13. Resumo do livro anterior, Gigantomaquia - A História de
Mei
Na primeira parte desta história testemunhamos o
reaparecimento dos Gigas, gigantes malignos que haviam sido
aprisionados por Atena nas profundezas da Sicília, no distante
passado das lendas mitológicas.
Depois de conseguir escapar de alguma forma, nos dias
de hoje, os Gigas seqüestram a Amazona Yuu-ri. Seiya e Shun
recebem a missão de resgate, sendo incumbidos também de
verificar a integridade do selo de Atena. Seu meio-irmão Mei,
atuando agora como um dos agentes secretos do Santuário, é
escolhido pa-ra guiá-Ios nessa aventura pela Sicília.
Mas a mente de Mei havia sido dominada pela “Vontade”
de Tífon, o mais poderoso dos Gigas. Mesmo tendo sido
transformado em uma espécie de marionete dessa influência
maligna, Mei consegue reunir forças para se arrepender da
traição, consciente do fato de que sua fraqueza possibilitou
a ressurreição dos Gigas.
À beira da morte, Mei é salvo pelo grandioso a-mor de
Atena, recebendo uma Armadura de Cavalei-ro - o traje
sagrado de Coma Berenices, que passa a ser sua constelação
protetora. Para Mei, esse é o começo da guerra contra o seu
destino, escrito nas es-trelas desde os tempos da mitologia.
Enquanto isso, Tífon, ressuscitado, deixa para trás seus
oponentes...
15. O Santuário.
Vemos duas figuras nos aposentos ao fundo da Sala
do Grande Mestre: uma menina-moça e um rapaz.
- Consegue me ver, Mei?
- Saori... - o jovem de cabelos prateados está deitado
numa cama, e desperta lentamente. Em pé diante dele está
uma donzela de beleza ímpar: a jovem encarnaçáo da deusa
Atena. - Eu... estava dormindo? - pergunta Mei, percebendo
que veste uma túnica de tecido macio.
O mais novo guerreiro de Atena já não está mais com
febre nem suado, e em seu corpo não sobrou nenhum sinal
das marcas das garras do Giga Tífon. Sobreviveu ao ataque,
mas seu rosto pálido e sem cor dá a ele a aparência de uma
pessoa muito doente.
- Você dormiu por mais de dez dias - explica a deusa,
como se contasse a um náufrago quanto tempo esteve longe
de casa.
Mei se lembra da batalha travada na Sicília contra os
Gigas, gigantes mitológicos de tempos imemoriais, mas custa
a recordar os detalhes. Aos poucos vai se lembrando de que
tinha sido usado como uma marionete pela vontade do
ressuscitado deus Tífon, e que por Isso havia perdido quase
todo seu Cosmo.
- Dez dias... Tudo isso...
- Mas estou aliviada... - suspira Atena. - Sua respiração
era quase imperceptível... achei que nunca mais ia acordar. -
A garota abre seu coração de forma surpreendentemente
indefesa, tratando-se de uma deusa.
Por alguma razão, parece haver uma complexa mistura
16. de sentimentos entre Saori e Mei, algo muito mais abrangente
do que uma simples relação entre mestra e servo.
- Tenho uma surpresa para você - diz Atena,
gentilmente. - Uma pessoa que está aqui para lhe ver.
Ao sinal da deusa aproxima-se do leito uma figura
extremamente cerimoniosa, um homem alto, de cabeça
raspada, vestindo um smoking preto.
- Tatsumi? É você? - pergunta Mei em um tom de
surpresa.
- Que bom que o senhor está vivo! - diz o homem, com
as feições carrancudas se desmanchando numa torrente de
lágrimas. - Este seu criado... não tem palavras para descrever
a alegria...!
Trata-se de Tokumaru Tatsumi, administrador da
Fundação Graad, e dedicado mordomo da família Kido.
- Quer dizer então que você continua prestando serviços
para a senhorita Saori? - pergunta Mei. O garoto guarda ainda
a imagem de Tatsumi como uma espécie de babá ou guarda-
costas da garota, impressão compartilhada na infância por
todos os cem órfãos reunidos pelo falecido Mitsumasa Kido
para se tornar Cavaleiros.
- Sim, senhor! Como o mestre Mitsumasa ficaria feliz
se pudesse estar aqui comigo!
- Faz sentido... - continua Mei. - Atena é também a
herdeira da Fundação Graad... Mas acho que pega mal andar
de smoking dentro do Santuário!
Tatsumi solta uma risada sem graça e dá de ombros.
Seu sorriso é sincero e os ombros, largos como os de um
boxeador.
- Eu nem imaginava...! - diz Atena com uma voz
trêmula.
- Você contou a ela, Tatsumi? Mas estava proibido de
falar nisso, por mim e por meu pai.
- Eu sei, meu senhor! - Tatsumi se curva diante do rapaz.
- Mas... faz tanto tempo. O mestre precursor já não está mais
entre nós e, como ele tanto desejava, a mestra Saori despertou
16
17. como Atena. E... mestre Mei, o senhor está vivo! Este seu
servo não teve como se conter...
- Tudo bem, esquece - diz Mei, da forma mais calma
que pode.
- Eu não sabia até agora. Mei, vocé é o herdeiro do
vovô... da família Kido! Tatsumi me contou como você me
tratou com carinho, como uma verdadeira irmã, enquanto eu
era criada como a neta do Vovô. Na verdade, a herdeira da
Fundação Graad não deveria ter sido eu, e sim...
- Não diga uma coisa dessas - interrompe Mei. - E, por
favor, senhorita, nunca conte isso para Seiya e os outros.
- Você guarda mágoa do vovô? Das decisões tomadas
por seu pai?
- Senhorita, a decisão não foi do mestre Mitsumasa! -
Tatsumi não se contém, ansioso para que seja revelada a
verdade escondida por tanto tempo.
- A decisão foi minha - explica Mei. - Quando descobri
que os órfãos da instituição eram todos irmãos que tinham o
sangue do mesmo pai nas veias... eu não suportei o fato de só
eu estar recebendo um tratamento especial, sem que nada
me faltasse, como herdeiro da Fundação Graad. Por isso, decidi
por livre e espontânea vontade trilhar o mesmo destino dos
meus irmãos.
- Por livre e espontânea vontade... - repete Saori em
um tom pensativo.-
- Mitsumasa Kido é o meu pai. E também o pai de Seiya,
de Shun, de Hyoga... de todos os cem órfãos reunidos para
ser Cavaleiros. Esse laço de sangue irá nos acompanhar por
toda a vida.
- O vovô sofreu até o último instante de sua existência
por ter mandado seus filhos para uma vida infernal de
sacrifícios, para que se tornassem Cavaleiros. Mas fez tudo
isso para proteger o Amor e a Justiça sobre a Terra.
- Eu sei disso, senhorita. - Mei ergue o rosto. - Não
guardo mágoa ou rancor do meu pai. Pelo contrário, sou grato
por ele ter me deixado enfrentar o mesmo treinamento dos
meus irmãos. Caso contrário, eu nem poderia olhá-los nos
olhos ao reencontrá-los. Não poderia conversar com eles sobre
18. nossa infância. Seria eternamente perseguido por um
sentimento de culpa.
- Por favor, não se culpe.
- Pois eu digo o mesmo a você, Saori. - Mei decide que
está é a última vez que a chamará por esse nome. - A senhorita
não deve reservar nenhum sentimento especial por mim. Hoje,
você é Atena. E eu sou um Cavaleiro de Atena. Esse é o destino
das estrelas, que eu mesmo escolhi seguir.
- Mestre Mei!? - a voz de Tatsumi parece cheia de
surpresa. - O senhor pretende continuar escondendo a sua
origem... os seus direitos?
- Pretendo. Quando eu ainda era uma criança, fiz essa
promessa, e estava disposto a morrer por ela. Como poderia
quebrá-Ia agora? Ao abandonar o sobrenome Kido, passei a
ser apenas Mei. Por isso, Tatsumi, quero que você me trate da
mesma forma que me tratava quando eu entrei no orfanato.
Nem que seja por fingimento, bata em mim como fazia com
meus irmãos. E pare de me chamar de mestre - completa o
garoto, com um sorriso amargo.
- Atena! - interrompe uma voz vinda do lado de fora
dos aposentos. Pedindo permissão à deusa, aparece na porta
Nikol, Cavaleiro de Prata do Altar. - Mei! Você acordou! -
exclama o homem. Seu rosto lembra o de uma estátua grega,
de uma beleza intelectual e garbosa.
O garoto pula da cama e, com as pernas vacilantes em
uma inesperada fraqueza, ajoelha-se diante do oficiante-mor.
Nikol, por sua vez, vira-se para Atena.
- Na qualidade de Grande Mestre Substituto, portanto
responsável pelos Cavaleiros, agradeço-lhe por ter salvado a
vida de Mei - e continua, curvando-se levemente na direção
de Tatsumi. - Ao nobre Tatsumi, também gostaria de agradecer
por interceder junto ao exército e ao governo italiano na
Sicília. - Só então Nikol dirige a palavra ao jovem Cavaleiro. -
Diga, Mei, você se lembra do que aconteceu enquanto estava
sendo controlado por Tífon?
- Sim, mas as lembranças são todas confusas. Não tenho
muita certeza da ordem dos eventos.
18
19. - Nikol, seja paciente - defende Atena. - Mei acabou
de recobrar a consciência.
- Vou tentar, deusa... mas precisamos muito de
informações. A Terra está numa situação crítica. Tífon
desapareceu na erupção do Etna e deve estar recuperando
suas forças neste exato momento.
À medida que organiza seus pensamentos, Mei vai
ficando constrangido pelas coisas que fez enquanto estava
sob o domínio de Tífon. Havia acertado Nikol com um golpe
no teatro da Acrópole. E pior: por pouco não tinha matado
Seiya na Sicília.
- Como está o Seiya? - pergunta Mei, enquanto olha
para as próprias mãos em choque. Ainda pode sentir nelas o
calor do sangue do irmão. O garoto não se conforma com sua
própria fraqueza. Como pôde ter ficado totalmente à mercê
da Vontade de Tífon?
- Seiya está bem, os jovens se recuperam rápido -
responde Nikol, quase brincando, com a mão na barriga, onde
Mei o havia acertado. E então diz, num tom extremamente
solene: - Atena reconhece Mei como seu novo Cavaleiro.
A revelação inesperada pega o garoto completamente
de surpresa.
- Outorgo-lhe aqui o Traje Sagrado, que prova a sua
missão de Cavaleiro... - continua Nikol, começando ali mesmo
a cerimônia de nomeação do Cavaleiro.
Mei desvia o olhar para a Urna onde está a Armadura,
colocada no canto do aposento. É uma caixa preta, tão escura
que parece sugar a luz ao seu redor. Nela há a figura de uma
mulher de costas, talhada em baixo relevo.
- Esta é a armadura de Coma Berenices, Mei, a sua
constelação.
Ajoelhando-se diante do Grande Mestre substituto, Mei
jura lealdade eterna a Atena, tornando-se então oficialmente
o Cavaleiro da Constelação de Coma Berenices, o mais novo
Guerreiro Sagrado de Atena.
- Em nome de Atena, eu, Nikol de Altar, ordeno-lhe
Cavaleiro. Você deverá proteger Atena e defender a Justiça
sobre a Terra. A Armadura Sagrada jamais deverá ser trajada
20. em prol de interesses ou batalhas pessoais. Se porventura
violar a norma e macular o Traje... a constelação, a armadura,
ao invés de protegê-Io, irá destruí-Io.
- A armadura vai me destruir? - Mei parece estar confuso.
- Afinal, o que vem a ser esta armadura negra?
De fato, a armadura de Mei não pertence a nenhuma
das três hierarquias: Ouro, Prata e Bronze. Nikol decide que
este é o momento de contar a Mei a história da antiga batalha
contra os gigantes.
“A Morada de Typhoeus”. Apenas um poema épico grego
preserva nos dias de hoje o nome do mais poderoso dos Gigas.
Em tempo: “Typhoeus” é outra forma de escrever “Tífon”, ou
“Tufão”. O deus dos Gigas é um redemoinho que não ficará
satisfeito enquanto não destruir e consumir toda a Terra.
Renascido no mundo físico ao romper o selo de Atena,
o deus gigante das tempestades se esconde no ponto mais
profundo de um conjunto de cavernas entrelaçadas como um
enorme formigueiro. À sua frente está um Giga que veste um
Adamas de Cornelina.
- Meu Senhor... - diz o Giga.
Mas Tífon não lhe dá atenção. Seus pensamentos estão
longe. - Atena conseguiu reencarnar nesta era em sua
plenitude... - diz para si mesmo. A metade direita do seu
corpo é forrada por labaredas, as chamas inabaláveis da grã-
terra, enquanto relâmpagos preenchem a metade esquerda
como terríveis ventos de tempos fantasmas. Da carne
assimétrica nascem, como unhas, as placas do seu negro
Adamas de ônix. Não é exatamente uma armadura, e sim uma
couraça, como uma parte endurecida do corpo. - Atena
conseguiu reencarnar nesta era em sua plenitude - repete. -
Porém. o que dizer de mim? Deste meu corpo físico tão frágil?
- Quirri! O corpo de Encélado... frágil?! - surpreende-
se Pallas, “o parvo”. De fato é resistente e poderoso o corpo
físico que foi oferecido a Tífon por seu irmão mais velho, o
sumo sacerdote Encélado.
- Não é o suficiente para suportar minha verdadeira
força - responde Tífon, apalpando o queixo. O osso trincado
20
21. pelos golpes de Mei no Monte Etna já está completamente
recomposto. - Preciso de um receptáculo digno do meu poder.
- Com todo o respeito, vossa carne fulgurante foi
totalmente rechaçada, em seus cinco membros, por Atena. -
Com as palavras de Pallas, um fluxo mais intenso de luz brota
das chamas e relâmpagos no corpo de Tífon, iluminando todo
o interior da cavema. O local, com um imenso altar, assemelha-
se ao templo subterrâneo do Monte Etna. Estamos na Terra
Santa dos Gigas.
- Maldita seja Atena e seus Cavaleiros! - Tífon está
diante do altar, sobre o qual está o que parece ser uma estátua
de seios fartos, representando talvez uma deusa. Mas um
coração pulsa na figura, denunciando tratar-se na realidade
de uma mulher viva, apesar de ter as pálpebras e os lábios
cerrados como se fossem feitos de pedra. Mais ainda: a
imponente figura está grávida. - É a minha forma feminina -
explica Tífon.
- Oh! - Pallas, “o parvo”, parece estar hipnotizado pela
beleza da forma feminina de seu mestre, inteiramente nua,
seus contomos provocantes ocultados apenas pelos cabelos
ondulados que chegam até a cintura. Basta um olhar mais
atencioso para perceber escamas onde deveriam estar as
pernas da criatura: sua metade inferior tem o formato de
uma serpente.
- O Calabouço do Tempo Estagnado - pela primeira vez,
Tífon dirige a palavra diretamente a Pallas. - Na antiga
Gigantomaquia, pouco antes de ser exilado por Atena e seus
Cavaleiros no Monte Etna, selei os Gigas sobreviventes. Não
foi Atena quem prendeu os meus irmãos nas profundezas dos
espaços fantasmas. Foi a minha Vontade.
- Como? - Pallas está confuso. Ele sempre acreditou
que tinha sido aprisionado por Atena, juntamente com Tífon.
- Meus queridos irmãos mais velhos, ao contrário de
mim, vocês não são imortais - continuou Tífon. - Se seu corpo
físico fosse destroçado, vocês não ouviriam as preces de
renascimento. Por isso, selei tanto sua carne quanto sua alma
no Calabouço do Tempo Estagnado.
- Foi isso que aconteceu, meu Senhor? Vós, tendo em
22. suas mãos o fantoche que foi Mei, inicialmente desatastes os
lacres atados sobre nós, Gigas, nas mais diversas regiões e...
- E, mediante o sacrifício de sangue dos Cavaleiros e
dos meus queridos irmãos, finalmente voltei à vida no mundo
presente.
- E esta mulher, senhor? - pergunta Pallas, engolindo
em seco.
- Esta é Equidna - responde Tífon - A última das mulheres
Gigas. Ela abriga em si o meu corpo carnal, o receptáculo da
minha Vontade.
- Ortos, “o cão bicéfalo do mal”.
- Quimera, “a fera pluriforme”.
22
25. 1
P enínsula do Peloponeso, extremo sul dos Bálcãs.
- Aqui também não tem nada - Seiya diz para si
mesmo, ao examinar a parede de pedra. Ele reconhece a luz
fraca que ilumina levemente a caverna, onde com certeza
não chegam raios de sol. É a mesma que viu nas profundezas
do Monte Etna, onde Tífon estivera aprisionado. - Com certeza
este lugar já foi parte das Terras Santas dos Gigas - conclui o
Cavaleiro de Bronze de Pégaso.
Esta caverna é bem menor que a do Etna. Não tem
templos, apenas as ruínas de um altar de pedra. “Estranho...”,
pensa o garoto. “Tenho impressão de que alguém esteve aqui
até agora há pouco.” Seiya parece sentir os resquícios de um
Cosmo, mas não há nenhum outro sinal dos inimigos. Com
exceção dos morcegos, o Cavaleiro é a única criatura viva ali.
Ele não tem escolha senão deixar a caverna para trás.
Anoitece em Atenas, o lugar sagrado da guerreira
protetora da Terra. Yuuri, da Constelação do Sextante, vestida
com um quitão e uma túnica escarlate, está no observatório
estelar do Santuário. A seu lado, o Cavaleiro Mei.
- Parece um mar de sangue - comenta Mei, que veste
camiseta e calças pretas, modernas, em contraste com a
vestimenta clássica da garota. - Desde quando o entardecer
ficou tão vermelho?
26. 2
A erupção do Etna foi a maior dos últimos séculos -
explica Yuuri. - A poeira vulcânica formou uma
espessa camada na estratosfera, bloqueando a luz solar, por
isso o céu está vermelho. Segundo previsões dos pesquisadores
da Fundação Graad, nos próximos três a cinco anos, a
incidência de luz solar sobre a superfície terrestre vai diminuir
em mais de 10%. - Instabilidade climática, prejuízos à
agricultura, falta de alimentos... a coisa é séria - suspira Mei.
- Você já está bem? - pergunta Yuuri, com uma
expressão preocupada.
- Eu ia perguntar exatamente isso pra você...
- Estou bem.
Yuuri tinha sido gravemente ferida ao ser seqüestrada
pelos Gigas, mas parece estar quase inteiramente recuperada.
Até mesmo sua máscara, que Mei havia quebrado quando
estava sob o domínio de Tífon, está novamente intacta,
cobrindo seu rosto.
- Não tem problema usar a máscara por cima das
bandagens?
- Fazer o quê? Esse é o dogma - a tradição diz que toda
mulher que se juntar aos Cavaleiros deve abandonar
completamente a feminilidade, escondendo sempre o rosto.
O piso destruído do observatório, onde antes se via um
mapa do zodíaco, é testemunha do ataque de Mei.
- Sabe qual é o outro dogma? - pergunta Yuuri, num
tom quase maroto, antes de colocar-se em posição de ataque,
ensaiando aplicar um golpe na garganta de Mei, com um shuto,
ou sabre de mão. - Para uma Amazona, ficar com o rosto
exposto é mais humilhante do que ficar nua em público. Se
alguém vir o seu rosto, a Amazona terá que matar essa pessoa.
26
27. - Essa regra eu conheço - sorri Mei, ignorando os
poderosos punhos de Yuuri contra seu pescoço. - Então você
matou os médicos? Como é que eles operaram sua cabeça
sem olhar?
- Os médicos são outra história...
- Ei, não tinha uma alternativa? - continua Mei. - Amar
quem visse seu rosto?
- Você está tirando sarro de mim - suspirou Yuuri. - Que
imprudente. Acha que eu não seria capaz de matá-Io?
- Você não tem motivo. Infelizmente não vi seu rosto.
Ou melhor, eu não me lembro. Muitas lembranças de quando
eu estava sob o poder de Tífon são confusas. Sei que quebrei
sua máscara aqui mesmo... mas não consigo me lembrar dos
detalhes.
- Que amnésia mais conveniente - diz Yuuri, recolhendo
seu shuto, meio a contragosto. - Se for pra amar um homem
irresponsável, prefiro acreditar que não viu mesmo meu
rosto... Onde já se viu um desleixado como você ser ordenado
Cavaleiro... As estrelas devem estar protestando. Que tipo
de aprendizado você teve com seu mestre?
- Ah, vários tipos... - responde Mei, piscando. -
Aprendizado de vida.
- O destino da sua constelação é bem menos agradável
que isso - a voz de Yuuri soa agora entristecida. Ela ergue os
olhos ao céu. A coloração púrpura do pôr-do-sol vai sendo
gradualmente submersa nas trevas.
- Está difícil de enxergar as estrelas, hein? - comenta
Mei.
De fato, a atmosfera parece estar coberta por uma
densa névoa.
- Tífon cobriu o céu estrelado de cinzas. Com isso não
consigo enxergar direito o mundo ou o futuro - lamenta Yuuri.
- E a sua constelação, Mei, é mais difícil de enxergar do que
as outras - continua, apontando um ponto no céu.
No lado oeste do firmamento sobram ainda as últimas
constelações da primavera. Um pouco acima de Virgem, entre
as estrelas Denébola e Arcturo, fica a Constelação Coma
Berenices. É um conjunto de pálidas estrelas: por mais límpido
28. que esteja o céu, visualizar nela os longos cabelos de uma
mulher é um verdadeiro exercício de imaginação.
- Pode não parecer, mas nela estão galáxias inteiras -
explica Yuuri.
- Por isso a chamam de “janela de galáxias”, não é?
- Ora, vejam só... - a garota está surpresa com os
conhecimentos de astronomia de Mei.
- São galáxias distantes - continua Mei. - Podemos
enxergá-Ias porque estão ao norte da Via Láctea, num pedaço
do céu onde tem menos estrelas.
Yuuri muda de assunto:
- Estou preocupada com Seiya e os outros que foram
atrás de pistas de Tífon, todos os que são capazes de andar
estão nessa busca, neste momento só há Cavaleiros feridos
no Santuário.
- Tífon não é como os deuses do Olimpo, que querem o
domínio da Terra - reflete Mei. - Não sabemos o que ele
realmente pretende, e isso é assustador.
- Pensei que os Gigas quisessem dominar o planeta...
- Pode ser... Mas os Gigas são como escravos presos
pelo temor a Tífon. Uma Vontade divina viciada como a dele
jamais fica satisfeita, a não ser que destrua tudo e, no final,
a si mesmo.
- Quando você foi marionete do Tífon, você tocou a
“Vontade” dele? - pergunta Yuuri. - Eu sei que você prefere
esquecer, mas gostaria de saber mesmo assim.
Mei esconde o rosto, como se estivesse se lembrando
de um pesadelo.
- Vem comigo até a biblioteca - continua Yuuri, pegando
sua mão. - Quero ouvir o que você tem a dizer.
28
29. 3
N a margem norte do Mar Negro: uma região da
Ucrânia, antigamente conhecida como Cítia.
- Também não é aqui - diz Hyoga. Uma parede bloqueia
sua passagem.
A armadura do Cisne, branco-azulada, e os cabelos loiros
do garoto brilham levemente na escuridão, prova de que esta
foi uma das Terras Sagradas dos Gigas. Na caverna vazia vemos
apenas os restos de um altar de pedra.
- Este cheiro... é o cheiro de Tífon - continua Hyoga,
para si mesmo, esfregando o nariz. Seu Cosmo capta uma
sensação anormal no ar. - É como se fosse um resto chamuscado
de uma Vontade maligna... Talvez o próprio Tífon tenha
passado por aqui. Mas para quê?
Os rastros deixados eram insuficientes para qualquer
conjectura.
30. 4
E u tinha um medo terrivel de desgostar Tífon e ficar
exposto ao seu temor - conta Mei.
- Como os Gigas? - pergunta Yuuri.
- É... eu entendo porque os Gigas cultuam Tífon. É
um domínio psicológico absoluto... suficiente para que
ofereçam a própria vida em sacrifício.
- Você sabe o que é o Calabouço do Tempo Estagnado?
- Yuuri anota com cuidado todas as informações fornecidas
por Mei.
- É uma espécie de selo temporal. Tífon selou os Gigas
sobreviventes da antiga Gigantomaquia em diversas partes
do mundo. Ao contrário dele, que é um deus, e portanto
imortal, os outros Gigas não são diferentes dos humanos,
têm uma vida terrena limitada. Parar o tempo foi o único
jeito de fazê-Ios retornar com seu corpo físico depois de
tantas eras.
- Um dom secreto dos deuses - suspira Yuuri.
- Depois de possuir meu corpo... - continua Mei, - Tífon
rompeu os lacres temporais e trouxe os Gigas de volta à
vida.
- Quantos Gigas renasceram?
- Só me lembro de quatro: Ágrios, Toas, Pallas. e
Encélado.
- Mas tem uma coisa estranha aí... - comenta Yuuri,
pensativa. - Segundo os registros do Santuário, Tífon e todos
os Gigas foram selados por Atena.
- Faz sentido que a deusa tenha selado Tífon, que é
imortal. Mas não haveria razão para deixar os Gigas vivos
dentro dos lacres. Esses livros históricos do Santuário são
confiáveis? - questiona Mei.
30
31. - Dizem que “verdade” e “realidade” são conceitos
diferentes. É a mesma coisa com história e realidade. A Revolta
de Saga, por exemplo: é um desafio decidir como ela vai
constar na história oficial.
- De certa forma, seria correto dizer que o Cavaleiro
de Ouro de Gêmeos foi possuído por sentimentos malignos e
assassinou o Grande Mestre - sugere Mei. - Mas transmitir isso
para os Cavaleiros do futuro...
- Não é muito apropriado - completa Yuuri. - O oficiante-
mor diz que o Saga sofria de esquizofrenia, tinha duas
personalidades, uma de justiça e outra do mal.
- O Saga em si não era o mal absoluto - concorda Yuuri.
- Mas tentou trair Atena e provocou uma crise interna que
causou a morte de um número enorme de Cavaleiros.
- De qualquer forma, Atena, a guerreira defensora da
Terra, deve sempre aparecer na história fundamentada por
justiça inabalável e emoldurada por vitórias inquestionáveis
- diz Mei, com ironia.
- Credo, você fala coisas perigosas com a maior cara
de inocente! - comenta Yuuri. - Se o Mestre Nikol soubesse,
acho que tiraria o título de Cavaleiro de você...
- Então fica entre nós, tá? - brinca Mei. - Não quero
bater o recorde de ser o Cavaleiro que ficou o menor tempo
com o título.
- Vou lhe fazer o favor de não escrever o que você
disse. - O tom de voz de Yuuri continua sério. - O que a história
oficial de Atena precisa são as guerras santas e a verdade
histórica das vitórias. Isso dará coragem para os Cavaleiros
das próximas gerações enfrentarem o combate. Não há
necessidade de conservar registros de Cavaleiros que sofreram
amargurados entre a justiça e o mal, ou que sentiram
compaixão pelos inimigos.
- Atena é Justiça - concorda Mei.
Exatamente. Quem duvidar disso nunca vai conseguir
ser um Cavaleiro de verdade, defender aquilo que precisa.
- Seu rosto - Mei muda de assunto. - Falar com urna
mulher sem expressão facial é mais assustador do que
enfrentar Tífon.
32. - Não pode ser pior do que olhar para esse seu sorriso
sonso - responde a garota, dando de ombros.
- Por que seu nome é Yuuri? - insiste Mei. - É um nome
de homem, não é?
- Não é meu nome verdadeiro. Os Cavaleiros devem
romper todos os laços com a sociedade mundana, podendo
inclusive abandonar seu nome de família. Não sei se é o caso
do Seiya, do Shun, do Hyoga... mas acho que poucos Cavaleiros
usam o nome que seus pais lhes deram.
- Nós somos irmãos, filhos de um mesmo pai, mas fomos
criados corno órfãos - a voz de Mei torna-se séria. - Desde o
começo, não tínhamos nada a perder. Mei é só Mei. Seiya é
Seiya, Shun é Shun, Hyoga é Hyoga...
- Acho que vocês são filhos das estrelas - filosofa Yuuri.
- Eu uso nome de homem por questão de espírito.
- Aquele papo de que uma mulher que vira Amazona
tem que abandonar sua feminilidade? - Mei volta ao seu tom
sarcástico. - Você é tão antiquada!
- E você é malcriado.
- Deixa eu adivinhar: seu nome verdadeiro é Yulia.
- Além de malcriado, você é simplório. Minha vez de
fazer perguntas. O que é essa cor de cabelo? Está na cara que
é artificial: a raiz é preta!
- Esse cabelo, se quer saber... - diz Mei, sorrindo, - é
uma prova de respeito ao meu mestre.
Mas Yuuri já perdeu a paciência com o papo furado de
Mei. Arrumando rapidamente as coisas sobre a mesa, a garota
levanta-se e desaparece pelos fundos da biblioteca.
- Yuuri - diz Mei, soltando um suspiro. E sussurra, para
si mesmo: - Em japonês, esse é um nome muito feminino...
32
33. 5
P oucos textos falam da Gigantomaquia nos registros
históricos do Santuário. Nos livros oficiais, não há
uma linha sequer - explica Nikol para Atena, enquanto ela se
acomoda no trono da Sala do Grande Mestre.
- Isso acontece porque a Gigantomaquia não foi uma
guerra santa.
- Sim, deusa. O fato é que não temos informações
concretas que possam indicar o paradeiro de Tífon. - Por essa
razão, Nikol coletou pistas de locais relacionados a Tífon e
seu clã em poemas épicos e fábulas, enviando os Cavaleiros
para esses lugares em busca do deus dos Gigas. - Muitas vezes
as lendas trazem a realidade escondida dentro de si.
- Nesta batalha, o tempo não será nosso aliado - diz
Atena.
- Tem razão, deusa. A cada minuto que passa, Tífon
recupera mais do seu real poder, tornando-se um inimigo cada
vez mais poderoso. A prioridade é localizá-Io o quanto antes.
- Mas não estamos deixando o Santuário desprotegido?
- interrompe Tatsumi.
- Por isso chamamos mais um Cavaleiro: Kiki já retornou
dos Cinco Picos Antigos.
- Nikol! - Atena está surpresa.
- Ele deve cumprir suas obrigações de Cavaleiro -
responde Nikol, firmemente.
As Doze Casas do Zodíaco são os recintos dourados das
constelações, a espinha dorsal do Santuário. Os signos de Áries,
Touro, Gêmeos e assim sucessivamente dão nome às casas no
caminho que leva ao Templo de Atena, bem como aos
Cavaleiros que as guardam.
34. - Então foi aqui que ocorreu a Batalha das Doze Casas...
- Mei deixou há pouco a Biblioteca no sopé do Santuário, e
agora sobe a escadaria das Doze Casas.
O espaço das Casas está totalmente preenchido pela
proteção das estrelas. Nenhum paranormal, por mais poderoso
que seja, consegue se teletransportar na escadaria ou no
interior das Casas. A única forma possível de percorrer o
caminho é pelos degraus que Mei sobe neste instante.
Os Cavaleiros de Bronze, como Seiya, Shun e Hyoga,
irmãos de Mei, lutaram aqui contra o mal oculto no interior
do Santuário, protegendo Saori Kido, a deusa Atena. Os
detalhes estão registrados na história oficial, mas é importante
ter em mente que as Batalhas das Doze Casas foram os
combates entre os Cavaleiros de Bronze e os de Ouro durante
a chamada Revolta de Saga.
“Trágico... Cavaleiros lutando entre si”, pensa Mei,
entristecido ao se lembrar de que muitos Cavaleiros perderam
a vida nesses confrontos. Ele não participou da luta porque
na época já estava sob o domínio de Tífon, no Monte Etna.
A noite está serena. Mei percorre a Casa de Gêmeos,
que deveria ter sido protegida por Saga, chegando então à
quarta casa, a de Câncer.
- Outra Casa sem o seu guardião - diz Mei para si mesmo.
O lugar, que deveria estar brilhante e alvo como a Via
Láctea, encontra-se pesado e turvo como ruínas abandonadas.
Mei está sem palavras. De repente, passos. O garoto vira-se
para trás.
- É você, Shiryu? - pergunta, reconhecendo
imediatamente o Cavaleiro, apesar de os dois não se
encontrarem há anos.
- Quem é...? Este Cosmo...
- Sou eu, Mei.
- Mei! - Shiryu está realmente surpreso.
- Você foi treinar nos Cinco Picos Antigos da China! -
continuou Mei. - Então essa é a famosa Armadura do Dragão,
polida pelas águas da cachoeira de Rozan.
A constelação de Shiryu é a do Dragão. Seu traje sagrado
é formado por placas de oricalco, aglutinadas como escamas.
34
35. A peça do braço direito traz um pequeno escudo circular,
símbolo da própria armadura. Shiryu é um rapaz bonito, de
rosto corado, com aparência de certa forma oposta à
truculência do Dragão - seu corpo é fino e ele tem longos
cabelos pretos na altura da cintura, lembrando um galante
wakamusha, como eram chamados os jovens samurais.
- Fui convocado pelo Grande Mestre Substituto para
proteger o Santuário - explica Shiryu.
- Os seus olhos... - diz Mei, cuidadosamente. - Eu não
sabia... Quando isso aconteceu?
Os olhos de Shiryu estão fechados, o Cavaleiro agora é
cego.
- Foi durante a batalha - responde Shiryu. - Quando
cumpríamos nossa missão de Cavaleiro.
É bom explicar que a perda da visão não é algo
debilitante para Shiryu. Os Cavaleiros de Atena dominam o
Sétimo Sentido, a habilidade de “sentir” o Cosmo e a presença
de outras pessoas. Embora seja praticamente impossível
explicá-Io em palavras, o Sétimo Sentido supera os cinco
sentidos tradicionais, e até mesmo o sexto. Shiryu nem sequer
precisou de ajuda para subir as escadas.
- O que você estava fazendo aqui, Mei? - pergunta. -
Sem a visão, posso sentir, embora de forma limitada, os
sentimentos das pessoas. Parece que você estava sentindo
uma tristeza profunda.
- Eu estava pensando no meu mestre - responde Mei,
respirando fundo e erguendo os olhos para o céu. - Fui treinado
na Sicília. Meu mestre era o Cavaleiro Dourado que guardava
esta Casa.
- O Cavaleiro de Câncer - completa Shiryu, subitamente
assumindo uma expressão severa.
- Pois é, eu estava conversando com ele. O meu mestre
virou estrelas, sabe? - Mei ri e ironiza, mas a expressão de
Shiryu permanece séria.
36. 6
A natólia: península da Ásia Menor, cercada pelos
mares Egeu, Negro e Mediterrâneo. Palco de antigas
lendas gregas. Hoje a maior parte de seu território pertence
à Turquia.
- Que lugar misterioso... - comenta Shun consigo. O
garoto de cabelos cor de linho veste a Armadura de Andrômeda
e suas correntes.
É noite. Uma espécie de floresta de pedras cobre o
imenso vale. São centenas, milhares de rochas dos mais
diferentes tamanhos, chegando a dezenas de metros de altura,
muitas no formato de gigantescos cogumelos. A paisagem foi
esculpida por milhares de anos de atividade vulcânica: um
lugar tão fantástico que não parece real. Shun pula de uma
pedra para outra com leveza acompanhado pela sombra do
luar pálido.
O Cavaleiro de Bronze de Andrômeda cumpre ordens
do Grande Mestre Substituto Nikol: está em busca da morada
de Tífon. O Monte Arima, que fica nesta região, foi citado
em um poema épico e, como sabemos, as lendas às vezes
trazem a verdade escondida.
É uma corrida contra o tempo. A cada minuto Tífon se
torna mais poderoso e temível. Por isso Nikol está tão
compenetrado nessa busca, enviando em missões de
investigação Shun, Hyoga e até mesmo Seiya, que ainda não
está completamente recuperado. Neste momento, o esforço
inclui os vários Cavaleiros espalhados ao redor do mundo, bem
como os agentes secretos do Santuário.
36
37. “Se Tífon tem o poder de controlar vulcões...”, pensa
Shun, observando a tênue fumaça branca que sai do Monte
Arima, “... o que acontecerá com a Terra se ele recuperar
sua verdadeira força?”
Sem dúvida seria o fim da humanidade e de qualquer
forma de vida no planeta. Desde a erupção incomum do Etna,
havia sinais de atividade vulcânica ali e em diversas partes
do mundo. Cientistas alertavam para o risco de uma nova
Idade do Gelo, ou da extinção em massa das espécies, como
tinha acontecido com os dinossauros. Alguns fatalistas mais
apressados já professavam o fim do mundo.
- Não! Não enquanto Atena e os Cavaleiros estiverem
aqui! Jamais permitiremos! - Shun reafirma seu compromisso,
cerrando o punho.
Neste momento as correntes de Andrômeda, dotadas
de um incrivel senso de defesa, assumem espontaneamente a
formação da nebulosa Zowah, alertas à presença de um Cosmo
desconhecido.
- Quem está aí...? - pergunta Shun na direção da floresta
de pedras. O garoto percebe nitidamente um instinto agressivo
e totalmente exposto, como o de um tigre ou de um lobo,
sem a menor preocupação em se esconder. - Ah, aí está você!
- Shun lança a corrente do braço direito, que forma um arco
parecido com um bumerangue e captura alguém que se
escondia atrás da coluna de pedra. - Um dos Gigas?
Na batalha da Sicília, Ágrios, “a força brutal”; Toas, “o
relâmpago célere”, e o sumo sacerdote Encélado, “o brado
de combate”, ofereceram-se em sacrifício para Tífon. E o
Cosmo sentido por Shun não é o de Pallas, em teoria o único
discípulo de Tífon que ainda está à solta. Será que existem
outros Gigas sobreviventes? Ou será que Tífon ressuscitou
outros Gigas após a erupção do Etna?
Shun sente sua pele se eriçar, como se uma lâmina
afiada estivesse alisando a superfície de seu corpo.
38. - São dois...! Espera aí, são três?!
As figuras cercam o garoto como caçadores em volta
da presa. A vida de Shun está em perigo. O ataque combinado
de três Gigas sugere que Tífon está ali: entre todos os
Cavaleiros que buscam o deus maligno, Shun tirou o bilhete
premiado.
As sombras aproximam-se ainda mais. Podem ser
monstros lendários ou demônios mitológicos. Com certeza são
inimigos, as silhuetas emanam reflexos escuros de armaduras
de Adamas. A corrente circular no braço esquerdo de Shun
faz um zumbido, reagindo à pressão dos Cosmos agressivos. O
Cavaleiro chama de volta a corrente triangular e a ergue para
o céu, fazendo cintilar grãos de poeira estelar.
- Atena! - grita Shun, enquanto sua visão é
completamente coberta pelas três figuras de Adamas que
avançam sobre ele.
38
39. 7
N
Substituto.
ikol, por que você chamou Shiryu? - a voz límpida e
aveludada de Atena dirige-se ao Grande Mestre
- Deusa, qual é o problema de convocar os Cavaleiros
para o Santuário nesta situação de emergência?
- Você sabe do que estou falando.
- Diz isso por que Shiryu está cego?
- Shiryu havia retomado para os Cinco Picos Antigos e
finalmente estava começando uma vida tranqüila ao lado de
Shunrei, a filha adotiva do grande Mestre Ancião. Ele havia se
retirado dos combates, estava arando e cultivando a terra,
na maior serenidade...
- Atena, está sugerindo que Shiryu não é mais um
guerreiro? - pergunta Nikol, respeitosamente.
- Shiryu sofreu demais nas batalhas! Por culpa minha,
por causa da minha fraqueza! Eu tirei a visão de Shiryu. O
que mais vou tirar dele? - Atena desabafa seus sentimentos
mais profundos.
- Mas ele não devolveu a armadura - diz Nikol, após
alguns minutos de silêncio. - Não conheço nenhum homem
mais sincero, esforçado e leal. Espero sinceramente que, no
futuro, alguém com a moral, a sabedoria e a bravura de Shiryu
assuma o papel central dos Cavaleiros no comando do Santuário
- continua o Mestre. - Eu respeito e admiro a escolha de
qualquer homem que decidir viver humildemente para se
dedicar a uma mulher. Mas o destino da constelação de Shiryu
não aceitará isso. E mais, ele próprio não permitirá que isso
aconteça. Shiryu será o Cavaleiro do Dragão até que o destino
da constelação seja cumprido.
- Se isso é verdade, a pobrezinha da Shunrei sofrerá
muito. - A voz de Atena está entristecida. Não podemos nos
40. esquecer de que ela carrega em si a alma de Saori Kido, e
portanto sofre com questões humanas.
- Peço que aceite esse destino, deusa. A senhora pode
ter sido responsável por Shiryu ter perdido a visão, mas, mesmo
que venha a tirar seus braços, pernas, a moça que ele ama ou
a própria vida... mesmo que o prive de tudo, Shiryu continuará
inabalável em sua convicção de morrer lutando por Atena. É
preciso que respeite os sentimentos dele.
- Mas Mei e Shiryu... Aqueles dois não se entendem...
- Os estreitos laços do carma que une os dois também
são parte do destino. Enquanto ambos forem Guerreiros
Sagrados, não haverá como fugir dele. É algo que eles precisam
superar, e eu tenho certeza de que ambos conseguirão. São
verdadeiros Cavaleiros.
Neste momento, um objeto não identificado rompe o
espaço, fazendo um barulho alto e repentino.
- Ai! - surpreendido pelo impacto, Tatsumi, que estava
no canto da Sala do Grande Mestre, cai no chão.
Nikol avança em direção ao trono de Atena a uma
velocidade superior à do som, protegendo a deusa com seu
corpo e sua armadura.
- É a Corrente de Andrômeda... - Atena se levanta e
corre para o centro da sala. De fato, em cima do tapete central
está a corrente, na verdade, apenas um pedaço dela. O
artefato rompeu o espaço para surgir no Santuário.
- Será que aconteceu alguma coisa com o Shun...? - Ele
foi enviado para Anatólia... para o vulcão Arima.
- Será que Tífon está lá?
A única certeza é a de que Shun está em perigo. Uma
situação tão grave que ele não teve outra forma de avisar
senão se valendo da capacidade da corrente de atravessar
dimensões.
Atena segura a corrente enviada por Shun,
sobressaltando-se imediatamente.
- Este... este Cosmo?
Nikol também é capaz sentir a energia maligna que
preocupa Atena.
Nesse exato momento, uma estrela com cauda prateada
despenca do céu encoberto pelas cinzas. Shiryu de Dragão
40
41. sente que um Cosmo terrivelmente violento invade o
Santuário.
- Mei? - diz o Cavaleiro cego, virando-se para trás. Mas
o garoto não está ali. Sem esperar ou avisar Shiryu, Mei retorna
pelo caminho das Doze Casas Zodiacais, rumo à biblioteca,
onde se depara com uma imagem assustadora.
Uma ventania de papel. As páginas do livro, agora em
frangalhos, espalham-se pelo ar e pelo chão, em milhares de
pedaços. Yuuri está caída, imóvel, no chão, com a veste
escarlate de Oficiante Auxiliar do Santuário. Quem poderia
imaginar que ela registraria sua morte com o próprio sangue
no Livro da História que tem em mãos?
- Yuuri!
- Quirri! - Uma risada por trás das estantes da biblioteca.
A morte, vestida soturnamente com Adamas de comelina
escura, havia violado as redomas protetoras do Santuário.
- Pallas!
- Humph... É a marionete do meu senhor? - responde o
monstro. - O recipiente descartado ainda vive? - O Giga
“parvo” provoca Mei, pisando no corpo morto de Yuuri.
- Ora, seu...!
- Quer morrer também? - pergunta PalIas, erguendo as
garras tingidas de sangue e fios do cabelo prateado de Yuuri.
As batalhas dos Cavaleiros são travadas a um passo da
morte. Por atingirem a essência da destruição, podendo até
mesmo romper átomos, às vezes a disputa se decide num
instante, e de forma cruel. Este pode ser o futuro de qualquer
Cavaleiro: seriamente ferido, sem armadura, atacado de
surpresa por um inimigo cujo poder se equipara ao dos
Guerreiros de Atena - neste caso, um Giga poderoso. A Amazona
morta não teve a menor chance: a proteção da estrela de
Yuuri se esgotou.
Para Mei é a morte de uma companheira insubstituível,
com quem lutou lado a lado por Atena.
- Esse Cosmo maligno... é um dos Gigas? - pergunta
Shiryu, entrando na biblioteca.
- Quirri! Mais um moleque de bronze! - desdenha PalIas.
42. - Não chegue perto, Shiryu - avisa Mei.
- Se você está preocupado com a minha cegueira, pode
esquecer. O Cavaleiro de Dragão não é inferior a nenhum outro!
- Não é isso - retruca Mei. - Este inimigo é MEU! Fui eu
que rompi o seu lacre.
- Ah, como deve ser frustrante... - continua Pallas. -
Quirrirri! Vocês finalmente conseguem salvar a menina, e ela
é assassinada assim tão facilmente. Cortei sua garganta com
estas garras, arranquei seus cabelos e sua máscara! Que
felicidade!
- Quieto, animal! Não vou tolerar mais esse tipo de
coisa nas Terras Sagradas do Santuário! - Shiryu é incapaz de
conter sua ira.
- Quirrirri! Vão anotar os feitos do grande Pallas nesses
livros? - Pallas joga para o alto a máscara de Yuuri, que
escondia atrás de si. A máscara cai no chão e se quebra ao
meio.
- Seu nome não vai existir em lugar nenhum - protesta
Mei.
- Tem razão. Todos os Cavaleiros insignificantes serão
assassinados... não vai sobrar ninguém pra contar história.
- Não confunda as coisas - a voz de Mei carrega o peso
do destino que lhe foi imposto. - Esta é a Gigantomaquia...
não faz sentido registrar esta batalha na História.
Nesse momento, surge do nada uma caixa com um traje
sagrado, a armadura da constelação de Coma Berenices, que
atende ao chamado do Cosmo de Mei. Até mesmo Shiryu,
privado do sentido da visão, pode sentir o negrume da urna
com a imagem em relevo de uma mulher de costas.
A tampa se abre e a urna se revela. Nela não há luz,
mas sombras que parecem sugar qualquer luminosidade. Surge
uma bela estátua de uma mulher de costas, com longos
cabelos, prova de que o portador da caixa é um Guerreiro
Sagrado, capaz de dominar as forças mais poderosas do
planeta.
É a primeira vez que Mei traja por livre e espontânea
vontade a armadura de sua constelação protetora. Cabeça,
dorso, braços, quadril, joelhos: a figura feminina da estátua
42
43. se divide em várias partes, moldando-se e fIxando-se ao corpo
do garoto. O traje protege o Cavaleiro eleito pela Constelação.
Esta é uma armadura de tempos perdidos, que
permaneceu selada por muito tempo. A primeira coisa que
chama a atenção nela são os grandes escudos negros das
ombreiras, que lembram as asas de um corvo. Graças a
complexas conexões que permitem qualquer movimento, os
escudos fundem-se aos dois protetores dos braços sem
prejudicar a mobilidade do Cavaleiro.
O elmo lembra ao mesmo tempo protetores usados por
lutadores de boxe e um ornamento feminino. As placas do
peitoral, quadris e abdômen são leves e finas, e nas pernas a
única proteção são as joelheiras. É uma armadura de curvas
suaves, que preservam a imagem feminina que a originou,
apesar de ser intensamente negra.
- Mei, sua armadura parece uma nebulosa escura,
trazendo dentro de si a matéria que originará estrelas -
comenta Shiryu. Ele sente a explosão do Cosmo no interior de
Mei e a força do traje negro que acumula em si toda a luz: a
origem da vida.
Uma lâmina corta o ar, soltando faíscas, invisível
enquanto rompe a velocidade do som.
- Quirri...? - o Giga “parvo” está boquiaberto. Sente
que algo passou por seu corpo, mas não consegue identificar
o quê.
- Vocês não dizem que a luta entre os Gigas e os humanos
não precisa de motivos? - provoca Mei. - Então não
precisaremos de palavras.
Para a surpresa de Pallas, Mei permanece em pé,
imóvel, com os dois braços relaxados, sem assumir nenhuma
posição de ataque ou defesa. O Giga decide atacar o garoto
em sua aparente vulnerabilidade, tomando impulso no chão
da biblioteca. As folhas do livro histórico destruído voam pelos
ares, e a distância entre os dois combatentes diminui
subitamente. Os braços estranhamente longos de Pallas
dobram-se como galhos de um salgueiro, e suas garras
poderosas avançam na direção da garganta do oponente. Mas
o golpe mortífero corta apenas o ar.
44. - Quirri? - mais uma vez, Pallas está confuso. O monstro
concentra sua força no punho e ergue as garras, mas algo cai
inesperadamente, como se fosse uma bola mal arremessada.
Era uma mão, com garras: a mão do Giga, que se recusa a
acreditar em seus próprios olhos. - Meu braço... Meu
braçoooooooooooooooo!!
Uma quantidade absurda de sangue jorra do pulso
cortado. Pallas sente vertigens, intensamente perturbado pela
visão.
- Você não percebeu, mas seu braço foi cortado faz
tempo... - diz Mei.
- Q-quando? C-como? - pergunta o Giga, saltando para
trás. - Quirri? - Pallas sobressalta-se, endireitando a coluna.
Passa a mão esquerda pela nuca, literalmente, percebendo
agora que há sangue ali também. O monstro vasculha o espaço
atrás de si com as garras da mão que lhe resta, ouvindo um
som agudo, parecido com o de uma corda de um instrumento
musical.
Só então percebe que está preso em uma jaula de fios
finíssimos, mais finos que cordas de piano, esticados em todas
as direções ao seu redor.
- São fios de oricalco - explica Mei.
- Quirri...? Como é que é? Todos esses fios fazem parte
da sua armadura?
Surpreendentemente, a liga do antigo oricalco com
gamanion e poeira estelar assume ali a espessura de um fio
de cabelo, mas mantendo sua resistência.
- Cada um desses fios é uma lâmina afiada - continua
Mei. - Não se mexa ou seu pescoço vai voar pelos ares sem
que você perceba, assim como o seu braço.
Com uma leve torção de pulso, Mei controla os fios
cortantes, que lançam para longe a máscara de Adamas do
Giga. Preso na jaula de oricalco, Pallas não pode sequer se
defender.
- Diga o nome da minha estrela - ordena Mei, no mesmo
instante em que os fios cortantes estalam. Várias luminárias
da biblioteca vão se apagando, deixando aquela parte do
recinto na mais completa escuridão.
44
45. - Vai aproveitar a escuridão e fugir? - pergunta o Giga.
- Fugir? - Mei solta um riso zombeteiro. - Esses fios são
os meus olhos e os meus ouvidos. Eles são percorridos pelo
meu Cosmo.
Apenas Pallas está perdido nas trevas. Assim como Mei,
Shiryu não sente nenhuma dificuldade por causa da falta de
luz.
- Gyah! - mais um grito de Pallas na escuridão, seguido
pelo baque surdo de algo caindo no chão. - Aa-aiiii!!
Droooogaa! Minha outra mão!
- Diga o nome da minha constelação! - insiste Mei.
- Você é... o Cavaleiro... de Coma... - o Giga geme de
dor.
- Mei, de Coma - declara-se o Cavaleiro de Atena.
A vibração dos fios de oricalco entoa uma canção: uma
Vontade homicida, soturna e negra, envolvida por profunda
tristeza.
- Este é o arranjo da morte, Giga.
Lost Children - Crianças Perdidas.
- Quuiiiiiiiiiiil! - Pallas grita, desesperado, como se
quisesse rasgar a garganta com sua voz.
- Que seja feito em pedaços. - Mei puxa todos os fios
de uma vez.
Pallas se cala na escuridão, com a voz bloqueada pelo
sangue que enche sua garganta. Mei se prepara para o golpe
fatal, mas Shiryu segura sua mão.
- Por quê? - pergunta Mei.
- Se eu não o impedisse... você o teria matado. - diz
Shiryu. - Mei, o que eu sinto vindo de você é um instinto
assassino que não se satisfaria nem se cortasse o inimigo em
vários pedaços.
- Yuuri... foi morta assim. Foi assim que esse cara a
matou - justifica-se Mei.
- Não importa. Esse é um ato inaceitável para um
Cavaleiro. A vingança não é a Vontade de Atena. Além disso,
precisamos fazer algumas perguntas a esse Giga.
PalIas está agora sem os dois braços, separados por
inteiro do resto do corpo. O Giga “parvo” se agitava como
uma galinha à espera do abate.
46. - Então, Giga, onde está o seu deus, Tífon? - pergunta
Shiryu.
- Quirri. Quirrirril
- Do que você está rindo?
- Quando o nosso senhor exercer o seu verdadeiro poder,
nem mesmo Atena será páreo para ele, quanto menos os
Cavaleiros. - Pallas fala com dificuldade, soltando bolhas de
sangue pela boca. - Afinal, diante do verdadeiro poder dele,
até mesmo Zeus, o maior dos deuses do Olimpo, fugiu!!
- Qual é o objetivo de Tífon? Sua verdadeira força? Se
ele quer dominar a Terra, por que provoca erupções que podem
destruí-Ia?
- Os pensamentos dele estão muito acima dos humanos...
acima até mesmo de nós, Gigas.
- Por que os Gigas cultuam e seguem um deus desses? -
continua Shiryu. - Um deus que domina pelo terror! Uma fé
que não oferece paz de espírito!
- O terror é a fonte da nossa força - responde Pallas. -
Os Cavaleiros, em sua insignificância, serão todos mortos. Nosso
senhor tem filhos. Os Gigas Filhos de Deus estão entre nós.
Velhos Gigas, como eu, já não são mais necessários... Louvor a
vós, Tífon... - são as últimas palavras do monstro. Seu corpo
sublima-se nesse momento junto com a armadura de Adamas,
desaparecendo completamente de uma hora para outra.
- O que foi isso? - Shiryu engole em seco.
- Esse é o “temor” de Tífon - explica Mei. - Aquele que
pronunciar o nome do deus que cultua terá sua língua arrancada
e perderá a fala. Quem tiver seu nome chamado por seu deus
verterá sangue pelos ouvidos e enlouquecerá. Essa é a crença
dos Gigas.
- Vocês dois! Estão bem? - As luzes se acendem com a
entrada de Nikol na biblioteca. - Yuuri! - O oficiante-mor fica
horrorizado diante da tragédia. - E o Giga Pallas, “o parvo”...
- sussurra.
- Pallas se suicidou pronunciando o nome de Tífon - diz
Mei. - Era o último dos Gigas cujos selos eu rompi.
O garoto ainda está surpreso com suas habilidades de
Cavaleiro. Sente que o traje está ensinando-o a manipulá-Io.
46
47. Ele movimentava o corpo guiado pela Armadura. Em suas mãos,
os fios cortantes são como parte de seu corpo.
- Tenho notícias de Tífon - a voz de Nikol interrompe os
pensamentos de Mei.
- O senhor descobriu alguma coisa? - O garoto ergue o
rosto na direção do oficiante-mor, que responde com uma
voz pesarosa.
- Shun...
49. 1
E xiste no Santuário um humilde cemitério. Ali
repousam os Guerreiros de Atena, alguns famosos,
outros menos conhecidos - muitos túmulos nem devem ter
corpos sepultados. As lápides são simples pedras com o nome,
a classe e, em alguns casos, a constelação dos Cavaleiros -
algumas completamente cobertas de musgo.
- Mais uma companheira que perdemos... - balbucia
Seiya, que recebeu a notícia da morte de Yuuri ao retornar
de sua missão.
- Conseguimos salvá-Ia uma vez... - diz Hyoga, com o
olhar perdido na direção do túmulo recém-construído.
Desde os tempos imemoriais das antigas lendas
mitológicas, Cavaleiros tão numerosos quanto as estrelas no
céu lutam pelo Amor e pela Justiça na Terra, cumprido o seu
destino.
YUURI, Bronze, Sextante. Nada na inscrição indica que
esse é o túmulo de uma mulher.
- A cada combate, eu só pedia uma coisa... - a voz de
Nikol está carregada de tristeza - que eu não precisasse
pronunciar uma prece de despedida. O oficiante-mor conclui
o ritual.
- É só isso? - Mei aperta os lábios diante da lápide de
Yuuri. Sente que a homenagem foi curta demais para a saudade
que sente.
- O que você queria? Um enterro colossal como o dos
imperadores da Antigüidade? - o tom de Nikol carrega algum
sarcasmo. - Deveríamos por acaso fazer uma festa para
celebrar a sua passagem e chorar durante sete dias e sete
noites? - continua. - Não precisamos de ostentações. Nem
mesmo precisamos de túmulos. A paz na Terra é a maior prova
50. de que cada um dos Cavaleiros esteve aqui. Mesmo que um
dia as pessoas se esqueçam de nós, as estrelas jamais nos
esquecerão.
As palavras de Nikol reverberam no espírito de Mei e
no destino traçado por sua armadura negra. Ele é um guerreiro
da Gigantomaquia.
50
51. 2
N a Sala do Grande Mestre, Nikol mostra a Seiya o
pedaço da corrente triangular da armadura de
Andrômeda. A primeira reação do garoto é se oferecer
prontamente para resgatá-Io.
- Shun foi a Anatólia. Estou certo, oficiante-mor? - Hyoga
de Cisne também está preocupado com seu companheiro e
irmão.
- Foi ao Monte Arima - responde o oficiante-mor.
- A corrente triangular é a corrente de ataque - comenta
Shiryu, sentindo o artefato com as mãos. - Shun sacrificou a
própria arma, renunciando à luta para nos alertar do perigo.
- Que inimigo intimidaria um Cavaleiro como Shun? -
alguém pergunta.
- Só podem ser os Gigas!! - grita Seiya, impaciente. -
Yuuri foi assassinada por um Giga que invadiu o Santuário.
- Acalme-se, Seiya - Atena, que até agora estava sentada
em seu trono, fala pela primeira vez, fazendo com que todos
os presentes fiquem em silêncio para ouvir a Vontade Divina
à qual dedicam a vida. - A vida ou a morte de Shun depende
do destino de sua estrela. Mas vamos fazer o melhor que
pudermos por ele.
Para surpresa de Seiya, Hyoga e Shiryu, nesse momento
um novo grupo de Cavaleiros entra na Sala do Grande Mestre.
- Chegaram. - confirma Nikol, virando-se em direção à
porta.
Os recém-chegados se apresentam:
- Nachi de Lobo.
- Ban de Leão Menor.
- Ichi de Hidra.
- Geki de Urso, ao seu dispor.
52. -Jabu de Unicórnio. Atendendo à ordem Divina,
comparecemos ao Santuário.
Com isso esses Cavaleiros de Bronze ajoelham-se diante
de Atena.
- Obrigada por terem vindo de tão longe - responde a
deusa.
- Viemos para reforçar as defesas do Santuário... - Jabu
traja a armadura de Unicórnio, com um chifre solitário no
elmo. É parecido com Seiya, e os dois têm quase a mesma
idade. A principal diferença é sua pele, mais morena,
provavelmente por ter vindo da Argélia, onde cumpria sua
missão de Cavaleiro.
- Jabu, Nachi, Ban, Geki e Ichi - diz o oficiante-mor no
tom mais “oficial” possível. - Sua missão já foi comunicada:
devem formar um círculo protetor ao redor do Santuário e
defender Atena.
- Sim, senhor - responde Jabu. - Também gostaria de
rever o Mei, agora que sabemos que ele está vivo.
- Mei? - chama Seiya, olhando ao redor.
- Alguém viu o Mei? - pergunta Nikol, com ar
preocupado.
- Ele estava com a gente no enterro...
- Chegueeeeeeeei!!
Seiya é interrompido pela voz aguda de um garotinho,
mais jovem que os outros, que entra na Sala do Grande Mestre.
É Kiki.
- Missão cumprida, senhor Nikol! - diz o menino, fazendo
uma reverência sapeca.
- Missão...? - A expressão do oficiante-mor é de pura
surpresa.
- Como assim? O senhor não me mandou teletransportar
o Mei para o vulcão Arima?
- Eu não dei essa ordem - responde Nikol.
- Não? Sério? Foi o que me disse o Mei, por isso eu... -
Kiki está confuso.
- Quer dizer que o Mei foi salvar o Shun sozinho? - grita
Shiryu.
- Creio que ele está se sentindo culpado pelo que
52
53. aconteceu a Yuuri e Shun, além do retorno de Tífon... - Nikol
se recrimina duramente por não ter sido capaz de perceber
que Mei se responsabilizava pelos acontecimentos.
- Kiki! Leva a gente pro vulcão Arima!
- T -tá legal!
- Espere, Seiya - interrompe Nikol.
Altiva, Atena se aproxima de seus Cavaleiros
placidamente, segurando o cetro que representa Nike, a deusa
da vitória. Seu longo vestido está esvoaçando suavemente.
- Nikol tem a obrigação de estudar e analisar os fatos
um pouco mais do que você - diz a deusa. - Se Tífon estiver no
monte Arima, isso significa que provavelmente já existe ali
uma redoma protetora.
- O Flegra de chamas terrenas! - Seiya se lembra do
campo de força de Tífon, que suga o Cosmo, e que tanto os
prejudicara no Etna.
- Nikol - Atena desvia os olhos acinzentados para o
Grande Mestre em exercício.
Compreendendo a Vontade de Atena, o Cavaleiro de
Altar parte em busca de uma pequena caixa, a qual oferece à
deusa. Dentro dela há um espadim brilhante como uma jóia.
Atena olha com ternura para Seiya, Hyoga e Shiryu.
- Venham até aqui.
Os três Guerreiros Sagrados atendem ao chamado de
Atena.
- Que o sangue proteja os meus cavaleiros. - A deusa
aproxima a lâmina do pulso. É tão afiada que basta um leve
toque para fazer um corte. Sem hesitar, Atena a faz correr
pelo seu braço. O nobre sangue divino desenha um fio
vermelho sobre a pele clara.
As três armaduras de bronze - de Pégaso, Cisne e Dragão
- recebem gotas do sangue de Atena, e assim obtêm a proteção
da sua soberana Vontade.
Após oferecer a proteção do seu sangue também à
armadura de Altar, Atena devolve o espadim a Nikol. O
cavaleiro recebe respeitosamente a arma, limpa a lâmina com
um tecido branco e a coloca novamente na caixa.
- Enquanto estiverem nestas armaduras consagradas
com o sangue de Atena, vocês não sofrerão com a redoma
54. protetora das chamas terrenas de Tífon - explica o oficiante-
mor
- Então agora podemos ir!
- Seiya... Hyoga, Shiryu. Acompanhem-me até o vulcão
Arima.
- Kiki, perdoe-me por abusar de você, mas peço mais
uma vez. Agora cada momento é importante - hora para mais
um teletransporte.
- Eu lhe confio Shun, Mei, e todos aqui - Atena diz
serenamente a Nikol, enquanto Tatsumi procura estancar,
apavorado, a hemorragia do pulso da deusa.
- É claro, Atena. Sem Mei, será dificílimo selar Tífon. -
Antes de deixar a sala, Nikol faz uma última reverência.
- O que você quer dizer Com “sem Mei”? - pergunta
Seiya.
- Estava falando do destino da constelação de Mei. Vou
lhe contar mais tarde. Agora não é o momento - completa
Nikol.
54
55. 3
A o acordar de um pesadelo no qual se arrastava pelo
chão, como uma taturana, Shun está tomado por
calafrios que o entorpecem até a ponta dos dedos.
- Esta sensação... - É como se o Cosmo vazasse por sua
alma. - O campo do FIe...
- Cavaleiro de Andrômeda - a voz áspera de Tífon
interrompe os pensamentos de Shun. - Está sentindo o temor?
Olhando fixamente para o garoto, ali está o deus
assimétrico de chamas e relâmpagos, o último dos Gigas, com
sua armadura brilhante e escura de Adamas. Shun é seu
prisioneiro.
- Por que tenho a impressão de que já conheço você? -
pergunta o deus monstruoso. - Sinto que já lutei com você.
Ah, é claro! São as memórias do meu querido irmão Toas.
Será que as lembranças de Toas, o “relâmpago célere”,
se transferiram para Tífon quando ele o devorou em sacrifício?
Shun tem dificuldade para encarar o deus dos Gigas: as chamas
e relâmpagos que emanam de Tífon parecem queimar suas
retinas. E ele está cada vez mais poderoso. Shun não sabe,
mas Tífon acabou de devorar Pallas, “o parvo”, aumentando
ainda mais seu poder.
- Vejo que não é apenas um ser humano, Andrômeda -
diz a criatura. - Você é o receptáculo de um dos deuses do
Olimpo. Não me esqueço do sabor do seu sangue e do cosmo
que sorvi, embora pouco, no monte Etna. Não poderia desejar
sacrifício melhor!
Tífon se curva para frente e toca o rosto de Shun. Um
choque elétrico atinge os centros nervosos do corpo do
Cavaleiro, que se contrai involuntariamente num espasmo
violento.
56. - Vou devorá-Io! - Tífon lambe os lábios com sua língua
preta.
- Sou um Cavaleiro de Atena - responde Shun.
- Jamais me renderei ao seu temor.
- Não há como escapar do temor - diz Tífon, virando-
se. - Gostaria de devorar você agora, mas tenho que esperar.
O deus dos Gigas sai do campo de visão de Shun,
revelando o altar. Sobre ele, envolvida pelo fino “Casulo do
Tempo”, repousa a imagem de uma mulher grávida, metade
humana, metade serpente. “O Calabouço do Tempo
Estagnado.”
- Andrômeda, vou devorá-Io na ocasião do nascimento
do meu novo e verdadeiro corpo carnal.
- Aquela mulher está viva?
- Equidna. A última das mulheres Gigas - revela Tífon. -
Um monstro mitológico, desenhado pelo temor dos frágeis
humanos. É a minha forma feminina. Arranquei suas pernas
para que não fugisse.
De fato, Shun percebe que a metade inferior de
Equidna, a parte da serpente, está presa ao pedestal por vários
e grossos pregos.
Nesse momento surgem três figuras não identificadas.
- Pai - dizem as sombras.
- Meus filhos... O que são esses Cosmos pequeninos que
me irritam com sua implicância?
- Aparentemente, os Cavaleiros de Atena voltaram a
invadir estas terras - responde a sombra de Ladon, “o dragão
de cem cabeças”.
- São como insetos no verão. Matem-nos! - ordena o
deus dos Gigas. - Mais que isso, devorem cada um deles!
- Sim, pai. - Respondendo com obediência absoluta, os
filhos de Tífon deixam novamente o templo subterrâneo.
“Será que são Seiya e os outros?”, pensa Shun. “Então
a corrente de Andrômeda chegou a Atena.”
- O “Tempo Estagnado” em breve se romperá - repete
Tífon, lançando um olhar maligno na direção da mulher no
altar. E, então, voltando-se para Shun: - Vou devorar você,
Cavaleiro.
56
57. 4
E m pé sobre uma rocha que lembra um chapéu
pontiagudo, Seiya examina a paisagem ao seu redor.
Está em uma das muitas florestas de pedras do vale da
Anatólia, uma região desolada, distante da civilização. O
Cavaleiro não vê nenhum tipo de luz, nenhum sinal de
habitação. À sua volta estão Hyoga, Shiryu, Nikol e Kiki, que
os teletransportou do Santuário até ali.
- Oficiante-mor, qual a relação desta terra com Tífon?
- pergunta Shiryu.
- Um poema épico grego conta uma história chamada
“A Morada de Typhoeus”.
- Typhoeus? Seria sobre TÍfon?
- Na verdade, é sobre a esposa de Tífon. Já ouviram o
nome Equidna? - pergunta Nikol aos Cavaleiros de Bronze.
- Mãe de monstros - responde Hyoga.
- Sim, muitos monstros da mitologia grega são
considerados filhos de Tífon com Equidna: o leão de Neméia,
a serpente venenosa Hidra, Cérbero, o cão do inferno, o abutre
que devorou as vísceras de Prometeu acorrentado...
- Espera aí! Esses monstros não são constelações? -
indaga Seiya.
- São, sim - explica Nikol. - Essa lenda é uma das muitas
histórias envolvendo figuras que deram nomes a constelações.
Esses monstros são frutos do medo... do “temor” das pessoas.
Talvez os humanos tenham tentado apaziguar essas criaturas
aterrorizantes elevando-as aos céus. Além disso, creio que o
destino das estrelas não existe somente para os humanos,
mas também para os Gigas.
- O senhor acha então que os Gigas também têm suas
constelações e vêem as estrelas?
58. - Exatamente, Shiryu. - Nikol ergue os olhos para o céu
noturno. - O firmamento é o recipiente deste universo, no
qual todos os Cosmos e todas as Vontades Divinas se mesclam.
Nesse momento, os quatro Cavaleiros verificam seus
trajes sagrados. Admiram o brilho das estrelas que honravam.
Estão sob a proteção do sangue de Atena. Contemplam o seu
destino.
- Vamos salvar o Shun.
- E o Mei.
- E vamos vencer, por Atena.
Nikol vê os três garotos colocarem as mãos umas sobre
as outras, selando o compromisso de cumprir a missão.
- Mas... e eu?
- Você fica esperando aqui, Kiki. Quando sentir que
está em perigo, fuja logo. Sua força é necessária para Atena.
- É mesmo? Hummm, acho que é sim... Sem mim, as
coisas não acontecem, certo? - Feliz com o elogio de Nikol,
Kiki procura um lugar para se sentar e esperar pelos
companheiros, que saem imediatamente em disparada pela
floresta de pedras.
Os quatro correm mantendo uma distância fixa entre
si.
O que eles devem fazer não é protagonizar uma história
de heroísmo e bravura para ser contada por milênios. Tudo o
que farão é pelo Amor e pela Justiça na Terra. Por seus
companheiros e por Atena.
- Ainda não sinto a redoma de Flegra - grita Seiya para
os outros. A floresta de pedra não está sob a maldição de
Tífon, portanto, ao encontrarem o campo de força, terão
encontrado também o deus dos Gigas.
De repente ouvem um ruído, uma espécie de grunhido
ensurdecedor. Os quatro Cavaleiros param e assumem posição
de combate. O solo se abre.
58
59. 5
A floresta de pedra grita. O vento que percorre as
rochas faz o ar vibrar e ameaça os invasores como
uma harpa estridente. O chão cede. A superfície desmorona
como uma concha vazia, e os cavaleiros são tragados para o
centro da Terra, perdendo-se uns dos outros em meio às
sombras das rochas e à poeira que cai.
A cratera é grande o bastante para abrigar vários
anfiteatros, e vai ficando cada vez mais profunda, até que
eles finalmente atingem o fundo. Com isso a Terra fica
silenciosa novamente.
- Uff - Hyoga tosse, empurrando uma rocha gigantesca.
- Onde estou? - O Cavaleiro percebe que perdeu o contato
com o Cosmo de Shiryu, Seiya e os outros.
O ar está saturado de poeira. É impossível manter os
olhos abertos. De qualquer forma, Hyoga está muito abaixo
da superfície: mesmo que pudesse abrir os olhos, a escuridão
é absoluta.
Enquanto caía, Hyoga pulou instintivamente para um
buraco lateral da cratera. Se tivesse caído até o fim teria
sido soterrado pelo volume colossal de rochas.
- Outra armadilha dos Gigas? - pergunta-se o garoto,
agora separado dos outros Cavaleiros.
Uma ventania assustadora percorre os espaços vazios
da Terra. Hyoga sente como se uma centena de serpentes
lambesse todo o seu corpo.
- Ora... conseguiu sobreviver ao desmoronamento?
Hyoga vira-se na direção da voz e, para sua surpresa,
consegue abrir os olhos. A poeira, antes tão densa, sumiu
completamente.
60. Está numa caverna com luzes vacilantes entre o
vermelho e o marrom, que lembra muito o templo subterrâneo
do monte Etna. Hyoga está surpreso pela existência de um
espaço tão amplo sob o vulcão Arima.
- Essa armadura... não é um traje qualquer - continuou
a voz, grave como a de uma fera rosnando.
- Ah, você percebeu? - Hyoga já consegue visualizar a
figura do inimigo: é um dos Gigas.
- Dentro da redoma de Flegra, armada no interior deste
templo subterrâneo, sua armadura repeliu o “temor”.
- Tífon está aqui?
- Deve ser a proteção do sangue de Atena.
- Hyoga, da constelação do Cisne.
- Ortos, “o cão bicéfalo do mal”.
Seu Adamas tem o brilho de uma safira-estrela da cor
das trevas, uma pedra nobre e rara, que traz em suas
profundezas de um azul intenso os raios cintilantes das
estrelas.
Hyoga reconhece o nome do monstro da Antigüidade. A
figura à sua frente parece ser feita de rocha maciça. Embora
tenha a mesma altura dos outros Gigas, seu torso e abdômen
são de proporções colossais, transmitindo uma densidade
comparável à do urso polar, um mamífero de meia tonelada
que é o maior animal carnívoro do planeta.
O Giga usa uma coleira de espinhos e uma armadura de
Adamas de formato incomum, lembrando um corajoso e
enrugado cão Mastiff.
- Você é filho de Tífon e Equidna. O Giga que invadiu o
Santuário declarou que havia novos Gigas, filhos de deus...
- Eu sou um deles.
Seu rosto estava inteiramente coberto por um elmo.
As ombreiras têm imagens que representam o próprio cão
bicéfalo maligno, com seus dentes à mostra como se estivesse
sempre preparado para morder os inimigos. Parece ter três
cabeças, incluindo o elmo.
- Então você é o meu inimigo.
Um cristal de neve dançou em suspensão, congelando
o ar. Os sons finos das crepitações dedilhadas pelo frio na
60
61. atmosfera são o silencioso prelúdio do guerreiro, o elevar do
Cosmo de Hyoga.
- Vou devorar você.
- Que mau gosto - responde Hyoga, sentindo um terrível
mal-estar.
62. 6
D epois de ter sido praticamente sepultado vivo, Seiya
abre caminho destroçando as rochas que caíram
sobre ele, erguendo-se da terra como um morto ressuscitado.
O menino esfrega os olhos e cospe energicamente o barro
que se acumulou dentro da boca.
- Credo! Não teria graça nenhuma morrer num lugar
como este - diz para si mesmo, talvez para aliviar a tensão.
Acima dele a saída está parcialmente soterrada. Seiya
não consegue enxergar o fundo. No local há uma luminosidade
turva, preenchendo o ar no interior da caverna e revelando
os contornos da rocha.
- Igualzinho ao Monte Etna! Então aqui também é...
- Terra Sagrada do meu pai.
Seiya dá uma ágil meia-volta e assume posição de
combate, fechando a guarda com os braços.
- Quem é você, que aparece assim de repente? Quase
me mata do coração - provoca Seiya, reconhecendo no inimigo
a figura de um Giga. - Então aquela rachadura na terra foi
uma armadilha de vocês!
- Não era nossa intenção que o combate se resolvesse
assim - diz o monstro. - Se morressem apenas por causa
daquilo, não poderíamos vingar o ódio acumulado ao longo
do tempo pelos Gigas. Quero saber o seu nome.
- Para quê? Para escrever em um livro de História? -
ironiza o garoto.
- Os Gigas não precisam registrar a História. A existência
do meu pai é a prova de que os Gigas sobreviveram. - Com
isso o inimigo surge das sombras por inteiro, e sua figura
monumental domina a caverna preenchida com a Vontade de
Tífon.
62
63. Seiya prende a respiração diante do que vê. O Giga
tem asas formadas por membranas esticadas sobre ossos, como
as dos morcegos. A espada na mão esquerda é uma serpente
venenosa. O escudo na mão direita é uma cabra, cujos chifres
evocam as antigas representações do diabo. Esses aparatos
fazem com que a figura pareça um fantasma desgarrado de
uma cavalaria medieval.
O brilho do Adamas que cobre todo o seu corpo é de
rubi-estrela, mas da cor das trevas - uma outra pedra preciosa,
raríssima, de um vermelho tão intenso que chega a ser cruel,
resguardando em seu interior as labaredas de estrelas
enlouquecidas. No rosto, uma máscara que imita a cara de
um leão.
- Você disse pai? Está falando de Tífon? - pergunta Seiya.
- Estou perguntando seu nome por uma única razão. -
O Giga muda de assunto, completamente preparado para o
combate. - Tenho que saber o nome da carne que vou comer.
Seiya se irrita com a forma que o monstro lhe encara.
Chutando o chão, toma impulso para se lançar na direção do
oponente.
- Cometa de Pégaso! - grita, cercando-se de uma aura
branco-azulada.
Um brilho intenso. Seus punhos dirigem-se ao inimigo
a uma velocidade muito maior que a do som. O ataque mortal
rompe a redoma de chamas terrenas, e por isso pode ser
lançado com sua energia de sempre.
Mas um inesperado contra-ataque arremessa Seiya ao
chão: o violento golpe aplicado pelo escudo cravejado do Giga
faz com que o garoto caia a uma distância de dezenas de
metros, formando uma coluna de água. Um lago subterrâneo.
O “cavaleiro andante” dos Gigas sobe pelos rochedos
para além de onde Seiya foi arremessado. Embora desajeitado,
seu andar não é, de forma nenhuma, lento.
- Eu estava mesmo querendo lavar os pés. Aliás, faz
uns três dias que não tomo banho. - Seiya encara o inimigo de
dentro do lago, com água até a cintura. Apesar de machucado,
o garoto sorri com um ar tranqüilo, como se não tivesse sofrido
nenhum dano. - Está um pouco gelada, mas acho que agora
acordei de vez.
64. - Ora, seu...
- Para agradecer, vou dizer o que você queria saber. Eu
sou Seiya! Seiya de Pégaso!
- Quimera, “a fera pluriforme” - apresenta-se o Giga.
Seu corpanzil tem mais de dois metros de altura e sua
armadura parece ser a própria carapaça do gigante.
Na fase de treinamento para ser um Guerreiro Sagrado,
Seiya tinha aprendido sobre fábulas de monstros. O garoto
busca agora na memória alguma referência que sua mestra,
Marin, a Amazona de Prata da Constelação da Águia, possa
ter feito sobre Quimera.
A metade superior do Giga tem a forma de um leão, e
a inferior é o corpo de uma cabra. Na cauda, uma serpente. É
um ser estranho, fantástico, assombroso.
- Você é filho de Tífon.
- Vou devorar você.
O cavalo alado e a criatura fantástica que reúne
múltiplos animais colidem em combate.
64
65. 7
N ikol de Altar também escapou do desmoronamento,
abrigando-se numa caverna sob o vulcão Arima.
- Oficiante-mor... - chama Shiryu, o Cavaleiro de
Dragão. - Onde estão Seiya e Hyoga?
- Não sei. Aparentemente, caíram muito abaixo de onde
estamos - responde Nikol.
- Estamos no fundo de um fosso? - pergunta o Cavaleiro
cego.
- Numa caverna. Pelo que vejo, há marcas artificiais
nas paredes. Talvez seja um templo subterrâneo dos Gigas.
Também parece que há uma redoma de Flegra. Estou
preocupado com Shun e Mei...
- Senhor, pelo que o Kiki nos disse, não deve fazer mais
de uma hora que ele trouxe o Mei ao vulcão Arima.
- Espero que ele esteja bem.
- Se este for o templo de Tífon, devemos ir para baixo.
Lá encontraremos o Seiya e o Hyoga - sugere Shiryu. - Consigo
sentir o Cosmo deles, embora apenas minimamente.
- Não me diga! Eu não consigo. Devem ser os laços de
sangue, vocês são irmãos. - Nikol sorri.
Nesse momento um baque pesado faz com que os
subterrâneos do monte Arima vibrem novamente.
- Outro desmoronamento? - Nikol olha para o alto.
- Não... isto é... - sem tempo de explicar, Shiryu sai
correndo na direção de um Cosmo que sugeria uma estrela
moribunda. - Por aqui, senhor!
Nos corredores por onde seguem, a luminosidade está
bem mais reduzida. Shiryu, embora seja cego, avança como
se guiasse Nikol pela penumbra. Chegam a mais uma abertura,
mais iluminada. Diante dos dois está...
66. - Mei!
... a figura do Cavaleiro vestido com o traje negro,
ferido e caído. Deitado de bruços, parece erguer um pouco o
rosto, gemendo.
- Você está bem?
Sem fazer nenhuma menção de se proteger, Nikol corre
em sua direção.
- Pare! Não venha! - grita Mei com a voz debilitada,
quase inaudível.
Nesse instante faz-se a mais completa escuridão.
Metsu!
Um ataque vindo das trevas atravessa o peitoral do
Traje Sagrado de prata como se fosse feito de papel. Um som
surdo. A proteção da estrela de Nikol parece estar se
esgotando.
- Oficiante-mor!
Algo o atravessa pelas costas. Não há nada que Shiryu
e Mei possam fazer. Não há como voltar no tempo. O fim de
uma vida não pode ser adiado. O sangue inunda os pulmões
de Nikol após seu peito ser rompido.
Mei se aproxima de Nikol, arrastando-se. O Ca-valeiro
da constelação de Altar cai de bruços, sem nada fazer para
amortecer sua queda.
- Mei... você está bem? - pergunta o enfraquecido Nikol,
preocupando-se com os outros mesmo em seu último
momento.
- Por que não armou a guarda? Uma pessoa como o
senhor...? - Mei, com os cabelos prateados tingidos de sangue,
fica arrasado ao perceber que a morte de Nikol é inevitável.
- Isso foi um vacilo!
- Tem razão... estou constrangido - admite o oficiante-
mor. - Perdi o controle quando o vi caído. Só tinha em mente
que você é necessário, Mei. Você estava a ponto de trair a
confiança de Atena... Eu disse que havia um segredo oculto
dentro do Santuário... a história da antiga Gigantomaquia...
sem você... sem a armadura de Coma Berenices, seria
dificílimo selar Tífon...
- Poupe suas energias... não fale mais nada...
66
67. - Sele Tífon - Nikol gasta toda a força que lhe resta. -
Sua armadura o guiará... será a voz das estrelas... e só você
poderá ouvi-Ia...
- Sim...
- A única coisa que lamento... como Grande Mestre
Substituto... - o olhar de Nikol vai perdendo a força - é não
saber qual é o destino confiado a você e a seu traje. Isso não
está na História Oficial. Não está em nenhum livro histórico.
Nem Atena reencarnada sabe... o sangue de Atena consagrado
no seu traje negro... naquele passado distante... irá lhe contar
quando chegar a hora.
- A proteção do sangue de Atena... - repete Mei. - Poderá
ser um destino terrível para você... Mesmo assim, sou obrigado
a dar a ordem. Mei... Vejo agora que o destino da minha
estrela foi dizer isto para você: sele Tífon. - São as últimas
palavras de Nikol. Nesse instante, outra estrela se solta do
firmamento.
NIKOL, Prata, Altar. Talvez seu túmulo não tenha restos
mortais.
- Oficiante-mor!
- Shiryu - adverte Mei - Tome cuidado... O inimigo...
Shiryu corre em direção a Mei, vasculhando o interior
da cavema. Seus movimentos são interrompidos por um Cosmo
avassalador.
- Apareceu mais um inseto barulhento! - A presença
domina toda a caverna escura.
- Você me usou como isca! - grita Mei. - É tudo culpa
minha! - Arrependido, Mei morde o lábio inferior com tanta
força que o sangue escorre pelo seu queixo.
- Meu pai ordenou que devorássemos todos vocês,
Cavaleiros - diz a voz que comanda os Gigas filhos de deus.
- Quem é você? - Shiryu não o vê, mas pode medir o
temível Giga que está diante dele pela escala absurda do seu
Cosmo. Se pudesse enxergá-Io, certamente estaria ainda mais
apavorado.
- Ladon, “o dragão de cem cabeças” - declara a voz.
Mei se levanta cambaleante. Seus ferimentos são profundos e
68. sangrentos: tem os músculos da perna retalhados, como se a
carne tivesse sido rasgada a dentadas.
- Ladon... Esse é o nome de um dos filhos de Tífon e
Equidna na mitologia. O dragão maligno! - grita Shiryu.
- É o Giga filho de deus de que falava Pallas... -
completa Mei.
- Aqui estou - proclama Ladon. O brilho do seu Adamas
era o da opala negra, mais uma gema rara, e irradiava
nebulosas estelares com todas as cores do arco-íris no
firmamento de denso ébano.
- Fuja, Mei - ordena Shiryu. - O Seiya e o Hyoga devem
estar abaixo desta caverna. Você sente o Cosmo deles, não é?
- Acha que vou abandonar você?
- O oficiante-mor me contou... Sem você e o seu traje,
será impossível selar Tífon.
- Mas...
- Não repita o erro. - Shiryu não tem escolha a não ser
esbofetear o relutante Mei. - Para que somos companheiros?
Para que somos irmãos? Você não está lutando sozinho.
- Por essa eu não esperava. Levar um tapa de um irmão
mais novo...
- Mei... tem uma coisa que eu preciso contar para você
- confessa Shiryu. - Na batalha das Doze Casas eu lutei com o
seu Mestre, o Cavaleiro de Ouro de Câncer... e o derrotei
com estes punhos.
- Eu sei - responde Mei. - Soube de tudo através do
oficiante-mor... de Nikol. Ele me contou antes de eu me
reencontrar com você na Casa da Constelação de Câncer.
- Você sabia!
- Aquele homem - Mei abre o coração para o irmão -,
mesmo que tenha sido um Cavaleiro maligno que se revoltou
contra Atena, continua a ser o meu mestre. Ao mesmo tempo,
eu e você temos o mesmo sangue. Nunca vou comparar as
duas coisas.
- Mei... obrigado. Esta conversa me livra de um peso
enorme no coração. - Shiryu sorri, um sorriso de alívio.
Diante da atitude honesta do irmão, Mei também se
sente redimido, salvo.
68
69. Antes que possam se despedir, Ladon, “o dragão de
cem cabeças”, coloca-se diante da dupla.
- Acha que deixarei que ele vá embora? - pergunta o
monstro, referindo-se a Mei.
- Eu, Shiryu de Dragão, vou provar que sim.
- Dragão...? - pela primeira vez, o Giga de máscara
metálica revela algo que pode lembrar um sentimento.
- Eleve-se, Cosmo! Tome isto! O maior ataque deste
Cavaleiro...
O Dragão Celeste, resplandecendo num brilho branco-
azulado, abriga-se no punho direito de Shiryu.
- Cólera do Dragão!
71. 1
N o lago subterrâneo sob o vulcão Arima, Seiya de
Pégaso e Quimera, “a fera pluriforme”, encaram-
se, frente a frente.
- Você é filho de Tífon!
- Vou devorar você! - proclama o “cavaleiro andante”
dos Gigas, equipado com a espada da serpente venenosa, o
escudo do leão e o Adamas de rubi-estrela da cor das trevas.
- Vocês, Gigas, são muito vulgares, sabia? - Seiya, por
sua vez, está completamente desarmado. Os Guerreiros de
Atena lutam somente com o corpo, mas isso não significa que
não saibam usar armas. Precisam saber, uma vez que seus
inimigos não seguem nenhuma proibição nesse sentido. Assim,
além do aprimoramento do corpo, o treinamento dos
Cavaleiros inclui combate contra oponentes armados.
As articulações da pesada armadura de Adamas do Giga
estalam com seus gestos. Para Seiya, dotado da agilidade de
um cavalo que percorre os céus, a movimentação do monstro
é desajeitada como a de um fantoche mal conduzido.
- Sua armadura parece pesada - provoca o garoto. -
Acha que um lerdo como você seria capaz de pegar o Pégaso?
Nesse instante, Quimera lança um ataque cortante na
direção de Seiya, um golpe pesado e rude, mas surpre-
endentemente rápido, como uma rajada de vento. O Cavaleiro
sente calafrios na espinha ao desviar-se por um triz da
trajetória da lâmina, recuando até uma rocha plantada no
meio do lago subterrâneo. Agitando a enorme espada em
movimentos circulares apenas com a mão direita, o Giga se
aproxima de Seiya, passo a passo, num andar desajeitado,
mas preciso.
72. - O que será essa espada? - pergunta-se Seiya.
A espada da serpente na mão da “fera pluriforme” tem
o fio dentado como o de um serrote.
- Receba a ardente lâmina assassina - anuncia Quimera,
enquanto a serpente venenosa traça um arco flamejante,
emanando um calor infernal. - Rompantes da Lâmina!
Atingido pelo golpe incendiário, Seiya é atirado
novamente no lago subterrâneo, onde um rastro de vapor
d’água marca a trajetória da espada de Quimera. O Cavaleiro
se ergue, depois de engolir um bocado de água. Apesar de
amplo, o lago é bem raso: mesmo nas áreas mais profundas, a
água mal chega à cintura de Seiya.
- Eu não acredito... a armadura! - grita o Cavaleiro,
perplexo.
A parte mais poderosa do Traje Sagrado, o peitoral,
apresenta marcas profundas da lâmina dentada, descendo a
partir do ombro esquerdo. Se Seiya estivesse um passo à
frente, seu coração teria sido atingido pelas chamas.
Quimera caminha para dentro do lago, lançando outro
golpe da enorme lâmina contra Seiya, fazendo seu Adamas
ranger e gerando mais uma imensa coluna de água. O Cavaleiro
não tem opção a não ser recuar o máximo possível diante da
impetuosidade das explosões.
“O momento em que ele inicia o ataque é estranho”,
pensa Seiya. “É impossível calcular o revide!”
De fato, parece haver uma estranha variação dentro
de cada ataque de Quimera: o movimento do seu braço, o
passo que dá para o impulso, a velocidade da espada e sua
trajetória não parecem pertencer ao mesmo ataque, ora
tardio, ora precipitado. Tudo isso confunde Seiya.
“É como... se não fossem movimentos humanos!”,
conclui o garoto, antes de contra-atacar:
- Meteoro de Pégaso!
Mas seu esforço é inútil. Centenas de meteoros que
superam a velocidade do som são novamente repelidos, sem
nenhuma exceção, pelo escudo de cabra.
- Onde você está mirando? Acha tanta graça em jogar
água para o alto? - ironiza o Giga, em meio aos jatos de água
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73. resultantes do impacto do golpe no lago. Seiya se aproveita
da cortina de água que bloqueia a visão de Quimera e se
posiciona atrás do monstro.
- Segura essa: Turbilhão de Pégasooo! - Seiya dá um
salto rápido, apoiando-se no corpanzil do Giga, mas o contato
faz com que grite de dor: suas mãos, seus braços e seu peito
parecem ter tocado em brasa. Os dedos ardem dolorosamente:
estão queimados. Ao mesmo tempo, a água ao redor de
Quimera começa a evaporar.
- Esta armadura ardente traz consigo a chama das
estrelas - explica o Giga, com um sorriso maligno.
- Então é esse o poder do Giga filho de deus... - Seiya
está pálido de surpresa e medo, a reação natural do seu
instinto de guerreiro. O monstro era como uma fonte de calor
intenso, que aos poucos vai aquecendo todo o lago, apesar do
gigantesco volume de água. O Cosmo da fera que combina
várias outras em si parece ilimitado.
- Vou devorar você! - Com isso a espada de Quimera
brilha em chamas luminosas. - Rompantes da Lâmina!
O ataque acerta o Cavaleiro apenas de raspão, cortando
a água do lago subterrâneo, que evapora completamente.
Todo o ambiente fica coberto por um calor úmido, como o de
uma sauna.
- Você não sabe reconhecer o momento certo de morrer
- diz Quimera.
- A ponta da lâmina só relou em mim... mas parece que
queimou todos os nervos... - Seiya está se contorcendo de
dor. Foi atingido nas pernas pela espada. Seu formato de
serrote é ainda mais terrível do que o corte de uma lâmina
afiada: a carne, em frangalhos, não pode ser suturada e a
hemorragia custa a estancar.
Coberto pelo vapor esbranquiçado da água, Quimera
fita Seiya com desprezo. Tem olhos de leão, o escudo à imagem
de uma cabra demoníaca na mão esquerda e a espada que
parece uma serpente venenosa na direita.
- Terminamos por aqui, Pégaso... Sem as pernas de que
tanto se orgulha, você não poderá se esquivar do próximo
ataque. E, ao que parece, existem outros Cavaleiros neste
74. Templo, não posso perder mais tempo com você - declara o
Giga. - Aceite ser devorado em silêncio. Vou comer o seu
Cosmo.
- Nós, os Cavaleiros de Atena, vamos derrotar Tífon e
proteger a paz na Terra - insiste Seiya, em meio a gemidos de
dor. - Eu sempre superei os meus inimigos com estas asas de
Pégaso!
Seiya se levanta usando toda a sua força, inflamando
ao máximo seu Cosmo. Seu estilo de combate é um dos mais
ortodoxos entre os Guerreiros Sagrados. Compõe-se
basicamente de socos, chutes e eventuais nagues - as técnicas
de projeção. É importante lembrar que as técnicas de luta
dos Cavaleiros não têm relação direta com a força física. Elas
se definem com base no Cosmo: é por isso que a compleição
física de Seiya, pequena para um guerreiro, não representa
nenhuma desvantagem diante dos poderosos e altivos Gigas.
Além disso, a armadura da constelação de Pégaso é
uma proteção fenomenal, que acompanha até o limite a
movimentação agilíssima de Seiya. Apesar de envolver o
Cavaleiro como uma rocha, ela não impõe a menor restrição
aos seus movimentos.
- Queime, meu Cosmo! Queime enquanto eu tiver alma!
- provoca Seiya.
- No próximo golpe, então, devorarei sua alma -
responde o Giga.
- Agora é o momento de voar, Pégaso!
- Rompantes da Lâmina! - A reação de Quimera é rápida
mais uma vez, a serpente flamejante mostra suas presas
desalinhadas. Seiya escapa do golpe com um salto.
- Eu não vou perder! - grita o garoto.
O cavalo celeste relincha, envolvendo-se numa aura
azulada. É o som do Cosmo de Seiya sendo elevado ao máximo.
- Cometa de Pégaso! - O ataque do Cometa, um feixe
de centenas de meteoros, faz tremer o lago subterrâneo. O
rubi-estrela perde seu brilho escuro, tornando-se uma pedra
opaca, sem o fulgor das estrelas. Estraçalham-se o escudo da
cabra, a máscara do leão, o Adamas nobre. Quimera, “a fera
pluriforme” cai com um estrondo sobre o lago subterrâneo.
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75. Tendo exaurido todas as suas forças no ataque, Seiya
se deixa desabar sobre a água. Ao se levantar, olha de relance
para o Giga, ainda vestido com o Adamas, que agora parece
um traje morto.
- O que é isso? - o Cavaleiro não sabe o que dizer. O
interior da armadura no fundo do lago transparente está vazio
e já não emite calor nenhum. O Cosmo que parecia infinito
desapareceu junto com as labaredas.
Dominado por uma insegurança indescritível, Seiya
cambaleia para trás e se senta nas rochas da margem,
esgotando definitivamente suas energias.
- Então o Giga filho de deus é só isso? - pergunta-se o
Cavaleiro. Seiya tenta então escalar os rochedos, mas o ataque
do Cometa desgastou demais o seu Cosmo. As pernas em
frangalhos não obedecem e ele acaba rolando morro abaixo.
76. 2
H á agora uma improvável camada de neve nas
profundezas do vulcão Arima, e suas paredes estão
inteiramente cobertas de gelo.
- Esta energia fria...! Cisne, você usou as técnicas do
gelo. - Ortos, “o cão bicéfalo do mal”, parece estar sorrindo
sob sua máscara.
- Se essa armadura recebeu a proteção do sangue de
Atena, isso explica por que ela repele a redoma de Flegra.
- Mal consigo falar - diz Hyoga.
- Moleque chato. Pelo menos chore bem alto quando
tiver o corpo destroçado.
Ortos toma impulso. Seus pés afundam no chão duro,
deixando pegadas nítidas. O Giga lança um ataque rasteiro,
pesado e rápido como uma bala de canhão, transformando
em pedregulhos uma coluna de pedra de cinco metros de
diâmetro. Essa é a força dos Gigas, que se equipara e pode
até mesmo superar a dos Guerreiros Sagrados que dominam
as técnicas de luta de Atena.
- O poder de destruição é intenso... - Desviando seu
corpo com um movimento fluido dos pés, Hyoga coloca-se
num ângulo morto do ponto de vista de Ortos - mas, lerdo
desse jeito, não será páreo para o Cisne.
O limitado espaço gelado é o campo de batalha de
Hyoga. Quando seu Cosmo é elevado muito acima do normal,
o ataque do Cavaleiro destrói e, em certos casos, paralisa o
movimento dos átomos. Essa é a técnica de luta do gelo.
- Pó de diamante! - Seus braços desenham um cristal,
congelando o Adamas do Giga e cobrindo com uma geada
branca o brilho do rubi-estrela.
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