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Fritjof Capra no Roda Viva
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Fritjof Capra
30/1/2006
“Devemos associar o progresso à melhora do bem-estar humano, com a ajuda da tecnologia.Mas não
melhorar a tecnologia à custa do bem-estar humano”, diz o autor de livros quepropõe novas visões do
mundo
 [Programa gravado não permitindo a participação de telespectadores]
Paulo Markun: Boa noite. Ele alerta que a sobrevivência da humanidadenas próximasdécadas vai
depender da alfabetização ecológica,vai depender do conhecimento e do entendimento sobre como a
natureza organizou a sustentabilidadeda vida.Nós vamos entrevistar esta noite o físico,ambientalista e
escritor Fritjof Capra,austríaco,para quemo Brasil não precisa sesubmeter à globalização porquetem
muitas riquezas e produz o suficientepara o seu próprio sustento.
[Comentarista]: Doutor em física pela UniversidadedeViena, Fritjof Capra tornou-se conhecido no
mundo e no Brasil nos anos 70 e80 a partir de dois best-sellers:O tao da física, livro ondeestabeleceu
paralelosentre a física moderna e o misticismo oriental eO ponto de mutação, onde propôs uma nova
visão demundo para superar a criseda sociedademoderna. Nos últimos anos,Capra concentrou seu
trabalho nas questões ecológicas etornou-se um ativo ambientalista.Já veio várias vezes ao Brasil para
seminários ecursos sobredesenvolvimento sustentável, energias alternativas ealfabetização ecológica.
É um dos fundadores do Centro de Eco-Alfabetização de Berkeley, na Califórnia,ondepromove a
divulgação do pensamento ecológico na rede escolar americana.Em seu último livro, As conexões
ocultas, Capra afirma que tudo na natureza está interligado eque os ecossistemas representam teias de
alimentos,rede de organismos.Fritjof Capra colocaqueconhecer e reconhecer essas redes deverá se
tornar qualificação indispensável para todo tipo de profissional,especialmente empresários e políticos.
Paulo Markun: Para entrevistar o físico Fritjof Capra,nós convidamos:Ulisses Capozzoli,presidenteda
Associação Brasileira deJornalismo Científico;Flávio Dieguez, jornalista especializado emassuntos
científicos e diretor da Agência Brasil deNotícias;MiriamDuailibi,coordenadora da ONGInstituto Ecoar
para a Cidadania,especialistaem educação para sustentabilidade;DarleneMenconi, editora de ciência,
tecnologia e meio ambiente da revista Isto É; Marcos Sorrentino, diretor de Educação Ambiental do
Ministério do Meio Ambiente; Edgard de Assis Carvalho,professor do Departamento de Antropologia da
PUC; Marcelo Knobel, professor do Instituto de Física e coordenador do Núcleo de Desenvolvimento da
Criatividadeda Unicamp.Também temos a participação do cartunistaPaulo Caruso,registrando em
seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa.Boa noite, Fritjof.
Fritjof Capra: Boa noite.
Paulo Markun: Há 30 anos,quando o senhor escreveu o primeiro livro quetornou o seu nome
mundialmente conhecido, O tao da física, segundo o senhor próprio relata,aquela idéia deque tudo
está interligado - seé que eu estou simplificando bema coisa - surgiu numa praia dos Estados Unidos,
onde o senhor tinha um visual muito agradável.Eu estava ontem em uma praia do litoral deSanta
Catarina,no sul do Brasil,enão tive insight nenhum, não tive idéia nenhuma, mas vi um carrinho de
vendedor de água de coco, carrinho feito de plástico,quevendia água de coco em um recipiente de
plástico efinalmente entregava para o consumidor um canudo,para sebeber a água de coco, de
plástico.Uma prova,imagino,de que essa questão da conscientização ambiental não étão fácil eque,
talvez, o fato simples das coisastodas seinterligaremnão seja suficientepara que o mundo tome
consciênciadeque é preciso preservar a natureza. E eu pergunto: como o senhor acha que isso vai ser
obtido a curto prazo, porque a verdade é que os problemas estão crescendo vertiginosamente.
Fritjof Capra: Antes de responder, eu quero dizer em português que é um grande prazer para mim estar
neste programa.Sinto muito que o meu português não é suficientepara discutiridéias comvocês em
seu idioma,então vou ter que falar eminglês.
Paulo Markun: Nenhum problema,nós cuidaremos das necessáriaslegendas.
Fritjof Capra: Considero muito boa essa históriacomque iniciou o programa.Além de estar relacionada
a mim pessoalmente, quando comecei essa jornada,eletambém mostra que ecologia não é fácil.Dizer
que tudo está interligado não basta.Épreciso saber mais.O que chamo de alfabetização ecológica éa
compreensão dos princípios básicos da ecologiapara entender como a natureza preservou a vida
durante bilhões de anos,como as coisasestão interligadas.Pensar em termos de redes, em termos de
ciclos,pensar deonde vem a energia, refletir sobre o papel da biodiversidadeeassimpor diante.Isso é
conhecimento sofisticado também do ponto de vista científico,portanto, estimulantepara o intelecto.
Quando obtemos esseconhecimento, existe um outro problema, como traduzir isso em política,em
estilos devida.Porque ao aprendermos coisasdos ecossistemas,não podemos aprender política,
democracia,cultura.Estas são questões do reino humano. Vai custar muito trabalho traduzir
conhecimento ecológico em política ecomportamento humano.
Paulo Markun: Agora, voltando a esseexemplo do vendedor de água de coco,a sensação queeu tenho
também é que toda a sofisticação intelectual dos ambientalistas etodos os argumentos que são muito
consistentes dificilmenteultrapassamumlimitemuito claro das pessoas queé a necessidadeda
sobrevivência.Essevendedor de água de coco, eu tenho certeza, não tem condição tecnológica defazer
algo diferente. Ele não tem educação formal,ele não tem emprego formal,e a maneira de vender água
de coco ali,atédo ponto de vista higiênico,émelhor do que a média do que acontece nas praias
brasileiras,eimagino,em muitos lugares.Como que se resolveisso?
Fritjof Capra: O vendedor não tem uma educação formal,mas recebe muita educação informal.Porque,
acredito,ele deve assistirà TV todo dia.E na TV, nada contra o seu programa que eu adoro,mas a TV
em geral está dominada pela publicidade,que nos dizque, cada vez mais,produtos novos irão nos
tornar mais felizes.Em termos de sociedade,tanto no norte como no sul,agora,chegamos ao ponto de
associar o progresso ao progresso tecnológico.Dessemodo, ele pensa que ir do facão tradicional para
só cortar o coco, e depois pôr um canudinho natural ebeber a água,um processo maravilhoso e
delicioso,quepode ter isso em uma garrafa de plástico,comcanudo de plástico,éprogresso.
Precisamos mudar,também no nosso sistema educacional,a associação deprogresso à melhora do
bem-estar humano, com a ajuda da tecnologia.Mas não melhorar a tecnologia à custa do bem-estar
humano.
Ulisses Capozzoli: Neste mesmo livro, O tao da física, o senhor faz uma homenagem a algumas pessoas,
como John [William] Coltrane[(1926-1967),saxofonista ecompositor de jazznorte-americano,
considerado pela crítica especializada como o maior sax tenor do jazze um dos maiores jazzistase
compositores dessegênero], e você faz uma referência ao Carlos Castañeda.Eu gostaria desaber que
tipo de influência o senhor recebeu do Castañeda nessa sua abordagemde física,nessa sua abordagem
de ambiente. Eu pergunto isso porqueo Castañeda é, entre a comunidadeacadêmica brasileira,um
autor muito pouco considerado,muito pouco respeitado.Que tipo de influência o senhor recebeu do
Castañeda?
Fritjof Capra: Isso aconteceu há 30 anos.Eram tempos bem diferentes. Isso aconteceu no fim dos anos
60, que não é simplesmente uma década,mas uma cultura que chegou até boa parte dos anos 70.
Nessa época, eu estava muito interessado na expansão da consciênciapara a dimensão espiritual.Eu
estava interessado em filosofiasorientais,estava interessado em meditação.Castañeda representava
uma abordagem ocidental muito interessantedo mesmo tipo de sabedoria.Assim,eu podia comparar
budismo,hinduísmo e taoísmo, que eu estava estudando, com o que li nos livrosde Castañeda.
Francamente, os livros delesão muito românticos eatraíamo espírito da época. E na verdade, não
importava se eram cientificamenteprecisos ou não. Castañeda criou ummito. Foi um brilhanteescritor
e criou um mito. E, como com todos os mitos, acredita-se,até certo ponto, que é verdade, e até certo
ponto, que não é. O mito é importante. Era um mito muito forte e poderoso.
Miriam Duailibi: Eu queria voltar à pergunta do Paulo Markun. Para realizaressasmudançasem direção
a um paradigma mais sustentável,nós vamos ter que promover mudanças radicaisno nosso modo de
produzir,de consumir,de descartar,de nos locomover, mas também mudanças radicaisna gestão
pública,na gestão das empresas e assimpor diante.Eu queria perguntar para o senhor quais são os
atores mais importantes para essa mudança e qual é o papel das ONGs nesse processo?
Fritjof Capra: Do meu ponto de vista,no mundo atual,temos três centros principaisdepoder. Temos
dois centros tradicionais:governo e negócios.E as várias conexões entre governo e negócios em ambos
os sentidos.O governo pode criar oportunidades denegócios,restrições através deleis.Os negócios
podem influenciar o governo por todos os modos legais e ilegais.Hoje,temos um terceiro centro
importante de poder: a sociedadecivil.As ONGs e a sociedadecivil no passado funcionavamcomo uma
interface entre o cidadão individual eo governo. Como o indivíduo não consegue ir diretamente ao
ministro ou ao presidente e conversar,usamos partidos políticos,igrejas,váriasorganizações cívicas.
Mas o que vimos,nos últimos cinco anos,foi as ONGs crescerem e irem além das fronteiras nacionais,
como os negócios que crescerame foram além das fronteiras nacionais.Agora,temos uma sociedade
civil global,muito sofisticada,interligadapor redes,tanto eletrônicas quanto pessoais,redes pessoais.
Para ir em direção à sustentabilidadeé crucial queos três centros de poder colaborem.Cada um tem
muito a contribuir.O governo contribui coma moldura legal e também os políticos carismáticospodem
contribuir para comover e inspiraros cidadãos.O ramo de negócios tem muita técnica, sistemas de
telecomunicações,soluções de problemas,tudo. Em geral,a sociedadecivil contribui comos valores.As
empresas têm; os governos, às vezes sim,às vezes não. Mas nós da sociedadecivil estamos organizados
globalmente em torno dos valores da dignidadehumana e da sustentabilidadeecológica.Só com essa
colaboração podemos chegar a um futuro sustentável.
Darlene Menconi: Professor,quando o Lula foi eleito, o senhor disseque ele seria umgrande exemplo
para o mundo, não só para o Brasil,porqueele tinha um grande trânsito entre as classes sociais ea
sociedadecivil,na verdade,e ambiental.O senhor dizia que era uma grande esperança de um novo
modelo econômico que valorizasseessas questões.O senhor ainda acredita nisso,o senhor ainda tem
esperança nesseBrasil?
Fritjof Capra: Acho que houve um problema de compreensão. Nunca falei que Lula pode se tornar a
esperança do mundo. Nunca me engajei no culto à personalidadedo Lula.Eu disseque o Brasil poderia
ser a esperança do mundo. Porque, como acabo de dizer, essa colaboração dos três centros de poder é
muito ativa no Brasil,umcrédito absoluto para Lula eseu governo. Eles estabeleceram canaisde
comunicação quenão existiamem nenhum país importante antes. Sei por experiência pessoal porque
tenho vindo ao Brasil desdeo início da década de 1990.Algumas pessoas queconheci no movimento
ambientalista do Brasil,nas ONGs,fui reencontrar no Ministério do Meio Ambiente, trabalhando para a
ministra MarinaSilva[ambientalista epedagoga, liderou o Ministério do Meio Ambiente de 2003 a
2008,quando se demitiu por não concordar comos rumos da política ambiental].Há um canal de
comunicação.Há também o orçamento participativo a queo PT deu início em Porto Alegre e espera
expandir.Há muitos modos para a sociedadecivil colaborarcomo governo que não há em outros
países.Não sejamos ingênuos,essa colaboração nemsempre é fácil.De um lado,estão os grandes
empreendimentos, com programas e valores muito diferentes. Depois, está a sociedadecivil comos
valores de sustentabilidadeecológica,dignidadehumana e muitos valores assim.Muitas vezes, há
choques. Ainda devemos ver como irá funcionar.Continuo com grandes esperanças.
Edgard Assis Carvallho: Seus livros todos fazem muito sucesso aqui no Brasil, O tao da física, A teia da
vida, o Conexões e O ponto de mutação. No entanto, eles não penetram muito no ambiente
universitário.Eu estou falando da ótica,não só da antropologia,mas das ciênciashumanas.Seus textos
às vezes são considerados,na universidade,como alguma coisa próxima - isso jáfoi dito em algumas
instituições - próxima deauto-ajuda,ou misticismo,etc. No entanto, se eu estou correto, os seus livros
todos investem na necessidadede superação do paradigma cartesiano,o paradigma quedivideas
coisas,quesepara.Como é que o senhor trabalha esta questão de que nos textos há uma aposta na
reforma do pensamento, no plano dos valores,das instituições,equando nós transportamos essas
idéias para a universidade,a universidadesemostra,de certa forma, refratária a essetipo de idéias,
uma vez que a universidadeainda édominada pela fragmentação,etc?
Fritjof Capra: Estou contente com essa pergunta por que isso éfonte de muita frustração para mim.
Fiquei bem conhecido no Brasil nos últimos 10,15 anos por vários motivos.Um deles foi eu ter
trabalhado,por 10 anos,para uma grande empresa de São Paulo,Amana-Key. Eles oferecem seminários
para executivos.Milhares depessoas já fizeramesses seminários.Contribuí para os seminários,
pessoalmente ou por vídeo, durante 10 anos.E eles venderam os meus livros paraos clientes.Os meus
livros seespalharamrápido no mundo empresarial.Também tenho uma editora excelente no Brasil,a
Cultrix,que distribui os livrosmuito bem. Portanto tive duas fontes que me tornarambem conhecido.
Depois, conheci empresas,através da Amana-Key, conheci ONGs, conheci participantes do governo Lula,
como a ministra MarinaSilva.Dessemodo, fui ficando cada vez mais conhecido e isso leva as pessoasa
quererem transformá-lo em celebridade.E parte de ser celebridadeé ter de ser sempre igual.Não se
pode mudar, porque a fama chegou por um certo motivo. Esperam que tenha fama por um certo
motivo. A minha fama inicial seoriginavada físicaemisticismo,no tao e assimpor diante.Assim,os
meus livros,sefor a uma livraria,não estão na área de ciências sociais,queseria o lugar deles. No meu
último livro, Asconexões ocultas, apresento uma estrutura coerente que integra três dimensões da vida:
a biológica,a cognitiva ea social.Isso éuma verdadeira novidadebaseada em um trabalho notável de
cientistas do mundo inteiro,vários laureadoscomo Nobel. É ciência séria.Mas muitas vezes não é
apresentado assim.A outra parte da pergunta era sobre universidades.Fico felizem dizer que, há uma
semana, estive em Porto Alegre e dei uma palestra na PUC. Estavampresentes o reitor, os professores
dos principaisdepartamentos,e debatemos a integração do ensino,a introdução do pensamento
sistêmico e a iniciação decausas queapresentem essa abordagemunificada eintegrada.Eles disseram
que lá fazem muito a esse respeito. Mas é muito séria a fragmentação na maioria das universidades.
Porque não é só uma fragmentação intelectual,também é econômica e política.Não sepode publicar
textos em revistas multidisciplinares sequiser construir uma carreira, porquenão são bem
conceituadas.As revistas são fragmentadas.Asubvenção é fragmentada. Se for pedir uma subvenção,
não pode pedir para ecologia,para algo socioambiental.Se mencionar essa palavra,não obterá
dinheiro.Deve ser precisamente fragmentado. É difícil superar isso,mas é o que precisamos fazer.
Paulo Markun: Professor Capra,nós vamos fazer um rápido intervalo,lembrando que a entrevista desta
noite poderá ser encomendada em DVD a partir de amanhã.O siteé www.culturamarcas.com.br.Por
este endereço e pelo telefone 0xx11 3081-3000,você pode encomendar qualquer programa da série
do Roda Viva, já são mais de1000 programas exibidos nestes 19 anos.E nós voltamos em um instante
com a entrevista desta noite que está sendo acompanhada na platéia por:André Barbieri,biólogo e
educador ambiental; Maria Ângela Souza, publicitária,eOtávio Mazza de Andrade, jornalista.Agente
volta já,já.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva desta noite que está sendo gravado,portanto não
permite a participação direta do telespectador, entrevistando o físico Fritjof Capra,autor de vários
livros,eque tem divulgado,pelo mundo, seus pensamentos sobremeio ambiente e sobre as
implicaçõesfilosóficasda ciência.
[Comentarista]: Quando publicou O tao da física, Fritjof Capra fez um paralelo entre a física moderna e
o misticismo oriental. O ponto de mutação trouxe a idéia de que as forças de transformação do mundo
podem representar um movimento positivo demudança social.Pertencendo ao universo,fez
explorações nas fronteiras da ciência eda espiritualidade. A teia da vida propôs uma nova compreensão
científica dos sistemas vivos,assimcomo As conexões ocultas, que buscama compreensão da
sustentabilidadeda vida como fator de sobrevivência humana.Em seus trabalhos,Fritjof Capra vem
mostrando como a revolução da física moderna aponta para uma revolução iminente em todas as
ciências,o que nos levará ainda maisa mudanças.Éo tema com o qual retomamos o programa através
da pergunta da diretora de teatro, Bia Lessa.
[VT de Bia Lessa]: Eu gostaria deperguntar para o Capra o que ele acha que vai acontecer nos próximos
20, 30 anos do ponto de vista científico,já que a ciência éa grande revolucionáriados últimos tempos.
Ela mudou os conceitos mais primários,maisprimitivos.Aidéia de você ter um filho semter uma
relação sexual,a própriacriação da ovelha Dolly [nome dado ao primeiro mamífero clonado deuma
célula adulta,a partir deglândulasmamárias.O criadordo clonefoi o embriologista escocês Ian
Wilmut]; a própria idéia da transformação da morte, da possibilidadedevocê transferir a sua memória,
então a própria idéia da morte, ou seja,que é uma coisa quea gente nascecom ela - para tudo tem
cura,menos para a morte - até isso agora está sendo questionado pela ciência.Eu queria saber o que é
que você imagina para os próximos 30 anos.
Fritjof Capra: O progresso científico,só pelo bem do progresso, fazer algo na ciência só porque
podemos fazer não é suficiente.Na verdade, a ciência ésempre praticada dentro de um contexto mais
amplo. Valores sempre penetram na ciência.Como indivíduo cientista,posso escolher,por exemplo, em
biologia,sequero ser microbiologista ou geneticista,ou se quero ser ecologista,ou se quero trabalhar
com teorias evolucionárias.Essassão escolhasdevalores.Valores mais importantes estão presentes em
pesquisas.Apesquisa científica émuito cara,hoje. É preciso ter muito dinheiro,muita infra-estrutura.
Isso precisadefinanciamento.Os valores das empresas financiadorasmuitas vezes determinam os
valores da pesquisa.Está claro quehoje, como no passado,a ciência sempreacontece dentro de um
contexto mais amplo de valores.No futuro, nós precisamos incorporar valores éticos evalores deuma
ética ecológica.Valores que reconhecem que somos parte da comunidadeterrestre. De fato, a
palavra ecologiavemde "oikos", lar.O lar da terra é uma comunidadede organismos:plantas ,animais,
seres humanos, microorganismos...Somos parte da comunidade, dependemos dela. Qualquer tipo de
ciência quedestrua a comunidadeé ciência ruim.Não sei o que acontecerá em 20, 30 anos.Espero que
esses valores penetrem a ciência em larga escala.
Paulo Markun: Não há o risco de a gente estar vivendo uma realidade - eu estou aqui fazendo o papel
do advogado do diabo,que às vezes não é muito bom de fazer – em que esses setores que se apóiamna
ciência para desenvolver novas tecnologias,por exemplo, de produção agrícola,por exemplo, de
produção de frangos em grande escala - e o Brasil éhoje o maior produtor de frangos do mundo -
disputamessa corrida dentro de um carro de Fórmula 1, enquanto os defensores do meio ambiente e
aqueles que propõem, como o senhor propõe, que a ética e que os valores predominem sobre a ciência,
estão montados em uma tartaruga,talvez. Não há um descompasso que faz com que o risco,quer dizer,
quando esses pensamentos estiverem consolidadosno planeta como um todo, o estrago já não terá
sido feito? Já não há mais como resolver as coisas?
Fritjof Capra: Isso é verdade. Concordo, estamos em uma corrida.Mas talveza metáfora da Fórmula 1
seja estreita demais.Na Fórmula 1, existe a pista,e a principal variável éa vel ocidade.Há outras
variáveis,gasolinasuficiente,os pneus... Hoje em dia,a corrida de carro é muito complicada.A
velocidadee quem chega primeiro em uma dada pista éa variável crítica.Tomemos a agricultura.Na
agricultura há muitas metas,e descobri, nas minhas visitasao Brasil,quevocês têm dois entes
governamentais para a agricultura.O Ministério da Agriculturapara agronegóciosemgrande escala eo
Ministério do Desenvolvimento Agrário para pequenas propriedades.Eles promovem tipos bem
diferentes de agricultura.O de grande escala promoveo uso de produtos químicos e transgênicos,eo
de pequena escala promove a agricultura ecológica.Fiquei felizao ver que o governo Lula dá mais
dinheiro ao pequeno agricultor,à agricultura ecológica do queao grande agronegócio.Contudo a meta
do agronegócio não é como a meta do piloto F1, que é bem clara,mas simganhar mais dinheiro
possível.O maior motivo para vender transgênicos évender mais produtos químicos que destroem o
ambiente, trazem muitos problemas.Se a meta for o bem-estar do Brasil,mesmo sendo o bem-estar
econômico, então o papel dos transgênicos étrazer desgraça.A soja,por exemplo. Hoje, sabemos que o
rendimento da soja transgênicaé6% menor do que o da soja convencional.Do ponto de vis ta
econômico, é uma regressão.Também sabemos que a soja convencional no Brasil éauto-suficienteem
nitrogênio. Não precisa defertilizante,é uma espécie especial.Atransgênica precisa.Isso significa queo
custo de produção é mais alto,e se o Brasil tomar a direção dos transgênicos por completo, vai perder a
vantagem atual de competitividade.Só do ponto de vista econômico,não é inteligente fazer isso.Do
ponto de vista ecológico,os grandes problemas - degradação do solo,desmatamento - a infra-estrutura
necessária trazproblemas ambientais.Do ponto de vista social,há uma concentração de terras e de
capital;agricultores queforamtirados de suas terras emigrarampara a cidade,muitos problemas
sociais.Eu diria queseo Brasil escolher os transgênicos,os programas sociaisnão poderão ser
implementados. O bolsa-família,por exemplo, será impossível comesse tipo de agricultura.Também sei
que, felizmente, o Brasil élíder mundial em agroecologia.No sul,há 400 mil agricultores usando
métodos ecológicos.Não são muito fáceis por serem multidimensionais.Não é só plantar uma coisa,
jogar por cima produtos químicos e esperar.Deve-se plantar espécies juntas,conhecer o clima,o
ecossistema local...Mas aumentam o rendimento, e o que é importante: cons troem e nutrem uma
comunidade. São vantajosos do ponto de vista social.
Flávio Dieguez: Sobre a questão econômica,eu gostaria deter uma idéia,pelo menos aproximada,de
como o senhor enxerga certas questões que são muito importantes do ponto de vista conceitual.E
também do ponto de vista de uma certa superficialidadecomque vários debates vêm sendo feitos. Por
exemplo, na questão da globalização,fala-semuito da globalização eisso significa muitas coisasvagas.E
quando se chega a algumas definições umpouco mais precisas,sevê que a globalização não é
exatamente o que se fala,no seguinte sentido: houve uma forte tendência para seunificar as moedas
mundiais eisso foi considerado umponto importante da globalização,uma maneira de você, unificando
as moedas, unificar os mercados.Mais recentemente, no entanto, de 99 para cá,e o senhor inclusive
fala numa luta que seria a luta da globalização sustentável,equilibrada,contra a globalização,queseria
um pouco mais irresponsável.Agora,o fato é que há uma mudança importante na economia mundial,
em que, por exemplo, a questão do câmbio já não é uma questão tão clara,tão nítida.Muitos países
estão deixando as moedas flutuarem, o que alguns economistas interpretamcomo sendo um
fortalecimento das economias nacionais.Há um nacionalismo emergindo no meio dessa disputa,dessa
tensão econômico-ecológica,atual.O senhor participou do Fórum Social Mundial,eu sei que o senhor
está aqui inclusivepara participar deum fórum do Cone Sul [devido às afinidades geográficas,naturais,
econômicas e sociais,o Cone Sul normalmente é entendido como a região que engloba o Chile,a
Argentina, o Uruguai,o sul do Brasil eo estado de São Paulo] para decidir queposições os países do
Cone Sul vão tomar na Conferência da Água, no México. O senhor poderia nos dar um panorama da sua
visão sobreessas questões?
Fritjof Capra: Não sou especialista no mercado financeiro detaxas de câmbio.Não posso falar sobre
isso.Mas quero dizer algo sobreglobalização.Falamos da globalização econômica enão da cultura
global,na qual podemos partilharciência,esportes,eventos culturais.Considero positivo essetipo de
globalização.Aglobalização econômica poderia ser positiva,mas,infelizmente, no momento não é.
Temos de ser, de modo geral,um único sistema econômico no mundo todo, com poucas exceções, é um
sistema capitalista,mas émuito diferente do capitalismo tradicional quesurgiu após a revolução
industrial,sobreo qual Karl Marx [(1818-1883),economista efilósofo alemão,escreveu O manifesto
comunista e O capital, em que teoriza sobre o funcionamento do sistema capitalista,a partir dos
conceitos de modo de produção,luta de classes,mais-valia ematerialismo histórico] escreveu e do que
surgiu depois da Segunda Guerra Mundial,a economia keynesiana [conjunto de idéias econômicas
integradas no pensamento de John Maynard Keynes (1883-1946),criador da macroeconomia,quefigura
entre os mais importantes economistas do século XX e elaborou uma teoria geral do emprego, do juro e
do dinheiro.Na contramão das soluções neoliberais,Keynes defendia a intervenção do Estado na
economia, por exemplo por meio de obras públicasepolítica fiscal,promovendo quando necessário
uma redistribuição da renda].É caracterizado,basicamente, por três qualidades.Uma,é global.A
segunda é que a produtividadebaseia-semuito na criação deconhecimento no processamento de
informações e inovação.E a terceira é ser estruturado ao redor de uma rede de máquinas,de
computadores, uma rede de fluxos informativos efinanceiros.Os computadores são programados
segundo certas regras,chamadas regras de livre-comércio,que a Organização Mundial do Comércio
impõe aos países membros. Agora temos o ponto importante, todas as regras estão subordinadas a um
princípio,o princípio fundamental do capitalismo,ou seja,ganhar dinheiro ésempre mais importante do
que qualquer outro valor humano.É mais importante do que os direitos humanos,do que democracia,
saúde, proteção do ambiente, etc. Essa é a parte perniciosa da globalização econômica.Mas isso não é
necessário.Podemos mudar, podemos projetar de novo a economia global para queoutros valores
como os direitos das pessoas,a dignidadehumana,a proteção ao ambiente, a sustentabilidade
ecológica sejamincorporados.Hojetemos a tecnologia para fazer isso.Por exemplo, podemos aplicar
taxas globaispara câmbio demoedas. É a Taxa Tobin [taxa idealizada pelo economista James Tobin em
1972,que propunha que todas as transações financeirasfossemtaxadas eque os estados tivessem
garantia da realização depolíticasmacroeconômicasede estabilização pelo fato dos mercados serem
constantemente afetados pela volatilização dos capitais.Além disso,o capital gerado pela aplicação da
Taxa Tobin poderia ser utilizado para erradicar a pobreza extrema em que muitas pessoas vivem] que foi
proposta.Poderíamos usar essedinheiro para dar apoio a culturasecomunidades em processo de
afirmação,a África subsaariana,ou o que se quiser.Temos a tecnologia para isso.Éuma questão de
valores e de vontade política.Esses valores precisamser introduzidos no nosso sistema econômico.
Marcelo Knobel: Eu queria retornar ao assunto já anteriormente tratado, já que o senhor está
comemorando agora os 30 anos do lançamento do seu famoso l ivro,O tao da física. E, em particular,na
pergunta que foi feita sobre a ciência,o senhor comentou que os interesses econômicos muitas vezes
ditam o que a ciência tem feito ou faz hoje em dia,em vários aspectos.Eu acho que, da sua posição
como físico,o senhor trabalhou em uma área justamente de ciência básica,onde não há essa influência
tão forte, poderia até dizer que praticamente nenhuma, de grandes grupos econômicos... A área,por
exemplo, de física departículas elementares,e coisasqueo valham.Eu não queria ir para o futuro, mas
simpara o passado.Nesses últimos 30 anos,assimcomo a ciência deuma maneira geral,a física
também fez enormes progressos,mesmo nessas áreas fundamentais,áreas deciência básica.Diversas
teorias que o senhor coloca ali,queestavam na moda na época em que o senhor escreveu o livro,têm
sido modificadas,testadas,algumasdelas,eventualmente, até refutadas.E, pesquisando umpouco, eu
verifiquei que no seu sitenão consta nada sobreo assunto.Eu queria saber se o senhor pensa em fazer
uma nova edição do O tao da física, comentada, relida à luzdas novas teorias,colocar alguns
comentários sobreessas novas teorias no seu site, na internet, ou algo parecido.
Fritjof Capra: Deixe-me fazer um rápido comentário sobrea influência da indústria sobrea física.
Quando trabalhei comfísica,nos anos 70,em Berkeley, eu estava no laboratório Lawrence Berkeley.
Tudo o que escrevi, todos os artigos técnicos fundamentais em física teórica dealta energia tinhamuma
linha embaixo,onde estava escrito: "parcialmente financiado pelo DOE", que significa Departamento de
Energia. A outra metade provinha das Forças Armadas.Indiretamente, os meus artigos quenada tinham
a ver com os militares,eramfinanciadospelos militares.Portanto as influênciasestão em toda parte.
Vamos à parte mais interessanteda pergunta. Ao terminar de escrever O tao da física, no epílogo,
conclui o livro,está no último parágrafo,escrevi que a sociedadeonde vivemos hoje e a cultura onde
vivemos não é compatível com a visão mundial queestá emergindo da física moderna muito próxima
das tradições espirituais do Oriente.Para mudar essa visão da sociedade,precisamos de uma revolução
dupla.Nos anos subseqüentes, fins dos anos 70 e início dos 80,eu ainda trabalhava como físico,mas
cada vez mais eu explorava essa nova visão da realidadequetambém emergia na ciência.Primeiro,em
outras ciências,depois na ciência.Foi o que escrevi no segundo livro, O ponto de mutação. Percebi,ao
fazer essa pesquisa,quea física não serviriademodelo para essas amplasmudançassociais,porque
todas dizem respeito à vida.Quer seja falando desaúde, ou educação,ou ecologia,ou gestão de
negócios,ou economia, política...Todos são sistemas devida,organismos individuais,sistemas sociais,
sistemas igualitários.Emmeados da década de 1980, deixei a física epassei para as ciências da vida e,
em particular,paraa ecologia.Isso foi há 20 anos.Não voltei para a física.Portanto eu não poderia
escrever uma versão atualizada.Enem quero, porque agora, O tao da física é um clássico.Deve
permanecer como é.
Marcos Sorrentino: Ao contrário do que já foi falado aqui,a minha experiência em quase 30 anos de
universidade,universidadepúblicano estado de São Paulo,vai na direção da importância da sua obra no
meio acadêmico.Ela contribuiu muito para a emergência e o fortalecimento da pesquisa qualitativa,
para a emergência e o fortalecimento do ambientalismo dentro da universidade,e para a educação
ambiental.Então, a sua ousadia deprocurar a convergência ajudou na questão da transdisciplinaridade,
da interdisciplinaridade,da transversalidadedo conhecimento, do diálogo entre saberes.Mas,mais
recentemente, houve um desencantamento com a sua obra quando você trabalha coma questão da
alfabetização ecológica.Eaí muitos, entre nós, do campo da educação ambiental,especialmente no
órgão gestor de educação ambiental no país,composto pelo MEC [Ministério deEducação e Cultura] e
pelo MMA [Ministério do Meio Ambiente], nós ficamos querendo saber de você como é que a
alfabetização ecológica incorporaquestões que são muito caras para o movimento ambientalista
brasileiro,para a história da educação ambiental na América Latina,questões como a luta por liberdade
democrática,a luta pelos direitos humanos,e a própria questão da convergência entre a ação no sujeito
e a ação do sujeito,e a ação na sociedade,a ação pela transformação da sociedade.Aí me parece que a
alfabetização ecológica,pelo menos na leitura que nós temos aqui no Brasil,ela não sai muito da escola
e da ação com a criança.E,na nossa perspectiva,a educação ambiental tem que trabalhar como
sindicato,nas associações demoradores, tem que dar conta de uma enorme quantidadede questões
socioambientaisqueme parece, pelo que eu vi até hoje nas propostas dealfabetização ecológica,não
são muito contempladas porque ela acaba ficando muito "biologicizante",trabalhando muito com a
questão da transposição dos sistema naturaispara a sociedades humanas.Eu gostaria quevocê falasse
um pouco sobre isso.
Fritjof Capra: Primeiro,Marcos Sorrentino, quero dizer que estou felizcom este diálogo.Ouço falar de
você e do seu trabalho há anos.Nunca nos encontramos. Esta é uma boa oportunidade. Também fico
felizem saber que o meu livro foi útil na sua universidade.O que dissesobrea alfabetização ecológica,
acho que é uma questão muito séria.O modo como vejo e entendo a alfabetização ecológicaéo
conhecimento do modo como os ecossistemas seorganizampara manter a vida.É o que precisamos
saber para construir comunidades sustentáveis.Esseconhecimento é universal.São princípiosbásicos
de ecologia.Por exemplo, o princípio deque resíduos de uma espécie é o alimento de outra espécie.
Que as matérias circulamcontinuamente pala teia da vida.Que a energia para esses ciclosecológicos
vem do sol.O fato de que a diversidade aumenta o poder de recuperação.E assimpor diante.São
princípios básicosda ecologia.Há um conhecimento ecológico sério queprecisamos obter. A segunda
pergunta é como transmitir esseconhecimento. Na Califórnia,no centro de alfabetização ecológica,
desenvolvemos uma certa pedagogia apropriada paraa região da Califórniaondeoperamos.
Deliberadamente, nós nos limitamos por região.Em países,partes do mundo diferentes, a pedagogia
tem de ser diferente por dois motivos:os ecossistemas são diferentes,um ecossistema tropical não é
igual a um jardimde escola no norte da Califórnia.Eas tradições culturais,sociaisepolíticassão
diferentes. Percebi, nas minhas vindasao Brasil,quea educação aqui é fortemente ligada à idéia de
emancipação.Creio que é a tradição de Paulo Freire[(1921-1997),pedagogo brasileiro respeitado
mundialmente] terem essa ligação.Aalfabetização ecológica deveser feita de modo natural dentro
dessa estrutura brasileira.Recentemente, tenho refletido sobre isso comum certo pes ar porque eu
queria ter feito isso melhor também no norte. Nesse momento, nos EUA, precisamos deemancipação
política,como atual governo Bush, precisamos muito de emancipação.Deveríamos enfatizar mais.Não
digo que não fazemos nada social.Temos programas em comunidades muito pobres onde falamos de
construir comunidade,de criar relações sociais.Mas a idéia deemancipação não écentral para nós.
Quem sabe, com essa inspiração,eu consiga levar isso ao centro.
Paulo Markun: Professor Capra,nós vamos fazer mais um rápido intervalo,lembramos que o Roda
Vivadesta noite e todos os outros da sériepodem ser encomendados em DVD pelo site
www.culturamarcas.com.br,ou pelo telefone 0xx11 3081-3000.E, esta noite, na platéia,acompanhamo
programa: Marta Pagoto, jornalista;Daniel Melo,psicólogo clínico eeducador ambiental e Rebecca
Raposo,gerente geral do Instituto Akatu. Nós voltamos já,já.
[intervalo]
Paulo Markun: O Roda Viva entrevista esta noite o físico eescritor Fritjof Capra.Nos seus diversos
livros,Capra fala defilosofia eciência.Eultimamente, tem se concentrado em questões ecológicas e
ambientais,que é o tema da próxima pergunta para ele.
[VT de Paulo Groke, do Instituto Ecofuturo]: Boa noite, senhor Capra.Em sua primeira visita ao Brasil,
em 1992, o senhor concedeu uma entrevista na qual aventava a possibilidadede ocorrência de
catástrofes ambientais no século XXI.Por isso mesmo o senhor considerou a década de 90 como crítica:
ou nós adotávamos posturas radicaispara a mudança denossos paradigmas ou caminharíamos
rapidamente em direção a um ponto de não retorno. O que mudou nessa lógica? Os anos90 nos
proporcionaramalgo debom, de forma que as suas previsões são mais otimistas? Ou o senhor acredita
que nós estamos, ainda,caminhando rumo à iminência desses desastres?
Fritjof Capra: O desenvolvimento na década dos anos 1990 foi bem surpreendente para mim e para
muitos observadores políticos eculturais.No fim da década de 1980,tínhamos uma situação em que
havia um movimento ambiental global,havia ummovimento verde global,que começara na Alemanha,
no início da década de 1980 e que depois espalhou-sepelo mundo, no qual as políticasambientais eas
políticas deum novo paradigma forampoliticamenteimplementadas com políticos verdes em
parlamentos do mundo inteiro. Havia uma disposição forte,entre a população,ao menos no norte,
onde vivo,na Europa e na América do Norte, para dar início deverdade a certas mudanças na
sociedade.O que aconteceu na década de 1990 foi conseqüência da revolução da tecnologia de
informação.Além de produzir esse novo capitalismo global,ela também originou um tipo de
materialismo novo,um tipo de consumismo novo com todas essas novas engenhocas eletrônicas.E
também há o fato de que o ambiente era muito diferente. O ambiente computadorizado permitiu às
empresas fazer transações comrapidez muito maior.Tudo setornava mais rápido.A idéia de que
obstáculos naturaiscontra fraudes,ou desonestidades,ou desfalques,todas ess as características
sombrias da natureza humana,todos os impedimentos estavam desaparecendo.Com o computador,
tudo era limpo,rápido.De certo modo, a ética saiu pela janela.Percebi que, em meados da década de
1990,houve sérios escândalos decorrupção por toda parte, em todos os países.Em países como a
Suécia,a Holanda,onde nunca havia existido corrupção.Derepente começou, facilitado pela revolução
da informação tecnológica.Ao mesmo tempo, havia a reação proveniente de ONGs e movimentos
ambientais iniciadosna década de 1970 e continuados até as de 1980 e 1990 pelos políticos verdes.
Acho que, no fim da década de 1990, quando as ONGs em Seattle uniram-seem um movimento global,
em uma sociedadecivil global,fazendo então os fóruns mundiais em Porto Alegre... Naquela época,
estávamos mais ou menos no mesmo lugar em que estávamos dez anos antes.Mas, claro,nessemeio
tempo, os problemas são mais sérios.Metade da sociedadedirige-seà destruição,metade cuida de
projetos ecológicos e da construção de comunidades sustentáveis.Veremos o que acontece, mas a
situação era bem mais séria do que era 10 anos antes.
Darlene Menconi: Recentemente, o líder espiritual Dalai Lama [os dalai lamas,líderes temporais e
espirituaisdo povo tibetano, são reconhecidos,segundo a tradição,como a reencarnação do príncipe
Chenrezig, o Avalokitesvara,o portador do lótus branco,que representa a compaixão,ou seria uma das
reencarnações de Buda. Tenzin Gyatzo é o 14º dalai lama,reconhecido como tal em 1937] foi fazer uma
palestra em que ele abordou os benefícios da meditação em monges budistas.Ea comunidadecientífica
protestou muito. Eu gostaria desaber a sua opinião sobreisso.Por que é que práticasorientaisestão se
disseminando tanto nesta cultura altamente tecnológica em que nós vivemos?
Fritjof Capra: Acho que isso é parte da mudança cultural quecomeçou na década de 1960 e continuou
nas décadas de 1970 e 1980. Quando escrevi O tao da física, no início da década de 1970 - foi publicado
em 1975 - comparei a física moderna às visões do misticismo oriental,a maioriados meus colegas de
física ou ficou escandalizada,ou riu pensando que eu havia enlouquecido.Hoje, existecerca de uma
dúzia de livros quesão como filhos enetos de O tao da física. E para o profissional dequalquer área,a
prática da meditação não é mais ridicularizada.Essasidéiasespalharam-sena sociedade.Acho que o
Dalai Lama,que normalmente não fala em meditação, mas fala em gentileza e compaixão humanas,
muitas vezes diz"Compaixão é a minha religião",elenos fazum grande favor ao nos despertar para
valores humanos diferentes.
Ulisses Capozzoli: O senhor falou há pouco na idéia da comunidadeterrestre. A comunidadeterrestre é
uma idéia que começa a nascer no século XVI com as grandes navegações portuguesas.Do ponto de
vista das navegações espaciais,queé uma espécie de ampliação dasnavegações oceânicas,nós
podemos pensar que teremos outro cenário,tanto do ponto de vista de comunidadeterrestre, quanto
do ponto de vista ambiental,por exemplo. As questões ambientais certamente têm que ser vistas na
Terra, no sistema solar,no braço da galáxia,dentro dessa galáxiaeem termos cósmicos,numuniverso
que tem lei. A minha pergunta é seaquilo que a gente viu acontecer no século XVI, aquela noção de
comunidadeterrestre, tende a ser ampliada,consolidada pelasgrandes navegações espaciais,como
auxílio da astronáutica,ou essa percepção é ainda umpouco inconsistente?
Fritjof Capra: Não acredito que viagem espacial sejauma solução para os nossosproblemas.Considero
uma coisa emocionante,se tivermos os meios financeiros necessários,o que não temos, no momento.
Mas se tivermos, será muito emocionante. O mundo está muito diferente do que era no século XVI. Por
coincidência,estou trabalhando em um livro sobrea ciência deLeonardo da Vinci [(1452-1519),pintor,
escultor,arquiteto, engenheiro, botânico e músico do Renascimento italiano].Estou estudando os
séculos XVe XVI, inclusiveas explorações.Mas acho quese acreditarmos que, para salvar o mundo,
podemos viajarpelo espaço,para mim, isso pareceuma grande empresa que derruba a floresta tropical
para criar gado ou plantar sojatransgênica,arruína o solo,vai paraoutro lugar e derruba mais um
pouco. Ir sempre mais adiantedeixando resíduos para trás não éa solução.Porquevivemos em um
planeta finito e precisamos ser capazes de lidar comele. Devemos nos conscientizar deque os
ecossistemas nesseplaneta usaramcommuito sucesso exatamente as mesmas moléculas da terra,
minerais,água e ar durante vários bilhõesdeanos.Fizeram muito bem. Deveríamos copiá -los.
Miriam Duailibi: Professor,o senhor tem falado muito em seus livros,como em Conexões ocultas, o seu
último livro,em alternativas sustentáveis,ecologicamentecorretas para problemas muito grandes que
nós vivemos hoje. Um deles é a agricultura.Então eu queria que o senhor falasseumpouco mais sobrea
questão agroecológica,especialmentena evolução da agroecologi a no Brasil,etambém na questão dos
combustíveis.No Brasil,como o senhor sabebem, nós fomos pioneiros na questão do álcool,que é um
biocombustível,e hoje nós temos uma frota de aproximadamente seis milhões de carros flex,que
funcionamtanto com álcool quanto comcombustível [fóssil].No entanto, o senhor tem um carro
híbrido,que é um carro movido a eletricidade,com consumo muito pequeno de combustível que agora
começa a chegar ao Brasil deuma forma ainda muito tímida. Eu queria que o senhor falass esobreessa
tecnologia e por que essa tecnologia dos combustíveis mais limpos não seespalha deuma forma mais
rápida no mundo, contribuindo para a diminuição dos gases deefeito-estufa, que é o grande problema
do século XXI,junto com a água.
Fritjof Capra: Em primeiro lugar,comrespeito à agroecologia,fiquei surpreso quando,ao viajar pelo
Brasil recentemente, muita gente no seu país não sabeque o Brasil éo líder mundial em agroecologia.A
maioria dos projetos mais avançadosem agroecologia aconteceno Brasil.Recentemente, forammuito
bem organizados.Há um Centro de Ciências Agrárias,emFlorianópolis.Há uma nova Escola Latino-
Americana de Agroecologia,fundada pelo MST [Movimento dos Trabalhadores RuraisSem-Terra]. Em
breve, haverá um curso de agroecologia pela internet, organizado pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário.Uma infra-estrutura educacional enorme que vocês estão criando.Passando à questão do
combustível, mais uma vez, o Brasil foi pioneiro.Mas épreciso tomar cuidado ao cultivar parabiodiesel,
ao cultivar mamona,palmeira,cana-de-açúcar,qualquer umdeles, para não cair na armadilha da
monocultura,que terá os mesmos problemas.Os cultivos precisamser alternados.Deve haver
intercultivo.Há vários tipos demedidas ecológicas.Eo governo poderia ter um papel importante. Se
pagou um preço mais alto pelo combustível produzido segundo a agroecologia ese definiramalguns
certificados governamentais para combustíveis produzidoscorretamente. Vou falar do meu carro
elétrico híbrido.É parte da solução.Éum Toyota Prius.Tem motor elétrico, uma bateria grandee um
motor pequeno. Às vezes, anda com eletricidade,às vezes, com o motor. Quando paro em um
cruzamento, o motor pára,tudo pára.O motor não precisa funcionar,quando sepá ra.Quando desço
uma ladeira,ou quando breco, a energia do breque é convertida em energia elétrica e enviada para a
bateria.Ganho energia ao brecar.Esse carro usa cerca da metade do combustível que o carro padrão
usa.Não sei as especificações agora.Mas quando me dizem: "A gasolinaestá tão cara,está custando
três dólares o galão (3,6 litros)".Eu respondo: "eu pago a metade”. Estatisticamente, pago a metade. O
problema é que existe uma enorme indústria automobilística nos EUA, fica em Detroit, e eles espalham
todo tipo de boato. Quando vou visitar amigoseparentes, toda a família,quando falo do Prius,
comentam: "Eu soube que não sobe bem ladeira".Ou "eu soube que não acelera".Na verdade, acelera
mais rápido do que os outros.Como a partida éelétrica,o torque é maior.Acelera mais rápido,sobe
ladeira muito bem, é muito confortável,é dirigido como um carro padrão,mas custa a metade. Isso é o
futuro. Repito: o fato de tecnicamente existir a solução não significa quesepropague. É também uma
questão política.
Edgard de Assis Carvalho: Você, há alguns anos atrás,participou deum debate internacional chamado
"Arte, Ciência,Espiritualidadee Economia em uma Sociedade em Mutação" - tenho a impressão deque
era esseo título - onde estavam você, alguns economistas,o Ilya Prigogine[(1917-2003),russo
naturalizado belga,físico-químico queganhou o Nobel de Química em 1977 por suas contribuições à
termodinâmica],o [Robert] Rauschenberg [(1925-2008),fotógrafo, escultor,compositor e pintor
americano que fundou o neodadaísmo e foi um dos pioneiros na artepop], etc. Naquela ocasião,você
teve um diálogo bastanteácido comum economista, que eu não me lembro exatamente o nome. Mas
naquela ocasião,a questão que estava em pauta era a da divulgação da ci ência.Ou seja,a ciênciatem
que encontrar novas mídias para sefazer ouvir melhor. No que diz respeito à sua obra,você tem um
belo exemplo disso quando O ponto de mutação foi levado,foi roteirizado para o cinema,
magistralmente representado pela Liv Ullmann.Há outros exemplos do teatro, por exemplo, eu poderia
citar,o Copenhagen [peça de teatro cujo enredo gira em torno do famoso reencontro entre o físico
dinamarquês Niels Bohr e seu ex-discípulo,Werner Heisenberg, em setembro de 1941,na capital da
Dinamarca,então ocupada pelos nazistas,esobreo que eles teriam conversado na ocasião,já que
estavam em lados opostos do conflito na Segunda Guerra Mundial],do Michael Frayn [repórter,
tradutor e dramaturgo inglês].Ele discutea polêmica,os diálogos entre Niels Bohr [(1885-1962),físico
dinamarquês,foi Nobel de Física em1922, e é considerado um dos pais da teoria atômica moderna)] e o
Werner Heisenberg [(1901-1976),físico alemão,foi prêmio Nobel de Física em1932, criador da
mecânica quântica edo Princípio da Incerteza,que leva seu nome)]. Atualmente, em São Paulo,há um
espetáculo teatral que levou para o palco A dança do Universo de um físico brasileiro chamado Marcelo
Gleiser.Você pensa que seria possível pegar a sua obra e transferi -la parauma mídia teatral,ou
cinematográfica? Ou acha que com O ponto de mutação você não pretende mais fazer isso,coma Teia
da vida, ou com o Conexões ocultas?Você pensa em alguma experiência cinematográfica ou teatral,no
caso?
Fritjof Capra: Não sou cineasta.Para mim,foi uma experiência bem difícil.O meu irmão dirigiu,criou o
filme. Co-produzi com ele, colaborei estreitamente. Foi engraçado, porque nos meus livros,promovo
uma visão holística unificadado mundo. Quando se vivencia a criação deum filme, ele não é filmado em
seqüência,é cortado em pedacinhos.O diálogo que eu havia escrito foi dividido emfragmentos.
Felizmente, conseguiramjuntar tudo de novo. Foi bom. Não tenho planos de fazer filmes,mas o meu
irmão está trabalhando na continuação - Ponto de mutação II - sobre globalização.Também será
baseado nas conexões ocultas.Antes de eu vir para o Brasil,ummês antes, recebi uma carta de alguém
dos EUA que disseque queria escrever um roteiro para o teatro, para uma peça, porque ele disseque
esses livros...Na verdade, ele queria transformar Ponto de mutação em peça de teatro. Acho que seria
ótimo, muito fácil deser feito. Gosto que artistas façampapéis quenos ajudem a comunicar essas
coisas.Fiquei encantado coma peça de Michael Frayn, Copenhagen,que vi em Londres, e estava em São
Paulo,quando encenaram a versão brasileira.Fui à estréia econheci os atores nos bastidores.Para mim,
foi uma grande noite.
Paulo Markun: Professor,vamos fazer mais um intervalo.O programa desta noite é acompanhado na
platéia por Ricardo Ridel,diretor da editora Cultrix;Patrícia Romano,bióloga e professora deeducação
ambiental e Rita Mendonça, do Instituto Roma. A gente volta já,já.
[intervalo]
Paulo Markun: Voltamos com o Roda Viva que, esta noite, entrevista o físico,escritor eambientalista
Fritjof Capra.Aliás,quero registrar o endereço do site do professor Capra,que é: www.fritjofcapra.net,
onde você pode obter mais informações sobreo trabalho dele, o endereço de contato com o professor
Capra,enfim, ter mais acesso,já que a rede nos permite essa facilidade. Professor,uma das dificuldades
que eu imagino que há em relação a essetipo de abordagem que o senhor faz é o fato de que os
cientistas,deum modo geral,trabalhama partir deuma base muito simples,ou muito estrita, que é de
tudo aquilo quepode ser comprovado. As coisasquepodem ser comprovadas,os testes que podem ser
feitos em um laboratório aqui ou do outro lado do planeta,e em iguais condições chegar ao mesmo
resultado,são consideradosciência.Tudo aquilo queescapa desselimite,que é no campo da ciência
exata – obviamente, não estamos falando das ciênciashumanas – é um pouco colocado no plano das
intenções, das ilusões,ou até mesmo da idéias semcomprovação.Como é possível sustentar as idéias
que o senhor defende dessa inter-relação das coisascomo um todo, na baseda comprovação,ou não é
possível fazer isso?
Fritjof Capra: Essa é uma pergunta realmente fascinantepara mimsobrea história da ciência.
Poderíamos conversar por meia hora, no mínimo. É uma questão bem complexa. Vou tentar ser conciso.
A ciência moderna originou-seno século XVII,com a chamada revolução científica,comGalileu [Galilei,
(1564-1642),matemático e astrônomo italiano],[Isaac] Newton [[(1642-1727),físico quepostulou,na
obraPhilosophiaeNaturalis Principia Mathematica, os princípios da física mecânica],[René] Descartes
[(1596-1650),filósofo ematemático que criou o sistema cartesiano,sistema analítico queune geometria
e álgebra].Tanto Galileu quanto Newton acreditavamque a ciência,a física,poderia ser completamente
matemática. Se haviamacabado dedescobrir as leis básicasda matemática,poderiamdeduzir tudo dali.
Na verdade, Galileu não fez muitas experiências.Fez algumas,mas não muitas.Porque ele pensou, uma
vez que já tinha a matemática, poderia deduzir tudo dali.Aquestão da prova é uma questão de
matemática. Na matemática usam-seprovas rigorosas.Aciência,como é entendida hoje, ao menos
pelos principaiscientistas,ébem diferente. A ciência não trata de coisasexatas quese podem provar.A
ciência ésempre aproximada,limitada.Como o mundo é totalmente interconectado, para explicar
qualquer fenômeno específico,é preciso mostrar como ele está ligado a todos os outros. Nunca se
consegue fazer isso por completo. Portanto, o saber científico é sempre aproximado e limitado.O que
fazemos em ciência éprojetar modelos ou teorias científicas.Depois,decidimos sesão bons,se
descrevem bem a realidade.Essa decisão étomada por consenso explícito ou implícito,entre cientistas.
É um empreendimento coletivo. Mas nunca é uma prova rigorosa.Só a opinião popular acredita queos
cientistas podem provar tudo. Dentro da ciência,a visão ébem diferente.
Marcelo Knobel: Eu gostaria deretomar a questão que apareceu antes do intervalo,sobre a divulgação
científica de uma maneira geral talvez nessa concepção um pouco mais ampla que o senhor está
colocando agora.Nos Estados Unidos e na Europa, os locaisprivilegiadosondeé feita uma boa
divulgação científica,eramcentros e museus de ciência em particular.Enesses locais,por exemplo, há
excelentes programas de educação ambiental,de alfabetismo ecológico,como o senhor tem atuado
ativamente. Aqui no Brasil essemovimento de centros e museus de ciência éainda incipiente,porém,
crescente. Eu queria que o senhor comentasseum pouco sobrea importância da existência desses locais
para divulgação,para a educação não formal da ciência eda tecnologia.E sobre a divulgação científica
de uma maneira mais geral,como revistas dedivulgação científica,a mídia.Eu queria que o senhor
fizesseum comentário genérico sobre a questão da divulgação científica especificamente.
Fritjof Capra: Hoje temos váriasseções da sociedadeque propagamvários tipos deciências.Temos as
grandes instituições científicascomo o MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts],Oxford,Berkeley
e grandes universidades.Também temos muitas instituições da sociedadecivil.Na sociedadecivil,não
vamos simplesmente ao Fórum Mundial para nos encontrar,falar sobreprojetos efazer passeatas.
Também temos as nossas instituições científicas.Etemos as nossasrevistas.Para dar só umexemplo
que conheço dos EUA, o Rocky Mountain Instituteé dirigido por Amory Lovins [fís ico norte-americano,é
um dos mais importantes cientistas independentes dos Estados Unidos.É consultor de governos,
empresas e organizações não-governamentais],que é, talvez, o maior especialista emenergia do
mundo. Lá há muito trabalho científico sobre energia.Outro é o Centro de Ciências Agráriasem
Florianópolis.Umcolega e amigo meu, Miguel Altieri [agrônomo e agroecologista,professor da
Universidadeda Califórnia emBerkeley e coordenador do Programa de Agricultura Sustentável da ONU
para Ásia,África eAmérica Latina.É um reconhecido estudioso do controlebiológico de
pragas,ecologia agrícolaedesenvolvimento rural sustentável],trabalha lá.Foi elequem me disse,há
pouco tempo, que o MST abriu a Escola Latino-Americana deAgroecologia.Aqui, tem-se ciência muito
avançada,agroecologia ensinada dentro de um contexto que é um contexto de liberação,um
movimento político de esquerda. Acho extraordinário.Isso está acontecendo em muitos lugares do
Brasil.Acho que tem toda a razão.Museus de ciências,centros de aprendizado devem se expandir.Mas
também se deve reconhecer que se ensina muita ciência nos institutos deeducação ambiental.Por
exemplo, aqui em São Paulo,o Instituto Ecoar, dirigido pela minha amiga MiriamDuailibi,apresenta
uma ciência excelente. Publicamlivroslindos,ensinamciências.Não é uma universidade,apesar de
colaboraremcom universidades.Hoje,há muitos canais ensinando ciências.Todos precisamser
expandidos.
Marcos Sorrentino: Retomando um pouco a questão inicial levantada pelo Markun,dessa tensão entre
o social eo ambiental,eu queria só mencionar que a Gazeta Mercantil trouxe, recentemente, uma
pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas,que demonstra que a pobreza no Brasil recuou cerca de 7%
no ano de 2004. É a maior queda desde 1992.Por outro lado,temos problemas ambientais que
decorrem ainda da presente e hegemônica lógica desenvolvimentista,agro-exportadoradealimentos
para os carnívoros do mundo inteiro. Como intelectual e como ambientalista queconhece bem o Brasil
e que tem a oportunidadede olhar o país para alémdas paixões eleitorais,como é que você interpreta
essa realidadesocioambiental hojeno país?
Fritjof Capra: Bem, para mim, é difícil falar sobreos detalhes da política do Brasil.Apesar de vir muito
aqui,não conheço bem os detalhes. Mas eu realmente notei que quando o presidente Lula foi eleito, em
2003,ele enfrentou problemas enormes porque havia contra ele quaseuma conspiração mundial.As
principaisinstituições financeirasglobaisnão queriamque um esquerdista,líder sindical,operário,
tomasse decisões sobrea política financeira do Brasil.Você deve se lembrar que o real estava a quatro
dólares,mais ou menos, na época. Agora, está perto de dois dólares.Elefoi extremamente bem
sucedido em acalmar os mercados financeirosinternacionaisquepoderiamtê-lo derrubado.E foi bem
sucedido na implementação de muitas estruturas novas de canais decomunicação.Elefoi bem sucedido
ao conseguir que 13 ministérios colaborassemna proteção da Amazônia. Como já falei,o
desmatamento caiu 40%,aproximadamente, nesse ano. Foi bem sucedido em muitas frentes. Mas, de
algummodo, meus amigos brasileiros esperavammais dos programassociais.Sei que ainda há muita
violência no Brasil,uma disparidademuito grande entre ricos epobres. Os programas sociaisprecisam
ser postos em prática.A minha esperança é, se desde já os grandes problemas forem tratados,as
grandes questões globais efinanceirasforemmuito bem tratadas e novas estruturas sejamarma das,
realmente veremos avançar os programas sociais.
Flávio Dieguez: Professor,continuando um pouco nessa linha,evoltando um pouco à linha da pergunta
que eu fiz, gostaria queo senhor se estendesse um pouco mais sobreessas questões.Especialmente, de
que maneira sepode conduzir uma política queseja desvinculadadepartidos,pelo menos da maneira
tradicional - em que essa vinculação era mista - para enfrentar questões que são muito sérias.Quando
se fala emecologia,geralmente se esquecem das populações humanas quesofrem mais do que os
próprios animais,em quasetodas as circunstâncias.Essatragédia deNew Orleans [referência à
catastróficapassagemdo furacão Katrina,em 29 de agosto de 2005, pela costa sudeste dos EUA, que
devastou a cidadede New Orleans],por exemplo, foi uma coisa esclarecedora a respeito das condições
de vida em que grande parte da população viveatualmente. Eu menciono especialmente a questão, por
exemplo, do Oriente Médio, uma vasta região,tem 700 milhões de pessoas vivendo ali,naquele
corredor que vai até a fronteira com a China,em condições estarrecedoras.Há muita tensão, a violência
é muito grande. Na sua visão,a tentativa que o senhor fazde aplicara ciênciaa umproblema social,
como o senhor encara essetipo de problema? Eu menciono que o senhor escreveu uma carta,um artigo
longo, muito corajoso,na época do atentado a Nova Iorque[no dia 11 de setembro de 2001, os Estados
Unidos passarampor uma sériede atentados suicidas,organizadospela Al -Qaeda,uma organização
terrorista lideradapor Osama Bin Laden. Nesse dia quatro aviões comerciais foramseqüestrados - dois
colidiramcomo prédio empresarial World TradeCenter na cidadede Nova Iorque], um artigo
importante, porque foi logo depois do episódio.E o senhor não deixou de atribuir aos americanos uma
parcela deculpa pelas suas políticas inadequadascomrelação ao OrienteMédio.
Fritjof Capra: Esse artigo está no meu sitena internet. Acho que precisamos,seolharmos com
abrangência todos os problemas que mencionou, a minha sensação éque o que os nossos políticosmais
necessitamé aprender a pensar de modo sistêmico.Por exemplo, energia. A economia dos EUA
funciona com petróleo. E o petróleo tem emissões carbônicas.Quando dirigimos o nosso carro,fazemos
funcionar nossasfábricas,tudo isso contribui seriamentepara aumentar os gases de efeito-estufa, que
contribuem para a mudança climática,quecausa tremendos furacões,inundações,ondas decalor que
vimos nos últimos anos.Seria muito fácil - deixe-me falar só dos EUA - seria muito fácil aumentar a
eficiência do combustível em poucos pontos percentuais.O número é 1,34 Km/litro. Seria muito fácil
fazer isso comos nossos carros.Aconseqüência seria queos EUA não teriam de importar petróleo
algumdo Oriente Médio. Mas em vez de dar esse passo tão fácil,o governo Bush prefere entrar em uma
guerra, atacar um país que não o ameaçou, matar dezenas de milhares depessoas e causar problemas
terríveis; alimentar o terrorismo naquele país,onde não existia antes, agora é um viveiro de terroristas e
é exportado. E eles não vêem que as políticas deles são o pano de fundo do terrorismo, porque sempre
houve terroristas no mundo, mas eles precisamde apoio popular.Agora, por todo o Oriente Médio, e
em várias partes do mundo, contam com grande apoio popular,porque os EUA são vistos como líderes
das forças deglobalização quecausa muitos danos às pessoas.Dessemodo, o terrorismo é alimentado
por essas políticas.Mas os políticos não vêem isso.Têm a visão simplista de que há pessoas más ali,
como se agissemem um vácuo.Ou há catástrofes naturais.Achamque isso não nos dizrespeito. Todas
essas coisasestão juntas.Por isso precisamos do pensamento sistêmico.
Paulo Markun: Professor Capra,eu queria agradecer muito a sua entrevista e também aos nossos
entrevistadores e a você que está em casa.
Fritjof Capra: Muito obrigado.

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Fritjof Capra no Roda Viva

  • 1. Fritjof Capra no Roda Viva Memória Roda Viva Página Inicial Listar por: Entrevistas | Temas | Data Buscar: OK Fritjof Capra 30/1/2006 “Devemos associar o progresso à melhora do bem-estar humano, com a ajuda da tecnologia.Mas não melhorar a tecnologia à custa do bem-estar humano”, diz o autor de livros quepropõe novas visões do mundo  [Programa gravado não permitindo a participação de telespectadores] Paulo Markun: Boa noite. Ele alerta que a sobrevivência da humanidadenas próximasdécadas vai depender da alfabetização ecológica,vai depender do conhecimento e do entendimento sobre como a natureza organizou a sustentabilidadeda vida.Nós vamos entrevistar esta noite o físico,ambientalista e escritor Fritjof Capra,austríaco,para quemo Brasil não precisa sesubmeter à globalização porquetem muitas riquezas e produz o suficientepara o seu próprio sustento. [Comentarista]: Doutor em física pela UniversidadedeViena, Fritjof Capra tornou-se conhecido no mundo e no Brasil nos anos 70 e80 a partir de dois best-sellers:O tao da física, livro ondeestabeleceu paralelosentre a física moderna e o misticismo oriental eO ponto de mutação, onde propôs uma nova visão demundo para superar a criseda sociedademoderna. Nos últimos anos,Capra concentrou seu trabalho nas questões ecológicas etornou-se um ativo ambientalista.Já veio várias vezes ao Brasil para seminários ecursos sobredesenvolvimento sustentável, energias alternativas ealfabetização ecológica. É um dos fundadores do Centro de Eco-Alfabetização de Berkeley, na Califórnia,ondepromove a divulgação do pensamento ecológico na rede escolar americana.Em seu último livro, As conexões ocultas, Capra afirma que tudo na natureza está interligado eque os ecossistemas representam teias de alimentos,rede de organismos.Fritjof Capra colocaqueconhecer e reconhecer essas redes deverá se tornar qualificação indispensável para todo tipo de profissional,especialmente empresários e políticos. Paulo Markun: Para entrevistar o físico Fritjof Capra,nós convidamos:Ulisses Capozzoli,presidenteda Associação Brasileira deJornalismo Científico;Flávio Dieguez, jornalista especializado emassuntos científicos e diretor da Agência Brasil deNotícias;MiriamDuailibi,coordenadora da ONGInstituto Ecoar para a Cidadania,especialistaem educação para sustentabilidade;DarleneMenconi, editora de ciência, tecnologia e meio ambiente da revista Isto É; Marcos Sorrentino, diretor de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente; Edgard de Assis Carvalho,professor do Departamento de Antropologia da PUC; Marcelo Knobel, professor do Instituto de Física e coordenador do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividadeda Unicamp.Também temos a participação do cartunistaPaulo Caruso,registrando em seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa.Boa noite, Fritjof. Fritjof Capra: Boa noite.
  • 2. Paulo Markun: Há 30 anos,quando o senhor escreveu o primeiro livro quetornou o seu nome mundialmente conhecido, O tao da física, segundo o senhor próprio relata,aquela idéia deque tudo está interligado - seé que eu estou simplificando bema coisa - surgiu numa praia dos Estados Unidos, onde o senhor tinha um visual muito agradável.Eu estava ontem em uma praia do litoral deSanta Catarina,no sul do Brasil,enão tive insight nenhum, não tive idéia nenhuma, mas vi um carrinho de vendedor de água de coco, carrinho feito de plástico,quevendia água de coco em um recipiente de plástico efinalmente entregava para o consumidor um canudo,para sebeber a água de coco, de plástico.Uma prova,imagino,de que essa questão da conscientização ambiental não étão fácil eque, talvez, o fato simples das coisastodas seinterligaremnão seja suficientepara que o mundo tome consciênciadeque é preciso preservar a natureza. E eu pergunto: como o senhor acha que isso vai ser obtido a curto prazo, porque a verdade é que os problemas estão crescendo vertiginosamente. Fritjof Capra: Antes de responder, eu quero dizer em português que é um grande prazer para mim estar neste programa.Sinto muito que o meu português não é suficientepara discutiridéias comvocês em seu idioma,então vou ter que falar eminglês. Paulo Markun: Nenhum problema,nós cuidaremos das necessáriaslegendas. Fritjof Capra: Considero muito boa essa históriacomque iniciou o programa.Além de estar relacionada a mim pessoalmente, quando comecei essa jornada,eletambém mostra que ecologia não é fácil.Dizer que tudo está interligado não basta.Épreciso saber mais.O que chamo de alfabetização ecológica éa compreensão dos princípios básicos da ecologiapara entender como a natureza preservou a vida durante bilhões de anos,como as coisasestão interligadas.Pensar em termos de redes, em termos de ciclos,pensar deonde vem a energia, refletir sobre o papel da biodiversidadeeassimpor diante.Isso é conhecimento sofisticado também do ponto de vista científico,portanto, estimulantepara o intelecto. Quando obtemos esseconhecimento, existe um outro problema, como traduzir isso em política,em estilos devida.Porque ao aprendermos coisasdos ecossistemas,não podemos aprender política, democracia,cultura.Estas são questões do reino humano. Vai custar muito trabalho traduzir conhecimento ecológico em política ecomportamento humano. Paulo Markun: Agora, voltando a esseexemplo do vendedor de água de coco,a sensação queeu tenho também é que toda a sofisticação intelectual dos ambientalistas etodos os argumentos que são muito consistentes dificilmenteultrapassamumlimitemuito claro das pessoas queé a necessidadeda sobrevivência.Essevendedor de água de coco, eu tenho certeza, não tem condição tecnológica defazer algo diferente. Ele não tem educação formal,ele não tem emprego formal,e a maneira de vender água de coco ali,atédo ponto de vista higiênico,émelhor do que a média do que acontece nas praias brasileiras,eimagino,em muitos lugares.Como que se resolveisso? Fritjof Capra: O vendedor não tem uma educação formal,mas recebe muita educação informal.Porque, acredito,ele deve assistirà TV todo dia.E na TV, nada contra o seu programa que eu adoro,mas a TV em geral está dominada pela publicidade,que nos dizque, cada vez mais,produtos novos irão nos tornar mais felizes.Em termos de sociedade,tanto no norte como no sul,agora,chegamos ao ponto de associar o progresso ao progresso tecnológico.Dessemodo, ele pensa que ir do facão tradicional para só cortar o coco, e depois pôr um canudinho natural ebeber a água,um processo maravilhoso e delicioso,quepode ter isso em uma garrafa de plástico,comcanudo de plástico,éprogresso. Precisamos mudar,também no nosso sistema educacional,a associação deprogresso à melhora do bem-estar humano, com a ajuda da tecnologia.Mas não melhorar a tecnologia à custa do bem-estar humano. Ulisses Capozzoli: Neste mesmo livro, O tao da física, o senhor faz uma homenagem a algumas pessoas, como John [William] Coltrane[(1926-1967),saxofonista ecompositor de jazznorte-americano, considerado pela crítica especializada como o maior sax tenor do jazze um dos maiores jazzistase compositores dessegênero], e você faz uma referência ao Carlos Castañeda.Eu gostaria desaber que tipo de influência o senhor recebeu do Castañeda nessa sua abordagemde física,nessa sua abordagem de ambiente. Eu pergunto isso porqueo Castañeda é, entre a comunidadeacadêmica brasileira,um
  • 3. autor muito pouco considerado,muito pouco respeitado.Que tipo de influência o senhor recebeu do Castañeda? Fritjof Capra: Isso aconteceu há 30 anos.Eram tempos bem diferentes. Isso aconteceu no fim dos anos 60, que não é simplesmente uma década,mas uma cultura que chegou até boa parte dos anos 70. Nessa época, eu estava muito interessado na expansão da consciênciapara a dimensão espiritual.Eu estava interessado em filosofiasorientais,estava interessado em meditação.Castañeda representava uma abordagem ocidental muito interessantedo mesmo tipo de sabedoria.Assim,eu podia comparar budismo,hinduísmo e taoísmo, que eu estava estudando, com o que li nos livrosde Castañeda. Francamente, os livros delesão muito românticos eatraíamo espírito da época. E na verdade, não importava se eram cientificamenteprecisos ou não. Castañeda criou ummito. Foi um brilhanteescritor e criou um mito. E, como com todos os mitos, acredita-se,até certo ponto, que é verdade, e até certo ponto, que não é. O mito é importante. Era um mito muito forte e poderoso. Miriam Duailibi: Eu queria voltar à pergunta do Paulo Markun. Para realizaressasmudançasem direção a um paradigma mais sustentável,nós vamos ter que promover mudanças radicaisno nosso modo de produzir,de consumir,de descartar,de nos locomover, mas também mudanças radicaisna gestão pública,na gestão das empresas e assimpor diante.Eu queria perguntar para o senhor quais são os atores mais importantes para essa mudança e qual é o papel das ONGs nesse processo? Fritjof Capra: Do meu ponto de vista,no mundo atual,temos três centros principaisdepoder. Temos dois centros tradicionais:governo e negócios.E as várias conexões entre governo e negócios em ambos os sentidos.O governo pode criar oportunidades denegócios,restrições através deleis.Os negócios podem influenciar o governo por todos os modos legais e ilegais.Hoje,temos um terceiro centro importante de poder: a sociedadecivil.As ONGs e a sociedadecivil no passado funcionavamcomo uma interface entre o cidadão individual eo governo. Como o indivíduo não consegue ir diretamente ao ministro ou ao presidente e conversar,usamos partidos políticos,igrejas,váriasorganizações cívicas. Mas o que vimos,nos últimos cinco anos,foi as ONGs crescerem e irem além das fronteiras nacionais, como os negócios que crescerame foram além das fronteiras nacionais.Agora,temos uma sociedade civil global,muito sofisticada,interligadapor redes,tanto eletrônicas quanto pessoais,redes pessoais. Para ir em direção à sustentabilidadeé crucial queos três centros de poder colaborem.Cada um tem muito a contribuir.O governo contribui coma moldura legal e também os políticos carismáticospodem contribuir para comover e inspiraros cidadãos.O ramo de negócios tem muita técnica, sistemas de telecomunicações,soluções de problemas,tudo. Em geral,a sociedadecivil contribui comos valores.As empresas têm; os governos, às vezes sim,às vezes não. Mas nós da sociedadecivil estamos organizados globalmente em torno dos valores da dignidadehumana e da sustentabilidadeecológica.Só com essa colaboração podemos chegar a um futuro sustentável. Darlene Menconi: Professor,quando o Lula foi eleito, o senhor disseque ele seria umgrande exemplo para o mundo, não só para o Brasil,porqueele tinha um grande trânsito entre as classes sociais ea sociedadecivil,na verdade,e ambiental.O senhor dizia que era uma grande esperança de um novo modelo econômico que valorizasseessas questões.O senhor ainda acredita nisso,o senhor ainda tem esperança nesseBrasil? Fritjof Capra: Acho que houve um problema de compreensão. Nunca falei que Lula pode se tornar a esperança do mundo. Nunca me engajei no culto à personalidadedo Lula.Eu disseque o Brasil poderia ser a esperança do mundo. Porque, como acabo de dizer, essa colaboração dos três centros de poder é muito ativa no Brasil,umcrédito absoluto para Lula eseu governo. Eles estabeleceram canaisde comunicação quenão existiamem nenhum país importante antes. Sei por experiência pessoal porque tenho vindo ao Brasil desdeo início da década de 1990.Algumas pessoas queconheci no movimento ambientalista do Brasil,nas ONGs,fui reencontrar no Ministério do Meio Ambiente, trabalhando para a ministra MarinaSilva[ambientalista epedagoga, liderou o Ministério do Meio Ambiente de 2003 a 2008,quando se demitiu por não concordar comos rumos da política ambiental].Há um canal de comunicação.Há também o orçamento participativo a queo PT deu início em Porto Alegre e espera expandir.Há muitos modos para a sociedadecivil colaborarcomo governo que não há em outros países.Não sejamos ingênuos,essa colaboração nemsempre é fácil.De um lado,estão os grandes empreendimentos, com programas e valores muito diferentes. Depois, está a sociedadecivil comos
  • 4. valores de sustentabilidadeecológica,dignidadehumana e muitos valores assim.Muitas vezes, há choques. Ainda devemos ver como irá funcionar.Continuo com grandes esperanças. Edgard Assis Carvallho: Seus livros todos fazem muito sucesso aqui no Brasil, O tao da física, A teia da vida, o Conexões e O ponto de mutação. No entanto, eles não penetram muito no ambiente universitário.Eu estou falando da ótica,não só da antropologia,mas das ciênciashumanas.Seus textos às vezes são considerados,na universidade,como alguma coisa próxima - isso jáfoi dito em algumas instituições - próxima deauto-ajuda,ou misticismo,etc. No entanto, se eu estou correto, os seus livros todos investem na necessidadede superação do paradigma cartesiano,o paradigma quedivideas coisas,quesepara.Como é que o senhor trabalha esta questão de que nos textos há uma aposta na reforma do pensamento, no plano dos valores,das instituições,equando nós transportamos essas idéias para a universidade,a universidadesemostra,de certa forma, refratária a essetipo de idéias, uma vez que a universidadeainda édominada pela fragmentação,etc? Fritjof Capra: Estou contente com essa pergunta por que isso éfonte de muita frustração para mim. Fiquei bem conhecido no Brasil nos últimos 10,15 anos por vários motivos.Um deles foi eu ter trabalhado,por 10 anos,para uma grande empresa de São Paulo,Amana-Key. Eles oferecem seminários para executivos.Milhares depessoas já fizeramesses seminários.Contribuí para os seminários, pessoalmente ou por vídeo, durante 10 anos.E eles venderam os meus livros paraos clientes.Os meus livros seespalharamrápido no mundo empresarial.Também tenho uma editora excelente no Brasil,a Cultrix,que distribui os livrosmuito bem. Portanto tive duas fontes que me tornarambem conhecido. Depois, conheci empresas,através da Amana-Key, conheci ONGs, conheci participantes do governo Lula, como a ministra MarinaSilva.Dessemodo, fui ficando cada vez mais conhecido e isso leva as pessoasa quererem transformá-lo em celebridade.E parte de ser celebridadeé ter de ser sempre igual.Não se pode mudar, porque a fama chegou por um certo motivo. Esperam que tenha fama por um certo motivo. A minha fama inicial seoriginavada físicaemisticismo,no tao e assimpor diante.Assim,os meus livros,sefor a uma livraria,não estão na área de ciências sociais,queseria o lugar deles. No meu último livro, Asconexões ocultas, apresento uma estrutura coerente que integra três dimensões da vida: a biológica,a cognitiva ea social.Isso éuma verdadeira novidadebaseada em um trabalho notável de cientistas do mundo inteiro,vários laureadoscomo Nobel. É ciência séria.Mas muitas vezes não é apresentado assim.A outra parte da pergunta era sobre universidades.Fico felizem dizer que, há uma semana, estive em Porto Alegre e dei uma palestra na PUC. Estavampresentes o reitor, os professores dos principaisdepartamentos,e debatemos a integração do ensino,a introdução do pensamento sistêmico e a iniciação decausas queapresentem essa abordagemunificada eintegrada.Eles disseram que lá fazem muito a esse respeito. Mas é muito séria a fragmentação na maioria das universidades. Porque não é só uma fragmentação intelectual,também é econômica e política.Não sepode publicar textos em revistas multidisciplinares sequiser construir uma carreira, porquenão são bem conceituadas.As revistas são fragmentadas.Asubvenção é fragmentada. Se for pedir uma subvenção, não pode pedir para ecologia,para algo socioambiental.Se mencionar essa palavra,não obterá dinheiro.Deve ser precisamente fragmentado. É difícil superar isso,mas é o que precisamos fazer. Paulo Markun: Professor Capra,nós vamos fazer um rápido intervalo,lembrando que a entrevista desta noite poderá ser encomendada em DVD a partir de amanhã.O siteé www.culturamarcas.com.br.Por este endereço e pelo telefone 0xx11 3081-3000,você pode encomendar qualquer programa da série do Roda Viva, já são mais de1000 programas exibidos nestes 19 anos.E nós voltamos em um instante com a entrevista desta noite que está sendo acompanhada na platéia por:André Barbieri,biólogo e educador ambiental; Maria Ângela Souza, publicitária,eOtávio Mazza de Andrade, jornalista.Agente volta já,já. [intervalo] Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva desta noite que está sendo gravado,portanto não permite a participação direta do telespectador, entrevistando o físico Fritjof Capra,autor de vários livros,eque tem divulgado,pelo mundo, seus pensamentos sobremeio ambiente e sobre as implicaçõesfilosóficasda ciência.
  • 5. [Comentarista]: Quando publicou O tao da física, Fritjof Capra fez um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental. O ponto de mutação trouxe a idéia de que as forças de transformação do mundo podem representar um movimento positivo demudança social.Pertencendo ao universo,fez explorações nas fronteiras da ciência eda espiritualidade. A teia da vida propôs uma nova compreensão científica dos sistemas vivos,assimcomo As conexões ocultas, que buscama compreensão da sustentabilidadeda vida como fator de sobrevivência humana.Em seus trabalhos,Fritjof Capra vem mostrando como a revolução da física moderna aponta para uma revolução iminente em todas as ciências,o que nos levará ainda maisa mudanças.Éo tema com o qual retomamos o programa através da pergunta da diretora de teatro, Bia Lessa. [VT de Bia Lessa]: Eu gostaria deperguntar para o Capra o que ele acha que vai acontecer nos próximos 20, 30 anos do ponto de vista científico,já que a ciência éa grande revolucionáriados últimos tempos. Ela mudou os conceitos mais primários,maisprimitivos.Aidéia de você ter um filho semter uma relação sexual,a própriacriação da ovelha Dolly [nome dado ao primeiro mamífero clonado deuma célula adulta,a partir deglândulasmamárias.O criadordo clonefoi o embriologista escocês Ian Wilmut]; a própria idéia da transformação da morte, da possibilidadedevocê transferir a sua memória, então a própria idéia da morte, ou seja,que é uma coisa quea gente nascecom ela - para tudo tem cura,menos para a morte - até isso agora está sendo questionado pela ciência.Eu queria saber o que é que você imagina para os próximos 30 anos. Fritjof Capra: O progresso científico,só pelo bem do progresso, fazer algo na ciência só porque podemos fazer não é suficiente.Na verdade, a ciência ésempre praticada dentro de um contexto mais amplo. Valores sempre penetram na ciência.Como indivíduo cientista,posso escolher,por exemplo, em biologia,sequero ser microbiologista ou geneticista,ou se quero ser ecologista,ou se quero trabalhar com teorias evolucionárias.Essassão escolhasdevalores.Valores mais importantes estão presentes em pesquisas.Apesquisa científica émuito cara,hoje. É preciso ter muito dinheiro,muita infra-estrutura. Isso precisadefinanciamento.Os valores das empresas financiadorasmuitas vezes determinam os valores da pesquisa.Está claro quehoje, como no passado,a ciência sempreacontece dentro de um contexto mais amplo de valores.No futuro, nós precisamos incorporar valores éticos evalores deuma ética ecológica.Valores que reconhecem que somos parte da comunidadeterrestre. De fato, a palavra ecologiavemde "oikos", lar.O lar da terra é uma comunidadede organismos:plantas ,animais, seres humanos, microorganismos...Somos parte da comunidade, dependemos dela. Qualquer tipo de ciência quedestrua a comunidadeé ciência ruim.Não sei o que acontecerá em 20, 30 anos.Espero que esses valores penetrem a ciência em larga escala. Paulo Markun: Não há o risco de a gente estar vivendo uma realidade - eu estou aqui fazendo o papel do advogado do diabo,que às vezes não é muito bom de fazer – em que esses setores que se apóiamna ciência para desenvolver novas tecnologias,por exemplo, de produção agrícola,por exemplo, de produção de frangos em grande escala - e o Brasil éhoje o maior produtor de frangos do mundo - disputamessa corrida dentro de um carro de Fórmula 1, enquanto os defensores do meio ambiente e aqueles que propõem, como o senhor propõe, que a ética e que os valores predominem sobre a ciência, estão montados em uma tartaruga,talvez. Não há um descompasso que faz com que o risco,quer dizer, quando esses pensamentos estiverem consolidadosno planeta como um todo, o estrago já não terá sido feito? Já não há mais como resolver as coisas? Fritjof Capra: Isso é verdade. Concordo, estamos em uma corrida.Mas talveza metáfora da Fórmula 1 seja estreita demais.Na Fórmula 1, existe a pista,e a principal variável éa vel ocidade.Há outras variáveis,gasolinasuficiente,os pneus... Hoje em dia,a corrida de carro é muito complicada.A velocidadee quem chega primeiro em uma dada pista éa variável crítica.Tomemos a agricultura.Na agricultura há muitas metas,e descobri, nas minhas visitasao Brasil,quevocês têm dois entes governamentais para a agricultura.O Ministério da Agriculturapara agronegóciosemgrande escala eo Ministério do Desenvolvimento Agrário para pequenas propriedades.Eles promovem tipos bem diferentes de agricultura.O de grande escala promoveo uso de produtos químicos e transgênicos,eo de pequena escala promove a agricultura ecológica.Fiquei felizao ver que o governo Lula dá mais dinheiro ao pequeno agricultor,à agricultura ecológica do queao grande agronegócio.Contudo a meta do agronegócio não é como a meta do piloto F1, que é bem clara,mas simganhar mais dinheiro possível.O maior motivo para vender transgênicos évender mais produtos químicos que destroem o
  • 6. ambiente, trazem muitos problemas.Se a meta for o bem-estar do Brasil,mesmo sendo o bem-estar econômico, então o papel dos transgênicos étrazer desgraça.A soja,por exemplo. Hoje, sabemos que o rendimento da soja transgênicaé6% menor do que o da soja convencional.Do ponto de vis ta econômico, é uma regressão.Também sabemos que a soja convencional no Brasil éauto-suficienteem nitrogênio. Não precisa defertilizante,é uma espécie especial.Atransgênica precisa.Isso significa queo custo de produção é mais alto,e se o Brasil tomar a direção dos transgênicos por completo, vai perder a vantagem atual de competitividade.Só do ponto de vista econômico,não é inteligente fazer isso.Do ponto de vista ecológico,os grandes problemas - degradação do solo,desmatamento - a infra-estrutura necessária trazproblemas ambientais.Do ponto de vista social,há uma concentração de terras e de capital;agricultores queforamtirados de suas terras emigrarampara a cidade,muitos problemas sociais.Eu diria queseo Brasil escolher os transgênicos,os programas sociaisnão poderão ser implementados. O bolsa-família,por exemplo, será impossível comesse tipo de agricultura.Também sei que, felizmente, o Brasil élíder mundial em agroecologia.No sul,há 400 mil agricultores usando métodos ecológicos.Não são muito fáceis por serem multidimensionais.Não é só plantar uma coisa, jogar por cima produtos químicos e esperar.Deve-se plantar espécies juntas,conhecer o clima,o ecossistema local...Mas aumentam o rendimento, e o que é importante: cons troem e nutrem uma comunidade. São vantajosos do ponto de vista social. Flávio Dieguez: Sobre a questão econômica,eu gostaria deter uma idéia,pelo menos aproximada,de como o senhor enxerga certas questões que são muito importantes do ponto de vista conceitual.E também do ponto de vista de uma certa superficialidadecomque vários debates vêm sendo feitos. Por exemplo, na questão da globalização,fala-semuito da globalização eisso significa muitas coisasvagas.E quando se chega a algumas definições umpouco mais precisas,sevê que a globalização não é exatamente o que se fala,no seguinte sentido: houve uma forte tendência para seunificar as moedas mundiais eisso foi considerado umponto importante da globalização,uma maneira de você, unificando as moedas, unificar os mercados.Mais recentemente, no entanto, de 99 para cá,e o senhor inclusive fala numa luta que seria a luta da globalização sustentável,equilibrada,contra a globalização,queseria um pouco mais irresponsável.Agora,o fato é que há uma mudança importante na economia mundial, em que, por exemplo, a questão do câmbio já não é uma questão tão clara,tão nítida.Muitos países estão deixando as moedas flutuarem, o que alguns economistas interpretamcomo sendo um fortalecimento das economias nacionais.Há um nacionalismo emergindo no meio dessa disputa,dessa tensão econômico-ecológica,atual.O senhor participou do Fórum Social Mundial,eu sei que o senhor está aqui inclusivepara participar deum fórum do Cone Sul [devido às afinidades geográficas,naturais, econômicas e sociais,o Cone Sul normalmente é entendido como a região que engloba o Chile,a Argentina, o Uruguai,o sul do Brasil eo estado de São Paulo] para decidir queposições os países do Cone Sul vão tomar na Conferência da Água, no México. O senhor poderia nos dar um panorama da sua visão sobreessas questões? Fritjof Capra: Não sou especialista no mercado financeiro detaxas de câmbio.Não posso falar sobre isso.Mas quero dizer algo sobreglobalização.Falamos da globalização econômica enão da cultura global,na qual podemos partilharciência,esportes,eventos culturais.Considero positivo essetipo de globalização.Aglobalização econômica poderia ser positiva,mas,infelizmente, no momento não é. Temos de ser, de modo geral,um único sistema econômico no mundo todo, com poucas exceções, é um sistema capitalista,mas émuito diferente do capitalismo tradicional quesurgiu após a revolução industrial,sobreo qual Karl Marx [(1818-1883),economista efilósofo alemão,escreveu O manifesto comunista e O capital, em que teoriza sobre o funcionamento do sistema capitalista,a partir dos conceitos de modo de produção,luta de classes,mais-valia ematerialismo histórico] escreveu e do que surgiu depois da Segunda Guerra Mundial,a economia keynesiana [conjunto de idéias econômicas integradas no pensamento de John Maynard Keynes (1883-1946),criador da macroeconomia,quefigura entre os mais importantes economistas do século XX e elaborou uma teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro.Na contramão das soluções neoliberais,Keynes defendia a intervenção do Estado na economia, por exemplo por meio de obras públicasepolítica fiscal,promovendo quando necessário uma redistribuição da renda].É caracterizado,basicamente, por três qualidades.Uma,é global.A segunda é que a produtividadebaseia-semuito na criação deconhecimento no processamento de informações e inovação.E a terceira é ser estruturado ao redor de uma rede de máquinas,de computadores, uma rede de fluxos informativos efinanceiros.Os computadores são programados segundo certas regras,chamadas regras de livre-comércio,que a Organização Mundial do Comércio
  • 7. impõe aos países membros. Agora temos o ponto importante, todas as regras estão subordinadas a um princípio,o princípio fundamental do capitalismo,ou seja,ganhar dinheiro ésempre mais importante do que qualquer outro valor humano.É mais importante do que os direitos humanos,do que democracia, saúde, proteção do ambiente, etc. Essa é a parte perniciosa da globalização econômica.Mas isso não é necessário.Podemos mudar, podemos projetar de novo a economia global para queoutros valores como os direitos das pessoas,a dignidadehumana,a proteção ao ambiente, a sustentabilidade ecológica sejamincorporados.Hojetemos a tecnologia para fazer isso.Por exemplo, podemos aplicar taxas globaispara câmbio demoedas. É a Taxa Tobin [taxa idealizada pelo economista James Tobin em 1972,que propunha que todas as transações financeirasfossemtaxadas eque os estados tivessem garantia da realização depolíticasmacroeconômicasede estabilização pelo fato dos mercados serem constantemente afetados pela volatilização dos capitais.Além disso,o capital gerado pela aplicação da Taxa Tobin poderia ser utilizado para erradicar a pobreza extrema em que muitas pessoas vivem] que foi proposta.Poderíamos usar essedinheiro para dar apoio a culturasecomunidades em processo de afirmação,a África subsaariana,ou o que se quiser.Temos a tecnologia para isso.Éuma questão de valores e de vontade política.Esses valores precisamser introduzidos no nosso sistema econômico. Marcelo Knobel: Eu queria retornar ao assunto já anteriormente tratado, já que o senhor está comemorando agora os 30 anos do lançamento do seu famoso l ivro,O tao da física. E, em particular,na pergunta que foi feita sobre a ciência,o senhor comentou que os interesses econômicos muitas vezes ditam o que a ciência tem feito ou faz hoje em dia,em vários aspectos.Eu acho que, da sua posição como físico,o senhor trabalhou em uma área justamente de ciência básica,onde não há essa influência tão forte, poderia até dizer que praticamente nenhuma, de grandes grupos econômicos... A área,por exemplo, de física departículas elementares,e coisasqueo valham.Eu não queria ir para o futuro, mas simpara o passado.Nesses últimos 30 anos,assimcomo a ciência deuma maneira geral,a física também fez enormes progressos,mesmo nessas áreas fundamentais,áreas deciência básica.Diversas teorias que o senhor coloca ali,queestavam na moda na época em que o senhor escreveu o livro,têm sido modificadas,testadas,algumasdelas,eventualmente, até refutadas.E, pesquisando umpouco, eu verifiquei que no seu sitenão consta nada sobreo assunto.Eu queria saber se o senhor pensa em fazer uma nova edição do O tao da física, comentada, relida à luzdas novas teorias,colocar alguns comentários sobreessas novas teorias no seu site, na internet, ou algo parecido. Fritjof Capra: Deixe-me fazer um rápido comentário sobrea influência da indústria sobrea física. Quando trabalhei comfísica,nos anos 70,em Berkeley, eu estava no laboratório Lawrence Berkeley. Tudo o que escrevi, todos os artigos técnicos fundamentais em física teórica dealta energia tinhamuma linha embaixo,onde estava escrito: "parcialmente financiado pelo DOE", que significa Departamento de Energia. A outra metade provinha das Forças Armadas.Indiretamente, os meus artigos quenada tinham a ver com os militares,eramfinanciadospelos militares.Portanto as influênciasestão em toda parte. Vamos à parte mais interessanteda pergunta. Ao terminar de escrever O tao da física, no epílogo, conclui o livro,está no último parágrafo,escrevi que a sociedadeonde vivemos hoje e a cultura onde vivemos não é compatível com a visão mundial queestá emergindo da física moderna muito próxima das tradições espirituais do Oriente.Para mudar essa visão da sociedade,precisamos de uma revolução dupla.Nos anos subseqüentes, fins dos anos 70 e início dos 80,eu ainda trabalhava como físico,mas cada vez mais eu explorava essa nova visão da realidadequetambém emergia na ciência.Primeiro,em outras ciências,depois na ciência.Foi o que escrevi no segundo livro, O ponto de mutação. Percebi,ao fazer essa pesquisa,quea física não serviriademodelo para essas amplasmudançassociais,porque todas dizem respeito à vida.Quer seja falando desaúde, ou educação,ou ecologia,ou gestão de negócios,ou economia, política...Todos são sistemas devida,organismos individuais,sistemas sociais, sistemas igualitários.Emmeados da década de 1980, deixei a física epassei para as ciências da vida e, em particular,paraa ecologia.Isso foi há 20 anos.Não voltei para a física.Portanto eu não poderia escrever uma versão atualizada.Enem quero, porque agora, O tao da física é um clássico.Deve permanecer como é. Marcos Sorrentino: Ao contrário do que já foi falado aqui,a minha experiência em quase 30 anos de universidade,universidadepúblicano estado de São Paulo,vai na direção da importância da sua obra no meio acadêmico.Ela contribuiu muito para a emergência e o fortalecimento da pesquisa qualitativa, para a emergência e o fortalecimento do ambientalismo dentro da universidade,e para a educação ambiental.Então, a sua ousadia deprocurar a convergência ajudou na questão da transdisciplinaridade,
  • 8. da interdisciplinaridade,da transversalidadedo conhecimento, do diálogo entre saberes.Mas,mais recentemente, houve um desencantamento com a sua obra quando você trabalha coma questão da alfabetização ecológica.Eaí muitos, entre nós, do campo da educação ambiental,especialmente no órgão gestor de educação ambiental no país,composto pelo MEC [Ministério deEducação e Cultura] e pelo MMA [Ministério do Meio Ambiente], nós ficamos querendo saber de você como é que a alfabetização ecológica incorporaquestões que são muito caras para o movimento ambientalista brasileiro,para a história da educação ambiental na América Latina,questões como a luta por liberdade democrática,a luta pelos direitos humanos,e a própria questão da convergência entre a ação no sujeito e a ação do sujeito,e a ação na sociedade,a ação pela transformação da sociedade.Aí me parece que a alfabetização ecológica,pelo menos na leitura que nós temos aqui no Brasil,ela não sai muito da escola e da ação com a criança.E,na nossa perspectiva,a educação ambiental tem que trabalhar como sindicato,nas associações demoradores, tem que dar conta de uma enorme quantidadede questões socioambientaisqueme parece, pelo que eu vi até hoje nas propostas dealfabetização ecológica,não são muito contempladas porque ela acaba ficando muito "biologicizante",trabalhando muito com a questão da transposição dos sistema naturaispara a sociedades humanas.Eu gostaria quevocê falasse um pouco sobre isso. Fritjof Capra: Primeiro,Marcos Sorrentino, quero dizer que estou felizcom este diálogo.Ouço falar de você e do seu trabalho há anos.Nunca nos encontramos. Esta é uma boa oportunidade. Também fico felizem saber que o meu livro foi útil na sua universidade.O que dissesobrea alfabetização ecológica, acho que é uma questão muito séria.O modo como vejo e entendo a alfabetização ecológicaéo conhecimento do modo como os ecossistemas seorganizampara manter a vida.É o que precisamos saber para construir comunidades sustentáveis.Esseconhecimento é universal.São princípiosbásicos de ecologia.Por exemplo, o princípio deque resíduos de uma espécie é o alimento de outra espécie. Que as matérias circulamcontinuamente pala teia da vida.Que a energia para esses ciclosecológicos vem do sol.O fato de que a diversidade aumenta o poder de recuperação.E assimpor diante.São princípios básicosda ecologia.Há um conhecimento ecológico sério queprecisamos obter. A segunda pergunta é como transmitir esseconhecimento. Na Califórnia,no centro de alfabetização ecológica, desenvolvemos uma certa pedagogia apropriada paraa região da Califórniaondeoperamos. Deliberadamente, nós nos limitamos por região.Em países,partes do mundo diferentes, a pedagogia tem de ser diferente por dois motivos:os ecossistemas são diferentes,um ecossistema tropical não é igual a um jardimde escola no norte da Califórnia.Eas tradições culturais,sociaisepolíticassão diferentes. Percebi, nas minhas vindasao Brasil,quea educação aqui é fortemente ligada à idéia de emancipação.Creio que é a tradição de Paulo Freire[(1921-1997),pedagogo brasileiro respeitado mundialmente] terem essa ligação.Aalfabetização ecológica deveser feita de modo natural dentro dessa estrutura brasileira.Recentemente, tenho refletido sobre isso comum certo pes ar porque eu queria ter feito isso melhor também no norte. Nesse momento, nos EUA, precisamos deemancipação política,como atual governo Bush, precisamos muito de emancipação.Deveríamos enfatizar mais.Não digo que não fazemos nada social.Temos programas em comunidades muito pobres onde falamos de construir comunidade,de criar relações sociais.Mas a idéia deemancipação não écentral para nós. Quem sabe, com essa inspiração,eu consiga levar isso ao centro. Paulo Markun: Professor Capra,nós vamos fazer mais um rápido intervalo,lembramos que o Roda Vivadesta noite e todos os outros da sériepodem ser encomendados em DVD pelo site www.culturamarcas.com.br,ou pelo telefone 0xx11 3081-3000.E, esta noite, na platéia,acompanhamo programa: Marta Pagoto, jornalista;Daniel Melo,psicólogo clínico eeducador ambiental e Rebecca Raposo,gerente geral do Instituto Akatu. Nós voltamos já,já. [intervalo] Paulo Markun: O Roda Viva entrevista esta noite o físico eescritor Fritjof Capra.Nos seus diversos livros,Capra fala defilosofia eciência.Eultimamente, tem se concentrado em questões ecológicas e ambientais,que é o tema da próxima pergunta para ele. [VT de Paulo Groke, do Instituto Ecofuturo]: Boa noite, senhor Capra.Em sua primeira visita ao Brasil, em 1992, o senhor concedeu uma entrevista na qual aventava a possibilidadede ocorrência de catástrofes ambientais no século XXI.Por isso mesmo o senhor considerou a década de 90 como crítica:
  • 9. ou nós adotávamos posturas radicaispara a mudança denossos paradigmas ou caminharíamos rapidamente em direção a um ponto de não retorno. O que mudou nessa lógica? Os anos90 nos proporcionaramalgo debom, de forma que as suas previsões são mais otimistas? Ou o senhor acredita que nós estamos, ainda,caminhando rumo à iminência desses desastres? Fritjof Capra: O desenvolvimento na década dos anos 1990 foi bem surpreendente para mim e para muitos observadores políticos eculturais.No fim da década de 1980,tínhamos uma situação em que havia um movimento ambiental global,havia ummovimento verde global,que começara na Alemanha, no início da década de 1980 e que depois espalhou-sepelo mundo, no qual as políticasambientais eas políticas deum novo paradigma forampoliticamenteimplementadas com políticos verdes em parlamentos do mundo inteiro. Havia uma disposição forte,entre a população,ao menos no norte, onde vivo,na Europa e na América do Norte, para dar início deverdade a certas mudanças na sociedade.O que aconteceu na década de 1990 foi conseqüência da revolução da tecnologia de informação.Além de produzir esse novo capitalismo global,ela também originou um tipo de materialismo novo,um tipo de consumismo novo com todas essas novas engenhocas eletrônicas.E também há o fato de que o ambiente era muito diferente. O ambiente computadorizado permitiu às empresas fazer transações comrapidez muito maior.Tudo setornava mais rápido.A idéia de que obstáculos naturaiscontra fraudes,ou desonestidades,ou desfalques,todas ess as características sombrias da natureza humana,todos os impedimentos estavam desaparecendo.Com o computador, tudo era limpo,rápido.De certo modo, a ética saiu pela janela.Percebi que, em meados da década de 1990,houve sérios escândalos decorrupção por toda parte, em todos os países.Em países como a Suécia,a Holanda,onde nunca havia existido corrupção.Derepente começou, facilitado pela revolução da informação tecnológica.Ao mesmo tempo, havia a reação proveniente de ONGs e movimentos ambientais iniciadosna década de 1970 e continuados até as de 1980 e 1990 pelos políticos verdes. Acho que, no fim da década de 1990, quando as ONGs em Seattle uniram-seem um movimento global, em uma sociedadecivil global,fazendo então os fóruns mundiais em Porto Alegre... Naquela época, estávamos mais ou menos no mesmo lugar em que estávamos dez anos antes.Mas, claro,nessemeio tempo, os problemas são mais sérios.Metade da sociedadedirige-seà destruição,metade cuida de projetos ecológicos e da construção de comunidades sustentáveis.Veremos o que acontece, mas a situação era bem mais séria do que era 10 anos antes. Darlene Menconi: Recentemente, o líder espiritual Dalai Lama [os dalai lamas,líderes temporais e espirituaisdo povo tibetano, são reconhecidos,segundo a tradição,como a reencarnação do príncipe Chenrezig, o Avalokitesvara,o portador do lótus branco,que representa a compaixão,ou seria uma das reencarnações de Buda. Tenzin Gyatzo é o 14º dalai lama,reconhecido como tal em 1937] foi fazer uma palestra em que ele abordou os benefícios da meditação em monges budistas.Ea comunidadecientífica protestou muito. Eu gostaria desaber a sua opinião sobreisso.Por que é que práticasorientaisestão se disseminando tanto nesta cultura altamente tecnológica em que nós vivemos? Fritjof Capra: Acho que isso é parte da mudança cultural quecomeçou na década de 1960 e continuou nas décadas de 1970 e 1980. Quando escrevi O tao da física, no início da década de 1970 - foi publicado em 1975 - comparei a física moderna às visões do misticismo oriental,a maioriados meus colegas de física ou ficou escandalizada,ou riu pensando que eu havia enlouquecido.Hoje, existecerca de uma dúzia de livros quesão como filhos enetos de O tao da física. E para o profissional dequalquer área,a prática da meditação não é mais ridicularizada.Essasidéiasespalharam-sena sociedade.Acho que o Dalai Lama,que normalmente não fala em meditação, mas fala em gentileza e compaixão humanas, muitas vezes diz"Compaixão é a minha religião",elenos fazum grande favor ao nos despertar para valores humanos diferentes. Ulisses Capozzoli: O senhor falou há pouco na idéia da comunidadeterrestre. A comunidadeterrestre é uma idéia que começa a nascer no século XVI com as grandes navegações portuguesas.Do ponto de vista das navegações espaciais,queé uma espécie de ampliação dasnavegações oceânicas,nós podemos pensar que teremos outro cenário,tanto do ponto de vista de comunidadeterrestre, quanto do ponto de vista ambiental,por exemplo. As questões ambientais certamente têm que ser vistas na Terra, no sistema solar,no braço da galáxia,dentro dessa galáxiaeem termos cósmicos,numuniverso que tem lei. A minha pergunta é seaquilo que a gente viu acontecer no século XVI, aquela noção de
  • 10. comunidadeterrestre, tende a ser ampliada,consolidada pelasgrandes navegações espaciais,como auxílio da astronáutica,ou essa percepção é ainda umpouco inconsistente? Fritjof Capra: Não acredito que viagem espacial sejauma solução para os nossosproblemas.Considero uma coisa emocionante,se tivermos os meios financeiros necessários,o que não temos, no momento. Mas se tivermos, será muito emocionante. O mundo está muito diferente do que era no século XVI. Por coincidência,estou trabalhando em um livro sobrea ciência deLeonardo da Vinci [(1452-1519),pintor, escultor,arquiteto, engenheiro, botânico e músico do Renascimento italiano].Estou estudando os séculos XVe XVI, inclusiveas explorações.Mas acho quese acreditarmos que, para salvar o mundo, podemos viajarpelo espaço,para mim, isso pareceuma grande empresa que derruba a floresta tropical para criar gado ou plantar sojatransgênica,arruína o solo,vai paraoutro lugar e derruba mais um pouco. Ir sempre mais adiantedeixando resíduos para trás não éa solução.Porquevivemos em um planeta finito e precisamos ser capazes de lidar comele. Devemos nos conscientizar deque os ecossistemas nesseplaneta usaramcommuito sucesso exatamente as mesmas moléculas da terra, minerais,água e ar durante vários bilhõesdeanos.Fizeram muito bem. Deveríamos copiá -los. Miriam Duailibi: Professor,o senhor tem falado muito em seus livros,como em Conexões ocultas, o seu último livro,em alternativas sustentáveis,ecologicamentecorretas para problemas muito grandes que nós vivemos hoje. Um deles é a agricultura.Então eu queria que o senhor falasseumpouco mais sobrea questão agroecológica,especialmentena evolução da agroecologi a no Brasil,etambém na questão dos combustíveis.No Brasil,como o senhor sabebem, nós fomos pioneiros na questão do álcool,que é um biocombustível,e hoje nós temos uma frota de aproximadamente seis milhões de carros flex,que funcionamtanto com álcool quanto comcombustível [fóssil].No entanto, o senhor tem um carro híbrido,que é um carro movido a eletricidade,com consumo muito pequeno de combustível que agora começa a chegar ao Brasil deuma forma ainda muito tímida. Eu queria que o senhor falass esobreessa tecnologia e por que essa tecnologia dos combustíveis mais limpos não seespalha deuma forma mais rápida no mundo, contribuindo para a diminuição dos gases deefeito-estufa, que é o grande problema do século XXI,junto com a água. Fritjof Capra: Em primeiro lugar,comrespeito à agroecologia,fiquei surpreso quando,ao viajar pelo Brasil recentemente, muita gente no seu país não sabeque o Brasil éo líder mundial em agroecologia.A maioria dos projetos mais avançadosem agroecologia aconteceno Brasil.Recentemente, forammuito bem organizados.Há um Centro de Ciências Agrárias,emFlorianópolis.Há uma nova Escola Latino- Americana de Agroecologia,fundada pelo MST [Movimento dos Trabalhadores RuraisSem-Terra]. Em breve, haverá um curso de agroecologia pela internet, organizado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.Uma infra-estrutura educacional enorme que vocês estão criando.Passando à questão do combustível, mais uma vez, o Brasil foi pioneiro.Mas épreciso tomar cuidado ao cultivar parabiodiesel, ao cultivar mamona,palmeira,cana-de-açúcar,qualquer umdeles, para não cair na armadilha da monocultura,que terá os mesmos problemas.Os cultivos precisamser alternados.Deve haver intercultivo.Há vários tipos demedidas ecológicas.Eo governo poderia ter um papel importante. Se pagou um preço mais alto pelo combustível produzido segundo a agroecologia ese definiramalguns certificados governamentais para combustíveis produzidoscorretamente. Vou falar do meu carro elétrico híbrido.É parte da solução.Éum Toyota Prius.Tem motor elétrico, uma bateria grandee um motor pequeno. Às vezes, anda com eletricidade,às vezes, com o motor. Quando paro em um cruzamento, o motor pára,tudo pára.O motor não precisa funcionar,quando sepá ra.Quando desço uma ladeira,ou quando breco, a energia do breque é convertida em energia elétrica e enviada para a bateria.Ganho energia ao brecar.Esse carro usa cerca da metade do combustível que o carro padrão usa.Não sei as especificações agora.Mas quando me dizem: "A gasolinaestá tão cara,está custando três dólares o galão (3,6 litros)".Eu respondo: "eu pago a metade”. Estatisticamente, pago a metade. O problema é que existe uma enorme indústria automobilística nos EUA, fica em Detroit, e eles espalham todo tipo de boato. Quando vou visitar amigoseparentes, toda a família,quando falo do Prius, comentam: "Eu soube que não sobe bem ladeira".Ou "eu soube que não acelera".Na verdade, acelera mais rápido do que os outros.Como a partida éelétrica,o torque é maior.Acelera mais rápido,sobe ladeira muito bem, é muito confortável,é dirigido como um carro padrão,mas custa a metade. Isso é o futuro. Repito: o fato de tecnicamente existir a solução não significa quesepropague. É também uma questão política.
  • 11. Edgard de Assis Carvalho: Você, há alguns anos atrás,participou deum debate internacional chamado "Arte, Ciência,Espiritualidadee Economia em uma Sociedade em Mutação" - tenho a impressão deque era esseo título - onde estavam você, alguns economistas,o Ilya Prigogine[(1917-2003),russo naturalizado belga,físico-químico queganhou o Nobel de Química em 1977 por suas contribuições à termodinâmica],o [Robert] Rauschenberg [(1925-2008),fotógrafo, escultor,compositor e pintor americano que fundou o neodadaísmo e foi um dos pioneiros na artepop], etc. Naquela ocasião,você teve um diálogo bastanteácido comum economista, que eu não me lembro exatamente o nome. Mas naquela ocasião,a questão que estava em pauta era a da divulgação da ci ência.Ou seja,a ciênciatem que encontrar novas mídias para sefazer ouvir melhor. No que diz respeito à sua obra,você tem um belo exemplo disso quando O ponto de mutação foi levado,foi roteirizado para o cinema, magistralmente representado pela Liv Ullmann.Há outros exemplos do teatro, por exemplo, eu poderia citar,o Copenhagen [peça de teatro cujo enredo gira em torno do famoso reencontro entre o físico dinamarquês Niels Bohr e seu ex-discípulo,Werner Heisenberg, em setembro de 1941,na capital da Dinamarca,então ocupada pelos nazistas,esobreo que eles teriam conversado na ocasião,já que estavam em lados opostos do conflito na Segunda Guerra Mundial],do Michael Frayn [repórter, tradutor e dramaturgo inglês].Ele discutea polêmica,os diálogos entre Niels Bohr [(1885-1962),físico dinamarquês,foi Nobel de Física em1922, e é considerado um dos pais da teoria atômica moderna)] e o Werner Heisenberg [(1901-1976),físico alemão,foi prêmio Nobel de Física em1932, criador da mecânica quântica edo Princípio da Incerteza,que leva seu nome)]. Atualmente, em São Paulo,há um espetáculo teatral que levou para o palco A dança do Universo de um físico brasileiro chamado Marcelo Gleiser.Você pensa que seria possível pegar a sua obra e transferi -la parauma mídia teatral,ou cinematográfica? Ou acha que com O ponto de mutação você não pretende mais fazer isso,coma Teia da vida, ou com o Conexões ocultas?Você pensa em alguma experiência cinematográfica ou teatral,no caso? Fritjof Capra: Não sou cineasta.Para mim,foi uma experiência bem difícil.O meu irmão dirigiu,criou o filme. Co-produzi com ele, colaborei estreitamente. Foi engraçado, porque nos meus livros,promovo uma visão holística unificadado mundo. Quando se vivencia a criação deum filme, ele não é filmado em seqüência,é cortado em pedacinhos.O diálogo que eu havia escrito foi dividido emfragmentos. Felizmente, conseguiramjuntar tudo de novo. Foi bom. Não tenho planos de fazer filmes,mas o meu irmão está trabalhando na continuação - Ponto de mutação II - sobre globalização.Também será baseado nas conexões ocultas.Antes de eu vir para o Brasil,ummês antes, recebi uma carta de alguém dos EUA que disseque queria escrever um roteiro para o teatro, para uma peça, porque ele disseque esses livros...Na verdade, ele queria transformar Ponto de mutação em peça de teatro. Acho que seria ótimo, muito fácil deser feito. Gosto que artistas façampapéis quenos ajudem a comunicar essas coisas.Fiquei encantado coma peça de Michael Frayn, Copenhagen,que vi em Londres, e estava em São Paulo,quando encenaram a versão brasileira.Fui à estréia econheci os atores nos bastidores.Para mim, foi uma grande noite. Paulo Markun: Professor,vamos fazer mais um intervalo.O programa desta noite é acompanhado na platéia por Ricardo Ridel,diretor da editora Cultrix;Patrícia Romano,bióloga e professora deeducação ambiental e Rita Mendonça, do Instituto Roma. A gente volta já,já. [intervalo] Paulo Markun: Voltamos com o Roda Viva que, esta noite, entrevista o físico,escritor eambientalista Fritjof Capra.Aliás,quero registrar o endereço do site do professor Capra,que é: www.fritjofcapra.net, onde você pode obter mais informações sobreo trabalho dele, o endereço de contato com o professor Capra,enfim, ter mais acesso,já que a rede nos permite essa facilidade. Professor,uma das dificuldades que eu imagino que há em relação a essetipo de abordagem que o senhor faz é o fato de que os cientistas,deum modo geral,trabalhama partir deuma base muito simples,ou muito estrita, que é de tudo aquilo quepode ser comprovado. As coisasquepodem ser comprovadas,os testes que podem ser feitos em um laboratório aqui ou do outro lado do planeta,e em iguais condições chegar ao mesmo resultado,são consideradosciência.Tudo aquilo queescapa desselimite,que é no campo da ciência exata – obviamente, não estamos falando das ciênciashumanas – é um pouco colocado no plano das intenções, das ilusões,ou até mesmo da idéias semcomprovação.Como é possível sustentar as idéias que o senhor defende dessa inter-relação das coisascomo um todo, na baseda comprovação,ou não é possível fazer isso?
  • 12. Fritjof Capra: Essa é uma pergunta realmente fascinantepara mimsobrea história da ciência. Poderíamos conversar por meia hora, no mínimo. É uma questão bem complexa. Vou tentar ser conciso. A ciência moderna originou-seno século XVII,com a chamada revolução científica,comGalileu [Galilei, (1564-1642),matemático e astrônomo italiano],[Isaac] Newton [[(1642-1727),físico quepostulou,na obraPhilosophiaeNaturalis Principia Mathematica, os princípios da física mecânica],[René] Descartes [(1596-1650),filósofo ematemático que criou o sistema cartesiano,sistema analítico queune geometria e álgebra].Tanto Galileu quanto Newton acreditavamque a ciência,a física,poderia ser completamente matemática. Se haviamacabado dedescobrir as leis básicasda matemática,poderiamdeduzir tudo dali. Na verdade, Galileu não fez muitas experiências.Fez algumas,mas não muitas.Porque ele pensou, uma vez que já tinha a matemática, poderia deduzir tudo dali.Aquestão da prova é uma questão de matemática. Na matemática usam-seprovas rigorosas.Aciência,como é entendida hoje, ao menos pelos principaiscientistas,ébem diferente. A ciência não trata de coisasexatas quese podem provar.A ciência ésempre aproximada,limitada.Como o mundo é totalmente interconectado, para explicar qualquer fenômeno específico,é preciso mostrar como ele está ligado a todos os outros. Nunca se consegue fazer isso por completo. Portanto, o saber científico é sempre aproximado e limitado.O que fazemos em ciência éprojetar modelos ou teorias científicas.Depois,decidimos sesão bons,se descrevem bem a realidade.Essa decisão étomada por consenso explícito ou implícito,entre cientistas. É um empreendimento coletivo. Mas nunca é uma prova rigorosa.Só a opinião popular acredita queos cientistas podem provar tudo. Dentro da ciência,a visão ébem diferente. Marcelo Knobel: Eu gostaria deretomar a questão que apareceu antes do intervalo,sobre a divulgação científica de uma maneira geral talvez nessa concepção um pouco mais ampla que o senhor está colocando agora.Nos Estados Unidos e na Europa, os locaisprivilegiadosondeé feita uma boa divulgação científica,eramcentros e museus de ciência em particular.Enesses locais,por exemplo, há excelentes programas de educação ambiental,de alfabetismo ecológico,como o senhor tem atuado ativamente. Aqui no Brasil essemovimento de centros e museus de ciência éainda incipiente,porém, crescente. Eu queria que o senhor comentasseum pouco sobrea importância da existência desses locais para divulgação,para a educação não formal da ciência eda tecnologia.E sobre a divulgação científica de uma maneira mais geral,como revistas dedivulgação científica,a mídia.Eu queria que o senhor fizesseum comentário genérico sobre a questão da divulgação científica especificamente. Fritjof Capra: Hoje temos váriasseções da sociedadeque propagamvários tipos deciências.Temos as grandes instituições científicascomo o MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts],Oxford,Berkeley e grandes universidades.Também temos muitas instituições da sociedadecivil.Na sociedadecivil,não vamos simplesmente ao Fórum Mundial para nos encontrar,falar sobreprojetos efazer passeatas. Também temos as nossas instituições científicas.Etemos as nossasrevistas.Para dar só umexemplo que conheço dos EUA, o Rocky Mountain Instituteé dirigido por Amory Lovins [fís ico norte-americano,é um dos mais importantes cientistas independentes dos Estados Unidos.É consultor de governos, empresas e organizações não-governamentais],que é, talvez, o maior especialista emenergia do mundo. Lá há muito trabalho científico sobre energia.Outro é o Centro de Ciências Agráriasem Florianópolis.Umcolega e amigo meu, Miguel Altieri [agrônomo e agroecologista,professor da Universidadeda Califórnia emBerkeley e coordenador do Programa de Agricultura Sustentável da ONU para Ásia,África eAmérica Latina.É um reconhecido estudioso do controlebiológico de pragas,ecologia agrícolaedesenvolvimento rural sustentável],trabalha lá.Foi elequem me disse,há pouco tempo, que o MST abriu a Escola Latino-Americana deAgroecologia.Aqui, tem-se ciência muito avançada,agroecologia ensinada dentro de um contexto que é um contexto de liberação,um movimento político de esquerda. Acho extraordinário.Isso está acontecendo em muitos lugares do Brasil.Acho que tem toda a razão.Museus de ciências,centros de aprendizado devem se expandir.Mas também se deve reconhecer que se ensina muita ciência nos institutos deeducação ambiental.Por exemplo, aqui em São Paulo,o Instituto Ecoar, dirigido pela minha amiga MiriamDuailibi,apresenta uma ciência excelente. Publicamlivroslindos,ensinamciências.Não é uma universidade,apesar de colaboraremcom universidades.Hoje,há muitos canais ensinando ciências.Todos precisamser expandidos. Marcos Sorrentino: Retomando um pouco a questão inicial levantada pelo Markun,dessa tensão entre o social eo ambiental,eu queria só mencionar que a Gazeta Mercantil trouxe, recentemente, uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas,que demonstra que a pobreza no Brasil recuou cerca de 7%
  • 13. no ano de 2004. É a maior queda desde 1992.Por outro lado,temos problemas ambientais que decorrem ainda da presente e hegemônica lógica desenvolvimentista,agro-exportadoradealimentos para os carnívoros do mundo inteiro. Como intelectual e como ambientalista queconhece bem o Brasil e que tem a oportunidadede olhar o país para alémdas paixões eleitorais,como é que você interpreta essa realidadesocioambiental hojeno país? Fritjof Capra: Bem, para mim, é difícil falar sobreos detalhes da política do Brasil.Apesar de vir muito aqui,não conheço bem os detalhes. Mas eu realmente notei que quando o presidente Lula foi eleito, em 2003,ele enfrentou problemas enormes porque havia contra ele quaseuma conspiração mundial.As principaisinstituições financeirasglobaisnão queriamque um esquerdista,líder sindical,operário, tomasse decisões sobrea política financeira do Brasil.Você deve se lembrar que o real estava a quatro dólares,mais ou menos, na época. Agora, está perto de dois dólares.Elefoi extremamente bem sucedido em acalmar os mercados financeirosinternacionaisquepoderiamtê-lo derrubado.E foi bem sucedido na implementação de muitas estruturas novas de canais decomunicação.Elefoi bem sucedido ao conseguir que 13 ministérios colaborassemna proteção da Amazônia. Como já falei,o desmatamento caiu 40%,aproximadamente, nesse ano. Foi bem sucedido em muitas frentes. Mas, de algummodo, meus amigos brasileiros esperavammais dos programassociais.Sei que ainda há muita violência no Brasil,uma disparidademuito grande entre ricos epobres. Os programas sociaisprecisam ser postos em prática.A minha esperança é, se desde já os grandes problemas forem tratados,as grandes questões globais efinanceirasforemmuito bem tratadas e novas estruturas sejamarma das, realmente veremos avançar os programas sociais. Flávio Dieguez: Professor,continuando um pouco nessa linha,evoltando um pouco à linha da pergunta que eu fiz, gostaria queo senhor se estendesse um pouco mais sobreessas questões.Especialmente, de que maneira sepode conduzir uma política queseja desvinculadadepartidos,pelo menos da maneira tradicional - em que essa vinculação era mista - para enfrentar questões que são muito sérias.Quando se fala emecologia,geralmente se esquecem das populações humanas quesofrem mais do que os próprios animais,em quasetodas as circunstâncias.Essatragédia deNew Orleans [referência à catastróficapassagemdo furacão Katrina,em 29 de agosto de 2005, pela costa sudeste dos EUA, que devastou a cidadede New Orleans],por exemplo, foi uma coisa esclarecedora a respeito das condições de vida em que grande parte da população viveatualmente. Eu menciono especialmente a questão, por exemplo, do Oriente Médio, uma vasta região,tem 700 milhões de pessoas vivendo ali,naquele corredor que vai até a fronteira com a China,em condições estarrecedoras.Há muita tensão, a violência é muito grande. Na sua visão,a tentativa que o senhor fazde aplicara ciênciaa umproblema social, como o senhor encara essetipo de problema? Eu menciono que o senhor escreveu uma carta,um artigo longo, muito corajoso,na época do atentado a Nova Iorque[no dia 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos passarampor uma sériede atentados suicidas,organizadospela Al -Qaeda,uma organização terrorista lideradapor Osama Bin Laden. Nesse dia quatro aviões comerciais foramseqüestrados - dois colidiramcomo prédio empresarial World TradeCenter na cidadede Nova Iorque], um artigo importante, porque foi logo depois do episódio.E o senhor não deixou de atribuir aos americanos uma parcela deculpa pelas suas políticas inadequadascomrelação ao OrienteMédio. Fritjof Capra: Esse artigo está no meu sitena internet. Acho que precisamos,seolharmos com abrangência todos os problemas que mencionou, a minha sensação éque o que os nossos políticosmais necessitamé aprender a pensar de modo sistêmico.Por exemplo, energia. A economia dos EUA funciona com petróleo. E o petróleo tem emissões carbônicas.Quando dirigimos o nosso carro,fazemos funcionar nossasfábricas,tudo isso contribui seriamentepara aumentar os gases de efeito-estufa, que contribuem para a mudança climática,quecausa tremendos furacões,inundações,ondas decalor que vimos nos últimos anos.Seria muito fácil - deixe-me falar só dos EUA - seria muito fácil aumentar a eficiência do combustível em poucos pontos percentuais.O número é 1,34 Km/litro. Seria muito fácil fazer isso comos nossos carros.Aconseqüência seria queos EUA não teriam de importar petróleo algumdo Oriente Médio. Mas em vez de dar esse passo tão fácil,o governo Bush prefere entrar em uma guerra, atacar um país que não o ameaçou, matar dezenas de milhares depessoas e causar problemas terríveis; alimentar o terrorismo naquele país,onde não existia antes, agora é um viveiro de terroristas e é exportado. E eles não vêem que as políticas deles são o pano de fundo do terrorismo, porque sempre houve terroristas no mundo, mas eles precisamde apoio popular.Agora, por todo o Oriente Médio, e em várias partes do mundo, contam com grande apoio popular,porque os EUA são vistos como líderes
  • 14. das forças deglobalização quecausa muitos danos às pessoas.Dessemodo, o terrorismo é alimentado por essas políticas.Mas os políticos não vêem isso.Têm a visão simplista de que há pessoas más ali, como se agissemem um vácuo.Ou há catástrofes naturais.Achamque isso não nos dizrespeito. Todas essas coisasestão juntas.Por isso precisamos do pensamento sistêmico. Paulo Markun: Professor Capra,eu queria agradecer muito a sua entrevista e também aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. Fritjof Capra: Muito obrigado.