SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 5
Baixar para ler offline
Uma nação offline: Coreia do Norte
Como é a vida na única dinastia comunista da história, o país mais
desconectado da internet — da realidade — e do mundo
FOME DE CONTEÚDO
Na capital Pyongyang, cartazes e esculturas em estilo socialista destacam os
feitos do regime, como a estátua ao lado, parte do complexo da Torre da Ideia
Juche, que simboliza as três classes que constroem o país — camponeses,
operários e intelectuais. No entanto, não se comemora o fato de o país não ter
acesso à internet. A Coreia tem sua versão da rede, mas restrita a funcionários
do governo e estudantes destacados. Até o início do ano era proibido entrar
com celulares e turistas deixavam seus aparelhos no aeroporto. Sem o poder
econômico chinês para censurar a rede, o país censura aparelhos que
possibilitam a conexão. No começo do ano, foi liberada a entrada de celulares
no país e a compra de “sim cards” que possibilitavam o uso de 3G e ligações
internacionais. Mas a alegria durou pouco e o governo logo revogou o uso de
3G. Para Simon Cockerell, diretor da Koryo Tours — maior empresa de
turismo focada no país —, era bom demais para ser verdade: “Parece trivial
usar o Instagram num passeio, mas para a Coreia do Norte é um avanço.
Quando a tensão se intensificou, em março, sabíamos que o 3G ia dançar”.
20 GRAUS NEGATIVOS — E SEM ENERGIA
Antes de ter computadores a Coreia do Norte tem um problema maior para
resolver: o abastecimento de energia elétrica. O país alega que seu programa
nuclear tem como objetivo acabar com os apagões. Só na capital falta energia
três vezes por semana, por muitas horas. Dá para imaginar ficar sem energia
num inverno de 20 graus negativos?
Nas ruas é possível contar os postes nos dedos. Somente monumentos como
o Arco do Triunfo (1) — cinco metros mais alto que o parisiense, a construção
é um orgulho nacional — ficam acesos.
Outro lugar que concentra a pouca energia da capital coreana é o Clube
Diplomático de Pyongyang (4), onde diplomatas estrangeiros e altos
funcionários do governo podem, em dias separados, aproveitar uma piscina
aquecida, cantar nos karaokês e se divertir com os videogames mais
ultrapassados do Oriente. Como o acesso ao petróleo é ainda mais
complicado que o acesso à energia elétrica, os poucos ônibus da
cidade (2) costumam ser elétricos — e lotados. Já o metrô de Pyongyang (3) é
um dos mais profundos do mundo e serve como abrigo nuclear em caso de
ataques. Ele também é supersecreto: turistas só podem visitar duas estações,
que são luxuosamente decoradas e lembram a iluminação de Las Vegas.
DINASTIA “ETERNA”
A propaganda governamental está por todos os lados, em estilo realista
socialista típico da ex-União Soviética, destaca os feitos da única dinastia
comunista do mundo e as únicas imagens de pessoas públicas são as dos
líderes mortos Kim Il-sung e Kim Jong-il, respectivamente avô e pai do atual
líder, Kim Jong-un, que tem apenas 30 anos.
Dentro de todos os locais públicos — bibliotecas, museus, vagões de trem,
repartições públicas, hotéis — e também na sala das casas dos cidadãos há
os mesmos dois quadrinhos com os rostos sorridentes dos ditadores falecidos.
A moldura destes quadros é padronizada e sua parte superior é levemente
maior e mais alta do que a inferior, provocando a sensação de que o olhar dos
líderes é penetrante. Alguns prédios mais importantes trazem as fotos dos
ditadores falecidos também na fachada.
Segundo o governo norte-coreano, Kim Il-sung, fundador do regime, continua
presidindo o país mesmo depois de morto. A semelhança física entre os
líderes é reforçada para dar uma ideia de continuidade. Segundo analistas, o
atual ditador fez cirurgias plásticas para ficar mais parecido com o avô.
CONEXÃO INTERNACIONAL... VIA FAX
Se, por um lado, os norte-coreanos estão fora da internet como a utilizamos no
resto do mundo, por outro eles não estão tão longe do planeta no que diz
respeito à comunicação móvel. Celulares de modelo simples, que não
acessam a internet nem enviam SMS, são comuns entre a população local.
Mas nem pense em fazer ligações para fora do país: a rede telefônica não
permite nem mesmo que os funcionários da Air Koryo, empresa aérea
controlada pelo governo, possam fazer ligações internacionais nem quando é o
caso de contatar as sucursais da empresa em países vizinhos como China e
Rússia. A comunicação internacional, em casos como este, é resolvida através
de uma tecnologia que, no Ocidente, já morreu e só falta ser enterrada — o
fax.

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Destaque (20)

Folha Notícias Regionais® | Oeste Paulista - Edição 122
Folha Notícias Regionais® | Oeste Paulista - Edição 122Folha Notícias Regionais® | Oeste Paulista - Edição 122
Folha Notícias Regionais® | Oeste Paulista - Edição 122
 
Apresentação Wander Filho no Bibliocamp 2014
Apresentação Wander Filho no Bibliocamp 2014Apresentação Wander Filho no Bibliocamp 2014
Apresentação Wander Filho no Bibliocamp 2014
 
Arte
ArteArte
Arte
 
Clientefilezilla
ClientefilezillaClientefilezilla
Clientefilezilla
 
Aula inaugural profuncionário 03022015
Aula inaugural   profuncionário 03022015Aula inaugural   profuncionário 03022015
Aula inaugural profuncionário 03022015
 
Santiago y alexander
Santiago y alexanderSantiago y alexander
Santiago y alexander
 
India
IndiaIndia
India
 
Saviplast
SaviplastSaviplast
Saviplast
 
Robespierre no era tan robespierre el pais
Robespierre no era tan robespierre el paisRobespierre no era tan robespierre el pais
Robespierre no era tan robespierre el pais
 
(287) a pesar de todo
(287) a pesar de todo(287) a pesar de todo
(287) a pesar de todo
 
Batman crashing van
Batman crashing vanBatman crashing van
Batman crashing van
 
20120209 microinsurance soc cienciasdoseguro claudia melo
20120209 microinsurance soc cienciasdoseguro claudia melo20120209 microinsurance soc cienciasdoseguro claudia melo
20120209 microinsurance soc cienciasdoseguro claudia melo
 
Matemáticas Financieras 1
Matemáticas Financieras 1Matemáticas Financieras 1
Matemáticas Financieras 1
 
Corrida de toros
Corrida de torosCorrida de toros
Corrida de toros
 
Practica2 3
Practica2 3Practica2 3
Practica2 3
 
Endereço Sede social Conjugar Razões
Endereço Sede social Conjugar RazõesEndereço Sede social Conjugar Razões
Endereço Sede social Conjugar Razões
 
Llico 2
Llico 2Llico 2
Llico 2
 
Media Kit 2014
Media Kit 2014Media Kit 2014
Media Kit 2014
 
Resumo: Fraudes de Políticas de Segurança, Problemas de privacidade no Acesso...
Resumo: Fraudes de Políticas de Segurança, Problemas de privacidade no Acesso...Resumo: Fraudes de Políticas de Segurança, Problemas de privacidade no Acesso...
Resumo: Fraudes de Políticas de Segurança, Problemas de privacidade no Acesso...
 
A santa ceia
A santa ceiaA santa ceia
A santa ceia
 

Coréia do norte

  • 1. Uma nação offline: Coreia do Norte Como é a vida na única dinastia comunista da história, o país mais desconectado da internet — da realidade — e do mundo FOME DE CONTEÚDO Na capital Pyongyang, cartazes e esculturas em estilo socialista destacam os feitos do regime, como a estátua ao lado, parte do complexo da Torre da Ideia Juche, que simboliza as três classes que constroem o país — camponeses, operários e intelectuais. No entanto, não se comemora o fato de o país não ter acesso à internet. A Coreia tem sua versão da rede, mas restrita a funcionários do governo e estudantes destacados. Até o início do ano era proibido entrar com celulares e turistas deixavam seus aparelhos no aeroporto. Sem o poder econômico chinês para censurar a rede, o país censura aparelhos que possibilitam a conexão. No começo do ano, foi liberada a entrada de celulares no país e a compra de “sim cards” que possibilitavam o uso de 3G e ligações internacionais. Mas a alegria durou pouco e o governo logo revogou o uso de 3G. Para Simon Cockerell, diretor da Koryo Tours — maior empresa de turismo focada no país —, era bom demais para ser verdade: “Parece trivial usar o Instagram num passeio, mas para a Coreia do Norte é um avanço. Quando a tensão se intensificou, em março, sabíamos que o 3G ia dançar”.
  • 2.
  • 3. 20 GRAUS NEGATIVOS — E SEM ENERGIA Antes de ter computadores a Coreia do Norte tem um problema maior para resolver: o abastecimento de energia elétrica. O país alega que seu programa nuclear tem como objetivo acabar com os apagões. Só na capital falta energia três vezes por semana, por muitas horas. Dá para imaginar ficar sem energia num inverno de 20 graus negativos? Nas ruas é possível contar os postes nos dedos. Somente monumentos como o Arco do Triunfo (1) — cinco metros mais alto que o parisiense, a construção é um orgulho nacional — ficam acesos. Outro lugar que concentra a pouca energia da capital coreana é o Clube Diplomático de Pyongyang (4), onde diplomatas estrangeiros e altos funcionários do governo podem, em dias separados, aproveitar uma piscina aquecida, cantar nos karaokês e se divertir com os videogames mais ultrapassados do Oriente. Como o acesso ao petróleo é ainda mais complicado que o acesso à energia elétrica, os poucos ônibus da cidade (2) costumam ser elétricos — e lotados. Já o metrô de Pyongyang (3) é um dos mais profundos do mundo e serve como abrigo nuclear em caso de ataques. Ele também é supersecreto: turistas só podem visitar duas estações, que são luxuosamente decoradas e lembram a iluminação de Las Vegas.
  • 4. DINASTIA “ETERNA” A propaganda governamental está por todos os lados, em estilo realista socialista típico da ex-União Soviética, destaca os feitos da única dinastia comunista do mundo e as únicas imagens de pessoas públicas são as dos líderes mortos Kim Il-sung e Kim Jong-il, respectivamente avô e pai do atual líder, Kim Jong-un, que tem apenas 30 anos. Dentro de todos os locais públicos — bibliotecas, museus, vagões de trem, repartições públicas, hotéis — e também na sala das casas dos cidadãos há os mesmos dois quadrinhos com os rostos sorridentes dos ditadores falecidos. A moldura destes quadros é padronizada e sua parte superior é levemente maior e mais alta do que a inferior, provocando a sensação de que o olhar dos líderes é penetrante. Alguns prédios mais importantes trazem as fotos dos ditadores falecidos também na fachada. Segundo o governo norte-coreano, Kim Il-sung, fundador do regime, continua presidindo o país mesmo depois de morto. A semelhança física entre os líderes é reforçada para dar uma ideia de continuidade. Segundo analistas, o atual ditador fez cirurgias plásticas para ficar mais parecido com o avô.
  • 5. CONEXÃO INTERNACIONAL... VIA FAX Se, por um lado, os norte-coreanos estão fora da internet como a utilizamos no resto do mundo, por outro eles não estão tão longe do planeta no que diz respeito à comunicação móvel. Celulares de modelo simples, que não acessam a internet nem enviam SMS, são comuns entre a população local. Mas nem pense em fazer ligações para fora do país: a rede telefônica não permite nem mesmo que os funcionários da Air Koryo, empresa aérea controlada pelo governo, possam fazer ligações internacionais nem quando é o caso de contatar as sucursais da empresa em países vizinhos como China e Rússia. A comunicação internacional, em casos como este, é resolvida através de uma tecnologia que, no Ocidente, já morreu e só falta ser enterrada — o fax.