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A PÓS-MODERNIDADE COMO IDEOLOGIA DO NEOLIBERALISMO E DA
GLOBALIZAÇÃO
Fernando Alcoforado*
O fracasso do Iluminismo e da Modernidade na realização do progresso da humanidade
e na conquista da felicidade para os seres humanos abriu caminho para o advento da
Pós-Modernidade que representa uma reação cultural à perda de confiança no potencial
universal do projeto iluminista e da Modernidade. A Pós-modernidade significa,
portanto, uma reação àquilo que é moderno. Algumas escolas de pensamento situam sua
origem no alegado esgotamento do projeto da Modernidade até o final do século XX.
David Harvey, professor da City University of New York que trabalha com diversas
questões ligadas à geografia urbana, aponta em sua obra Condição Pós-Moderna (São
Paulo: Edições Loyola, 1993) que a Pós-Modernidade nasce da Modernidade que, na
verdade, teria gestado a Pós-Modernidade ao colocar os avanços tecnológicos, como a
microeletrônica, a internet, a robótica, que hoje permitem uma nova forma de vivenciar
o contemporâneo. Para Harvey a Modernidade é condição para Pós-Modernidade. Para
Harvey, a Pós-Modernidade seria o desencanto da Modernidade com o que não deu
certo.
Em La condition postmoderne, rapport sur le savoir (Paris: Minuit, 1979), Jean-
François Lyotard, filósofo francês, caracteriza a Pós-modernidade como uma
decorrência da morte das "grandes narrativas" totalizantes da Modernidade, fundadas na
crença no progresso e nos ideais iluministas de igualdade, liberdade e
fraternidade. Lyotard protesta contra o formato da "grande narrativa" que domina o
retrato modernista da história. Essa grande narrativa, segundo Lyotard, indica
falsamente que muito do que é útil na história originou-se no Iluminismo, que desde o
Iluminismo a humanidade progrediu cognitivamente com rapidez, assim como em
termos de liberdade, igualdade e fraternidade.
A Pós-modernidade é definida também por muitos autores como a época das incertezas,
das fragmentações, das desconstruções, da troca de valores. Em relação à Pós-
Modernidade, Lyotard afirma que o que está em curso é um desmantelamento e uma
sucessiva reconstrução das instituições, o que muitas vezes torna os laços humanos
muito fluidos. No plano das relações humanas, a Pós-modernidade se caracteriza pela
quebra do paradigma que prevalecia anteriormente como, por exemplo, de que o
casamento diz respeito à relação homem-mulher. Um dos aspectos mais visíveis da
época em que vivemos é a capacidade que cada indivíduo tem de inventar novos
arranjos conjugais como o casamento homossexual. Na Pós-modernidade, percebe-se a
capacidade de aceitar e até valorizar grupos que eram estigmatizados socialmente, como
os homossexuais, os divorciados, os solteiros e os sem filhos.
Enquanto a Modernidade pode ser caracterizada como a época da valorização e crença
nas noções de verdade, razão, objetividade e determinismo, fé inabalável no progresso
científico e na emancipação universal, a Pós- modernidade seria o questionamento de
tudo isso. A Pós-Modernidade faz também com que o nosso atual período histórico se
configure numa "colcha de retalhos", um "mosaico" de épocas, períodos e situações
históricas que coexistem como, por exemplo, características da Idade Média em
determinadas regiões do país convivendo com as da era contemporânea. Esta é uma das
características marcantes da Pós-Modernidade. No entanto, se essa é uma de suas
características, pode-se afirmar que estar na Pós-Modernidade é o mesmo que dizer, que
a Modernidade e a Pós-Modernidade coexistem.
Na Pós- Modernidade, o mundo construído de objetos duráveis foi substituído pelo de
produtos disponíveis e projetados para imediata obsolescência e descarte. A Pós-
Modernidade pode ser caracterizada como uma reação à cultura ao modo como se
desenvolveram historicamente os ideais da Modernidade, associada à perda de otimismo
e confiança no potencial universal do projeto iluminista e moderno. Configura-se como
uma rejeição à tentativa de colonização pela ciência e pela tecnologia das demais
esferas da vida do homem. A Pós-Modernidade leva a crítica às mais profundas
consequências, questionando os conceitos estabelecidos pela Modernidade. Em sua obra
O mal estar da pós-modernidade (Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1998), Zygmunt Bauman
afirma que o homem pós-moderno é aquele facilmente adaptável que convive a todo o
momento com as realidades distintas e consegue de forma satisfatória sobreviver a todas
elas.
Bauman afirma que os homens da Modernidade viveram num tempo-espaço sólido,
durável, duro recipiente em que os atos humanos podiam cunhar-se seguros. Liberdade
era a necessidade conhecida, mais também a decisão de agir com esse conhecimento. A
estrutura estava em seu lugar. Entretanto para os homens e as mulheres da Pós-
Modernidade esse mundo desapareceu. Conforme aponta Bauman o mundo em que o
homem está vivendo é formado de regras que são feitas e refeitas no curso dos próprios
acontecimentos. Para viver nesse mundo é preciso usar ao máximo suas habilidades. O
mundo tem se tornado mais frágil e perigoso. Muitas das relações que perpassam o
mundo contemporâneo não são duradouras.
As questões relativas ao Iluminismo, a Modernidade e a Pós-Modernidade se inserem
no campo da ideologia. Através da ideologia, são construídos imaginários e lógicas de
identificação social cuja função seria escamotear o conflito entre as classes sociais,
dissimular a dominação de classe e ocultar a presença do particular, dando-lhe a
aparência de universal. O discurso ideológico se caracteriza por uma construção
imaginária no sentido de imagens da unidade do social, graças à qual fornece aos
sujeitos sociais e políticos um espaço de ação que deve necessariamente fornecer
representações coerentes para explicar a realidade social e apresentar normas coerentes
para orientar a prática política.
Pode-se compreender a função implícita ou explícita da ideologia na tentativa das
classes sociais dominantes de fazer com que o ponto de vista particular das classes que
exercem a dominação política apareça para todos os sujeitos sociais e políticos como
universal, e não como interesse particular de uma classe determinada. Por influência de
Karl Marx, filósofo alemão, a palavra ideologia tornou-se largamente utilizada nas
ciências humanas de nossa época com o significado de sistema de ideias que elaboram
uma "compreensão da realidade" para ocultar ou dissimular o domínio de um grupo
sobre o outro. Nesse sentido, a ideologia tem funções como a de preservar a dominação
de classes apresentando uma explicação apaziguadora para as diferenças sociais. Seu
objetivo é evitar o conflito aberto entre dominadores e dominados.
A Pós-Modernidade é uma poderosa arma ideológica do capitalismo de mercado
neoliberal e da globalização ao incorporar uma forma de produção do imaginário social
que corresponde aos anseios da classe dominante como meio mais eficaz de controle
social e de amenizar os conflitos de classe, seja invertendo a noção de causa e efeito,
seja silenciando questões que por isso mesmo impedem a tomada de consciência do
trabalhador de sua condição histórica, formando ideias falsas sobre si mesmo, sobre o
que é ou o que deveria ser.
*Fernando Alcoforado, 77, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável-
Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do
Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social
(Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas,
Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet
(http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.

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  • 1. A PÓS-MODERNIDADE COMO IDEOLOGIA DO NEOLIBERALISMO E DA GLOBALIZAÇÃO Fernando Alcoforado* O fracasso do Iluminismo e da Modernidade na realização do progresso da humanidade e na conquista da felicidade para os seres humanos abriu caminho para o advento da Pós-Modernidade que representa uma reação cultural à perda de confiança no potencial universal do projeto iluminista e da Modernidade. A Pós-modernidade significa, portanto, uma reação àquilo que é moderno. Algumas escolas de pensamento situam sua origem no alegado esgotamento do projeto da Modernidade até o final do século XX. David Harvey, professor da City University of New York que trabalha com diversas questões ligadas à geografia urbana, aponta em sua obra Condição Pós-Moderna (São Paulo: Edições Loyola, 1993) que a Pós-Modernidade nasce da Modernidade que, na verdade, teria gestado a Pós-Modernidade ao colocar os avanços tecnológicos, como a microeletrônica, a internet, a robótica, que hoje permitem uma nova forma de vivenciar o contemporâneo. Para Harvey a Modernidade é condição para Pós-Modernidade. Para Harvey, a Pós-Modernidade seria o desencanto da Modernidade com o que não deu certo. Em La condition postmoderne, rapport sur le savoir (Paris: Minuit, 1979), Jean- François Lyotard, filósofo francês, caracteriza a Pós-modernidade como uma decorrência da morte das "grandes narrativas" totalizantes da Modernidade, fundadas na crença no progresso e nos ideais iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade. Lyotard protesta contra o formato da "grande narrativa" que domina o retrato modernista da história. Essa grande narrativa, segundo Lyotard, indica falsamente que muito do que é útil na história originou-se no Iluminismo, que desde o Iluminismo a humanidade progrediu cognitivamente com rapidez, assim como em termos de liberdade, igualdade e fraternidade. A Pós-modernidade é definida também por muitos autores como a época das incertezas, das fragmentações, das desconstruções, da troca de valores. Em relação à Pós- Modernidade, Lyotard afirma que o que está em curso é um desmantelamento e uma sucessiva reconstrução das instituições, o que muitas vezes torna os laços humanos muito fluidos. No plano das relações humanas, a Pós-modernidade se caracteriza pela quebra do paradigma que prevalecia anteriormente como, por exemplo, de que o casamento diz respeito à relação homem-mulher. Um dos aspectos mais visíveis da época em que vivemos é a capacidade que cada indivíduo tem de inventar novos arranjos conjugais como o casamento homossexual. Na Pós-modernidade, percebe-se a capacidade de aceitar e até valorizar grupos que eram estigmatizados socialmente, como os homossexuais, os divorciados, os solteiros e os sem filhos. Enquanto a Modernidade pode ser caracterizada como a época da valorização e crença nas noções de verdade, razão, objetividade e determinismo, fé inabalável no progresso científico e na emancipação universal, a Pós- modernidade seria o questionamento de tudo isso. A Pós-Modernidade faz também com que o nosso atual período histórico se configure numa "colcha de retalhos", um "mosaico" de épocas, períodos e situações históricas que coexistem como, por exemplo, características da Idade Média em determinadas regiões do país convivendo com as da era contemporânea. Esta é uma das características marcantes da Pós-Modernidade. No entanto, se essa é uma de suas
  • 2. características, pode-se afirmar que estar na Pós-Modernidade é o mesmo que dizer, que a Modernidade e a Pós-Modernidade coexistem. Na Pós- Modernidade, o mundo construído de objetos duráveis foi substituído pelo de produtos disponíveis e projetados para imediata obsolescência e descarte. A Pós- Modernidade pode ser caracterizada como uma reação à cultura ao modo como se desenvolveram historicamente os ideais da Modernidade, associada à perda de otimismo e confiança no potencial universal do projeto iluminista e moderno. Configura-se como uma rejeição à tentativa de colonização pela ciência e pela tecnologia das demais esferas da vida do homem. A Pós-Modernidade leva a crítica às mais profundas consequências, questionando os conceitos estabelecidos pela Modernidade. Em sua obra O mal estar da pós-modernidade (Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1998), Zygmunt Bauman afirma que o homem pós-moderno é aquele facilmente adaptável que convive a todo o momento com as realidades distintas e consegue de forma satisfatória sobreviver a todas elas. Bauman afirma que os homens da Modernidade viveram num tempo-espaço sólido, durável, duro recipiente em que os atos humanos podiam cunhar-se seguros. Liberdade era a necessidade conhecida, mais também a decisão de agir com esse conhecimento. A estrutura estava em seu lugar. Entretanto para os homens e as mulheres da Pós- Modernidade esse mundo desapareceu. Conforme aponta Bauman o mundo em que o homem está vivendo é formado de regras que são feitas e refeitas no curso dos próprios acontecimentos. Para viver nesse mundo é preciso usar ao máximo suas habilidades. O mundo tem se tornado mais frágil e perigoso. Muitas das relações que perpassam o mundo contemporâneo não são duradouras. As questões relativas ao Iluminismo, a Modernidade e a Pós-Modernidade se inserem no campo da ideologia. Através da ideologia, são construídos imaginários e lógicas de identificação social cuja função seria escamotear o conflito entre as classes sociais, dissimular a dominação de classe e ocultar a presença do particular, dando-lhe a aparência de universal. O discurso ideológico se caracteriza por uma construção imaginária no sentido de imagens da unidade do social, graças à qual fornece aos sujeitos sociais e políticos um espaço de ação que deve necessariamente fornecer representações coerentes para explicar a realidade social e apresentar normas coerentes para orientar a prática política. Pode-se compreender a função implícita ou explícita da ideologia na tentativa das classes sociais dominantes de fazer com que o ponto de vista particular das classes que exercem a dominação política apareça para todos os sujeitos sociais e políticos como universal, e não como interesse particular de uma classe determinada. Por influência de Karl Marx, filósofo alemão, a palavra ideologia tornou-se largamente utilizada nas ciências humanas de nossa época com o significado de sistema de ideias que elaboram uma "compreensão da realidade" para ocultar ou dissimular o domínio de um grupo sobre o outro. Nesse sentido, a ideologia tem funções como a de preservar a dominação de classes apresentando uma explicação apaziguadora para as diferenças sociais. Seu objetivo é evitar o conflito aberto entre dominadores e dominados. A Pós-Modernidade é uma poderosa arma ideológica do capitalismo de mercado neoliberal e da globalização ao incorporar uma forma de produção do imaginário social que corresponde aos anseios da classe dominante como meio mais eficaz de controle social e de amenizar os conflitos de classe, seja invertendo a noção de causa e efeito, seja silenciando questões que por isso mesmo impedem a tomada de consciência do
  • 3. trabalhador de sua condição histórica, formando ideias falsas sobre si mesmo, sobre o que é ou o que deveria ser. *Fernando Alcoforado, 77, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.