4. 02/07/2015 Presidiários de Porto Alegre fazem documentário sobre vida no cárcere
http://www.portalaz.com.br/noticia/geral/289503_presidiarios_de_porto_alegre_fazem_documentario_sobre_vida_no_carcere.html 4/9
passam o tempo jogando cartas.
É na sala comum da E1 que o contraste se torna ainda mais evidente. Uma parede amarela foi grafitada com
uma mensagem de boasvindas logo na entrada, enquanto as outras são forradas com fotos e cartazes dos
trabalhos do projeto Direito no Cárcere. Nas imagens, os presos sorriem. A geladeira comum, pequena e com
alguns problemas de refrigeração, guarda as refeições, todas feitas por eles mesmos.
O acesso a esse novo mundo, no entanto, exige comprometimento e disposição de abandonar os antigos hábitos.
Para se mudar para a galeria de tratamento é preciso se voluntariar e pedir permissão à Justiça. Se aprovada a
solicitação, os novos moradores passam por um hospital antes da transferência.
“Eles passam 21 dias em tratamento, precisam demonstrar
interesse e vontade. Na galeria, têm acompanhamento psicológico, psiquiátrico, atendimento social e participam
dos projetos sociais e de entidades religiosas”, explicou o diretor do presídio, tenentecoronel Osvaldo Luis
Machado da Silva.
As dificuldades durante o tratamento contra o vício são partilhadas pelos 48 homens que vivem no local. Muitas
vezes, a abstinência faz com que alguns tenham vontade de voltar para o “fundo”, como se referem às outras
galerias do Central. Neste momento, o clima de companheirismo e o ambiente mais leve são aliados dos presos.
Wagner Zandavalle, de 34 anos, conta que além de mais higiênico e com população menor, a galeria E1 é
habitada também por pessoas que se respeitam. "É fácil criar um espaço, colocar 50 pessoas e dizer: 'aqui vocês
não vão mais usar drogas'. Temos que ter a nossa união", afirma Zandavalle. Segundo ele, nas últimas semanas,
um dos colegas apareceu com drogas e foi criticado.
Estar no local também auxilia na revisão da pena pelo Judiciário. Ali, eles têm acesso a uma biblioteca com
livros que vão desde Paulo Coelho e John Grishman, passando por livros espíritas e obras da área de direito
ficam acessíveis. Depois da leitura, os presos precisam escrever um texto resumindo as páginas e encaminhar ao
juiz responsável por seus processos.
Do lado de fora do Presídio Central, a população pode conhecer
a rotina dos presos por meio de um canal de vídeos no Youtube. O Vlog Liberdade mostra imagens gravadas
por eles mesmos.
Foi lá que o escritor Ricardo Kroeff assistiu aos vídeos e doou livros e camisetas de futebol para a realização de
um GreNal entre os ocupantes da galeria. Junto com o presente, enviou uma carta contando a sua história. O
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papel foi afixado no salão comum da galeria e lido em voz alta.
"Vocês já jogaram bola com uma camiseta que fez vocês jogarem bem melhor porque sonharam que eram
daquele time ou que eram aquele jogador? Pois é, isso acontece, é maravilhoso e rola também com esses livros
que mandei. Tem vidas ali dentro. Mas estão presas, e cabe a vocês libertarem elas ou não. Procurem bem que
tem coisas lá, prometo. Liberdade é poder escolher suas prisões", escreveu no texto.
Para Evilton Vizeu Candiota, de 42 anos, sair do mundo das drogas e participar das atividades dá também uma
perspectiva de futuro. Responsável pelo grupo de negócios, montou um plano de produção e vendas de diversos
objetos a serem confeccionados dentro do Central.
“Queremos fazer sacolas descartáveis, caixas de presentes, velas e sabonetes para vender em feiras de economia
solidária”, empolgase.
Da mesma forma, Felipe Loureiro Martins, de 32 anos, encontrou um jeito de passar o tempo. Quando foi preso
tinha apenas a 6ª série completa. Hoje, já completou o segundo grau, possui um curso técnico e se dedicou a ler
todo o Código Penal e reescrevêlo através do seu ponto de vista. Todo o esforço foi realizado dentro da cadeia.
“O Código Penal foi escrito para apenas uma parte da população entender. Eu reescrevi com o meu ponto de
vista, de dentro da prisão”, finaliza.
Curtametragem abordará sentimentos negativos dentro da prisão
Entre as atividades promovidas pelo projeto Direito no Cárcere,
uma oficina de cinema ocorre desde janeiro deste ano. Com a ajuda do produtor Jai Júnior, os detentos estão
criando um roteiro coletivo para a gravação de um curta na galeria E1. A ideia do curta, segundo ele, é mostrar
por meio da ficção as ansiedades dos dependentes químicos.
“Estou há um ano e meio voluntariando no projeto. Trabalho em uma produtora audiovisual e percebi neles a
vontade de fazer um filme. Queremos quebrar esses paradigmas da visão da prisão e do prisioneiro”, fala Jai
Júnior.
O enredo conta a história de um homem que quer sair do local e voltar para as galerias que não oferecem
tratamento. O conflito interno o leva a enxergar as virtudes da vida, como a coragem, a esperança e a fé, e
também as maldades, travestidas na figura do diabo.
O protagonista será vivido por Leandro Martins, de 36 anos, com uma pena de 19 anos a ser cumprida no
Presídio Central. “Já temos o texto quase feito. Este preso vai querer sair do projeto, mas nos outros lugares há
droga, telefone. Aqui ele está mudando”, explica, sobre o enredo da trama.
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Heber Luis Trindade Moreira, de 32 anos, é o idealizador do
argumento. “O personagem vai fraquejar. Queremos mostrar como é lidar com a abstinência. Cada cela
representará uma virtude”, conta Moreira. Ele foi preso há um ano e 11 meses e cumpre pena de seis anos por
tráfico de drogas. “Um apoiando o outro, a gente consegue vencer”, completa.
A ideia é colocar o projeto em um site de financiamento coletivo para arrecadar fundos para confeccionar os
figurinos, trazer pessoal e equipamentos adequados. Todos os papéis serão interpretados pelo grupo. “Acredito
que até abril a gente consiga finalizar o trabalho conjunto”, projeta o produtor Jai Júnior.
Além da oficina de cinema, a advogada Carmela promove atividades inspiradas em quatro pilares: neurociência,
direito, artes e tecnologia, que ajudam na reinserção dos detentos na sociedade. Para ela, a criação do projeto é
um dos passos para popularizar ainda mais a cultura jurídica e o entendimento do que é direito.
“Temos uma política pública muito distante do cidadão comum. Aqui no presídio 70% não tem o ensino
fundamental. E isso gera falta de empoderamento, de cidadania, gera a violência, baixa autoestima, o desvio do
caminho”, reitera a voluntária.
Junto ao projeto no Central, ela assina o Jornal Estado de Direito, realiza palestras sobre o tema e atua em
outros programas sociais. “Quando a gente coloca uma plataforma de expressão para os presos se comunicarem,
a gente tá popularizando uma cultura. Ali eles são protagonistas. É um paradigma: no cárcere eles se
expressarem mais do que na rua”, avalia. "Eles têm uma câmera, livros e muita vontade de aprender e
compartilhar".
Para Carmela, a oportunidade de visualizar e desenvolver o Direito no Cárcere traz também um benefício
pessoal: a sensação de dever cumprido. "A sensação é de humanidade, amor. Quando eu cheguei eles eram
fechados, de braços cruzados, hoje estão todos de braços abertos. Eu ganho isso imediatamente", completa.