Curso para Gestores de Cidades Socialistas - Módulo 1 Aula 6
Condomínios Populares e Socialização em Bairros Consolidados
1. III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008
III Mostra de Pesquisa da
Pós-Graduação
PUCRS
Pensando a socialização e a sociabilidade de famílias reassentadas em
condomínios populares na malha urbana consolidada da cidade de Porto
Alegre.
Leonardo Rosa Bento, : Prof.a
Dra
. Leo P. Rodrigues (orientador)
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS,
Resumo
O Brasil, ao longo do Século XX, viveu um processo de urbanização que intensificou
as históricas desigualdades sociais do país. O acesso aos bens urbanos tornou-se um privilégio
de poucos e a exclusão espacial, a marca das nossas cidades.
Nosso país viveu intensas transformações econômicas, sociais e políticas entre 1950
e 1980. Transformações, estas, que se referem a um período que vai do milagre econômico da
década de 50, ao governo militar nas décadas de 60/70, culminando no processo de
redemocratização. Estes períodos caracterizaram-se pelas transformações de um país
fundamentalmente agrário para uma sociedade urbano industrial. O êxodo rural no Brasil foi
impulsionado pelo modelo de “modernização conservadora”, desenvolvido no período de
1930-50, e acelerado pelo Regime Militar, a partir de 1964. Esse modelo de modernização
traz consigo diversas características fundamentais como, por exemplo, processos de
acumulação de riqueza nos centros urbanos, concentração de terra, acesso seletivo a
equipamentos urbanos de serviço, dentre outros. Esse conjunto de fatores gerou um
empobrecimento em níveis recordes em nosso país, ocorrendo diversos fracassos nas políticas
públicas empregadas, como na saúde, na educação e na habitação popular, na infra-estrutura
urbana e de serviços.
Assim sendo um dos principais problemas enfrentados pela população de baixa renda
em nossos centros urbanos é a falta de moradia popular e de uma estrutura urbana de
reintegração social. Entendemos por urbanização o processo através do qual populações
acabam por concentrar-se em grandes comunidades – cidades – que são essencialmente não-
agrícolas e organizadas, sobretudo, em torno da produção de serviços e bens acabados. Desta
forma, o fenômeno da urbanização pode ser ao mesmo tempo demográfico e social. Nessa
2. III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008
perspectiva, a urbanização é uma das mais poderosas manifestações das relações econômicas
e do modo de vida vigente numa sociedade, ou melhor, em uma cidade.
Nas cidades, os riscos sociais de se morar em locais sem infra-estrutura básica,
surgem das situações de vulnerabilidade produzidas historicamente a partir dos conflitos de
interesses entre os diversos atores sociais envolvidos no processo de ocupação do solo urbano.
Tal vulnerabilidade é provocada por exposições a impactos de ordem ambiental e de
tensionamento social. As metrópoles são marcadas pela concentração de renda, pelas
desigualdades sociais e por processos de exclusão sócio-territorial. O acesso aos bens urbanos
como, por exemplo, saneamento básico, geração de renda, transporte público, saúde,
educação, segurança e, principalmente, a habitação popular, tornaram-se um privilégio de
poucos e a segregação espacial passou a ser marca das grandes cidades.
Apesar da urbanização de risco – que aqui é entendida como sendo as ocupações
irregulares – afetar a cidade como um todo, os riscos são distribuídos desigualmente, através
dos diferentes agentes sociais, impactando, com mais intensidade, os grupos de menor acesso
na aquisição de bens urbanos, pois estes vivem em áreas que apresentam maior precariedade.
Além disso, a situação de exclusão territorial significa também a limitação, ou até a
impossibilidade, de acesso às oportunidades econômicas, educacionais e de infra-estrutura.
Sem um planejamento urbano bem definido e com a exclusão urbanística, começa a surgir a
deterioração do meio urbano, como por exemplo, o surgimento de vilas, favelas, ocupações
irregulares, autoconstruções, constituem-se em uma das conseqüências mais evidentes da
rapidez com que se processa a urbanização nas grandes cidades.
Podemos observar até este momento que os processos urbanos foram avassaladores
em nosso país, sendo que a cidade de Porto Alegre não foge à regra nacional. A cidade de
Porto Alegre não ficou livre desses fenômenos urbanos, ocorrendo falta de moradia, de infra-
estrutura, de saúde, de educação etc. A cidade não ficou imune ao vertiginoso aumento da
favelização que ocorreu nas capitais e nas metrópoles brasileiras.
Em Porto Alegre, existe um departamento da Prefeitura Municipal, que tem como
atribuição equacionar o problema da habitação popular. É o Departamento Municipal de
Habitação (DEMHAB), que deve desenvolver programas para a aquisição de moradia
popular. Atualmente, o DEMHAB é um gestor das Políticas Habitacionais em Porto Alegre e
se constitui em uma Autarquia-Pública. A Política Habitacional é gerida através de uma rede
de secretarias como a Secretaria Municipal de Planejamento, a Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e, também, a Procuradoria Geral do Município.
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É de fundamental importância destacar a articulação na implementação dos
programas habitacionais, através do Fórum de Habitação e do Fórum de Políticas Sociais,
coordenados pela Secretaria Geral de Governo, e do Fórum de Meio Ambiente, coordenado
pelo Gabinete do Prefeito. Através destes Fóruns a Política Habitacional é discutida, tanto por
secretarias de infra-estrutura, como o DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgoto),
DEP (Departamento de Esgotos Pluviais), SMOV (Secretaria Municipal de Obras e Viação),
DMLU (Departamento Municipal de Limpeza Urbana), como por secretarias das políticas
sociais como a FASC (Fundação de Assistência Social e Cidadania), a SMED (Secretaria
Municipal de Educação), a SMS (Secretaria Municipal de Saúde), a SMC (Secretaria
Municipal da Cultura) e a SME (Secretaria Municipal de Esportes), entre outras.
O Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre é o agente responsável
pela implementação de políticas habitacionais na cidade de Porto Alegre. Conforme publicado
no site do DEMHAB, o Departamento já beneficiou cerca de 55 mil famílias que receberam
novas moradias e foram beneficiadas com regularização fundiária e urbanização.
Os condomínios populares produzidos pelo DEMHAB, têm por exigência dos órgãos
financiadores que sejam próximos aos locais de origem das comunidades contempladas, ou
seja, próximo onde as famílias residem. Muitas vezes isto ocorre em bairros consolidados
urbanisticamente, ou seja, em locais urbanos estruturados com acesso a lazer, saúde,
educação, saneamento básico etc.
Tendo em vista que, apesar de termos um órgão específico para a execução de
projetos na área de Habitação Popular, as políticas sociais não contemplam alguns fatores
importantes e necessários no que diz respeito à socialização das comunidades reassentadas
pelo DEMHAB, assim como as transformações urbanas geradas no entorno dos
reassentamentos.
Nesta pesquisa, buscaremos compreender de forma mais concisa o fenômeno que
ocorre no momento em que os condomínios populares são inseridos na malha urbana já
consolidada, buscando melhor compreender as relações de socialização das famílias
reassentadas em relação ao entorno social pré-existente.
Faz-se necessário conhecer se existem (em que grau) os vínculos sociais inerentes ao
processo de socialização, conforme nos aponta Jonsom (1997), entre as famílias reassentadas
e a malha urbana consolidada em que elas estão inseridas. Portanto o problema por nós
identificado e que merece ser melhor conhecido, refere-se às Políticas de Habitação, que se
propõem a serem agentes de socialização e de transformação urbana na Cidade de Porto
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Alegre. Neste sentido, nossa preocupação está relacionada com as formas e práticas de
socialização e sociabilidade entre os diversos atores sociais que constituem uma cidade e que
contribuem para a formação do desenvolvimento urbano. Verificaremos de uma forma mais
aprofundada junto às famílias reassentadas quais os bens urbanos que estas compartilham com
os moradores das habitações residenciais que circundam os condomínios populares.
Introdução
O Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre é o agente responsável
pela implementação de políticas habitacionais na cidade de Porto Alegre. Conforme publicado
no site do DEMHAB, o Departamento já beneficiou cerca de 55 mil1
famílias que receberam
novas moradias e foram beneficiadas com regularização fundiária e urbanização.
Os condomínios populares produzidos pelo DEMHAB, têm por exigência dos órgãos
financiadores que sejam próximos aos locais de origem das comunidades contempladas, ou
seja, próximo onde as famílias residem. Muitas vezes isto ocorre em bairros consolidados
urbanisticamente, ou seja, em locais urbanos estruturados com acesso a lazer, saúde,
educação, saneamento básico etc.
Tendo em vista que, apesar de termos um órgão específico para a execução de
projetos na área de Habitação Popular, as políticas sociais não contemplam alguns fatores
importantes e necessários no que diz respeito à socialização2
das comunidades reassentadas
pelo DEMHAB, assim como as transformações urbanas geradas no entorno dos
reassentamentos.
Nesta pesquisa, buscaremos compreender de forma mais concisa o fenômeno que
ocorre no momento em que os condomínios populares são inseridos na malha urbana já
consolidada, buscando melhor compreender as relações de socialização das famílias
reassentadas em relação ao entorno social pré-existente.
1
Informações obtidas no site http://www2.portoalegre.rs.gov.br/demhab. Acesso no dia 03/10/2007.
2
Entende-se por socialização, o processo através dos quais os indivíduos são preparados para
participar de sistemas sociais. Incluído neste conceito há alguma compreensão de símbolos e
sistemas de idéias, linguagens e as relações que constituem os sistemas sociais. A socialização é um
processo de uma vida inteira que ocorre à medida que pessoas adquirem novos papéis e se ajustam
à perda de outros mais antigos. Da perspectiva de indivíduos, socialização está relacionada a um
processo mediante a criação de um self soicial no apego a um sistemas sociais, através de nossa
participação nos mesmos. Conforme o conceito se apresenta, a perspectiva em relação aos sistemas
sociais, a socialização é necessária para que o sistema continue e funcione eficazmente, uma vez
que todos eles dependem de indivíduos motivados e preparados para desempenhar os vários papeis
que abrange, (JONSOM, 1997).
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Faz-se necessário conhecer se existem (em que grau) os vínculos sociais inerentes ao
processo de socialização, conforme nos aponta Jonsom (1997), entre as famílias reassentadas
e a malha urbana consolidada em que elas estão inseridas. Portanto o problema por nós
identificado e que merece ser melhor conhecido, refere-se às Políticas de Habitação, que se
propõem a serem agentes de socialização e de transformação urbana na Cidade de Porto
Alegre. Neste sentido, nossa preocupação está relacionada com as formas e práticas de
socialização e sociabilidade entre os diversos atores sociais que constituem uma cidade e que
contribuem para a formação do desenvolvimento urbano. Verificaremos de uma forma mais
aprofundada junto às famílias reassentadas quais os bens urbanos que estas compartilham com
os moradores das habitações residenciais que circundam os condomínios populares.
Esta pesquisa propõe-se a conhecer dois condomínios populares: o Princesa Isabel,
localizado na Avenida Princesa Isabel esquina com a avenida João Pessoa, cuja as famílias
são originárias da Vila Zero Hora e Vila Terminal Azenha e o Condomínio Residencial dos
Anjos, localizado na Avenida Ipiranga cujas famílias são originárias da Vila das Placas, que já
residiam neste mesmo endereço e somente receberam unidades habitacionais através do
cooperativismo.
Hipótese Geral
As famílias contempladas com unidades habitacionais nos condomínios populares
produzidos pelo DEMHAB acabam isoladas da malha urbana consolidada – lazer, cultura,
educação, saúde. Buscam, assim, na periferia da cidade estes serviços. As famílias acabam
não sendo integradas com o entorno que vivem, assim vivenciam somente o cotidiano e a
cultura do próprio condomínio em que residem. Estas famílias não compartilham os serviços
da malha urbana oferecidas para as demais pessoas residentes nos bairros.
Hipótese Específica
À medida em que os condomínios populares são alocados nos bairros consolidados
seu entrono criam-se barreiras e delimitações físicas e simbólicas para com os que estão sendo
reassentados. Estas barreiras acabam impedindo a socialização das famílias reassentadas com
o entrono, gerando segregação habitacional.
O DEMHAB deveria ser o principal agente facilitador do processo de socialização
entre as famílias e o entrono urbano. Propiciando, desta forma, uma integração com a malha
urbana existente e servindo de mediador entre duas realidades sociais existentes.
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Objetivo Geral
Identificar as principais práticas de socialização desenvolvidas pelo DEMHAB
através dos seus programas e como as famílias reassentadas acabam se relacionado com o
entorno da malha urbana consolidada. Além da forma em que se dá a relação dos reassentados
com as famílias que já residiam nos bairros onde os conjuntos habitacionais foram
implementados. Verificar as relações de sociabilidade que as famílias tem com o bairro e com
as famílias que já residiam nestes locais, ou melhor, que não fazem parte do reassentamento
popular que ali se instalou.
Objetivos Específicos
Questionar se as famílias residentes nos condomínios populares se sentem parte
integrante dos bairros onde estas foram alocadas, ou se sentem-se excluídas da vida cotidiana
do bairro onde residem.
Verificaremos, então, de que forma os projetos desenvolvidos pelo DEMAHB se
transformam em um agente de socialização. Buscaremos identificar como as assistentes
sociais do DEMAHB dão conta de socializar as famílias com o seu entorno e qual o tempo de
acompanhamento com os condomínios populares neste processo de socialização. Para melhor
compreendermos o fenômeno que estamos nos propondo a pesquisar, outro objetivo se faz
necessário neste caso é observar como se dá a relação das famílias reassentadas com o bairro
onde estas foram realocados, buscando avaliar até que ponto estas estão inseridas de fato na
malha urbana local.
Metodologia
Para atingirmos os objetivos propostos neste projeto de pesquisa, se fez
necessário verificar as formas de socialização a partir do DEMHAB com as famílias
reassentadas nos condomínios Princesa Isabel e Condomínio dos Anjos. E identificar
junto às famílias reassentadas as práticas de sociabilidade, ou seja, as relações destas
famílias com o entorno da malha urbana consolidada.
No DEMHAB será realizada uma pesquisa documental, onde buscaremos
verificar os principais programas referentes ao trabalho de reassentamento e
socialização das famílias contempladas nos programas habitacionais realizados pelo
departamento. Para complementarmos a pesquisa documental, faremos entrevistas com
as assistentes sociais que são responsáveis pela aplicação dos programas propostos
pelo DEMHAB nas comunidades. Para a realização destas entrevistas, se fez
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necessário à utilização de um roteiro de pesquisa semi-estruturado, pois este processo
pode ser definido como um processo de interação social entre duas pessoas na qual o
entrevistador tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o
entrevistado. As entrevistas serão utilizadas para esclarecer e aprofundar questões
relativas aos processos de socialização e os programas propostos pelo DEMHAB.
Concomitantemente realizar-se-á nos condomínios Princesa Isabel e Dos
Anjos a técnica da observação participante, onde buscaremos vivenciar as formas de
sociabilidade no cotidiano das famílias reassentadas. Para a compreensão da
complexidade da realidade social que estamos nos propondo a estudar, também se fará
necessário entrevistas semi-estruturadas com as famílias reassentadas nos condomínios
pesquisados.
Discussão
O Brasil viveu intensas transformações econômicas, sociais e políticas entre 1950 e
1980. Esse período caracterizou-se pela transformação de um país fundamentalmente agrário
em uma sociedade urbano e industrial. Conforme expõe Fedozzi3
, neste período, “[...] a
população das cidades foi acrescida de mais de 60 milhões de pessoas, 29 milhões somente
durante os anos 80, passando as áreas urbanas a concentrar 2/3 da população” (FEDOZZI,
2000, p. 17).
O processo migratório ocorrido no Brasil foi impulsionado pelo modelo de
“modernização conservadora” do período de 1930-50 e acelerado pelo regime militar a partir
de 1964. Esse modelo de modernização traz consigo, diversas características fundamentais
como:
[...] Processo de concentração de riquezas, de terras urbanas, de
acesso seletivo aos equipamentos e serviços públicos, sem precedentes no
país, tornando os pólos de desenvolvimento capitalista no Brasil,
principalmente as capitais e as regiões metropolitanas, cenários
emblemáticos da situação de desigualdade, de segregação urbana, de
degradação ambiental [...] (FEDOZZI, 2000, p. 17).
Esse conjunto de fatores gerou um empobrecimento em níveis recordes em nosso
país, ocorrendo diversos fracassos nas políticas públicas empregadas como, por exemplo, na
3
Utilizaremos como base histórica do processo de urbanização e do acesso à habitação popular na cidade de
Porto Alegre o Livro de Luciano Fedozzi. FEDOZZI, Luciano. O Poder da Aldeia: gênese e história do
Orçamento Participativo de Porto Alegre. Porto Alegre, Tomo, 2000.
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saúde, na educação e nos financiamento para a moradia popular, carência de infra-estrutura
urbana e de serviços.
A cidade de Porto Alegre não ficou livre desses fenômenos urbanos, ocorrendo falta
de moradia, de infra-estrutura, de saúde, de educação etc. A cidade não ficou imune ao
vertiginoso aumento da favelização que ocorreu nas capitais e nas metrópoles brasileiras.
Como demonstra Fedozzi, a partir de levantamento feito sobre a habitação irregular na cidade
de Porto Alegre,
no início da década de 1970, a fisionomia urbana da cidade apresentava 124
vilas de subabitação, representando 11.14% da população. No início dos
anos 90, esse número saltou para 249 vilas e 33.66% da população, ou seja,
mais de 400 mil pessoas vivendo em cerca de 106 mil barracos (FEDOZZI,
2000, p. 22).
Fedozzi segue sua análise salientando que, no mesmo período, “a cidade irregular e
informal cresceu a taxa de 8% a 9% ao ano, enquanto a outra Porto Alegre, a legal e formal,
teve um crescimento anual de apenas 1,9%” (FEDOZZI, 2000, p. 22).
De acordo com Fedozzi (2000), as origens do processo de favelização em Porto
Alegre remontam à década de 1940, mais precisamente, por volta de 1946, quando se
massifica o êxodo rural e também a migração para fora das fronteiras do Estado, devido às
transformações econômicas que modificaram as relações de produção e a situação da
propriedade rural. Apesar do grande crescimento e do aumento da renda interna da economia
gaúcha, a situação econômica e social do Estado demonstrava graves problemas, como o
êxodo rural, aumento do desemprego e das favelas, dificuldades de aparelhar as cidades, com
transporte e energia elétrica, saúde, escola.
A partir desse contexto, conforme Fedozzi, “foram percebidas diversas
transformações sócio-econômicas e de intensa migração, em que a precariedade da moradia
popular e a desigualdade de acesso à ocupação e o uso do espaço urbano passaram a ser
considerados problemas políticos” (FEDOZZI, 2000, p. 20).
Devido a estes fatores a Prefeitura Municipal de Porto Alegre,
criou a Superintendência de Habitação, em 1940, primeiro órgão estatal com
funções específicas para exercer a política habitacional de caráter social no
município. Posteriormente modificado para Serviço da Habitação Popular,
em 1951, e Departamento Municipal da Casa Popular, em 1952, essa
unidade administrativa transformou-se, em 1965, no atual Departamento
Municipal de Habitação (DEMHAB) (FEDOZZI, 2000, p. 20).
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O DEMHAB teve sua fundação exigida pelo Sistema Financeiro da Habitação e do
BNH (Banco Nacional da Habitação), criado em 1964 através do Governo Federal.
Ainda com base em Fedozzi (2000), constatamos que nesse período, com o golpe
militar e o início da vigência do regime ditatorial no Brasil, o Governo Federal começou a
pautar sua política urbana basicamente a partir de padrões em que os atores populares não
eram reconhecidos enquanto indivíduos portadores de direitos.
Nessa fase, o governo municipal de Porto Alegre articulou-se prioritariamente com
os interesses dos empresários, realizando investimentos em áreas estruturadas da cidade, onde
moravam as classes médias e altas. Como conseqüência, a cidade não ficou imune ao
acelerado aumento da favelização que ocorreu nas capitais e nas grandes metrópoles
brasileiras. Podemos verificar a forma pela qual a Política Habitacional era tratada nesse
período recorrendo a Fedozzi que afirma:
A expulsão de núcleos de subabitação das áreas ocupadas pela
população de baixa renda, por meio de programas de erradicação para áreas
longínquas e sem infra-estrutura urbana realizadas, inicialmente, através de
remoções forçadas e violentas, foi uma das formas de gestão urbana
utilizadas nesse período (FEDOZZI, 2000, p. 22).
O regime militar tentou cooptar parcelas das comunidades, através de práticas
política tradicionais, clientelistas e patrimonialistas ou, ainda, através da formulação de uma
série de programas e projetos que tentavam neutralizar possíveis movimentos contrários ao
regime militar.
No período entre 1950 a 1972, foram removidos, conforme nos mostra Fedozzi,
cerca de 62.151 pessoas pelo DEMHAB, isto em apenas cinco anos. Entre 1971 a 1976, esse
contingente chegou a 33.286 moradores e 7.741 famílias, sendo que 19.255 pessoas foram
levadas para outros municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre e o restante para
áreas distantes, sem qualquer infra-estrutura urbana e sem oportunidades de emprego
próximas ao local de moradia (FEDOZZI, 2000, p. 23).
Na década de 1970, foram promovidos diversos programas e projetos estatais
relacionados direta ou indiretamente com o problema social e político da crescente
favelização em Porto Alegre. Em 1972, foi lançado o projeto CURA (Comunidade Urbana
para Recuperação Acelerada), financiado pelo BNH, cuja sua função era promover a
Urbanização das Cidades. Para a produção habitacional, foram lançados os programas Pró-
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Gente I e o Pró-Gente II, realizado pela Prefeitura e financiado pelo BNH, respectivamente
implantados em 1975 e 1977. Em 1979, foram aprovados o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano e o PROMORAR (Programa de Erradicação da Subabitação),
criado pelo Governo Federal, através do BNH.
Em Porto Alegre, por intermédio do DEMHAB, “quase um terço das áreas de
subabitação existentes no início dos anos 80 (46 dentre 146) foram incluídas formalmente no
PROMORAR” (FEDOZZI, 2000, p.27). Mas o programa recebeu muitas críticas e
contestações pelas Associações de Moradores e pela FRACAB (Federação Rio-Grandense de
Associações Comunitárias e Amigos de Bairro), principalmente pelo fato das comunidades
afetadas constatarem que os aspectos de segregação social e espacial contidos no modelo de
urbanização proposto eram: “construção exíguas das unidades habitacionais (sala e cozinha,
sem banheiro), ausência de previsão de infra-estrutura, condições financeiras exigidas fora
dos parâmetros reais da população (renda fixa), previsão de remoção de famílias [...]”
(FEDOZZI, 2000, p. 27). Este programa foi alterado ainda em 1979, implicando no abandono
da construção de moradia. Portanto, isto ocorreu para haver uma concentração nas atividades
de recuperação urbana com a implementação de infra-estrutura e vias de acesso. Com o
impasse em relação às remoções dos indivíduos das áreas a serem recuperadas, somando-se
aos outros problemas apontados, ocorreu que os resultados do programa foram mínimos, ou
quase nulos.
Em 1986, o BNH veio a ser extinto e começou um grande período sem programas
efetivos para a área da habitação popular. Com a contribuição do Movimento Popular pela
Reforma Urbana, a constituição de 1988, inovou em matéria de política urbana ao estabelecer
que todas as cidades com mais de vinte mil habitantes devem aprovar Planos Diretores que
sejam a expressão da vontade popular, como instrumento básico da política urbana que
garanta o pleno atendimento das funções sociais da cidade. A nova constituição trazia em seu
artigo 23, inciso IX, a seguinte definição:
É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: - promover programas de construção de moradias e a melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico. E no seu art. 30, inciso
VIII: Compete aos Municípios: - promover, no que couber, adequado
ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso,
parcelamento e da ocupação do solo urbano.4
4
Abreu Filho, Nylson Pain de (Organizador). Constituição Federal, Legislação Administrativa, Legislação
Ambiental. Porto Alegre, Verbo Jurídico, 2004.
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Atualmente, o DEMHAB é um gestor das Políticas Habitacionais em Porto Alegre e
se constitui em uma Autarquia Publica. A Política Habitacional é gerida através de uma rede
de secretarias como Secretaria Municipal de Planejamento, a Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e também da procuradoria Geral do Município.
É de fundamental importância destacar a articulação na implementação dos
programas habitacionais, através do Fórum de Habitação e do Fórum de Políticas Sociais,
coordenados pela Secretaria Geral de Governo, e do Fórum de Meio Ambiente, coordenado
pelo Gabinete do Prefeito. Através destes Fóruns a Política Habitacional é discutida, tanto por
secretarias de infra-estrutura, como o DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgoto),
DEP (Departamento de Esgotos Pluviais), SMOV (Secretaria Municipal de Obras e Viação),
DMLU (Departamento Municipal de Limpeza Urbana), como por secretarias das políticas
sociais como a FASC (Fundação de Assistência Social e Cidadania), a SMED (Secretaria
Municipal de Educação), a SMS (Secretaria Municipal de Saúde), a SMC (Secretaria
Municipal da Cultura) e a SME (Secretaria Municipal de Esportes), entre outras.
A implementação dos programas de Política Habitacional em Porto Alegre, através
da Prefeitura Municipal, traz como diferencial a questão da participação popular nas
diferentes esferas de planejamento, gestão e execução de ações.
A existência de instâncias organizadas e estruturadas de participação no
planejamento e gestão da política, tais como o Orçamento Participativo, o Conselho
Municipal de Acesso a Terra e Habitação – COMATHAB - e outros fóruns regionalizados,
constituem-se como elementos desencadeadores do processo organizativo da política
habitacional.
No ano de 1988, o Partido dos Trabalhadores (PT), foi o vencedor das eleições da
Prefeitura Municipal de Porto Alegre e ao assumir instaurou o que ficou conhecido como
“Administração Popular”. Conforme Fedozzi “no bojo desse processo, desenvolveu-se, desde
então, uma modalidade de gestão pública, baseada na participação direta da população na
elaboração do orçamento público” (FEDOZZI, 1999, p. 20). Essa participação deve-se
especialmente a escolha das prioridades dos investimentos municipais. Esse processo ficou
conhecido como o Orçamento Participativo.
Uma outra forma democrática na participação do cidadão e de órgãos representativos
das comunidades é o COMATHAB constituindo-se em um Conselho composto por 27
conselheiros (um terço são representantes de entidades de moradores, escolhidos em plenárias
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de entidades regionais; outro terço de entidades de classe, eleitos em seus fóruns específicos,
inclusive ONGS; e outro de representantes do governo). O COMATHAB delibera não apenas
sobre os recursos do Fundo Municipal de Desenvolvimento, mas também sobre o conjunto
dos financiamentos e da política habitacional. Embora a palavra final em matéria
orçamentária caiba ao Conselho do Orçamento Participativo, as propostas são sempre
previamente discutidas e aprovadas pelo COMATHAB.
Para que essas instâncias democráticas possam surtir efeito, o DEMHAB, atualmente
desenvolve diversos programas habitacionais. Entre eles podemos destacar: Urbanização e
Regularização Fundiária (O programa de Regularização Fundiária atua nas ocupações
consolidadas, irregulares, sobre áreas públicas e privadas, com o objetivo de garantir a
permanência das famílias no local que residem, legalizando a situação fundiária e
promovendo a ordenação urbanística do assentamento, bem como sua integração a cidade
formal, em função dos padrões e das especificidades do próprio local); Reassentamentos (O
principal objetivo do Programa é a qualificação da questão habitacional das famílias em áreas
impróprias para moradia, como áreas de risco, insalubres e destinadas ao desenvolvimento da
cidade, e para viabilizar a implantação do Programa de Regularização Fundiária).
Assim sendo, esse programa busca viabilizar o acesso às políticas públicas como
saúde, educação, geração de renda, assistência social, educação ambiental, lazer e outros,
assim possibilitando às famílias reassentadas realizarem uma integração com o novo ambiente
de moradia. Além desses programas, verificam-se outros como, por exemplo, Cooperativas
Habitacionais de Baixa Renda, Programa de Ajuda Mútua – Mutirão. Para esse programa o
DEMHAB realiza ações de educação, formação e capacitação dos associados; presta
assessoria técnica, jurídica, urbana e habitacional; e canaliza o repasse de recursos para
projetos de infra-estrutura em formar de financiamento.
Uma outra modalidade de Programa são os “Programas Integrados” que, mobilizam
as diversas secretarias da Prefeitura, viabilizando financiamentos externos e investimentos
próprios municipais para resolver os problemas mais graves da habitação, saneamento,
equipamento cultural e sistema viário. Esses são alguns programas que atualmente são
desenvolvidos pela Prefeitura de Porto Alegre.
O que se buscou reunir neste capítulo foram alguns elementos para a
compreensão de fatos que ocorreram e que fizeram parte da história recente de nosso
País e da Cidade de Porto Alegre, no que se refere à Política Habitacional. O conteúdo
13. III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008
aqui desenvolvido servirá de subsídio para a análise a ser realizada nos capítulos
subseqüentes
Referências
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AZEVEDO, Sérgio de. Habitação e poder: da fundação da casa popular ao Banco
Nacional da Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
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CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
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FEDOZZI, Luciano. Orçamento Participativo: reflexões sobre a experiência de Porto
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______________. O Poder Da Aldeia: gênese e história do Orçamento Participativo de
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