1.
A
PANTERA
-‐
peça
em
1
ato,
80’-‐
2009
REVISADO
EM
2011
CAMILA
APPEL
* todos os direitos reservados. texto registrado no Escritório
de Direitos Autorais da Fundação Biblioteca Nacional*
1
2. POEMA
“A
PANTERA”
–
RAINER
MARIA
RILKE
The
Panther
(In
Jardim
des
Plantes,
Paris)
Tradução
do
original
em
alemão
de
Stephen
Mitchell.
His
vision,
from
the
constantly
passing
bars,
has
grown
so
weary
that
it
cannot
hold
anything
else.
It
seems
to
him
there
are
a
thousand
bars;
and
behind
the
bars,
no
world.
As
he
paces
in
cramped
circles,
over
and
over,
the
movement
of
his
powerful
soft
strides
is
like
a
ritual
dance
around
a
center
in
which
a
mighty
will
stands
paralyzed.
Only
at
times,
the
curtain
of
the
pupils
lifts,
quietly-‐-‐.
An
image
enters
in,
rushes
down
through
the
tensed,
arrested
muscles,
plunges
into
the
heart
and
is
gone.
Rainer
Maria
Rilke
A
Pantera
(No
Jardin
des
Plantes,
Paris)
Tradução
de
Tercio
Redondo
Seu
olhar,
de
tanto
contemplar
as
grades,
está
cansado
e
já
nada
vê.
É
como
se
o
cercassem
milhares
de
barras
e
por
trás
delas
nada
mais
houvesse.
O
corpo
forte
se
move
com
suavidade
perfazendo
um
círculo
diminuto;
executa
uma
dança
de
força
em
torno
a
um
ponto
onde
uma
férrea
vontade
jaz
entorpecida.
Por
vezes
as
pupilas
se
abrem
silenciosas.
Atravessa-‐lhes
então
uma
imagem
que
percorre
a
tensa
serenidade
dos
membros
e
se
exaure
no
coração.
2
3. A
PANTERA
PERSONAGENS:
ELA:
aprox.
30
anos.
ELE:
aprox.
30
anos.
PANTERA:
rugido/jogo
de
luz
e
sombra,
à
critério
da
direção.
TEMPO:
presente.
LOCAL:
supermercado
de
classe
média
alta.
CENA
1
-‐
COMPRAS
NO
SUPERMERCADO
Há
três
corredores
paralelos.
O
primeiro
(da
direita
para
a
esquerda)
tem
produtos
de
limpeza,
jardinagem
e
higiene.
No
segundo,
há
sucos
e
bebidas
alcoólicas
de
um
lado
e
condimentos
e
molhos
do
outro.
No
terceiro,
há
doces,
bolos,
velas
e
produtos
de
festas
de
aniversário,
como
bexigas,
e
uma
mesa
de
vegetais
no
centro.
Sugere-‐se
que
o
cenário
não
indique
um
supermercado
de
forma
realística
e
os
produtos
não
sejam
identificáveis
para
o
público.
A
cenografia
pode
abstrair
dessa
ideia
de
três
corredores
paralelos
para
sugerir
um
supermercado,
contanto
que
mantenha
uma
sensação
de
claustrofobia
no
palco.
O
supermercado
está
iluminado
por
uma
luz
branca.
Há
um
sinal
luminoso
vermelho
“SAIDA”
(ou:
Exit)
no
canto
direito
do
palco.
A
luz
dele
está
apagada.
ELE
e
ELA
escolhem
produtos
e
colocam-‐nos
no
carrinho,
guiado
por
Ele.
Conversam
baixo,
não
é
possível
entender
o
que
falam
da
plateia.
Começam
o
diálogo
logo
após
o
terceiro
sinal.
ELE
Não
tem
como
sobreviver.
ELA
E
o
que
a
gente
deve
fazer,
deixar
ele
trancado
num
quarto?
ELE
(irônico)
Não,
dá
para
colocar
grade
em
tudo.
ELA
Eu
não
vou
morar
numa
prisão.
ELE
(Olha
para
a
prateleira,
se
refere
aos
produtos,
caixas
coloridas)
Qual
é
a
diferença?
3
4. ELA
Tem
que
ter
outra
saída.
ELE
A
gente
morar
num
apartamento,
ué.
ELA
Não,
eu
sempre
morei
em
casa,
eu
gosto
de
casa.
Fiquei
dois
anos
desenhando
uma
para
a
gente,
como
é
que
você
fala
isso?
ELE
(pega
uma
caixa
nas
mãos,
lê
conteúdo,
fala
para
si
mesmo)
Passagem
para
a
copa
do
mundo,
vou
levar
esse.
(Coloca
o
produto
no
carrinho).
Se
deixar
solto
ele
vai
morrer.
ELA
Ele
vai
morrer
de
qualquer
jeito,
um
dia,
e
eu
espero
que
antes
da
gente.
Eu
prefiro
o
que
tem
menos
caloria.
ELE
A
coisa
é
simples:
ou
a
gente
mora
numa
casa
e
compra
um
cachorro,
ou
num
apartamento
com
um
gato.
E
esses
daqui
engordam
igual,
é
a
porcentagem
de
gordura
que
você
precisa
ver.
ELA
Eu
quero
um
gato,
na
casa,
e
livre!
ELE
Sei,
só
que
se
ele
ficar
solto,
ele
não
vai
sobreviver.
ELA
Você
percebe
o
absurdo
do
que
tá
falando?
ELE
(pensa
um
pouco
e
diz...)
Não.
ELA
Como
é
que
um
bicho
tem
que
ficar
preso
para
sobreviver?
ELE
É
assim
que
as
coisas
são.
ELA
Vamos
logo
com
isso.
A
gente
não
tem
muito
tempo.
Me
passa
a
lista?
4
5. ELE
Tá
aqui.
Ele
oferece
a
lista
de
compras
para
ela,
ela
não
pega,
se
perde
no
próprio
discurso.
ELA
(rápido)
Ah,
eu
to
ansiosa,
eu
sei
que
é
normal,
todo
mundo
passa
por
isso,
bom,
quase
todo
mundo,
tadinha
da
minha
tia,
tantos
namorados,
tava
sempre
quase
lá.
Tem
um
buraco
no
meu
estômago,
e
não
é
a
dieta
para
ficar
bem
no
vestido,
é
ansiedade.
E
se
não
aparecer
ninguém?
Não,
ninguém
não
é
possível.
(suspira,
tom
poético)
E
hoje
eu
ainda
acordei
estranha...
Parece
um
daqueles
dias
que
ameaça
chover
o
dia
inteiro
mas
não
chove.
A
água
fica
presa
lá
em
cima,
a
umidade
suspensa
no
ar.
Ela
pega
a
lista
de
compras
das
mãos
dele.
ELE
Tem
gente
que
chama
isso
de
nuvem.
ELA
Você
nunca
vai
entender
essa
sensação,
é
muito
sutil.
O
frio
na
barriga
de
que
algo
grande
está
para
acontecer.
Eu
sinto
ele
chegando...
e
eu
sei
que
eu
to
preparada.
Eu
to
preparada
para
o
bum!
ELE
Eu
sinto
isso
desde
criança
e
até
agora
o
grande
bum
ainda
não
veio...
Ela
passa
uma
garrafa
de
suco
de
cramberry
para
ele
colocar
no
carrinho.
ELA
Tó,
vamos
levar
só
dois
desse
daqui.
ELE
Esse
aí
que
é
o
super
suco?
ELA
Dizem
que
cramberry
faz
muito
bem
à
saúde.
5
6. ELE
Parece
groselha,
quem
fala
isso?
ELA
A
Doutora
Vania.
ELE
(zombando)
Sua
ginecologista?
ELA
É
ué.
Tem
bichinhos
anti-‐oxidantes
aí
dentro...
ELE
Ha,
bichinhos
anti-‐oxidantes.
Mas
deixa
os
sucos
aí
porque
eles
ocupam
muito
espaço
e
deixam
o
carrinho
mais
devagar.
No
final
eu
pego
enquanto
você
vai
para
a
fila
do
caixa.
ELA
Ele
já
tem
tuuuudo
esquematizado.
ELE
Tem
que
ter
um
plano
para
otimizar
o
tempo
e
o
espaço.
Agora
os
vegetais.
ELA
Vamos
pegar
mais
tomate,
não
acho
que
você
comprou
o
suficiente.
ELE
Tomates
a
caminho!
Ele
dá
uma
corrida
com
o
carrinho.
ELA
Espere
por
mim
meu
leopardozinho!
Ela
agarra
o
braço
dele.
ELE
Leopardozinho?
Essa
é
nova,
hein...
ELA
Tá
na
hora
da
gente
ter
um
apelido
mais
nosso.
ELE
Ah,
o
tempo
dos
nomes
normais
expirou?
6
7. ELA
Ah...
Eu
quero
mais
intimidade.
ELE
Tá
à
venda
ali
no
corredor
8...
minha
linda.
ELA
Linda
não,
é
muito
genérico.
ELE
Posso
dar
uma
olhada
na
lista,
minha
borboleta?
Ela
passa
a
lista
para
ele.
ELA
Borboletas
são
muito
frágeis,
elas
vivem
só
um
dia.
Nosso
amor
é
forte
e
eterno!
ELE
(olhando
a
lista)
Seis
pacotes
de
papel
higiênico?
Por
que
a
gente
não
compra
só
o
que
tá
faltando
para
a
festa?
Não
tem
muito
tempo
e
você
colocou
aqui
até
a
comida
do
gato
que
a
gente
ainda
nem
tem.
ELA
Isso!
Posso
te
chamar
de
gato,
meu
gato...
ELE
Aí
eu
nunca
vou
saber
se
você
tá
chamando
ele
ou
eu.
ELA
Ele
eu
vou
chamar
pelo
nome,
Ígor.
ELE
O
bicho
tem
nome
de
gente
e
eu
tenho
nome
de
bicho.
Ela
pega
uma
barra
de
chocolate
grossa,
dessas
para
cozinhar.
ELA
Tem
sobremesa
suficiente
para
todo
mundo?
ELE
Tem.
7
8. ELA
Ah,
vou
levar
de
qualquer
jeito.
Quero
fazer
um
bolo
para
você.
(conotação
de
quem
sabe
que
é
o
bolo
predileto
dele)
Nega
maluca,
hum?
ELE
Tem
estudos
seríssimos
sobre
isso.
ELA
Sobre
o
quê?
ELE
O
casal
engorda
depois
do
casamento,
porque
um
fica
querendo
agradar
o
outro
com
comidas
prediletas.
A
mulher
normalmente
engorda
mais
do
que
o
homem.
ELA
Estraga-‐prazeres,
eu
aqui
querendo
agradar...
ELE
(sobre
o
estudo)
É
verdade...
ELA
(colocando
a
barra
no
carrinho)
Vem.
Chegam
à
mesa
de
vegetais.
Ela
pega
uma
cenoura
nas
mãos.
ELE
Já
sei
do
que
eu
vou
te
chamar:
coelhinha.
ELA
Eu
não
gosto
de
cenouras
tanto
assim.
ELE
Coelhos
têm
um
monte
de
filhos...
ELA
E
daí?
ELE
(pega
na
barriga
dela)
Um
monte
de
filhotinhos
nessa
barriguinha
linda.
8
9. Ela
tira
a
mão
dele
da
barriga
dela
e
vai
colocando
tomates
num
saquinho
plástico
transparente.
ELA
Então
porque
você
não
me
chama
de
galinha
logo
de
uma
vez,
se
é
isso
que
eu
vou
ficar
fazendo,
botando
ovo.
ELE
Mas
não
é
qualquer
galinha....
A
minha
gostosa,
bronzeada,
suculenta
galinha.
ELA
Eu
não
gosto
de
galinha,
muito
menos
de
galinha
assada.
Ela
coloca
os
tomates
no
carrinho,
não
fecha
o
saco.
Ela
pega
a
lista
da
mão
dele,
uma
caneta
na
bolsa
e
risca.
ELA
Adoro
riscar
as
coisas
na
lista
de
compras.
Sensação
de
missão
comprida.
Mais
molho
para
a
carne.
ELE
Mais
ainda?
ELA
Nada
pode
faltar
para
a
sua
família.
ELE
É,
não
pode.
Vamos
por...
ELA
(interrompendo)
Ah,
eu
preciso
de
desodorante,
vem
cá.
ELE
A
mostarda
para
o
molho
tá
aqui
do
lado.
Não
vai
querer
comprar
todas
suas
necessidades
básicas
agora,
vai?
Chegam
à
prateleira
da
mostarda.
ELA
Não
tem
nada
de
básico
nas
minhas
necessidades.
É
essa
a
mostarda
que
você
tá
usando?
9
10. ELE
É.
Ele
põe
2
potes
de
mostarda
no
carrinho
e
pega
uma
lata
de
molho
nas
mãos.
ELA
Olha
esse
molho
pronto,
tá
em
promoção.
Pode
ser
bom
para
uma
emergência.
ELE
Ah
não,
esse
aí
é
o
que
me
faz
ir
para
uma
emergência.
Foi
por
isso
que
você
tirou
do
menu.
ELA
Menu
de
hoje?
ELE
Não...
do
casamento.
ELA
Menu
do
nosso
casamento
meu
pão
de
mel?
ELE
Do
nosso
casamento
meu
algodão
doce.
Ah,
para
com
isso
que
eu
já
tô
me
sentindo
ridículo.
Ela
coloca
o
molho
dentro
do
carrinho
de
compras.
Ele
não
percebe.
ELA
O
amor
é
ridículo,
vem
cá
meu
noivo.
Ela
beija
a
bochecha
dele.
ELE
Detesto
esse
título,
noivo.
Um
negócio
intermediário
que
não
quer
dizer
nem
solteiro,
nem
casado.
Você
não
tá
nem
feliz,
nem
fudido.
Eu
tô
no
estado
do
nada.
Noivo
no
dicionário
deveria
tá
assim:
o
que
se
encontra
em
constante
espera,
no
limbo.
ELA
Eu
não
mudei
o
menu.
Foi
a
mãe.
A
mãe
estava
responsável
por
isso.
ELE
A
minha
mãe?
10
11. ELA
É
que
eu
gosto
de
chamar
ela
de
mãe,
ela
é
nossa
mãe.
Minha
mãe
estaria
responsável.
Se
ela
tivesse
viva,
claro.
Vamos
pegar
o
desodorante
agora?
Ele
pega
uma
vela.
ELE
Dá
um
minuto?
Eu
queria
pegar
um
negócio
aqui.
ELA
Pega
o
negócio
aí.
ELE
É
uma
surpresa
para
você...
Será
que...
ELA
Tá
bom,
tá
bom,
eu
te
dou
espaço.
Ele
quer
privacidade
até
no
supermercado.
Ela
sai,
vai
para
o
corredor
1.
Ele
pega
um
bolo
pronto,
esconde
embaixo
dos
outros
produtos.
Ela
volta
segurando
um
monte
de
pacotes
de
papel
higiênico.
ELA
Aqui
está.
Esse
não
dava
para
faltar.
ELE
Tanto
assim?
A
gente
já
vai
viajar.
ELA
Aqui
quem
não
otimiza
tempo
e
espaço
é
você.
Eu,
sento
lá,
faço
o
que
tenho
para
fazer
e
vou
embora.
Você
não,
fica
hoooras...
pensando
na
vida...
É
que
os
homens
tem
zonas
erógenas
lá
trás...
ELE
Os
homens
é?
ELA
Cadê
seu
senso
de
humor?
Você
fica
entediado
no
supermercado,
vem
cá
que
eu
vou
fazer
seus
olhos
brilharem.
11
12. Ela
fecha
os
olhos
dele
com
dois
tomates,
daqueles
que
tem
o
cabo
em
estrela.
Cantarola
a
marcha
nupcial,
andam
como
se
entrando
na
igreja,
ele
sem
enxergar,
gesticulando
cego.
Ela
está
atrás
dele
segurando
os
tomates.
Ela
tira
os
tomates.
Podem
simular
essa
entrada
nupcial
com
outros
elementos
do
supermercado
ao
invés
do
tomate.
Como
um
vegetal
no
lugar
do
buque.
Param
de
braços
dados,
de
frente
para
a
plateia,
como
se
no
altar
da
igreja.
ELE
Com
quem
que
a
Liza
vai
no
casamento?
ELA
Hã?
ELE
A
Liza.
Com
quem
ela
vai
ao
casamento?
ELA
Por
que?
ELE
Eu
tava
pensando
em
apresentar
ela
pro
Sérgio.
ELA
Ah.
Você
acha
que
ele
gostaria
dela?
ELE
Claro.
ELA
Por
que
claro?
Porque
ela
é
gostosa?
ELE
Claro
que...
sim.
ELA
12
13. Bom,
ela
com
certeza
vai
tá
linda.
Mandou
fazer
o
vestido
especialmente
para
a
ocasião.
O
modelo
chama
tatuagem.
ELE
Porque,
é
impossível
de
tirar?
ELA
Não
bobo,
porque
fica
colado
no
corpo.
ELE
(para
si)
Hummm...
Ela
passa
as
mãos
pelos
potes
de
especiarias,
procurando
alguma
coisa.
Se
agacha,
olha
para
os
da
última
prateleira.
ELA
Olha
quem
tá
aqui!
A
pimenta
mais
nobre
do
reino.
Ela
se
levanta
segurando
o
produto.
ELE
(pensativo)
Ela
mesma,
a
mais
nobre
do
reino.
ELA
Um
puta
produto
legal,
diferenciado...
quem
mais
faz
pimenta
orgânica?
Quero
ver
um
que
tenha
coragem
de
inventar
condimentos
orgânicos
com
todas
as...
todas
as
vantagens
auto-‐sustentáveis
como
você
faz.
ELE
É
isso
aí,
quero
ver
um!
ELA
Tá
um
pouco
caro,
não?
ELE
As
vendas
tão
caindo,
não
posso
diminuir
a
margem.
Só
que
aí
tá
foda,
o
consumidor
tem
que
abaixar
para
pegar
o
produto!
ELA
E
qual
é
o
problema
disso?
13
14. ELE
A
maior
parte
das
compras
é
feita
por
impulso,
decididas
na
hora,
e
as
pessoas
são
preguiçosas,
só
vai
abaixar
quem
estiver
procurando
por
essa
marca
especificamente.
ELA
Eu
estava
procurando
por
essa
marca
especificamente.
ELE
Porque
foi
você
quem
fez
o
design
dela.
ELA
Para
você
vender.
ELE
Obrigado
minha
luz.
ELA
Luz
é
brega,
hein
meu
anjo?
ELE
Meu
anjo
e
minha
luz
não
dá.
Meu
leopardozinho
tá
fora
de
cogitação.
Minha
linda
é
ordinário,
minha
borboleta
é
muito
frágil.
Tá
vendo?
ELA
Vamos
ficar
com
o
meu
e
minha
então.
ELE
Hã?
Meu
e
minha?
ELA
Eu
te
chamo
de
meu
e
você
me
chama
de
minha.
ELE
Essa
é
boa!
Seu
pai
vai
adorar
me
escutar
te
chamando
de
minha.
Mas
é
isso
mesmo,
toda
minha.
Vem
cá.
Ele
a
abraça,
possessivamente.
ELA
Não
me
aperta
assim
que
eu
tô
com
vontade
de
fazer
xixi.
Ele
solta.
ELE
Vai
ao
banheiro
ué.
ELA
14
15. É...
Ela
sente
alguma
coisa
estranha
no
ar.
ELA
Será
que
tem
banheiro
aqui?
ELE
*
Não.
Funcionário
não
mija,
não
caga,
não
faz
nada.
ELA
Tá.
Não
vai
deixar
o
carrinho
desgovernado
por
aí,
hein
meu?
ELE
Ninguém
vai
roubar
nosso
carrinho,
minha.
ELA
(olhando
em
volta)
É...
o
lugar
não
está
exatamente
cheio.
Não
tô
vendo
uma
só
pessoa.
Ela
sai
do
palco.
Ele
vê
se
não
tem
ninguém
olhando
e
troca
os
produtos
da
marca
concorrente
pelos
seus,
colocando-‐os
na
prateleira
que
está
à
altura
dos
olhos.
Ela
volta,
observa
ele
trocando
os
últimos
itens.
Ele
se
vira.
ELE
(constrangido
por
ser
pego
no
flagra)
Já?
Ela
está
imobilizada,
assustada.
ELA
E-‐eu
não
achei
ninguém.
ELE
Hum?
ELA
(cochichando)
Não
tem
ninguém
nesse
lugar
além
de
nós
dois.
15
16. ELE
Até
parece.
ELA
Vamos
embora?
ELE
Eu
vou
lá
ver
o
outro
lado.
ELA
Não...
ELE
Um
minuto.
ELA
Deve
ter
acontecido
alguma
coisa
muito
grave.
Vou
ligar
para
sua
mãe.
Ele
sai.
Ela
tira
o
celular
da
bolsa.
Disca.
A
ligação
não
se
completa.
Anda
pelo
supermercado,
tentando
ver
onde
há
sinal.
Tira
os
produtos
do
carrinho,
coloca-‐os
no
chão.
Repara
no
bolo.
Sobe
dentro
do
carrinho
para
tentar
sinal
no
alto.
Tenta
se
equilibrar.
Ele
volta.
ELE
O
que
você
tá
fazendo?
ELA
O
celular
não
pega!
ELE
Desce
daí
macaca,
vai
acabar
caindo...
ELA
Achou
alguém?
ELE
Não,
não
achei
ninguém.
ELA
16
17. (descendo
do
carrinho)
Vamos
embora.
ELE
É
sábado
à
noite,
o
supermercado
deve
fechar
no
mínimo
umas
onze.
ELA
Alguém
muito
famoso
deve
ter
morrido,
vem.
ELE
Deixa
as
coisas
aqui?
Ah,
e
eu
ia
fazer
uma
surpresa
para
você...
Ele
joga
a
vela
dentro
do
carrinho
e
sai
do
palco.
Música.
As
luzes
diminuem,
só
é
possível
ver
a
silhueta
do
interior
do
supermercado.
CENA
2
-‐
PRESOS
NO
SUPERMERCADO
Eles
começam
a
falar
da
coxia.
As
luzes
vão
voltando
ao
normal
conforme
entram
no
palco.
ELA
Essa
é
boa!
Como
é
que
trancaram
a
gente
aqui
dentro?!
ELE
Não
faço
idéia.
Entram
no
palco.
Luzes
acesas.
ELA
Não
faz
sentido,
você
já
viu
isso
acontecer?
ELE
(pode
só
balançar
a
cabeça
negativamente)
Não.
ELA
Peloamordedeus,
faz
alguma
coisa!
ELE
Putz,
eu
tô...
17
18. ELA
Completamente
paralisado,
eu
tô
vendo.
(gritando,
para
o
teto)
Alô!
Oie!
Alôoo!
ELE
Calma
meu
amor,
não
é
tão
grave
assim.
ELA
Como
não?
ELE
Eu
vou
ver
se
as
portas
do
fundo
estão
abertas.
Ele
vai
sair,
escuta
ela
berrando,
volta.
ELA
(para
algum
lugar
não
específico
do
supermercado)
Alô,
alô,
tem
gente
aqui
dentro!
Alô!
ELE
É
mais
fácil
usar
o
celular.
ELA
(respira
fundo)
O
meu
não
tá
pegando,
me
empresta
o
seu?
Ele
tira
o
celular
do
bolso,
passa
para
ela
e
sai
do
palco.
Ela
sobe
no
carrinho,
tenta
achar
sinal
de
novo.
Disca
alguma
coisa,
a
ligação
não
se
completa.
ELA
Sem
noção.
Não
vai
essa
merda!
Ela
se
empurra,
apoiando
no
corredor,
até
a
frente
do
palco.
Aponta
o
celular
para
a
platéia,
olha
o
visor.
ELA
Não
tem
nada
aqui.
Que
saco.
(bufa)
18
19. Alô!
Tem
alguém
aí?
Ela
senta
dentro
do
carrinho,
abraça
as
pernas,
segurando
o
celular
dele.
Começa
a
fuçar
lendo
as
mensagens
de
texto.
Reage
negativamente
ao
que
lê.
Ele
entra.
Ela
disfarça,
coloca
o
celular
na
bolsa.
ELA
E
aí?
ELE
Nada.
ELA
(irônica)
Nada...
ELE
Não
consegui
abrir
uma
porta,
é
muito
estranho,
a
gente
tá
tranc...
ELA
Que
incompetência,
hein?
ELE
Que
é
isso,
a
culpa
não
é
minha.
Não
tem
saída.
ELA
É
impossível
não
ter
saída.
Você
é
que
não
achou
uma.
Se
não
consegue
tirar
a
gente
de
uma
situação
que
nem
é
tão
grave
assim...
ELE
Simples
também
não
é...
ELA
...
só
quero
ver
como
vai
ser
com
filhos.
ELE
Associação
livre
essa
hein?
De
presos
num
supermercado
para
filhos.
ELA
Não
quero
discutir
isso
agora.
ELE
Só
faltava...
19
20. ELA
(suando
frio)
Amor,
eu
tenho
fobia
dessas
coisas.
Tá
tudo
girando,
eu
vou
desmaiar.
Ele
faz
massagem
nos
ombros
dela
(ela
ainda
está
sentada
dentro
do
carrinho).
Ela
respira
fundo,
vai
relaxando.
ELE
Calma...
Nunca
vi
você
desse
jeito.
Não
me
deixa
aqui
sozinho
não.
Ela
tira
um
remédio
da
bolsa.
ELE
Para
que
que
é
esse
aí?
ELA
Para
qualquer
coisa.
Ela
toma
o
remédio.
ELA
Como
é
que
a
gente
sai
daqui?
ELE
Você
conseguiu
falar
com
alguém?
ELA
(ainda
suando
frio)
Não
tem
sinal.
(Olha
em
volta,
sente
claustrofobia)
Ai,
ai...
ELE
Isso
é
psicológico.
A
gente
tá
aqui
há
um
tempão
e
você
não
tava
passando
mal.
Para
quem
que
você
tentou
ligar?
ELA
190.
ELE
Vou
fazer
papel
de
palhaço
na
frente
da
polícia?
Deixa
de
ser
neurótica!
ELA
Estúpido.
20
21. ELE
Desculpa.
ELA
Por
que
você
não
vai
até
o
caixa
e
procura
algum
botão
de
emergência?
ELE
Tá.
ELA
(tira
o
celular
da
bolsa)
Vou
ver
se
o
sinal
volta.
ELE
Que
saco,
não
tô
vendo
botão
nenhum.
ELA
(para
si
mesma)
Ai,
eu
tô
muito
tonta...
(para
ele,
lá
trás)
Com
certeza
tem
um
botão
de
emergência
aí,
algum
vermelho,
anti-‐ladrão,
emergência
pôxa.
ELE
Putz,
vou
tentar
esse
aqui.
Acendeu
aqui
no
caixa,
deve
ser
de
chamar
o
gerente.
ELA
Anda
logo.
Lerdo.
Eu
to
passando
mal!!!
ELE
Então
por
que
você
não
liga
para
a
Doutora
Vânia,
hein?
ELA
O
que
que
minha
gineologista
tem
a
ver
com
isso?
ELE
Ela
deve
ser
sua
clínica
geral
também,
você
não
sai
de
lá.
ELA
Ela
é
muito
mais
do
que
isso.
Você
achou
o
botão?
ELE
Vários,
mas
nenhum
que
sirva.
21
22. Ele
volta
segurando
um
rádio.
ELE
Vocês
duas
tem
segredos,
é?
ELA
Olha
quem
fala!
Não
sou
eu
que
faço
planos
secretos
sem
te
avisar.
ELE
Pirou?
ELA
(saindo
de
dentro
do
carrinho)
Vi
uma
mensagem
do
Sérgio
no
seu
celular.
Todo
feliz
porque
você
quer
apresentar
a
Liza
para
ele.
Você
falou
com
ele
sem
me
consultar.
O
que
você
vai
fazer
com
esse
rádio?
ELE
Qual
é
o
problema
de
eu
querer
apresentar
os
dois?
Ele
coloca
o
rádio
no
chão
e
fica
tentando
sintonizar
uma
estação.
ELA
“Ela
é
seu
tipo,
não
tem
erro”,
você
escreveu.
ELE
Desde
quando
você
fuça
no
meu
celular?
ELA
“Não
tem
erro”
por
quê?
ELE
Desde
quando
você
fuça
no
meu
celular?
ELA
Você
acha
impossível
um
homem
não
gostar
da
Liza?
ELE
(fala
ou
gesticula)
Dá
para
parar?!
ELA
Não,
tudo
bem...
ela
é
linda
mesmo.
Qualquer
um
baba
nela,
homens
e
mulheres.
Lá
no
altar,
ela
de
vermelho
e
eu
ao
lado
toda
de
branco
parecendo
uma
mãe
de
santo*.
O
que
que
seus
amigos
vão
pensar?
Esse
aí
se
deu
bem,
com
uma
melhor
amiga
dessas
até
eu
casava.
22
23. ELE
Quanta
merda...
ELA
(sensação
de
claustrofobia.
Para
si
mesma)
Ai,
ai...
tô
suando
frio.
Será
que
eu
já
tomo
outro?
ELE
Acho
que
eu
consegui
sintonizar
alguma
coisa.
ELA
Notícias?
ELE
Notícias
de
Deus.
É
uma
rádio
evangélica.
Vou
bem
devagar
para
ver
se
pega
outra.
ELA
Sua
mãe
escuta
o
religioso.
ELE
Ela
gosta
da
música,
diz
que
anima.
ELA
Foi
para
ela
que
eu
tentei
ligar,
de
novo,
não
para
a
polícia.
Ela
virou
número
1
na
minha
discagem
rápida
do
meu
celular.
ELE
(compreensivo,
lembrando
que
a
mãe
dela
já
morreu)
É,
eu
sei
meu
amor.
Ele
a
abraça.
ELE
Você
tá
melhor?
Daqui
a
pouco
vai
aparecer
alguém
para
tirar
a
gent...
ELA
Ela
até
me
disse
que
eu
deveria
ser
uma
mulher
muito
compreensiva,
por
não
me
importar
com
suas
tantas
super
amigas.
ELE
Ah,
não
começa
com
ciúmes.
Você
precisa
aprender
a
controlar
isso.
Ele
pega
o
rádio
nas
mãos.
ELA
23
24. É
sim,
controlar
muito
bem.
Com
quem
você
sai,
aonde
você
vai,
que
horas
vai,
que
horas
chega.
ELE
Peloamordedeus,
essa
bosta
não
funciona!
Ele
joga
o
rádio
no
chão.
Escuta
um
barulho
maior
do
que
o
que
seria
a
queda
do
rádio.
ELE
Você
escutou
isso?
ELA
Você
detonando
sua
grande
ferramenta
para
tirar
a
gente
daqui?
A-‐hã.
ELE
Tem
mais
alguém
aqui
dentro.
Já
volto.
Ele
vai
para
o
corredor
3
e
fica
escutando
barulhos,
indeciso
sobre
o
que
fazer,
mas
acaba
não
saindo
do
lugar.
Só
escuta
sons
(audíveis
só
para
ele
e
não
para
ela
ou
para
a
platéia)
e
reage
com
estranhamento.
ELA
Não
me
deixa
aqui
sozinha...
Eu
tô
passando
mal...
Ela
olha
em
volta,
se
dá
conta
de
que
está
sozinha.
Se
abraça,
como
se
sentindo
frio.
ELA
Eu
não
acordei
legal.
Eu
sei
que
te
afasto
de
mim
quando
te
trato
assim.
Por
que
que
eu
faço
isso?
Ela
abaixa
a
cabeça
angustiada.
Ele
volta.
ELE
(bufando)
Você
não
vai
acreditar.
ELA
24
25. Me
abraça?
ELE
(impaciente)
Não
tem
tempo
para
isso
agora,
isso
é
aqui
é
uma
emergência!
Eu
acho
que
tem
mais
alguém
aqui
dentro.
E
tava
fazendo
um
barulho
muito
estranho.
Você
acredita
que
não
consegui
abrir
uma
porta
sequer?
A
gente
tá
trancado
e
tem
mais
alguém
aqui.
Você
tá
me
escutando?
ELA
(cabisbaixa,
nem
ouvindo)
Estou.
ELE
Faz
alguma
coisa,
não
fica
aí
parada
com
essa
cara
de
coitada.
ELA
Não
joga
a
tua
incompetência
para
cima
de
mim.
ELE
Ué,
você
não
tá
sempre
dizendo
que
é
mulher-‐maravilha?
Agora
é
hora
de
mostrar
seus
poderes.
ELA
(grita)
Ah!
Mulher-‐maravilha
era
o
apelido
da
Liza!
Eu
era
a
mulher-‐gato!
Mulher-‐gato!
Você
tem
fantasias
sexuais
com
a
mulher
maravilha,
é?
Me
diz
que
você
prefere
ela.
Admite!
ELE
(calmo)
É.
É
sim.
Eu
tenho
fantasias
sexuais
com
a
mulher
maravilha
sim.
(grita)
E
ela
é
a
Liza!
Escutam
o
RUGIDO
da
Pantera.
Se
aterrorizam,
se
escondem
debaixo
do
corredor,
ou
em
algum
lugar
no
palco,
visível
para
a
platéia.
As
luzes
diminuem.
Vê-‐se
a
silhueta
dos
objetos
de
cena
e
dos
dois
escondidos.
Ele
mexe
a
cabeça
procurando
alguma
coisa.
Ela
está
paralisada.
25
26.
CENA
3
-‐
A
PANTERA
Respiram
alto
e
ofegante.
As
luzes
ainda
estão
baixas.
ELA
O
que
foi
isso?
ELE
Não
faço
idéia.
ELA
O
que
foi
isso!
ELE
Shiiiii,
fica
quieta.
A
pantera
ronrrona.
ELA
Putaquepariu,
tem
um
bicho
aqui
dentro?
ELE
Tem.
ELA
Tem
um
bicho
aqui
dentro!
ELE
Shiii!
Fica
quieta.
A
pantera
para
de
fazer
barulho.
As
luzes
voltam
ao
normal.
ELE
(se
levantando)
Vem.
ELA
Tá
louco?
ELE
Ele
tá
no
fundo
do
supermercado.
Escuta.
Pequena
pausa,
escutam
o
som
de
“cachorro
revirando
lixo”.
26
27. ELE
É
onde
ficam
as
carnes.
ELA
(se
levantando)
É
um
animal
selvagem,
eu
tenho
certeza
que
é
um
animal
selvagem,
(tom
de:
aonde
já
se
viu?)
Quem
é
que
faz
um
barulho
desses?
ELE
A
gente
precisa
se
proteger
para
quando
ele
voltar.
ELA
Voltar?
Por
que
voltar?
ELE
Os
animais
atacam
por
fome
ou
auto-‐defesa.
ELA
Tem
carne
para
meses
lá
trás.
ELE
Mas
tem
uns
que
atacam
só
por
diversão.
ELA
Socorro!
Socorro!
Ele
tapa
a
boca
dela
com
as
mãos.
ELE
Shii,
pára
de
chamar
atenção.
Os
animais
também
atacam
quando
sentem
o
medo
na
presa.
Eles
cheiram
o
medo.
Vão
primeiro
no
mais
frágil.
Você
precisa
tomar
cuidado.
ELA
(tirando
a
mão
dele
da
boca)
E
a
mais
frágil
aqui
sou
eu?
ELE
Me
ajuda
a
pegar
umas
caixas.
A
gente
precisa
fazer
uma
base
nossa,
separar
o
território.
Eles
começam
a
empilhar
caixas,
formando
um
círculo
pequeno
(mal
cabem
duas
pessoas).
27
28. ELA
Eles
têm
visão
raio
X
das
emoções.
O
bicho
vê
você
tentando
disfarçar
o
medo.
Ele
vê
que
meu
barulho
é
superficial
e
que
o
seu
é
muito
mais
perigoso.
É
barulho
de
homem
reprimido
*.
ELE
Obrigado
meu
amor.
Olha,
vamos
fazer
uma
arma.
Os
animais
têm
medo
do
fogo.
Escutam
mais
barulho
vindo
do
fundo
do
supermercado.
ELA
Tem
álcool
no
corredor
ao
lado.
É
a
área
da
limpeza.
Lá
na
área
de
limpeza
tem
um
pano,
um
rodo
e
um
isqueiro.
Você
pode
ir
lá...
ELE
Não,
eu
tenho
uma
idéia
melhor.
E
se
eu
for
lá
na
área
de
limpeza
e
pegar
um
álcool,
um
rodo,
um
pano
e
um
isqueiro?
Aí,
eu
trago
para
cá,
você
enrola
o
pano
no
rodo,
joga
álcool
e
se
prepara
para
acender,
entendeu?
ELA
Entendi.
Ele
entra
pela
passagem,
ela
segura
o
braço
dele.
ELA
É
bom
te
ver
liderando
situações.
Você
é
meu
homem.
ELE
Toma
cuidado,
sem
movimentos
bruscos
e
nem
pense
em
sair
dai.
Ele
entra
na
passagem
no
meio
de
prateleiras
e
chega
no
corredor
1.
Passa
um
rodo
para
ela.
Passa
o
pano.
Ela
enrola
o
pano
no
rodo.
Ele
passa
o
álcool.
Ela
coloca
álcool
no
pano.
Ele
volta,
pela
passagem,
para
corredor
2,
onde
ela
está.
ELE
(tentando
animar
a
si
mesmo)
Ótimo.
(com
praticidade)
Agora
a
gente
entra
na
base
e
fecha
a
entrada.
28
29. Eles
entram.
Estão
muito
apertados.
Mal
conseguem
se
mexer.
ELA
Ok,
eu
tô
pronta,
eu
posso
fazer
isso.
Passa
o
isqueiro?
ELA
O
isqueiro!
Ele
olha
para
baixo.
ELA
Puta
que
pariu!
Vou
fazer
o
que
com
isso?
Dar
uma
rodada
na
cabeça
do
bicho?
ELE
(“fudeu”)
Eu
não
vi
nenhum
isqueiro.
ELA
Sou
eu
que
preciso
fazer
tudo.
O
que
mais
assusta
esses
bichos?
ELE
É...
ELA
(zombando
dele)
É...
Se
levanta
para
pegar
o
isqueiro
na
sua
bolsa.
ELE
Fogo...
ELA
Ah-‐tá.
ELE
Calma!
Fogo,
água!
Cadê
o
tal
suco?
ELA
(pega
o
suco)
Tá
aqui.
Ela
abre
a
garrafa.
29
30. ELE
Ele
vem,
a
gente
joga
isso,
ele
foge...
ELA
Ah
é,
ele
desaparece.
Barulho!
Vê
se
tem
alguma
coisa
por
aí
que
faz
barulho.
ELE
(como
se
a
ideia
tivesse
sido
dele)
Barulho!
Vê
se
tem
alguma
coisa
aí
que
faça
barulho.
A
pantera
ronrrona,
mas
não
num
tom
agressivo.
A
sombra
dela
passa
devagar,
não
em
ameaça.
Ela
joga
suco
de
cramberry
em
direção
à
sombra.
No
restante
da
peça,
o
suco
permanece
no
chão
e
eles
acabam
espalhando
esse
líquido
vermelho
no
chão
branco
do
supermercado.
A
sombra
se
assusta
e
saí
rápido.
ELA
Putaquepariu,
é
grande.
ELE
Ela
é
enorme.
ELA
Por
que
ela?
ELE
Pela
sombra
parece
uma
pantera.
ELA
Toda
sombra
é
preta.
Mania
de
ver
mulher
em
tudo.
Ela
tira
um
isqueiro
da
bolsa,
acende.
Pega
a
garrafa
de
álcool
na
outra
mão.
ELA
Vem
panterinha,
vem.
Vou
colocar
fogo
em
você
sua
criaturazinha...
30
31. ELE
Agora
entrou
no
modo
‘exterminar
toda
fêmea
do
caminho’.
ELA
É
isso
mesmo.
(como
que
chamando
um
gato)
Vem,
tisk,
tisk,
tisk.
Ei,
onde
você
arrumou
esse
isqueiro?
Ela
continua
chamando
um
gato,
não
responde.
Ele
pega
no
braço
dela,
ela
aproxima
o
isqueiro
do
rosto
dele.
ELE
Eu
não
tinha
falado
para
você
parar
de
fumar?
ELA
(sim)
Hum-‐hum.
ELE
(arranca
o
isqueiro
dela)
Você
voltou
a
fumar?
ELA
Nunca
parei.
Já
dei
um
tempo,
mas
parar
nunca
parei.
ELE
Fumar
é
a
coisa
mais
estúpida
que
alguém
pode
fazer.
ELA
Não
parece
ser
a
ameaça
mortal
do
momento.
A
sombra
da
Pantera
volta,
com
um
ar
curioso,
mas
não
agressivo.
Eles
olham
para
a
sombra.
Ela
coloca
mais
álcool
no
pano,
com
pressa,
acende
o
isqueiro.
O
pano
não
pega
fogo.
A
sombra
se
assusta
e
vai
embora,
irritada.
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