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● SEGUNDO CADERNO O GLOBO Domingo, 26 de dezembro de 2010
Novo ‘boom’ de Jane Austen
Filmes, vídeos, livros e HQs baseados na obra da autora mobilizam fãs, conhecidos como Janeites, quase 200 anos após sua morte
Fotos de divulgação
André Miranda sensibilidade” é transposto para
uma comunidade latina de uma
A
frase vem sendo repeti- Los Angeles atual.
da à exaustão: “É verda- As leituras contemporâneas
de universalmente re- de Jane Austen são possíveis
conhecida que um ho- desde o bom desempenho da
mem solteiro em posse de boa comédia adolescente “As patri-
fortuna deve estar necessitado cinhas de Beverly Hills”, daquele
de esposa.” A afirmação, que mesmo 1995. A produção serviu
abre o romance “Orgulho e pre- para lançar Alicia Silverstone co-
conceito”, o segundo de Jane mo a nova (e temporária) queri-
Austen, publicado em 1813, é dinha de Hollywood e para mos-
uma espécie de mantra que re- trar como “Emma”, romance da
sume bem o realismo, o contex- autora de 1815 sobre uma jovem
to histórico, a classe social abor- rica e mimada, poderia se pas-
dada e também a ironia que vêm sar nas high schools americanas.
garantindo à autora inglesa o No ano seguinte, em 1996, outra
posto de uma das mais popula- adaptação do livro chegou aos
res entre os leitores ao redor do cinemas, desta vez com o título
mundo — os mais ardorosos fãs “Emma” — a trama era passada
são chamados de Janeites. Qua- em sua época original e com
se 200 anos após sua morte, em Gwyneth Paltrow como protago-
1817, Jane Austen ainda é lida, nista. “Emma” ainda serviu de
discutida, filmada, adaptada e inspiração ao recente “Aisha”,
reinventada por aí, tanto na vida uma produção de Bollywood
real quanto na internet. Exem- lançada em agosto e que faz o
plos não faltam. Da Índia aos texto de Jane Austen viajar para
EUA, novos filmes baseados em a classe média de Nova Déli.
seus livros estão sendo prepara- PREVISTO PARA 2011, o filme “From Prada to Nada” transporta “Razão e sensibilidade” para uma comunidade latina de uma Los Angeles atual — Fala-se muito do caráter
dos ou recém-chegaram aos ci- romântico das histórias de Ja-
nemas. Em 2010, um romance e ne Austen, mas não se trata só
uma graphic novel misturaram disso. Ela tinha um texto irôni-
seus personagens mais famosos co e lidava com questões so-
com zumbis. E um dos vídeos ciais da época. Seus livros
mais bacanas da internet em abordavam feminismo muito
2010, “O clube da luta de Jane tempo antes do surgimento
Austen”, que faz graça com o dos movimentos feministas —
universo da autora, bateu a mar- garante Ana Maria.
ca de um milhão de acessos. Sua fama também pode ser
Jane Austen nasceu em 16 de medida pelos acessos ao vídeo
dezembro de 1775, na Inglaterra. “O clube da luta de Jane Aus-
Sétima criança de uma família ten”, uma brincadeira feita para
de oito filhos, ela foi criada num o YouTube que mistura os títu-
ambiente rico que lhe permitiu los dos filmes “Clube da luta”
ter acesso a peças de teatro e li- (1999) e “O clube de leitura de
vros. Foi daí que surgiu seu in- “AISHA”, uma SUCESSO no Jane Austen” (2007), este sobre
teresse pela literatura e também como os textos da autora aju-
adaptação YouTube, o vídeo dam mulheres no século XXI. No
foi daí que vieram muitas das
inspirações para sua obra. O pri- contemporânea do “O clube da luta ar desde julho e com mais de 1,3
meiro de seus seis romances pu- milhão de acessos, o vídeo mos-
romance “Emma” de Jane Austen” tra como Elizabeth Bennet, ves-
blicados, “Razão e sensibilida-
de”, de 1811, mostra como as Ir- feita em Bollywood, faz a personagem tida a caráter, organiza um grupo
mãs Dashwood precisam se vi- de terapia na base do tapa.
estreou na Índia Elizabeth Bennet — Tem gente que escreve se-
rar após a morte do pai. “Orgu-
lho e preconceito”, o mais famo- este ano perder a compostura quências dos livros, outros fa-
so, é simplesmente a história de zem vídeos e há também umas
uma jovem em meio a limita- coisas malucas. Já houve até
ções morais, tradições e amores um filme pornô sobre o encon-
no século XIX. Já o póstumo tro de um escritor iniciante
“Persuasão”, de 1818, acompa- com a Jane Austen — conta Ra-
nha o amor de uma moça por quel Sallaberry, autora dos
um militar pobre, o que desagra- blogs “Jane Austen em portu-
“ “
da sua família. guês”, “Biblioteca Jane Austen”
— O que fisga os jovens é o e “Lendo Jane Austen”. — As
método infalível da típica histó- pessoas foram percebendo
ria de amor. E isso é sempre que criar em cima de Jane Aus-
mais forte entre as meninas — ten era popular, e muita gente
explica a professora mineira embarcou na onda.
Adriana Zardini, de 37 anos, pre-
sidente da Jane Austen Socieda- Fenômeno editorial
de do Brasil (Jasbra) e tradutora Formada em Mecânica Indus-
dos romances “Mansfield Park” Fala-se muito do Nós temos uma trial e um pouco mais velha do
e “Razão e sensibilidade” para a A HQ “Orgulho e preconceito e zumbis”: direitos vendidos para cinema que a média das Janeites, Raquel
editora Landmark. caráter romântico coleção de demonstra carinho pela autora
Popular no Facebook
das histórias de Mônica Imbuzeiro clássicos e em seus textos. Nos blogs, cria-
dos de três anos para cá, ela reú-
A Jasbra surgiu há quatro Jane Austen, mas estávamos há ne tudo o que encontra relacio-
anos, a partir de uma comunida-
de do Orkut. O grupo já fez dois
não se trata só bastante tempo nado ao universo de Jane Aus-
ten, faz sorteios, dá dicas de lei-
encontros nacionais, sendo que disso. Ela tinha querendo lançar tura e analisa a obra. Num dos
o último, no Rio de Janeiro, em últimos posts, ela chama a aten-
julho, teve 60 Janeites — todas um texto irônico Jane Austen. ção para o site “Bad Austen”,
mulheres, exceto por um marido e lidava com Mas acabamos que convoca os fãs a escrevem
corajoso e um filho sem opção. A um texto no estilo de Jane Aus-
sociedade tem cerca de 160 par- questões sociais descobrindo ten, prometendo publicar em li-
ticipantes em seu fórum de dis-
cussão, um número ainda tímido
da época. Seus que ela é um vro os mais interessantes.
— Nos últimos anos, redes-
perto dos quatro mil da Jasna, a livros abordavam fenômeno cobriu-se Jane Austen por con-
associação que atende aos fãs de ta dos filmes e das séries. A par-
Estados Unidos e Canadá. feminismo muito engraçado. São tir daí as pessoas gostam do
— A grande maioria dos par- tempo antes centenas de que é feito e vão atrás dos li-
ticipantes é de mulheres com vros — explica Raquel. — A Ja-
idades entre 21 e 25 anos. Eu do surgimento leitores engajados ne Austen falava sobre senti-
mesma adoto os livros da Jane
Austen entre meus alunos dos
dos movimentos que se sentem mentos que existem até hoje. A
maioria das jovens pensa em se
ensinos médio e universitários feministas íntimos da autora casar, em ter um namorado ba-
— explica Adriana. cana, e ainda vive as intrigas
Uma prova da popularidade Ana Maria Almeida, historiadora Caroline Chang, dessas relações amorosas. São
de Jane Austen está em sua pe- e cofundadora de “fã-clube” editora da L&PM casos universais e os livros es-
netração na internet. No Face- ENCONTRO de Janeites no Rio, semana passada: aniversário da autora tão aí para contá-los.
book, a principal página sobre a Além da Landmark, editoras
autora tinha sido “curtida” como a Best Seller, a Martin
(“curtir” é a maneira com que os bis” (lançado no Brasil este ano O cinema, aliás, foi fundamen- preconceito” de 1940, e depois nagens. As meninas trazem ca- Claret, a Paulus, a Scipione e a
usuários do Facebook declaram pela editora Intrínseca), de Seth tal para o crescimento da paixão foi vivido por Matthew Macfa- misas, DVDs, livros e canecas. L&PM têm obras de Jane Aus-
seu apreço por algum tema) por Grahame-Smith, em que os per- por Jane Austen, e um ano-cha- dyen na versão de 2005. Não por Ainda em 1995, o diretor Ang ten disponíveis em catálogo.
251.581 pessoas até a última sonagens da autora precisam ve para se compreender esse acaso, o nome do galã de Firth Lee lançou “Razão e sensibilida- Os livros vendem bem. A
quinta-feira. Outros escritores conviver com mortos-vivos em sentimento é 1995, quando, de em “O diário de Bridget Jones” de”, baseado no livro homôni- L&PM, por exemplo, lançou
do século XIX, como Charles Di- pleno século XIX. O texto de uma só vez, foram lançados dois (2001) é Mark Darcy. mo. O filme acabou indicado a um bonito volume de bolso de
ckens (99.986 pessoas), George abertura da versão de Grahame- filmes e ainda uma série de TV — Eu só conheci a Jane Aus- sete Oscars, vencendo o de ro- “Orgulho e preconceito” em ja-
Eliot (5.967) ou as Irmãs Brontë Smith faz uma paródia da frase baseados em obras da autora. ten pelo filme “Orgulho e pre- teiro adaptado. “Razão e sensibi- neiro, e já foi obrigada a fazer
(3.732), não chegam nem perto famosa do livro: “É uma verdade Esta foi produzida pela emissora conceito” de 2005. Dali fui atrás lidade” deu origem ainda a duas duas reedições.
de tanta curtição. universalmente aceita que um inglesa BBC a partir de “Orgulho dos livros — conta a historiado- séries de repercussão da BBC — Nós temos uma coleção
Curioso é a forma com que os zumbi, uma vez de posse de um e preconceito”, com Colin Firth ra Ana Maria Almeida, de 31 (uma de 1981, outra de 2008) e de clássicos e estávamos há
fãs interagem com sua obra. Al- cérebro, necessita de mais cére- interpretando Fitzwilliam Darcy, anos, cofundadora da Jasbra e ao livro “Razão e sensibilidade e bastante tempo querendo lan-
guns alunos de Adriana Zardini bros.” “Orgulho e preconceito e o popular Mr. Darcy, a paixão de organizadora de um encontro na monstros marinhos”, da mesma çar Jane Austen. Mas acaba-
já criaram uma esquete em que zumbis” também virou uma gra- Elizabeth Bennet e o persona- última semana, na Confeitaria editora americana que criou a mos descobrindo que ela é um
a protagonista de “Orgulho e phic novel, lançada em maio nos gem pelo qual as Janeites suspi- Colombo, no Rio, para homena- obra dos zumbis e ainda inédito fenômeno engraçado — conta
preconceito”, Elizabeth Bennet, EUA, e teve seus direitos vendi- ram em seus sonhos. O mesmo gear o aniversário de nascimen- no Brasil. Para o ano que vem, Caroline Chang, editora da
era uma ogra verde como Shrek. dos para o cinema — especula- Darcy já havia sido interpretado to da autora. — Nós nos reuni- está prevista a comédia “From L&PM. — São centenas de lei-
O mesmo romance deu origem a se que Natalie Portman pode vi- por Laurence Olivier na versão mos para estudar a obra, trocar Prada to Nada”, com Camilla Bel- tores engajados que se sentem
“Orgulho e preconceito e zum- ver Elizabeth. para o cinema de “Orgulho e experiências e falar dos perso- le no elenco, em que “Razão e íntimos da autora. ■