros.
O cheiro castigou-me, fechando a minha garganta com uma dor seca…
Então seriam as testemunhas primeiro.
Planeei tudo na minha cabeça. Estaria no meio da sala, na fila mais afastada do fundo.
Ia tratar do lado direito primeiro. Podia morder quatro ou cinco pescoços por segundo,
fiz uma estimativa. Não seria barulhento. O lado direito seria o lado de sorte; eles não
me iam ver a chegar. Levar-me-ia, no máximo, cinco segundos a acabar com todas as
vidas nesta sala.
Tempo o suficiente para Bella Swan ver, num instante, o que se estava a preparar para
ela. Tempo o suficiente para ela sentir medo. Tempo suficiente, talvez, se o choque não
a congelasse no lugar, para ela tentar gritar. O gritinho suave não faria ninguém
aparecer a correr.
Respirei fundo, e o cheiro era como um fogo a correr nas minhas veias secas,
queimando por dentro do meu peito para consumir qualquer impulso de bondade do qual
eu ainda fosse capaz.
Ela estava a virar-se agora. Dentro de alguns segundos, ela ia sentar-se a apenas alguns
centímetros de mim.
O monstro na minha cabeça sorriu com a antecipação.
Alguém fechou uma pasta ao meu lado. Eu não me virei para ver qual dos humanos
predestinados tinha feito isso, mas o movimento mandou uma onda de vento sem cheiro
na minha direcção.
Por um curto segundo, fui capaz de pensar com clareza. Naquele precioso segundo, eu vi
dois rostos na minha cabeça, lado a lado.
Um era o meu, ou o que foi um dia: o monstro de olhos vermelhos que já tinha morto
tantas pessoas que já tinha parado de contar o número. Assassinatos racionalizados,
15. justificados. Um assassino de assassinos, um assassino de outros monstros, menos
poderosos. Era um complexo de ser Deus, eu sabia disso - decidir quem merecia uma
sentença de morte. Era um compromisso comigo mesmo. Eu tinha-me alimentado de
sangue humano, mas apenas humanos na sua definição mais fraca. As minhas vítimas
eram, nos seus violentos dias negros, tão humanos quanto eu era.
O outro rosto era o de Carlisle.
Não havia nenhuma semelhança entre os dois rostos.
Eles eram como o dia mais claro e a noite mais escura. Não havia motivo para que
houvesse uma semelhança. Carlisle não era meu pai no sentido biológico básico. Nós não
tínhamos feições semelhantes. A similaridade na nossa cor era apenas por causa do que
éramos; todos os vampiros tinham a mesma cor pálida como gelo. A similaridade da cor
dos nossos olhos era outra coisa - uma reflexão da nossa escolha mútua.
E, mesmo assim, apesar de não haver bases para uma semelhança, eu tinha imaginado
que o meu rosto tinha começado a reflectir o dele, até um certo ponto, nos últimos
estranhos setenta anos em que eu abracei a escolha dele e segui os seus passos. O meu
rosto não tinha mudado, mas para mim parecia que alguma da sabedoria dela havia
marcado a minha expressão, que um pouco da compaixão dele podia ser traçada nos
contornos da minha boca, e que as suas sugestões de paciência estavam evidentes nas
minhas sobrancelhas.
Todas essas pequenas melhorias estavam escondidas no rosto do monstro. Daqui a
alguns instantes, não ia haver mais nada que pudesse reflectir os anos que eu tinha
passado com o meu criador, o meu mentor, o meu pai em todas as formas que se podia
contar.
Os meus olhos iam ficar a brilhar vermelhos como os do diabo; todas as semelhanças
estariam perdidas para sempre.
Na minha cabeça, os olhos bondosos de Carlisle não me julgavam. Eu sabia que ele me
perdoaria por este terrível acto que eu ia cometer. Porque ele me amava. Porque ele
pensava que eu era melhor do que eu era na verdade. E ele ia continuar a amar-me,
16. mesmo agora, quando eu provasse que ele estava errado.
Bella Swan sentou-se ao meu lado, os seus movimentos eram rígidos e estranhos - com
medo? -, E o cheiro do sangue dela criou uma inexorável nuvem ao meu redor.
Eu ia provar que meu pai estava errado sobre mim. A tristeza desse facto doía quase
tanto como o fogo na minha garganta.
Eu afastei-me dela com repulsa - revoltado com o monstro a implorar para atacá-la.
Por que é que ela tinha que vir para aqui? Por que é que ela tinha que existir?
Por que é que ela tinha que acabar com o pouco de paz que eu tinha nesta minha não
vida? Por que esta humana tinha que ter nascido? Ela ia arruinar-me.
Desviei a minha cara para longe dela, enquanto uma súbita fúria, um aborrecimento
irracional passou por mim.
Quem é que era esta criatura? Porquê eu, porquê agora? Por que é que eu tinha que
perder tudo só porque ela escolheu aparecer nesta cidade improvável?
Por que é que ela tinha que vir para cá?!
Eu não queria ser o monstro! Eu não queria matar esta sala cheia de crianças indefesas!
Eu não queria perder tudo o que tinha conseguido com uma vida inteira de sacrifícios e
negações!
Eu não ia fazer isso. Ela não me ia obrigar.
O cheiro era o problema, o cheiro odiosamente apelativo do sangue dela. Se houvesse
alguma forma de resistir… se apenas um sopro de ar fresco pudesse limpar a minha
cabeça.
A Bella Swan balançou os seus longos, grossos cabelos castanhos na minha direcção.
Ela era louca?! Era como se estivesse a encorajar o monstro! Incentivando-o.
Não havia nenhuma brisa amigável para afastar o cheiro de mim agora. Ia estar tudo
perdido em breve.
Não, não havia nenhuma brisa amigável. Mas eu não precisava de respirar. Parei o fluxo
de ar para os meus pulmões; o alívio foi instantâneo, mas incompleto.
Eu ainda tinha na memória o cheiro, o gosto no fundo da minha língua. Não ia ser capaz
17. de resistir por muito mais tempo. Mas talvez conseguisse resistir por uma hora. Uma
hora. Só o tempo suficiente para sair desta sala cheia de vítimas, vítimas que talvez
não precisassem de ser vítimas. Se eu pudesse resistir durante uma curta hora.
Ficar sem respirar era uma sensação desconfortável. O meu corpo não precisava de
oxigénio, mas isso ia contra os meus instintos. Eu aproveitava-me daquele sentido muito
mais do que qualquer outro quando estava stressado. Guiava-me nas caças, era o
primeiro avisar-me em casos de perigo.
Não me cruzava com alguma coisa tão perigosa como eu com frequência, mas a auto-
preservação era tão forte na minha espécie quanto nos humanos.
Desconfortável, mas suportável. Mais suportável do que sentir o cheiro dela e não
cravar os meus dentes naquela pele bonita, fina, transparente… até ao quente, molhado,
sangue?
Uma hora! Só uma hora. Não vou pensar no cheiro, no gosto.
A rapariga silenciosa manteve o cabelo dela entre nós, inclinando-se para a frente até
que ele se espalhou no caderno dela. Não conseguia ver o rosto dela para tentar ler as
emoções dela através de seus olhos claros, profundos. Era por isso que ela estava a
deixar aquele cabelo entre nós? Para esconder os olhos de mim? Por medo? Timidez?
Para esconder os seus segredos de mim?
A minha antiga irritação por ser incapacitado pelos seus pensamentos sem som era
fraca e pálida em comparação à necessidade - e ao ódio - que me possuía agora. Eu
odiava esta mulher, criança ao meu lado, odiava-a com todas as forças. Odiava-a, odiava
o que ela me fazia sentir - e isso ajudou um pouco.
Agarrei-me a qualquer emoção que me distraísse do pensamento de qual seria o gosto
dela…
Ódio e irritação. Impaciência. Será que aquela hora nunca mais ia passar? E quando
passasse… Então ela ia sair desta sala. E eu ia fazer o quê?
Eu podia apresentar-me. Olá, meu nome é Edward Cullen. Posso acompanhar-te até a
tua próxima aula?
18. Ela iria dizer que sim. Era a coisa mais educada a fazer-se. Mesmo a sentir medo de
mim, como eu suspeitava que ela já sentia, ela iria acompanhar-me convencionalmente e
caminhar ao meu lado. Seria fácil o suficiente guiá-la na direcção errada.
Havia um pedaço da floresta que me parecia bastante útil agora. Podia dizer-lhe que me
tinha esquecido de um livro no carro…
Será que alguém ia reparar que eu fui a última pessoa com quem ela tinha sido vista?
Estava a chover, como sempre. Dois casacos escuros para a chuva a moverem-se na
direcção errada não iam chamar muita atenção, nem me denunciariam.
A não ser pelo fato de eu não ser o único estudante que estava consciente dela hoje -
apesar de nenhum estar tão devastadoramente consciente dela quanto eu. Mike
Newton, em particular, estava atento a cada movimento que ela fazia a mexer-se na
cadeira - ela estava desconfortável ao meu lado, assim como qualquer um estaria, assim
como eu já esperava antes que o cheiro dela destruísse todos os traços de preocupação
por caridade. Mike Newton iria reparar se ela deixasse a sala comigo.
Se conseguisse aguentar uma hora, será que conseguia aguentar duas? Encolhi-me com
a dor ardente que sentia na garganta.
Ela ia para uma casa vazia. O chefe de polícia Swan trabalhava o dia inteiro. Eu
conhecia a casa dele, assim como conhecia todas as casinhas da cidade. A casa dele
ficava acima da encosta da floresta, sem vizinhos próximos. Mesmo se ela tivesse
tempo para gritar, e não teria, não ia haver ninguém por perto para ouvir.
Essa era a forma mais responsável de lidar com isto. Eu tinha aguentado sete décadas
sem sangue humano. Se eu sustivesse a respiração, conseguia aguentar duas horas. E
quando a encontrasse sozinha, não ia haver oportunidades de mais alguém se magoar. E
não há motivo para apressar a experiência, o monstro na minha cabeça concordou.
Estava-me a enganar ao pensar que, se salvasse os dezanove humanos desta sala com
esforço e paciência, seria menos monstro quando matasse aquela rapariga inocente.
Apesar de odiá-la, eu sabia que o meu ódio era injusto. Sabia que quem realmente
odiava era eu mesmo. Ia odiar-nos aos dois ainda mais quando ela estivesse morta.
19. Consegui passar a hora desta maneira - a imaginar as melhores formas de matá-la.
Tentei evitar pensar no acto de verdade. Isso ia ser demais para mim; ia acabar por
perder esta batalha e matar toda a gente que visse. Então planeei a estratégia e nada
mais.
Isso ajudou-me a passar a hora.
Uma vez, quase no fim, ela olhou para mim pela parede dos seus cabelos. Conseguia
sentir o ódio injustificado a queimar-me quando olhei para os olhos dela - vi o meu
reflexo nos seus olhos assustados. O sangue pintou as suas bochechas antes que ela
conseguisse esconder-se outra vez nos seus cabelos, e eu quase que me desfiz.
Mas a campainha tocou. Salva pela campainha - que cliché. Nós os dois estávamos
salvos. Ela, salva da sua morte. Eu, salvo por um curto período de tempo de ser a
criatura de pesadelos que eu temia e não suportava.
Não consegui caminhar tão devagar quanto devia quando saí da sala. Se alguém
estivesse a olhar para mim, podia ter suspeitado que estava alguma coisa mal na
maneira como eu me movia. Ninguém estava a prestar-me atenção. Todos os
pensamentos humanos ainda rondavam a rapariga que estava condenada a morrer em
pouco mais de uma hora.
Escondi-me no meu carro.
Não gostava de pensar em mim mesmo a ter que me esconder. Isso soava muito
cobarde. Mas esse era inquestionavelmente o caso agora.
Eu não estava suficientemente disciplinado para ficar perto de humanos agora.
Concentrar-me tanto em não matar um deles tinha acabado com todos os meus recursos
para resistir a matar os outros. Que desperdício isso seria. Se eu tinha que dar o braço
a torcer para o monstro, podia pelo menos fazer o desafio valer a pena.
Pus o CD de música que normalmente me acalmava, mas fez pouco por mim agora. Não, o
que mais ajudou agora foi o ar frio, molhado, limpo que entrava com a chuva pelas
minhas janelas abertas. Apesar de me conseguir lembrar do cheiro do sangue de Bella
Swan com perfeita clareza, inalar o ar limpo era como lavar o interior do meu corpo
20. contra as infecções.
Estava são de novo. Conseguia pensar de novo. E conseguia lutar de novo. E eu podia
lutar contra o que eu não queria ser.
Eu não tinha que ir até casa dela. Eu não queria matá-la.
Obviamente, eu era uma criatura racional, uma criatura que pensava, e eu tinha uma
escolha. Havia sempre uma escolha.
Não era isso que parecia na sala de aula… mas agora eu estava longe dela. Talvez, se eu
a evitasse muito, muito cuidadosamente, não houvesse motivos para a minha vida mudar.
Eu tinha as coisas sob controlo da maneira como elas eram agora. Porque é que eu devia
deixar alguém agravante e delicioso arruinar isso? Eu não tinha que desapontar o meu
pai. Eu não tinha que causar stress à minha mãe, preocupação… dor. Sim, isso ia magoar
a minha mãe adoptiva também. E Esme era tão gentil, tão delicada e suave. Causar dor a
alguém como Esme era verdadeiramente imperdoável.
Era irónico que eu tivesse tido vontade de proteger aquela rapariga da ameaça
desprezível, sem dentes, dos pensamentos de Jessica Stanley. Eu era a última pessoa
que iria querer servir de protector de Isabella Swan. Ela jamais precisaria de
protecção de mais alguma coisa que não fosse eu.
Onde estava a Alice? Perguntei-me de repente. Ela não me tinha visto a matar a
rapariga Swan de alguma maneira? Porque é que ela não apareceu para ajudar - para me
parar ou para me ajudar a limpar as provas, o que quer que fosse? Será que ela estava
tão preocupada em livrar Jasper de problemas que ela tinha deixado passar aquela
possibilidade muito mais horrorosa? Será que eu era mais forte do que eu pensava?
Será que eu realmente não teria feito nada com a rapariga?
Não. Eu sabia que isso não era verdade. A Alice deve estar a concentrar-se bastante no
Jasper.
Procurei na direcção em que eu sabia que ela estava, no pequeno edifício que era usado
para as aulas de inglês. Não me levou muito tempo localizar a sua “voz” familiar. E eu
estava certo. Todos os seus pensamentos estavam voltados para o Jasper, a ver todas
21. as suas pequenas escolhas a cada minuto.
Desejei poder pedir-lhe os seus conselhos, mas, ao mesmo tempo, estava feliz que ela
não soubesse do que eu era capaz. Que ela não soubesse do massacre que eu tinha
planeado na hora anterior.
Senti um novo ardor pelo meu corpo - o da vergonha. Eu não queria que nenhum deles
soubesse.
Se eu pudesse evitar a Bella Swan, se eu conseguisse não a matar - mesmo enquanto eu
pensava nisso, o monstro trincava e rangia os dentes, cheio de frustração - então
ninguém teria que saber. Se eu pudesse manter distância do cheiro dela…
Não havia razão para que eu não tentasse, pelo menos. Fazer uma boa escolha. Tentar
ser o que Carlisle pensava que eu era.
A última hora de escola já estava quase acabada. Decidi começar a colocar o meu novo
plano em acção imediatamente. Era melhor do que ficar sentado no estacionamento,
onde ela poderia passar a qualquer minuto e arruinar a minha tentativa. De novo, eu
senti o ódio injusto por aquela rapariga. Eu odiava que ela tivesse aquele poder
inconsciente sobre mim. Que ela conseguisse fazer-me ser algo que eu repugnava.
Caminhei rapidamente - um pouco rapidamente demais, mas não havia testemunhas -
através do pequeno átrio até a secretaria. Não havia razão para Bella Swan cruzar o
meu caminho. Ela seria evitada como a praga que ela era.
A secretaria estava vazia, com excepção da secretária, a única que eu queria ver.
Ela não reparou na minha entrada silenciosa.
- Sra. Cope?
A mulher com o cabelo vermelho pouco natural olhou para cima e os olhos dela
arregalaram-se. Apanhava-os sempre de surpresa, pequenos sinais que eles não
conseguiam entender, independentemente de quantos de nós eles já tivessem visto.
- Oh. - Ela ofegou, um pouco corada. Alisou a blusa. Tonta, pensou consigo mesma. Ele é
quase novo o suficiente para ser meu filho. Demasiado novo para eu pensar nele dessa
maneira… - Olá, Edward. O que é que posso fazer por ti? - As suas pestanas flutuaram
22. por trás das lentes dos seus óculos grossos.
Desconfortável. Mas eu sabia ser charmoso quando queria ser. Era fácil, já que era
capaz de saber instantaneamente como qualquer tom ou gesto meu era recebido.
Inclinei-me para a frente, encontrei o seu olhar como se estivesse a olhar
profundamente dentro dos seus olhos castanhos rasos, pequenos. Os pensamentos dela
já estavam descontrolados. Isto ia ser fácil.
- Estava-me a perguntar se não me podia ajudar com os meus horários - disse com a
minha voz suave que era reservada a não assustar humanos.
Ouvi o ritmo do coração dela a acelerar.
- É claro, Edward. Como é que posso ajudar? - Demasiado jovem, demasiado jovem,
repetiu para si mesma. Errada, é claro. Eu era mais velho que o avô dela. Mas, segundo a
minha carta de condução, ela estava certa.
- Perguntava-me se podia trocar a minha aula de Biologia para o nível mais alto de
Ciências. Física, talvez?
- Algum problema com o Sr. Banner, Edward?
- Claro que não, é só que eu já estudei aquela matéria…
- Naquela escola acelerada em que estudaste no Alasca, certo. - Os seus lábios finos
torceram-se enquanto ela considerava isso. Eles todos já deviam estar na faculdade. Já
ouvi todos os professores a reclamarem. Notas perfeitas, nunca hesitam antes de
responder, nunca respondem errado num teste - como se encontrassem uma forma de
fazer batota em todas as matérias. O Sr. Varner preferiria acreditar que existe
alguém a copiar do que admitir que existe alguém mais inteligente que ele… Aposto que
a mãe deles dá-lhes aulas… - Na verdade, Edward, a aula de física já está muito cheia
agora. O Sr. Banner odeia ter mais de vinte e cinco alunos na sala de aula…
- Eu não daria nenhum problema.
É claro que não. Não um Cullen perfeito.
- Eu sei disso, Edward. Mas simplesmente não há lugares suficientes…
- Então posso desistir da aula? Eu posso usar o período para estudos independentes.
23. - Desistir de Biologia? - A boca dela abriu-se. Isso é uma loucura. É assim tão difícil
assistir a uma matéria que já conhece? DEVE haver algum problema com o Sr. Banner.
Pergunto-me se devo falar sobre isso com o Bob. – Não ias ter créditos suficientes
para acabar o liceu.
- Posso recuperar no próximo ano.
- Talvez devesses falar com os teus pais sobre isto.
A porta abriu-se atrás de mim, mas quem quer que fosse não estava a pensar em mim,
então ignorei a chegada e concentrei-me na Sra. Cope. Inclinei-me um pouco mais para
perto dela e abri os olhos mais um bocado. Isto funcionaria melhor se eles estivessem
dourados em vez de pretos. A escuridão assustava as pessoas, tal como devia.
- Por favor, Sra. Cope? - Fiz com que a minha voz ficasse mais suave e convincente, e
isto podia ser consideravelmente convincente. - Não há uma outra hora à qual eu possa
mudar-me? Será que não existe nenhuma vaga aberta nalgum lugar? Biologia no sexto
tempo pode ser a única opção…
Sorri-lhe, tomando o cuidado de não mostrar demasiado os dentes para não a assustar,
e deixei que a expressão se suavizasse no meu rosto.
O coração dela bateu mais rápido. Demasiado jovem, dizia freneticamente para si
mesma. - Bom, talvez eu pudesse falar com Bob, quero dizer, o Sr. Banner. Eu posso ver
se…
Um segundo foi o que levou para tudo mudar: a atmosfera na sala, a minha missão aqui,
a razão pela qual eu me inclinava para a mulher de cabelos vermelhos… O que tinha sido
por um propósito, agora era por outro.
Um segundo foi só o que demorou para a Samantha Wells abrir a porta e mandar um
papel assinado para o cesto ao lado da porta e correr para fora outra vez, com pressa
de sair da escola. Um segundo foi tudo o que levou para que uma rajada repentina de
vento passasse pela porta e me viesse atingir. Um segundo foi o tempo que eu levei para
me aperceber por que é que aquela primeira pessoa não me tinha atrapalhado com os
seus pensamentos.
24. Virei-me, apesar de não precisar de confirmar. Virei-me lentamente, enquanto lutava
para controlar os meus músculos que se revoltavam contra mim.
A Bella Swan ficou com as costas pressionadas na parede ao lado da porta, com um
papel agarrado nas mãos.
Os olhos dela estavam ainda maiores do que o normal quando reparou no meu olhar
feroz, desumano.
O cheiro dela preencheu cada pequena partícula de ar na sala pequena, quente. A minha
garganta ficou em chamas.
O monstro olhou para mim pelo espelho dos olhos dela de novo, uma máscara do mal.
A minha mão hesitou no ar em cima do balcão. Não teria que olhar para bater com a
cabeça da Sra. Cope na mesa dela com força suficiente para a matar. Duas vidas, ao
invés de vinte. Uma troca.
O monstro esperou ansiosamente, faminto, que eu fizesse isso.
Mas havia sempre uma escolha - tinha que haver.
Parei o movimento dos meus pulmões e fixei o rosto de Carlisle à frente dos meus
olhos. Virei-me para olhar para a Sra. Cope e ouvi a surpresa interna dela com a
mudança da minha expressão. Ela afastou-se de mim, mas o medo dela não se notou nas
palavras coerentes.
Usando todo o auto-controle que tinha aprendido nas minhas décadas de auto-negação,
tornei a minha voz uniforme e suave. Tinha ar o suficiente nos pulmões para falar uma
última vez, apressando as palavras.
- Então esqueça. Vejo que é impossível. Muito obrigado pela sua ajuda.
Virei-me e lancei-me pela porta, tentando não sentir o calor do sangue quente do corpo
da rapariga enquanto passei a apenas alguns centímetros dela.
Não parei até estar no meu carro, movendo-me rápido demais todo o caminho até lá.
A maioria dos humanos já tinha ido embora, então não havia muitas testemunhas.
Ouvi um rapaz do segundo ano, D.J. Garrett, reparar e depois não dar importância…
De onde é que o Cullen saiu? Foi como se tivesse aparecido com o vento… Lá estou eu
25. com a minha imaginação outra vez. A minha mãe diz sempre…
Quando deslizei para dentro do meu Volvo, os outros já estavam lá. Tentei controlar a
minha respiração, mas eu estava a asfixiar por ar fresco como se estivesse a sufocar.
- Edward? - A Alice perguntou com uma voz alarmada.
Só lhe abanei a minha cabeça.
- O que diabos é que te aconteceu? - O Emmett quis saber, distraído, por um momento,
do facto de Jasper não estar numa de aceitar a sua vingança.
Em vez de responder, fiz marcha-atrás com o carro. Eu tinha que sair deste
estacionamento antes que a Bella me seguisse para aqui também. O meu demónio
pessoal perseguir-me… Virei o carro e acelerei. Já estava nos quarenta antes de chegar
à estrada. Na estrada, fiz setenta antes de chegar à esquina.
Sem olhar, eu sabia que Emmett, Rosalie e Jasper se tinham virado todos para olhar
para a Alice.
Levantou os ombros. Ela não podia ver o que se tinha passado, só o que estava para
acontecer.
Olhou para mim agora. Nós os dois estávamos a processar o que ela tinha visto na sua
cabeça, e ambos estávamos surpreendidos.
- Tu vais-te embora? - Ela sussurrou.
Os outros olharam para mim agora.
- Vou? - Expirei através dos meus dentes.
Ela viu então, enquanto a minha decisão ia para outro caminho e outra escolha virava o
meu futuro para uma direcção mais escura.
- Oh.
A Bella Swan morta. Os meus olhos a brilharem, vermelhos com o sangue fresco. A
procura que se seguiria. O tempo cuidadoso que nos levaria a esperar até que fosse
seguro sair e começar tudo de novo…
- Oh - ela disse outra vez. A imagem ficou mais específica. Eu vi o interior da casa do
Chefe Swan pela primeira vez, vi a Bella na pequena cozinha com os armários amarelos,
26. com as costas viradas para mim enquanto eu a perseguia na escuridão… deixava que o
seu cheiro me guiasse até ela…
- Pára! - Rugi, incapaz de aguentar mais.
- Desculpa - Sussurrou com os olhos arregalados.
O monstro gostou.
E a visão na cabeça dela mudou outra vez. Uma avenida vazia à noite, as árvores ao lado
cobertas de neve, a brilhar com os quase duzentos quilómetros por hora.
- Vou ter saudades tuas - disse. - Independentemente de quão curto seja o tempo que
vás ficar fora.
Emmett e Rosalie trocaram um olhar apreensivo.
Nós já estávamos quase na curva da longa estrada que levava à nossa casa.
- Deixa-nos aqui - A Alice sugeriu. – Devias dizer isso ao Carlisle pessoalmente.
Abanei a cabeça e o carro chiou quando parou de repente.
Emmett, Rosalie e Jasper saíram silenciosamente; eles iam fazer com que a Alice
explicasse tudo quando eu fosse embora. A Alice tocou-me no ombro.
- Tu vais fazer a coisa acertada - murmurou. Não era uma visão desta vez, era uma
ordem. - Ela é a única família de Charlie Swan. Isso matá-lo-ia também.
- Sim - eu disse, a concordar apenas com a última parte.
Ela saiu para se juntar aos outros, as sobrancelhas dela estavam juntas por causa da
ansiedade.
Eles enfiaram-se nas matas, desaparecendo de vista antes que eu pudesse virar o
carro.
Acelerei de volta à cidade, e eu sabia que as visões na cabeça de Alice estariam a
passar de negras a claras num piscar de olhos.
Enquanto acelerava para Forks a mais de noventa quilómetros por hora, eu não tinha
certeza de para onde é que estava a ir. Dizer adeus ao meu pai? Ou aceitar o monstro
que havia dentro de mim? A estrada a voar por baixo dos meus pneus.
27. 2º Capitulo - Livro Aberto
Encostei as costas contra o banco fofo de neve, deixando o pó seco refazer-se à volta
do meu peso. A minha pele tinha arrefecido para igualar-se ao ar à minha volta, e os
pequenos pedaços de gelo pareciam veludo de baixo da minha pele.
O céu acima de mim estava limpo, brilhante com estrelas, ficando azul em algumas
partes, e amarelo noutras. As estrelas apareceram majestosamente, em formas
redondas contra o universo negro - uma vista maravilhosa. Perfeitamente bonita. Ou
melhor, teria sido perfeitamente. Teria sido, se eu a estivesse realmente a ver.
Eu não estava a melhorar nada, já se tinham passado seis dias, há seis dias que eu
estava escondido neste deserto vazio Denali, mas não estava nem perto da liberdade
desde o primeiro momento em que senti o seu perfume.
Quando olhei para o céu estrelado, era como se tivesse uma obstrução entre meus
olhos e a beleza dele. A obstrução era um rosto, um rosto humano pouco notável, mas
parecia que não o conseguia banir da minha mente.
Ouvi os pensamentos a aproximarem-se antes de ouvir os passos que os acompanhavam.
O som do movimento era apenas um desfalecido suspiro contra o pó.
Não estava surpreendido que a Tanya me tivesse seguido até aqui. Eu sabia que ela
esteve a reflectir sobre esta próxima conversa nos últimos dias, adiando até que
estivesse exactamente certa do que queria dizer.
Apareceu a uns 54 metros, a pular até a ponta de uma rocha escura à vista, balançando-
se nas pontas dos pés A pele de Tanya estava prateada à luz das estrelas, os seus
cabelos louros brilhavam palidamente, quase rosa com madeixas avermelhadas. Os seus
olhos dourados brilharam rapidamente quando olhou para mim, meio enterrada na neve,
e os seus lábios esticaram-se lentamente formando um sorriso.
Seria perfeita. Se eu conseguisse realmente vê-la. Suspirei.
Ela agachou-se até a ponta da rocha, as pontas dos dedos tocaram na rocha, e o corpo
28. dela preparou-se.
Bola de neve, pensou.
Lançou-se no ar, a sua forma tornou-se escura, uma sombra giratória à medida que ela
girava entre mim e as estrelas. Ela curvou-se e ficou uma bola, enquanto se lançava
para o banco de neve ao meu lado.
Uma grande quantidade de neve caiu em cima de mim. As estrelas ficaram pretas, e eu
estava enterrado, coberto de cristais de gelo.
Suspirei de novo, mas não me mexi para me desenterrar. A escuridão abaixo da neve
não podia piorar nem melhorar a visão. Eu ainda via o mesmo rosto.
“Edward?”
E depois a neve estava a voar outra vez, assim que a Tanya me desenterrou
rapidamente. Limpou o pó do meu rosto imóvel, e não olhava totalmente para os meus
olhos.
“Desculpa.” Murmurou. “Foi uma piada.”
“Eu sei. Foi engraçado.”
A boca dela virou-se para baixo.
“ A Irina e a Kate disseram que te devia deixar em paz. Elas acham que te estou a
incomodar.”
“Claro que não,” Assegurei-lhe “Pelo contrário, sou eu quem está a ser rude
-abominavelmente rude. Lamento imenso.”
Vais para casa, não é? Pensou.
“Eu ainda… não me decidi… totalmente.”
Mas não vais ficar aqui. O seu pensamento agora era melancólico, triste.
“Não. Isto não parece estar… a ajudar.”
Ela fez uma careta. “É por minha causa, não é?”
“Claro que não,” Menti gentilmente.
Não sejas cavalheiro.
Sorri.
29. Faço-te sentir desconfortável, ela acusou.
“Não.”
Ela levantou uma sobrancelha, a sua expressão estava tão descrente que tive que me
rir. Um curto riso, seguido por outro suspiro.
“Está bem,” eu admiti. “Um bocado.”
Ela também suspirou e colocou o queixo sob as suas mãos. Os seus pensamentos
estavam mortificados.
“Tu és mil vezes mais amável do que as estrelas, Tanya. É claro, tu estás consciente
disso. Não deixes que a minha teimosia estrague a tua confiança.” Ri-me com a
impossibilidade disso.
“Não estou habituada à rejeição,” queixou-se, com o seu lábio inferior para fora num
atraente beicinho.
“Claro que não,” Concordei, tentando sem muito sucesso bloquear os seus pensamentos
enquanto se aprofundavam entre as suas milhares conquistas. Na sua maioria, Tanya
preferia os homens humanos - eles eram muito mais populares para uma única coisa,
com a vantagem de serem suaves e quentes.
Ao contrário de Carlisle, a Tanya e as suas irmãs descobriram as suas consciências
lentamente. No final, foi o afecto pelos homens humanos que colocaram as irmãs contra
o massacre. Agora os homens que elas amavam… viviam.
“Quando apareceste aqui,” Tanya disse lentamente. “Eu pensei que…”
Eu sabia o que ela tinha pensado. E eu devia saber que ela se ia sentir assim. Mas eu não
estava no meu melhor para racionalizar naquele momento...
“ Pensaste que eu tinha mudado de ideias.”
“Sim,” Queixou-se.
“Sinto-me horrível por estar a brincar com as tuas expectativas, Tanya. Eu não queria -
Eu não estava a pensar. É só que eu saí… um bocado à pressa.”
“Suponho que não me vais me contar o porquê…?”
Sentei-me e enrolei os braços à volta das minhas pernas, encolhendo-me
30. defensivamente. “Não quero falar sobre isso.”
A Tanya, Irina e Kate adaptaram-se muito bem à vida a que se comprometeram. Até
melhor, em algumas formas, que Carlisle. Apesar da proximidade louca a que se
colocavam àqueles que deviam ser - e uma vez foram - as suas presas, eles não
cometiam erros. Eu estava demasiado envergonhado para admitir a minha fraqueza à
Tanya.
“Problemas com mulheres?” - Ela perguntou ignorando a minha relutância.
Fiz um sorriso obscuro “Não da forma que estás a pensar”
Então ela ficou quieta. Ouvi os seus pensamentos enquanto ela os mudava, tentando
decifrar o significado das minhas palavras.
“Não estás sequer perto” – Disse-lhe.
“Uma pista?” – Perguntou-me.
“Por favor, deixa isso, Tanya.”
Ela estava quieta de novo, a especular. Ignorei-a e tentei, em vão, admirar as estrelas.
Desistiu depois de um momento de silêncio e os seus pensamentos tomaram outra
direcção.
Se nos deixares, para onde é que vais, Edward? De volta para o Carlisle?
“Não me parece” Suspirei.
Para onde é que eu iria? Não conseguia imaginar algum lugar do planeta que me pudesse
interessar. Porque não importava para onde fosse, eu nunca ia para algum lugar – ia
estar apenas a fugir.
Eu odiava isso. Quando é que me tinha tornado tão cobarde?
A Tanya pôs o seu braço à volta dos meus ombros. Eu enrijeci mas não me desviei do
seu toque. Era apenas um conforto amigável. Maioritariamente.
“Eu acho que vais voltar.” - Disse na sua voz com um ligeiro sotaque russo - “Não
importa o quê ou quem te está a assombrar. Tu vais enfrentar isso. És desse tipo.”
Os seus pensamentos estavam de acordo com as suas palavras. Tentei abraçar a visão
de mim que ela carregava na sua cabeça. Aquele que enfrenta as coisas de cabeça
31. levantada. Eu nunca duvidei da minha coragem, da minha habilidade de enfrentar
situações adversas. Até àquela aula terrível de biologia há pouco tempo atrás.
Dei-lhe um beijo na bochecha, voltando-me rapidamente quando ela virou a cara para a
minha. Ela sorriu da minha rapidez.
“Obrigado, Tanya. Eu precisava de ouvir isso.”
Os seus pensamentos tornaram-se petulantes “De nada, acho eu. Gostava que fosses
mais razoável sobre as coisas, Edward.”
“Desculpa, Tanya. Sabes que és demasiado boa para mim. Eu simplesmente… ainda não
encontrei o que estou à procura.”
“Bom, se fores embora antes que te veja outra vez. Adeus, Edward.”
“Adeus, Tanya” - Enquanto dizia as palavras, eu consegui ver isso. Conseguia ver-me a
sair de lá, de volta para o sítio onde queria estar. - “Obrigada - de novo.”
Ela levantou-se num movimento. E depois já tinha saído, desaparecendo entre a neve.
Não olhou para trás. A minha rejeição incomodou-a mais do que já tinha incomodado
antes, até nos seus pensamentos. Ela não me queria ver antes de partir.
Os meus lábios contorceram-se com desapontamento. Eu não gostava de magoar a
Tanya, apesar de os seus sentimentos não serem profundos e dificilmente puros. De
qualquer das maneiras não era algo que eu poderia corresponder. Ainda me fazia sentir
menos cavalheiro.
Pus o meu queixo em cima dos joelhos e olhei para as estrelas outra vez, apesar de
estar repentinamente ansioso para voltar ao meu caminho. Eu sabia que Alice me ia ver
a voltar para casa e ia contar aos outros. Isso iria fazê-los felizes - principalmente
Carlisle e Esme. Mas olhei para as estrelas mais uma vez, e passar o rosto na minha
cabeça. Entre mim e as luzes brilhantes do céu, um par de olhos castanhos confusos
estavam voltados para mim, fazendo-me questionar o que esta decisão ia significar para
ela.
É claro, eu não poderia ter certeza que era isso o que os seus olhos curiosos
procuravam. Nem na minha imaginação eu conseguia ouvir os seus pensamentos. Os
32. olhos de Bella Swan continuavam a questionar-se e uma não obstruída visão das estrelas
continuou a invadir-me. Com um leve suspiro, eu desisti. Se eu corresse, estaria de
volta ao carro do Carlisle em menos de uma hora.
Numa pressa para ver a minha família - e para voltar a ser aquele Edward que enfrenta
as coisas – corri através do campo de neve sem deixar pegadas.
“Vai correr tudo bem” - A Alice encorajou. Os seus olhos estavam desfocados e o
Jasper tinha uma mão debaixo do seu cotovelo, guiando-a enquanto entrávamos no
refeitório num grupo fechado. Rosalie e Emmett indicavam o caminho, o Emmett
ridiculamente parecido com um guarda-costas no meio de território inimigo. A Rose
também parecia preocupada, porém, bem mais irritada do que protectora.
“Claro que vai.” – Expirei pesadamente. O comportamento deles era ridículo. Se eu não
tivesse a certeza de que ia aguentar este momento, tinha ficado em casa.
A repentina mudança da nossa normal, mesmo divertida manhã - tinha nevado ontem à
noite, e Emmett e Jasper estavam a tirar vantagem da minha distracção para me
bombardearem com bolas de neve; quando se cansasse da minha falta de resposta
virar-se-iam um para o outro - para este excesso de vigilância teria sido cómica se não
fosse tão irritante.
“Ela ainda não está aqui, mas da maneira que vai entrar… não vai ficar contra o vento se
nos sentarmos no lugar de sempre.”
“Claro que nos vamos sentar no lugar de sempre! Pára com isso Alice. Estás-me a dar
cabo dos nervos. Vou ficar absolutamente bem.”
Ela piscou os olhos uma vez enquanto o Jasper a ajudava a sentar-se e os seus olhos
finalmente focaram-se em mim.
33. “Hum…” - Disse, soando surpreendida. “Acho que tens razão”
“Claro que tenho” - Murmurei.
Eu odiava estar no centro da preocupação deles. Senti uma certa solidariedade por
Jasper ao lembrar-me das inúmeras vezes que nós o superprotegemos. Ele percebeu de
relance os meus sentimentos e sorriu.
Irritante, não é?
Eu assenti.
Foi apenas a semana passada que esta grande e monótona sala tinha parecido tão
mortalmente depressiva para mim?
Pareceria quase como um sonho, um coma, estar aqui?
Hoje os meus nervos estavam firmes - cordas de piano, tensas que tocam à mais leve
pressão. Os meus sentidos estavam super alertas, vigiei cada som, cada suspiro, cada
movimento de ar que tocava a minha pele, cada pensamento. Especialmente os
pensamentos. Só havia um sentindo que eu me recusei a usar. Olfacto, é claro.
Não respirei.
Eu estava à espera de ouvir mais sobre os Cullen nos pensamentos que investiguei.
Estive todo o dia à espera, a procurar por cada novo pensamento sobre Bella Swan ter
contado a alguém, a tentar ver a direcção que o novo mexerico seguiria. Mas não havia
nada. Ninguém reparou que havia 5 vampiros no refeitório, exactamente como antes da
nova rapariga chegar. Muitos humanos aqui ainda estavam a pensar sobre aquela
rapariga, os mesmos pensamentos da semana passada. Em vez de achar aquilo
inalteravelmente aborrecido, eu estava fascinado.
Ela não tinha dito nada a ninguém sobre mim?
Era impossível que ela não tivesse reparado no meu obscuro, olhar assassino. Eu vi-a
reagir a isso. De certeza que a tinha assustado. Eu estava convencido de que ela tinha
mencionado isso a alguém, talvez até tivesse exagerado na história um bocado para
fazê-la melhor. Atribuindo-me alguns traços ameaçadores.
E depois, também me viu a tentar cancelar as nossas aulas partilhadas de biologia. Ela
34. deve-se ter perguntado, depois de ver a minha expressão, se tinha sido ela a causa.
Uma rapariga normal teria perguntado por aí, comparado a sua experiência com os
outros, procurado por algum terreno em comum que pudesse explicar o meu
comportamento e então não se sentiria sozinha. Os humanos estão constantemente
desesperados por se sentirem normais, por se encaixarem. Por se misturar com os
outros ao seu redor, como mais uma desinteressante no rebanho. Essa necessidade era
particularmente forte durante os inseguros anos da adolescência. Aquela rapariga não
devia ser uma excepção àquela regra.
Mas ninguém nos tinha dado atenção aqui sentados, na nossa mesa normal. A Bella devia
ser excepcionalmente tímida, se não tinha confidenciado a alguém. Talvez tivesse
falado com o seu pai, talvez esse fosse o seu melhor relacionamento… Apesar de isso
soar improvável, dado o facto de que ela tinha passado tão pouco tempo com ele
durante a sua vida. Ela devia ser mais próxima da sua mãe. Mesmo assim, eu devia
passar pelo Chefe Swan numa altura qualquer e ouvir o que ele estava a pensar.
“Algo novo?” - O Jasper perguntou.
“Nada. Ela… não deve ter dito nada.”
Todos ergueram uma sobrancelha com as novidades.
“Talvez não sejas tão assustador como achas que és.” - O Emmett disse, a rir-se.
“Aposto que eu a teria apavorado mais do que ISSO.”
Eu rolei meus olhos até ele.
“ A imaginar o porquê…?” – Ele surpreendeu-se com a minha revelação sobre o silêncio
único da rapariga.
“Já falámos disso. Eu não sei.”
“Ela vem aí,” - A Alice murmurou. Eu senti o meu corpo a ficar rígido. “Tenta parecer
humano.”
“Humano… dizes?” - O Emmett perguntou.
Ele levantou o punho direito, girando os dedos para revelar a bola de neve que tinha
guardado na sua palma. É claro que ela não tinha derretido ali. Ele apertou-a num
35. volumoso bloco de gelo. Tinha os olhos em Jasper, mas eu vi a direcção dos seus
pensamentos. E Alice também, claro. Quando ele lançou abruptamente o pedaço de gelo
até ela, ela mandou-o para longe com um leve balançar dos dedos. O gelo ricocheteou
através do corredor do refeitório; muito rápido para os olhos humanos, e fragmentou-
se com um agudo barulho na parede de tijolo. O tijolo partiu-se também.
As cabeças na esquina do refeitório viraram-se todas para olhar para a pilha de gelo no
chão, e viraram-se para procurar sua origem. Não olharam muito mais longe do que
algumas mesas. Ninguém olhou para nós.
“Muito humano, Emmett,” - A Rosalie disse de maneira fulminante. “Porque é que não
vais lá e dás um murro através da parede?”
“Seria mais impressionante se fosses tu a fazer isso, querida.”
Tentei-lhes prestar atenção, mantendo um sorriso fixo na minha cara como se
estivesse a fazer parte da brincadeira. Não me permiti olhar na direcção onde ela
estava de pé. Mas isso foi tudo que eu ouvi também.
Conseguia ouvir a impaciência de Jessica com a rapariga nova, que parecia estar
distraída, também, permanecendo imóvel na fila em movimento. Eu vi, nos pensamentos
de Jessica, que as bochechas de Bella Swan ficaram mais uma vez rosadas com o
sangue.
Respirei curta e rapidamente, pronto para parar de respirar se qualquer traço do seu
odor tocasse no ar ao meu redor.
O Mike Newton estava com as duas raparigas. Eu conseguia ouvir as duas vozes: mental
e verbal, quando ele perguntou o que é que se passava com a rapariga Swan. Eu não
gostava da maneira como os seus pensamentos estavam envolvidos nela, um brilho das
suas fantasias já construídas divagaram na sua mente enquanto ele via-a a ficar
surpreendida e olhar para cima como se tivesse-se esquecido que ele estava ali.
“Nada” - Ouvi Bella a dizer numa voz baixa e clara. Parecia soar como um sino sobre
todos os murmúrios do refeitório, mas eu sabia que isso era só porque eu estava a ouvir
de forma tão intensa.
36. “Vou só beber um sumo hoje,” ela continuou enquanto se movia para seguir com a fila.
Eu não consegui evitar olhar de relance na sua direcção. Ela estava a olhar para o chão,
o sangue lentamente a esvair-se do seu rosto. Olhei rapidamente para longe, para
Emmett, que agora se ria do sorriso aflito no meu rosto.
Pareces doente, mano.
Arranjei as minhas feições para parecer mais casual e natural.
A Jessica estava a perguntar-se sobre a falta de apetite da rapariga. “Não tens
fome?”
“Na verdade, sinto-me um pouco enjoada.” A sua voz soou mais baixa, mas ainda assim,
perfeitamente clara.
Por que é que me incomodava, a preocupação protectora que repentinamente surgiu dos
pensamentos do Newton? O que é que importava que houvesse um timbre possessivo
neles? Não me dizia exactamente respeito se Mike Newton se sentia
desnecessariamente ansioso por ela. Talvez essa fosse a maneira que todos lhe
correspondiam. Eu não tinha querido, instintivamente, protegê-la, também?
Quer dizer… Antes de ter querido matá-la.
Mas a rapariga estava doente?
Era difícil de avaliar - ela parecia tão delicada com aquela pele translúcida… e então
apercebi-me que me estava a preocupar também, assim como aquele rapaz estúpido, e
forcei-me a não pensar sobre a saúde dela.
Apesar disso, eu não gostava de vigiá-la através dos pensamentos de Mike. Troquei
para a Jessica, olhando cuidadosamente enquanto eles os três escolhiam uma mesa para
se sentar. Felizmente, sentaram-se com as companhias habituais de Jessica, uma das
primeiras mesas da sala. Não na direcção do vento, assim como Alice tinha prometido.
A Alice deu-me uma cotovelada. Ela vai olhar para aqui, age como humano.
Trinquei os dentes por detrás do meu sorriso.
“Acalma-te Edward,” – Disse o Emmett. “Honestamente. Então matas um humano.
Dificilmente isso é o fim do mundo”.
37. “Tu saberias isso.” - Murmurei.
O Emmett riu-se. “Tens de aprender a ultrapassar as coisas. Como eu faço. A
eternidade é muito tempo para ficares afundado na culpa.”
E então, a Alice lançou uma pequena mão cheia de gelo que tinha escondido, na cara
confiante de Emmett.
Ele piscou os olhos, surpreendido, e então sorriu na antecipação.
“Tu é que pediste,” – Disse-lhe Emmett, enquanto se inclinava sobre a mesa e sacudia o
cabelo coberto de gelo na sua direcção. A neve, que se derretia no ar morno, lançou-se
do seu cabelo num denso banho metade líquido, metade gelo.
“Ew!” - A Rose reclamou, enquanto ela e a Alice recuavam da inundação.
A Alice riu-se e todos nós acompanhámo-la. Conseguia ver na mente de Alice como ela
tinha orquestrado este momento perfeito e eu sabia que aquela rapariga - eu tinha que
parar de pensar nela daquela maneira, como se ela fosse a única rapariga do mundo -
que Bella devia estar a olhar para nós enquanto nos ríamos e brincávamos, parecendo
felizes e humanos e de forma tão irreal como uma pintura de Norman Rockwell.
A Alice continuou a rir-se, e segurou no seu tabuleiro como um escudo. Aquela rapariga
- A Bella ainda devia estar a olhar para nós
… A olhar para os Cullens outra vez, - Alguém pensou, e chamou-me à atenção.
Olhei automaticamente para o chamamento não intencional, e percebia que tinha
reconhecido a voz assim que encontrava o seu destino – tinha-a ouvido tanto hoje.
Os meus olhos deslizaram pela Jessica e passaram por ela. Focaram-se no olhar
penetrante da rapariga.
O que é que ela estava a pensar? A frustração parecia aumentar enquanto o tempo
passava, em vez de diminuir. Eu tentei – sem saber ao certo o que estava a fazer, já
que nunca tinha tentado isto antes - sondar com a minha mente o silêncio à volta dela. A
minha audição extra vinha naturalmente para mim, sem pedir; nunca tive que a forçar.
Mas agora concentrei-me, e tentei passar por qualquer escudo que houvesse à volta
dela.
38. Nada a não ser silêncio.
O que é que ela tem? Pensou Jessica, ecoando a minha própria frustração.
“ O Edward Cullen está a olhar-te fixamente,” - Sussurrou ao ouvido da rapariga Swan,
com um sorriso falso. Não houve nenhuma insinuação da irritação invejosa no seu tom. A
Jessica parecia ser experiente no fingimento de amizade.
Fiquei à escuta, muito claramente, da resposta da rapariga.
“Não parece zangado, pois não?”- Sussurrou também.
Então ela tinha notado a minha reacção selvagem a semana passada. É claro que tinha.
A pergunta pareceu confundir Jessica. Vi a minha própria cara nos seus pensamentos
enquanto ela analisava a minha expressão, mas eu não encontrei o olhar dela. Ainda
estava concentrado na rapariga, a tentar ouvir alguma coisa. A minha concentração
intencional não parecia estar a ajudar em nada.
“Não,” - A Jess disse-lhe, e eu sabia que ela estava desejosa de poder dizer que sim -
como isso a envenenou por dentro, o meu olhar - apesar de não demonstrar de forma
alguma na sua voz: “Devia estar?”
“Acho que ele não gosta de mim,” - A rapariga respondeu-lhe num sussurro, deitando a
cabeça no seu braço como se estivesse subitamente cansada. Tentei entender o seu
movimento, mas só pude fazer suposições. Talvez ela estivesse cansada.
“Os Cullens não gostam de ninguém,” - A Jess asseguro-a - “Bem, não se mostram
delicados o suficiente para que as pessoas gostem deles.” Não costumavam mostrar. O
seu pensamento foi um rosnar de reclamação. “Mas ele continua a olhar-te fixamente.”
“Pára de olhar para ele,” a rapariga disse ansiosamente, e ergueu a cabeça para ter a
certeza que Jessica a obedeceu.
A Jessica sorriu, mas fez o que ela pediu.
A rapariga não desviou o olhar da sua mesa o resto do tempo. Eu pensei - pensei, é
claro, não podia ter a certeza - que isso foi intencional. Parecia que ela queria olhar
para mim. O seu corpo deslocava-se ligeiramente na minha direcção, o seu queixo
começava a virar-se, e então ela repreendia-se, respirava fundo e olhava fixamente
39. para qualquer pessoa que estivesse a falar.
Ignorei a maior parte dos outros pensamentos à volta da rapariga, já que não eram,
momentaneamente, sobre ela. O Mike Newton estava a planear uma guerra de neve no
parque de estacionamento depois da escola, sem parecer perceber que a neve já tinha
mudado para chuva. A agitação dos leves flocos contra o tecto já tinha tornado o
padrão comum de gotas de água. Ele não conseguia mesmo ouvir a mudança? Eu
conseguia ouvir bastante alto.
Quando a hora de almoço acabou, eu continuei no meu lugar. Os humanos saíam, e eu
apanhei-me a tentar distinguir o som dos passos dela do som do resto, como se
houvesse algo de importante ou incomum neles. Que estupidez.
A minha família também não se mexeu para ir embora. Esperaram para ver o que eu ia
fazer.
Ia para a aula, sentar-me ao lado da rapariga onde podia sentir a fragrância
absurdamente potente do seu sangue e sentir o calor da sua pulsação do ar na minha
pele? Era forte o suficiente para isso? Ou já tinha tido o suficiente para um dia?
- Eu… acho que está tudo bem. - A Alice disse, hesitante. - A tua mente está
preparada. Eu acho que vais conseguir aguentar por uma hora.
Mas a Alice sabia muito bem a rapidez com que uma mente podia mudar.
- Porquê arriscar, Edward? - O Jasper perguntou. Embora ele não se quisesse sentir
presunçoso por ser agora eu o fraco, eu conseguia ouvir que ele se sentia, só um
bocado. - Vai para casa. Vai com calma.
- Qual é o problema? - O Emmett discordou. - Ou ele vai ou não a vai matar. É melhor
acabar com isto de uma vez, de uma maneira ou da outra.
- Eu ainda não me quero mudar. - A Rosalie reclamou. – Não quero começar tudo de
novo. Estamos quase a acabar o liceu, Emmett. Finalmente.
Eu estava realmente dividido na decisão. Eu queria, queria muito, encarar isto de
cabeça, e não fugir para longe outra vez. Mas também não me queria arriscar muito.
Tinha sido um erro a semana passada para Jasper ficar tanto tempo sem caçar; será
40. que isto também era um erro sem sentido?
Eu não queria afastar a minha família. Nenhum deles me ia agradecer por isso.
Mas eu queria ir para a minha aula de biologia. Apercebi-me que queria ver o rosto dela
outra vez.
Foi isso que tomou a decisão. Aquela curiosidade. Estava irritado comigo mesmo por
sentir isso. Não tinha prometido que não ia deixar que o silêncio da mente da rapariga
me deixasse desnecessariamente interessado nela? E mesmo assim, aqui estava eu,
ainda mais desnecessariamente interessado.
Eu queria saber o que é que ela estava a pensar. A mente dela era fechada mas os seus
olhos eram muito abertos. Talvez eu pudesse ver por eles.
- Não, Rose, eu acho que vai ficar tudo bem. - A Alice disse. - Está… a firmar-se. Eu
tenho noventa e três por cento de certeza de que nada de mau vai acontecer se ele for
para a aula. - Ela olhou-me curiosamente, perguntando-se o que tinha mudado nos meus
pensamentos que fez a sua visão do futuro muito mais segura.
Curiosidade seria o suficiente para manter a Bella Swan viva?
O Emmett tinha razão - por que não acabar com isto, de uma maneira ou de outra? Eu ia
enfrentar a tentação de cabeça.
- Vão para as vossas aulas. - Ordenei, afastando-me da mesa. Virei-me e andei para
longe deles sem olhar para trás. Conseguia ouvir a preocupação de Alice, a censura de
Jasper, a aprovação de Emmett e a irritação de Rosalie a arrastarem-se às minhas
costas.
Respirei fundo outra vez à porta da sala de aula, e segurei o ar nos meus pulmões
enquanto entrava no espaço pequeno e quente.
Não estava atrasado. O Sr. Banner ainda estava arranjar tudo para a experiência de
laboratório de hoje. A rapariga sentou-se na minha - na nossa mesa, a sua cara estava
virada para baixo outra vez, a olhar para o caderno em que desenhava. Examinei os
rabiscos quando me aproximei, até estava interessado naquela criação banal da sua
mente, mas eram coisas sem sentido. Só ondas e mais ondas. Talvez ela não se
41. estivesse a concentrar no padrão, mas a pensar noutra coisa qualquer?
Puxei a minha cadeira com um barulho desnecessário, deixando-a raspar no chão de
linóleo; os humanos sentiam-se sempre mais confortáveis quando algum barulho
anunciava a aproximação de qualquer outra pessoa.
Eu sabia que ela tinha ouvido o som; não olhou para cima, mas a mão dela falhou numa
onda do formato que ela estava a fazer, deixando-o torto.
Por que é que ela não olhou para cima? Provavelmente estava assustada. Tinha que
garantir que a ia deixar com uma impressão diferente desta vez. Fazê-la pensar que
antes, tinha imaginado coisas.
- Olá. - Disse na voz calma que usava quando queria deixar os humanos mais
confortáveis, formando um sorriso educado com os meus lábios que não mostraria
nenhum dente.
Ela olhou para cima então, os seus olhos atentos, castanhos e assustados - quase
desorientados - e cheios de perguntas silenciosas. Era a mesma expressão que tinha
obstruído a minha visão durante a última semana.
Enquanto encarava aqueles olhos castanhos estranhamente intensos, percebi que o ódio
- o ódio que eu tinha imaginado que esta rapariga merecia por simplesmente existir -
tinha evaporado. Agora sem respirar, sem sentir o seu cheiro, era difícil acreditar que
alguém tão vulnerável pudesse justificar ódio.
As bochechas dela começaram a corar e ela não disse nada.
Mantive meus olhos nos dela, e concentrei-me só nas suas profundezas questionadoras,
e tentei ignorar a cor apetitosa. Eu tinha fôlego o suficiente para falar mais um bocado
sem inalar.
- Chamo-me Edward Cullen. - Disse, embora soubesse que ela sabia isso. Era a maneira
mais educada de começar. - Não tive a oportunidade de me apresentar na semana
passada. Deves ser a Bella Swan.
Ela pareceu confusa - tinha uma pequena ruga entre os olhos novamente. Levou meio
segundo a mais do que devia para responder.
42. - Como é que sabes o meu nome? - Perguntou, e sua voz tremeu um bocado.
Eu devia tê-la realmente assustado. Isso fez-me sentir culpado; ela era tão indefesa.
Ri-me gentilmente - era um som que eu sabia que deixava os humanos mais à vontade.
Novamente, fui cuidadoso com meus dentes.
- Oh, acho que todos sabem o teu nome. – De certeza que ela tinha percebido que se
tinha tornado o centro das atenções neste lugar monótono. – Toda a cidade tem estado
a aguardar a tua chegada.
Ela fez uma careta como se aquela informação fosse desagradável. Supus que, sendo
tímida como ela parecia ser, atenção ia parecer uma coisa má para ela. A maioria dos
humanos sentia o oposto. Embora não se quisessem destacar numa multidão, ao mesmo
tempo desejavam um holofote para as suas uniformidades individuais.
- Não. - Disse. – O que eu queria perguntar-te era por que motivo me chamaste Bella?
- Preferes Isabella? - Perguntei, perplexo pelo facto de não conseguir ver onde é que
ela queria chegar com aquela pergunta. Não entendi. Obviamente, ela deixou a sua
preferência clara muitas vezes naquele primeiro dia. Será que todos os humanos eram
incompreensíveis sem um contexto mental como guia?
- Não, gosto de Bella. - Respondeu, inclinando a cabeça levemente para um lado. A sua
expressão - se eu estivesse a ler correctamente - estava dividida entre vergonha e
confusão. - Mas julgo que o Charlie… quer dizer, o meu pai, deve chamar-me Isabella
nas minhas costas. Parece que é por esse nome que todas as pessoas daqui me
conhecem. - A sua pele ficou num tom de rosa mais escuro.
- Ah. - Disse indevidamente, e desviei rapidamente os meus olhos do seu rosto.
Tinha acabado de perceber o que as perguntas dela queriam dizer: eu tinha cometido
um erro, um lapso. Se eu não tivesse ouvido todas as conversas dos outros naquele
primeiro dia, então eu tinha-a chamado inicialmente pelo nome inteiro, como todos os
outros. Ela tinha notado a diferença.
Senti-me desconfortável, ela foi muito rápida a perceber o meu erro. Bastante astuta,
especialmente para alguém que deveria estar aterrorizada pela minha proximidade.
43. Mas eu tinha problemas maiores do que qualquer que fosse a suspeita que ela tivesse
sobre mim na sua cabeça.
Eu estava a ficar sem ar. Se quisesse falar com ela de novo, eu ia ter que respirar.
Ia ser difícil evitar falar. Infelizmente para ela, compartilhar esta mesa tornava-a a
minha parceira de laboratório, e hoje nós teríamos que trabalhar juntos. Seria
estranho - e incompreensivelmente rude - ignorá-la enquanto fazíamos a experiência.
Ia deixá-la mais suspeita, mais assustada…
Inclinei-me o mais longe possível dela sem mexer a minha cadeira, virando a minha
cabeça para o corredor. Prendi-me, trancando os meus músculos no lugar, e então
aspirei um rápido peito cheio de ar, respirando apenas pela minha boca.
Ah!
Era genuinamente doloroso. Mesmo sem sentir o cheiro dela, eu conseguia sentir o
sabor dela na minha língua. A minha garganta de repente estava em chamas outra vez, a
necessidade era tão forte como a daquele primeiro momento em que eu senti o cheiro
dela.
Juntei os meus dentes e tentei recompor-me.
- Comecem. - O Sr. Banner ordenou.
Pareceu que foi preciso cada pequena partícula de auto-controle que tinha acumulado
em setenta anos de trabalho árduo para virar minha cabeça para a rapariga, que estava
a olhar para a mesa, e sorrir.
- Primeiro, as senhoras, parceira? - Ofereci.
Ela olhou para minha expressão e seu rosto ficou vazio, os olhos arregalados. Havia algo
de errado com a minha expressão? Ela estava assustada novamente? Ela não falou.
- Ou, se desejares, posso ser eu a começar. - Disse calmamente.
- Não. - Ela disse, e rosto dela passou de branco para vermelho outra vez. - Eu começo.
Olhei para o equipamento na mesa, o microscópio arranhado, a caixa de slides, em vez
de ver o sangue a correr por baixo da pele clara dela. Inspirei outra vez rapidamente,
pelos meus dentes, e recuei quando o gosto fez a minha garganta arder.
44. - Prófase. - Disse depois de um rápido exame. E começou a remover o slide, embora mal
o tivesse visto.
- Importas-te que dê uma espreitadela? - Instintivamente - estupidamente, como se eu
fosse da espécie dela – estendi-me para parar a mão que removia o slide. Por um
segundo, o calor da sua pele queimou a minha. Foi como uma corrente eléctrica -
certamente muito mais quente do que meros 37 graus. O tiro de calor passou pela
minha mão e correu pelo meu braço. Ela puxou rapidamente a sua mão debaixo da minha.
- Desculpa. - Murmurei por entre dentes. Como precisava de algum lugar para olhar,
segurei no microscópio e olhei brevemente pelo buraco. Ela estava certa.
- Prófase. - Concordei.
Eu ainda estava demasiado perturbado para olhar para ela. Enquanto respirava tão
calmamente quanto conseguia por entre dentes cerrados, e ignorava a sede furiosa, eu
tentava-me concentrar naquela simples tarefa, escrevendo a palavra no espaço
adequado na ficha do laboratório, e trocava o primeiro slide pelo próximo.
O que é que ela estava a pensar agora? Como será que ela se sentiu, quando toquei na
sua mão? A minha pele deve ter parecido gelo - repulsivo. Não me admirava que
estivesse tão quieta.
Dei uma olhada no slide.
- Anáfase. - Disse para mim mesmo enquanto escrevia na segunda linha.
-Posso? - Ela perguntou.
Olhei para cima, para ela, surpreendido ao ver que ela estava à espera, na expectativa,
uma mão meio estendida na direcção do microscópio. Ela não parecia estar com medo.
Ela pensava realmente que eu tinha errado na resposta?
Não consegui evitar e sorri do seu olhar esperançoso no rosto dela enquanto lhe
passava o microscópio.
Olhou para o microscópio com uma vontade que desapareceu logo. Os cantos da sua
boca desceram rapidamente.
- Passamos ao terceiro diapositivo? - Perguntou ela, sem olhar por cima do microscópio,
45. mas com a mão estendida. Coloquei o slide seguinte na mão dela, sem deixar que a minha
pele chegasse perto da dela desta vez. Sentar-me ao lado dela era como sentar-me ao
lado de uma lâmpada. Conseguia sentir-me a aquecer ligeiramente graças à temperatura
mais alta.
Ela não olhou para o slide por muito tempo. “Intérfase” disse de forma casual - talvez
tentando demasiado soar assim - e empurrou o microscópio na minha direcção. Ela não
tocou no papel, mas esperou que eu escrevesse a resposta. Eu verifiquei - ela estava
correcta de novo.
Terminámos desta forma, a dizer uma palavra de cada vez sem nunca nos olharmos nos
olhos. Nós éramos os únicos que tinham acabado - os outros da aula estavam a ter mais
dificuldade com o laboratório. O Mike Newton parecia estar a ter problemas a
concentrar-se - estava a tentar observar-me a mim e à Bella.
Quem me dera que ele tivesse ficado onde quer que tenha ido. Mike pensou, olhando-me
com raiva. Hum, interessante. Não tinha reparado que o rapaz tinha mantido algum
sentimento negativo em relação a mim. Isto era um novo acontecimento, tão recente
quanto a chegada da nova rapariga. Ainda mais interessante, pensei - para minha
própria surpresa - que o sentimento era mútuo.
Olhei para baixo para a rapariga outra vez, perplexo pelo tamanho da devastação e
violência que, apesar de comum; sem ameaça aparente, ela estava a causar na minha
vida.
Não era que eu não percebesse o que é que se passava com o Mike. Na realidade ela era
bonita…de uma forma diferente. Melhor do que estar bonita, a sua cara estava
interessante. Não bem simétrico. O seu queixo mais pontiagudo fora de sintonia com as
maçãs do rosto largas, fortemente ruborizadas, o claro e escuro contraste da sua pele
e o seu cabelo, e depois havia os olhos. A brilhar sobre segredos silenciosos.
Olhos que de repente estavam perdidos nos meus.
Olhei também para ela, tentando descobrir pelo menos um dos seus segredos.
- Puseste lentes de contacto? - Perguntou de repente.
46. Que pergunta estranha. “Não” Quase sorri com a ideia de tentar melhorar a minha
visão.
- Oh - Murmurou. – Pensei que havia algo diferente nos teus olhos.
Senti-me gelado outra vez conforme notei que aparentemente eu não era o único a
tentar descobrir segredos hoje.
É claro que havia algo diferente nos meus olhos desde a última vez que ela tinha olhado
para eles. Para me preparar para hoje, para a tentação de hoje, passei o fim-de-semana
inteiro a caçar, a matar a minha sede o máximo possível, mais do que o necessário.
Afoguei-me no sangue de animais, não que fizesse muita diferença a enfrentar este
absurdo sabor a flutuar ao redor do ar perto dela. Da última vez que tinha olhado para
ela, os meus olhos tinham estado pretos pela sede. Agora, como o meu corpo nadava em
sangue, os meus olhos estavam com uma cor dourada. Castanho-claro, âmbar pelo meu
excesso de alimento.
Outro lapso. Se eu me tivesse apercebido do que ela quis dizer com a pergunta, podia
simplesmente ter dito que eram lentes.
Sentava-me ao lado de humanos há quase dois anos nesta escola, ela foi a primeira a
tentar examinar-me perto o suficiente para notar a diferença da cor nos meus olhos.
Os outros, enquanto admiravam a beleza da minha família, tinham a tendência de olhar
para baixo rapidamente quando nós olhávamos de volta. Eles protegiam-se, bloqueavam
detalhes das nossas aparências como uma tentativa forte e instintiva de nos entender.
Ignorância era uma bênção para a mente humana.
Por que é que tinha de ser esta rapariga a ver tanto?
O Sr. Banner aproximou-se da nossa mesa. Eu agradeci o ar puro que ele trouxe consigo
antes que se pudesse misturar com o cheiro dela.
- Então, Edward, - Disse enquanto olhava para as nossas respostas, - Não achaste que
deveria ser dada à Isabella a oportunidade de utilizar o microscópio?
- À Bella – Corrigi-o por puro reflexo. - Na verdade, ela identificou três das cinco
fases representadas nos diapositivos.
47. Os pensamentos de Mr. Banner eram cépticos enquanto se virava para ela. – Já
realizaste este trabalho laboratorial?
Eu assisti, envolvido, quando ela sorriu, parecendo um pouco envergonhada.
- Com raiz de cebola, não
- Com blástula de coregono? - Perguntou.
- Sim.
Isso surpreendeu-o. A aula de hoje foi algo que ele foi buscar a um curso mais
avançado. Ele assentiu pensativo. - Em Phoenix, estavas integrada num programa de
colocação elevada?
- Estava.
Ela estava avançada, então, inteligente para uma humana. Isso não me surpreendeu.
- Bem – Disse o Sr. Banner, franzindo o lábio. – Suponho que o facto de vocês os dois
serem parceiros de laboratório seja proveitoso.
Ele virou-se e foi embora a murmurar “Para que os outros possam ter uma oportunidade
de aprender algo por eles mesmos.”. Eu duvidei que a rapariga conseguisse ouvir aquilo.
Voltou a desenhar círculos à volta redor do caderno de apontamentos.
Dois lapsos em meia hora. Uma demonstração insatisfatória da minha parte. Apesar de
que eu não tinha nenhuma ideia do que a rapariga pensava de mim - Quanto medo é que
ela tinha, quanto é que ela suspeitava? Eu sabia que precisaria me esforçar mais daqui
para a frente para fazê-la mudar a opinião sobre mim. Alguma coisa que a fizesse
esquecer do nosso último ameaçador encontro.
- Foi pena aquilo da neve, não foi? – Disse, repetindo o assunto que vários outros alunos
já tinham discutido. Um tópico habitual e aborrecido. O tempo - sempre seguro.
Ela olhou para mim, a dúvida óbvia no seu olhar - uma reacção anormal para as minhas
palavras muito normais. “Nem por isso” – Disse, surpreendendo-me outra vez.
Tentei direccionar a conversa de volta a um caminho mais comum. Ela era de um sítio
muito mais claro, mais quente. A sua pele parecia reflectir isso de alguma maneira,
apesar da sua palidez, e o frio devia fazê-la sentir-se desconfortável. O meu toque
48. gelado com certeza tinha…
- O frio não te agrada. - Adivinhei.
- Nem o tempo chuvoso. - Assentiu.
- Deve ser difícil para ti viver em Forks. - Talvez não devesses ter vindo para cá, eu
quis acrescentar. Talvez devesses voltar ao lugar de onde vieste.
Porém, eu não tinha a certeza se era isso que eu queria. Eu ir-me-ia lembrar sempre do
cheiro do seu sangue – havia alguma garantia de que eu não a seguiria? Além disso, se
ela se fosse embora, a sua mente ia ser sempre um mistério. Um constante e insistente
quebra-cabeças.
- Nem fazes ideia. - Disse em voz baixa e senti-me carrancudo por um momento.
As suas respostas nunca eram o que eu esperava que fossem. Isso fez-me querer fazer
mais perguntas.
- Então, porque vieste para cá? - Eu reclamei, percebendo que meu tom de voz era
muito acusatório, não era casual o bastante para a conversa. A pergunta pareceu rude,
intrometida.
- É… complicado.
Ela piscou os seus grandes olhos, não dando maiores informações, e eu quase explodi de
curiosidade - a curiosidade queimou-me com uma força tão forte quanto a sede na
minha garganta. Na realidade, estava a ficar um bocado mais fácil respirar; a agonia
estava a ficar mais tolerável enquanto me familiarizava.
- Acho que consigo acompanhar-te. - Insisti. Talvez a cortesia comum a fizesse
continuar a responder às minhas perguntas desde que fosse rude o suficiente para as
perguntar.
Ela olhou silenciosamente para as mãos. Isso deixou-me impaciente; eu queria pôr a
minha mão debaixo do seu queixo e levantar-lhe a cabeça para que pudesse ler os seus
olhos. Mas fazer isso seria uma tolice da minha parte, perigoso, tocar na sua pele
novamente.
Levantou os olhos subitamente. Era um alívio poder ver as emoções nos seus olhos outra
49. vez. Ela falou apressadamente, a apressar-se nas palavras.
- A minha mãe casou pela segunda vez.
Ah, aquilo era humano o suficiente, fácil de entender. A tristeza passou pelos seus
olhos translúcidos e enrugou a testa outra vez.
- Não parece ser algo assim tão complexo. - Disse. A minha voz soou gentil sem que eu
me esforçasse para isso. A sua tristeza fez-me sentir estranhamente impotente, a
desejar que houvesse algo ao meu alcance para fazê-la sentir-se melhor. Um estranho
impulso. - Quando é que isso aconteceu?
- No passado mês de Dezembro. - Expirou pesadamente - nada mais do que um suspiro.
Sustive a minha respiração quando a sua respiração quente passou no meu rosto.
- E tu não gostas dele. - Supus, a pescar por mais informações.
- Não, o Phil é uma boa pessoa. - Disse, corrigindo a suposição. Havia a ponta de um
sorriso agora nos cantos de seus lábios. – Talvez um pouco jovem de mais, mas bastante
simpático.
Ok, isto não se encaixava com o cenário que tinha imaginado na minha cabeça.
- Porque não ficaste com eles? - Perguntei, a minha voz um pouco curiosa demais.
Parecia que eu estava a ser bisbilhoteiro. E estava a ser, admito.
- O Phil viaja muito. Ganha a vida a jogar à bola. - O pequeno sorriso cresceu; aquela
escolha de carreira divertia-a.
Eu sorri, também, sem escolher fazê-lo. Não estava a tentar fazê-la sentir-se à
vontade. O seu sorriso apenas me fez querer sorrir de volta - fazer parte do segredo.
- Já ouvi falar dele? - Passei as fotos de posters de jogadores de basebol na minha
cabeça, a perguntar-me qual deles era Phil…
- Provavelmente não. Ele não joga bem. - Outro sorriso. – Joga na segunda liga e
desloca-se muito.
As caras na minha mente desapareceram instantaneamente e fiz uma lista de
possibilidades em menos de um segundo. Ao mesmo tempo, estava a imaginar um novo
cenário.
50. - E a tua mãe mandou-te para cá de modo a poder viajar com ele. - Disse. Fazer
suposições parecia funcionar melhor com ela do que fazer perguntas. Funcionou de
novo. O seu queixo elevou-se e sua expressão de repente ficou dura.
- Não, ela não me mandou para aqui. - Disse, e sua voz tinha novo tom, duro e irritado. A
minha suposição tinha-a deixado triste, embora eu não conseguisse entender o porquê.
– Vim por vontade própria.
Não consegui entender o motivo, ou a razão por detrás da sua tristeza. Eu estava
completamente perdido.
Então desisti. Esta rapariga simplesmente não fazia sentido nenhum. Ela não era como
os outros humanos. Talvez o silêncio dos seus pensamentos e o perfume do seu cheiro
não fossem as únicas coisas incomuns nela.
- Não compreendo. - Admiti, odiando ceder.
Ela suspirou, e olhou para os meus olhos por mais tempo do que a maioria dos humanos
normais seriam capazes de suportar.
- A princípio, ficava comigo, mas sentia saudades dele. - Explicou devagar, com o seu
toma ficar mais desesperado a cada palavra. – A separação fazia-a infeliz, logo, decidi
que estava na altura de passar algum tempo útil com o Charlie.
A mínima ruga entre os seus olhos intensificou-se.
- Agora, porém, és tu quem está infeliz. - Murmurei. Eu não conseguia parar de dizer as
minhas hipóteses em voz alta, desejando aprender com as suas reacções. Esta, porém,
não parecia tão diferente do normal.
- E daí? - Disse, como se esse não fosse um aspecto que merecesse ser considerado.
Continuei a olhar-lhe para os olhos, e senti que finalmente tinha conseguido ter um
vislumbre da sua alma. Vi naquela única palavra, onde ela se tinha posicionado na sua
própria lista de prioridades. Ao contrário dos outros humanos, as suas próprias
necessidades estavam bem abaixo da lista.
Ela era altruísta.
Enquanto reparava nisso, o mistério daquela pessoa escondida numa mente silenciosa
51. começou a atenuar um bocado.
- Não parece ser justo. – Disse-lhe. Encolhi os ombros, tentando parecer casual,
tentando omitir a intensidade da minha curiosidade.
Ela riu-se, mas não havia diversão no som. – Nunca ninguém te disse «A vida não é
justa»?
Queria-me rir das suas palavras, embora também me não estivesse a divertir. Eu sabia
um bocado sobre a injustiça da vida. – Creio já ter ouvido isso algures.
Ela olhou outra vez para mim, parecendo confusa. Desviou os olhos e depois olhou-me
de novo.
- Então, é tudo. – Disse-me.
Mas eu não estava preparado para acabar esta conversa. O pequeno “V” entre os seus
olhos, um resto da sua dor, incomodava-me. Eu queria arrancá-la com a ponta do meu
dedo, mas obviamente não podia tocá-la. Isso não era seguro de várias formas.
- Disfarças bem. - Disse devagar, ainda a considerar a próxima hipótese. - Mas estaria
disposto a apostar que estás a sofrer mais do que demonstras a todos.
Ela fez um esgar, os seus olhos apertados e sua boca torcendo-se num beicinho, e olhou
outra vez para a frente da sala. Não gostou que eu tivesse adivinhado correctamente.
Ela não era o típico mártir. Ela não queria uma plateia para a sua dor.
- Estou enganado?
Ela recuou um bocado, mas por outro lado fingiu não me ouvir.
Isso fez-me sorrir. – Bem me pareceu que não.
- Por que é que isso te interessa? - Ela quis saber, ainda a olhar para longe.
- Essa é uma excelente pergunta. - Admiti, mais para mim mesmo do que para lhe
responder.
O seu discernimento era melhor do que o meu. Ela estava bem no centro das coisas
enquanto eu me debatia cegamente através das pistas. Os detalhes da sua vida muito
humana não me deviam interessar. Era errado para mim interessar-me pelo que ela
pensava. A não ser que fosse para proteger a minha família, pensamentos humanos não