Dois ex-assistentes de tráfego do aeroporto de Viracopos relembram a visita da Rainha Elizabeth II ao Brasil em 1968 e revelam detalhes inéditos, como um roteiro oficial da viagem real entregue a eles. Eles tiveram a honra de se posicionar a poucos metros da Rainha no aeroporto e receber seu cumprimento. A passagem da monarca britânica pelo país ocorreu poucas semanas antes do início do período mais duro da ditadura militar no Bras
Nematoides são responsaveis por perdas de até 30% dos canaviais
Memórias da visita real ao Brasil
1. Memórias da realezaMemórias da realeza
Ex-assistente de tráfego
PRESTÍGIO ||| INTERNACIONAL
A vinda da rainha da Inglaterra
Elizabeth II ao Brasil em no-
vembro de 1968 rende histó-
rias curiosas até os dias de ho-
je. Quando completou 42
anos, a rainha empreendeu via-
gem rumo ao continente ame-
ricano como parte de um pro-
grama britânico de integração
econômica com os países da
América Latina. A viagem du-
rou 11 dias, e como muitos sa-
bem, a passagem por Campi-
nas foi um grande dia de festa,
que parou a cidade naquele
mês de novembro. A rainha vi-
sitou o Instituto Agronômico
(IAC), o Jockey Clube, fazendas
e trafegou pelas principais ave-
nidas.
Dias antes da aterrissagem
do avião britânico no movi-
mentado aeroporto de Viraco-
pos, os assistentes de tráfego
do então Departamento de
Aviação Civil (DAC) — hoje
Anac —, os amigos Carlos Al-
berto Marchi de Queiroz e An-
tônio Jorge Sauá, então com 20
e poucos anos, já tinham em
mãos todo o roteiro que seria
feito pela comitiva real na cida-
de. Não era bem um privilégio,
mas como autoridades no co-
mando do tráfego terrestre
eram a principal linha de fren-
te na checagem de quem che-
gava no aeroporto.
Essa semana, Queiroz —
que em outra ocasião já falou a
essa mesma coluna sobre as
curiosidades daquele Viraco-
pos dos anos 60 — encontrou
mais um ingrediente que tor-
nou aqueles dias da vinda da
família real ainda mais espe-
cial. Devidamente emoldura-
da, a capa do roteiro que seria
realizado pela rainha e sua co-
mitiva traz a originalidade e for-
malidade daquela visita.
“Três dias antes da chegada
da rainha chegou o apoio logís-
tico real. Foram feitas reuniões
no aeroporto para deixar tudo
preparado para a chegada de-
la. Como a gente era autorida-
de de tráfego, um dos oficiais
da comitiva entregou um
exemplar do roteiro.” Queiroz
prossegue, explicando os deta-
lhes do desenho estampado na
folha de cartolina. “Aqui está a
coroa da rainha, com os dize-
res: ‘comando logístico aéreo,
da real força aérea britânica, se-
guido pelas bandeiras do Brasil
e da Inglaterra’.” Essa lembran-
ça, segundo ele, o acompa-
nhou para todas as salas que
ocupou enquanto policial, e
anos ficou em seu gabinete
quando trabalhava como dele-
gado de processos administrati-
vos da corregedoria da polícia,
em São Paulo.
Elizabeth visitou o País a
poucas semanas do anúncio
do AI-5 (Ato Institucional nº 5)
e do início do período mais du-
ro da ditadura militar no Bra-
sil. A presença da realeza, no
entanto, mudou por alguns
dias o foco dos acontecimen-
tos políticos.
Cumprimentos
Naquela tarde do dia 7 de no-
vembro de 1968, quando a rai-
nha retornou ao aeroporto de
Viracopos, Queiroz e Sauá
cumpriam um corriqueiro dia
de plantão. Mas lembram co-
mo se fosse ontem a posição
que ficaram diante da aerona-
ve Avro, que levaria a rainha
a Guarulhos e de lá para Por-
to Rico.
“Nosso chefe da divisão, Sr.
Edmur Bastos Magalhães, per-
guntou se queríamos ver de
perto a rainha. Estávamos de
plantão na sala de tráfego e da-
li com acesso fácil ao pátio das
aeronaves. Passamos ao lado
dos fotógrafos que se posicio-
navam em cima das escadas
que eram acopladas aos
aviões, e Sr. Edmur nos colo-
cou a menos de dois metros de
onde embarcaria a rainha. Ela
passou por nós, cumprimen-
tou e nós retribuímos em ges-
tos com a cabeça. Ela estava
vestida de maneira bem discre-
ta”, lembra Queiroz.
Sauá, no entanto, confessa
que não deu muita importân-
cia ao fato de que pela primei-
ra vez (e a única) um monarca
do império britânico visitava o
País. “Hoje a gente tem a di-
mensão da importância que
foi a vinda da rainha. Naquela
época éramos muito jovens e
ver autoridades decolando de
Viracopos era normal. Mas
lembro-me que foi um dia
muito agradável, em que to-
dos estavam em festa”, diz
Sauá, que por 28 anos traba-
lhou no aeroporto e também
se dedicava a sua carreira de ci-
rurgião dentista.
ANTÔNIO JORGE SAUÁ
“Hoje a gente
tem a dimensão
da importância
que foi a vinda
da rainha.
Naquela época
éramos muito
jovens.”
baú de histórias
Antes de Cumbica, Viracopos era ‘casa’ de celebridades
Carlos Alberto de Queiroz com o roteiro da visita real na parede de sua casa: “Ela nos cumprimentou e retribuímos com gestos com a cabeça”
Desembarque da
rainha em Viracopos,
que também recebeu
Pelé e Madre Teresa
de Calcutá (abaixo)
Gustavo Abdel
Fotos: Cedoc/RAC
Visita, a poucos
dias do AI-5, tirou
problemas do foco
A vista da Rainha pelo Brasil
terminou oficialmente no dia 11 de
novembro de 1968. Logo depois,
ela partiria rumo ao Chile,
deixando, contudo, para nós
brasileiros, uma memória
riquíssima acerca da realeza
britânica em território nacional.
Sem dúvida, algo que escaparia da
imaginação do povo brasileiro,
uma vez que 32 dias depois o
governo Costa e Silva decretava
oficialmente o AI-5, dando assim
início aos chamados anos de
chumbo da ditadura militar, que se
estenderiam até o fim da década
de 1970.
Gustavo Abdel/AAN
N
a década de 60, aviões
a jato das companhias
internacionais que
traziam para o Brasil
celebridades do mundo
aterrissavam em Viracopos,
já que o aeroporto de
Cumbica ainda não existia.
Artistas, cientistas, atletas,
políticos. O saguão era
pequeno. O prédio tinha
pouco mais de mil metros
quadrados e ficava num
descampado, longe do
Centro. Quase sempre era
possível ver alguma
celebridade circulando por
ali. Queiroz ganhou abraços
e assinaturas de astros como
Yvete Mimieux (atriz
americana que brilhou em
filmes como A Máquina do
Tempo e Os Quatro
Cavaleiros do Apocalipse) e
o cantor Alain Barriére,
ícone da música francesa.
Ele também teve o prazer de
recepcionar brasileiros e
estrangeiros que, apesar de
muito famosos, se
comportavam com uma
humildade incrível.
Clodovil, Roberto Carlos,
Pelé, Hebe Camargo, Elis
Regina, o craque uruguaio
Pedro Rocha. Sauá também
traçou uma lista de
personalidades que
encontrou nos anos de
aeroporto. A lista inclui os
ex-presidente da República
Figueiredo, Castelo Branco,
o imperador japonês Akihito
e sua esposa e outras
personalidades, como a
cantora Maysa (poucos dias
antes de seu falecimento), o
ator e bailarino
norte-americano Danny
Kaye e o lutador
Muhammad Ali, entre
outros. Ambos os amigos
ainda guardam autógrafos,
em cadernetas separadas
para esse fim naquela
época. (GA/AAN)
CURIOSIDADE
“Guardiões”
da rainha
Elizabeth II
em Campinas
revelam
relíquia inédita
da passagem
da monarca
pelo Brasil
gustavo.abdel@rac.com.br
A14 CORREIO POPULARA14 Campinas, domingo, 26 de fevereiro de 2017