Até 2000, a economia portuguesa convergiu rapidamente com a média europeia justificando a descrição de "bom aluno". No entanto, nos últimos cinco anos a convergência estagnou. A integração europeia concentrou fortemente o comércio externo português nos países da União Europeia, que representam mais de 80% das trocas, em contraste com a distribuição anterior por África, Atlântico e Europa.
Adesão à UE trouxe prosperidade a Portugal mas convergência estagnou nos últimos 5 anos
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PÚBLICO • SÁBADO, 31 DEZ 2005 20 ANOS DE ADESÃO À CEE
Quinze anos de aproximação à Europa,
cinco anos a marcar passo
Há 20 anos, a adesão à então CEE trazia a promessa de prosperidade e do fim do atraso português em relação à Europa. Ao cabo de duas décadas, Portugal
é um país mais rico e mais próximo da média comunitária. Mas depois de 15 anos de convergência, os últimos cinco foram de estagnação
PAULO RICCA
PEDRO RIBEIRO Por outro, Portugal bene-
ficiou dos fundos de coesão
Em 1 de Janeiro de 1986, Por- atribuídos pela União às suas
tugal concretizou a entrada regiões mais pobres. Os “fun-
na Comunidade Económica dos” tornaram-se de resto na fa-
Europeia (CEE), hoje União ce mais visível da adesão — os
Europeia. Os objectivos da anos 90 foram a época em que,
adesão à grande casa europeia como tem sido dito na actual
não eram apenas económicos campanha presidencial, Por-
— mas a maior expectativa tugal recebia da Europa “um
da época era que “entrar na milhão de contos por dia”.
Europa” representasse pros- A partir de meados dos anos
peridade e a recuperação do 90, a entrada de Portugal no
atraso económico em relação Sistema Monetário Europeu
às principais nações do con- trouxe outras consequências
tinente. de peso. A inflação, que nas
Mário Soares, o primeiro- vésperas da entrada na CEE
ministro que em Junho de ainda atingia os 20 por cento
1985 assinou o tratado de anuais, caiu para níveis mui-
adesão à CEE, esperava da to reduzidos; as taxas de juro
CEE “um futuro de progresso também, atingindo mesmo
e de modernidade”. Vinte anos níveis historicamente baixos
depois, como é que a economia nos últimos anos. Em contra-
portuguesa se saiu da sua expe- partida, ao ceder o controlo
riência europeia? da sua política monetária
No cômputo geral, bastante ao Banco Central Europeu,
bem. Portugal abdicou de um dos
Em 1985, o Produto Interno instrumentos tradicionais em
Bruto (PIB) per capita em pa- A adesão tornou o país mais rico. Apesar da estagnação dos últimos cinco anos, a convergência é uma evidência tempos de crise (como agora)
ridades de poder de compra — a desvalorização da moeda.
(PPC) — ou seja, o que cada Seria Portugal um país
português produzia em média que entrou na linguagem cor- século XIX, Portugal aproxi- pela comparação entre o que pita português e espanhol é mais rico ou mais pobre sem
e em termos comparáveis a rente depois da adesão, houve mou-se continuamente da mé- havia em 1985 e o que há agora muito semelhante até ao ano a adesão à União Europeia?
nível internacional — era 7240 “convergência”. dia europeia, com dois breves (mais auto-estradas, mais auto- 2000. A partir daí, a curva por- Será mais ou menos consen-
dólares americanos, segundo o Agora as más notícias: a períodos de interrupção — o móveis) e pelo que nem existia tuguesa estabiliza, enquanto sual a resposta de que Portugal
Banco Mundial. Em 2004, o PIB convergência só durou 15 anos. pós-II Guerra Mundial e o pós- na altura e é ubíquo hoje (tele- a curva espanhola continua a fora da União seria hoje mais
per capita em PPC português Nos últimos cinco, o processo 25 de Abril. móveis, hipermercados). aproximar-se da média. pobre.
era de 17.900 dólares. de aproximação à média euro- Mas é notório que, nos pri- Nesses 15 anos, a curva da Mais: em duas décadas de Mas o balanço de 20 anos de
Em termos absolutos, os peia estagnou. meiros 15 anos do “Portugal convergência era igual para adesão, a Espanha deu grandes adesão não pode ser feito ape-
portugueses estão claramente Essa estagnação é parti- europeu”, a convergência foi os dois países ibéricos, que se passos na solução do seu pro- nas pela evolução do PIB e dos
mais ricos. Mas a prosperidade cularmente grave porque no acelerada. Os efeitos da adesão juntaram ao “clube” no mesmo blema económico mais grave fundos comunitários.
não se mede apenas em termos século XXI a União Europeia sobre a economia são visíveis dia. A evolução dos PIB per ca- — a taxa de desemprego, que, Os portugueses transferi-
absolutos. tem crescido pouco. Mas se embora continue acima da mé- ram parte da sua soberania
Com a adesão à CEE, o ter- a Europa cresceu devagar, dia da UE25, caiu para metade para Bruxelas, viajam para
mo de comparação de Portugal Portugal cresceu devagaríssi- dos níveis de 1985. Pelo contrá- Madrid sem levar passaporte
passou a ser os seus parceiros mo. Por isso, a convergência rio, em Portugal o desemprego ou para Helsínquia sem fazer
europeus. E, na comparação interrompeu-se — e, a avaliar está quase ao mesmo nível que câmbio de moeda.
com o resto do “clube”, Portu- pelas previsões para os próxi- há 20 anos. E a União ganhou com Por-
gal também não se saiu mal. mos anos, será difícil retomá-la tugal. Escrevia esta semana na
Recorrendo novamente ao tão cedo. A Europa não é só dinheiro Visão o presidente da Comis-
critério do PIB per capita em O impacto económico da ade- são Europeia, Durão Barroso:
PPC, em 1985 a riqueza de Por- A Espanha converge são é muito complexo, mas “Há 20 anos, as empresas e
tugal era equivalente a 53 por mais depressa há dois factores principais de os cidadãos dos outros dez
cento da média dos 12 países A adesão à CEE acelerou a transformação nas últimas Estados-membros passaram
que hoje constituem a zona convergência de Portugal duas décadas. Por um lado, a a ter acesso, de um dia para
euro; em 2004, a proporção era com a Europa. Ao longo de economia portuguesa tornou- o outro, a novos mercados e
de 76 por cento. quase todo o século XX (ver se mais aberta e integrada consumidores, a melhores
Assim, nestes 20 anos a gráfico), esse foi o sentido da no espaço europeu, com um oportunidades comerciais e de
economia portuguesa apro- economia portuguesa. aumento espectacular das investimento, a experiências
ximou-se bastante da média Depois de uma decadência trocas comerciais com os par- culturais mais ricas. Isto não
comunitária — ou, num jargão prolongada desde meados do ceiros da União. tem preço.” ■
O BOM ALUNO TORNOU-SE CÁBULA Até ao ano 2000, a economia O SAUDÁVEL TOMBO DA INFLAÇÃO O êxito económico mais completo
portuguesa justificava a descri- da adesão à UE foi no combate à
ção de “bom aluno” pelo antigo inflação. Quando Portugal aderiu,
presidente da Comissão Europeia os preços aumentavam a ritmos
Jacques Delors. Com excepção próximos dos 20 por cento ao ano.
da recessão de 92/93, em todos Com a adesão ao Sistema Mone-
os anos até ao final do século tário Europeu, a inflação tornou-
Portugal cresceu e aproximou- se residual. O último ano em que a
se da média comunitária. A Es- inflação portuguesa ultrapassou
panha, que se juntou ao “clube” os cinco por cento foi 1994. Hoje,
no mesmo ano, seguiu idêntica com a moeda única e a política
trajectória. Mas em 2001 a histó- monetária única, os países da zo-
ria mudou. Portugal não só não na euro têm uma inflação na casa
está a convergirno passo acele- dos dois por cento. O reverso da
rado do final dos anos 80 e dos medalha é que Portugal deixou
anos 90 — não está a convergir de dispor de autonomia para
de todo. Portugal estagnou. combater recessões.
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PÚBLICO • SÁBADO, 31 DEZ 2005
MAIS RIQUEZA,
CONSUMO DIFERENTE A concentração do comércio
O rendimento disponível do português médio em 2005 é muito A Opinião de
MANUEL CALDEIRA CABRAL
A
superior ao do português de 1985, às portas da adesão à então integração europeia alterou pública Checa e Polónia, para os quais a
Comunidade Económica Europeia (CEE). O cabaz de compras completamente a geografia do Alemanha representa mais de 30 por cento
utilizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) para calcu- comércio externo português. do comércio, ou da Irlanda, em que o Reino
lar o Índice de Preços no Consumidor (a taxa inflação) reflecte Até meados dos anos 70 as A integração europeia Unido é reponsável por idêntica proporção
essas diferenças. trocas portuguesas dividiam-se entre a consistiu assim, em primeiro das trocas. A Alemanha representa tam-
Em 1985, o perfil do cabaz de compras português era típico de África, o Atlântico e a Europa. Hoje estão lugar, numa integração no bém perto de um quarto do comércio dos
um país, senão pobre, pelo menos remediado. Quase metade (46 completamente centradas na União Euro- países escandinavos, da Holanda e da Bél-
por cento) da sua composição era dedicada à classe de produtos peia (UE), que representa mais de 80 por
mercado ibérico gica. Nestes dois últimos países a França
“alimentação e bebidas”. O índice actual separa as bebidas alco- cento do comércio externo. assume também uma posição importante.
ólicas (incluída, junto com o tabaco, numa categoria que se pode O forte aumento das trocas que se seguiu Para a Bélgica os países vizinhos (França,
descrever como “vícios”) e o consumo em restaurantes e hotéis à integração portuguesa dirigiu-se maiori- Holanda e Alemanha) representam quase
da classe “produtos alimentares e bebidas não alcoólicas”; mas, tariamente aos países continentais da UE, INTEGRAÇÃO IBÉRICA 60 por cento das trocas. Esta regularidade
mesmo juntando o álcool, os restaurantes, o tabaco e os hotéis, que absorveram todo o aumento do grau O aumento das trocas com Espanha foi o há muito que foi identificada pelos modelos
a ponderação actual de alimentos e afins não ultrapassa os 33 de abertura verificado. Desde a adesão, as facto mais marcante da integração portu- geográficos do comércio, em que a dimen-
por cento. trocas com os países da Europa continental guesa. Desde 1986, o volume de trocas com são das economias e a proximidade são os
Ou seja: a família portuguesa média pré-adesão gastava perto de cresceram mais de 400 por cento, a preços o país vizinho foi multiplicado por 20. factores explicativos mais importantes da
50 por cento do seu dinheiro com a mais básica das necessidades: constantes. As trocas com os países atlânti- A Espanha passou a ser o nosso princi- intensidade de trocas comerciais.
comer. No Portugal contemporâneo, e com maior rendimento cos aumentaram a um ritmo dez vezes infe- pal parceiro comercial em 1994, depois de
disponível, essa família gasta pouco mais de um terço com a co- rior. O comércio com estes países (nos quais durante muitos anos não constar sequer
mida (e isso já inclui as despesas com cigarros e álcool), sobra-lhe se destacam o Reino Unido, os EUA, Brasil e entre os cinco principais parceiros de CONCENTRAÇÃO GEOGRÁFICA
mais dinheiro para outros produtos e serviços. países escandinavos) aumentou desde 1986 Portugal. De facto, até à primeira meta- A concentração geográfica das trocas
O peso de outra necessidade básica — a habitação — manteve- cerca de 40 por cento, crescimento inferior de dos anos 80 as trocas com Espanha portuguesas aumentou fortemente com a
se. As categorias “rendas” e “conforto da habitação” ocupavam ao aumento das trocas portuguesas. tinham uma expressão idêntica à de adesão. O comércio português centrou-se
perto de 18 por cento do cabaz de 1985, sensivelmente o mesmo O peso das trocas com estes países no vários pequenos países europeus como em menos países e em países pertencentes
que hoje em dia. As famílias actuais também gastam actualmente PIB diminuiu apenas ligeiramente com a a Suíça, Suécia ou Holanda. Em 1961, as a um único bloco, a UE, o que torna a nossa
menos três por cento em vestuário e calçado que há 20 anos. integração, sendo hoje semelhante ao veri- trocas com Espanha eram cinco vezes economia muito dependente de um espaço
Para onde foi o rendimento extra? Para a classe “saúde”, cujo ficado na década de 70, e significativamen- inferiores às registadas com a Bélgica, que não se tem revelado muito dinâmico
peso mais que duplicou, de 2,6 para 5,5 por cento do cabaz. Para te superior ao registado nos anos 60. representando pouco mais de 1 por cento nos últimos anos.
pagar o carro e o telemóvel, entre outras despesas de transportes Esta evidência sugere que as fortes al- do total do comércio externo português Os cinco principais parceiros concen-
e comunicações — a categoria cujo peso mais aumentou, de 13,8 terações na orientação do nosso comércio (um peso apenas ligeiramente superior tram hoje quase dois terços das trocas,
por cento para 22,7 por cento do total do cabaz de compras. depois da adesão estão mais associadas a ao de Marrocos). enquanto até 1985 concentravam apenas
E também para o saber, que passou a ocupar mais lugar no um acentuado efeito de criação de comér- A integração europeia consistiu assim, cerca de metade. O número equivalente de
cabaz do INE. Em 1985, a classe “ensino, cultura e distracção” cio (com os países da Europa continental) em primeiro lugar, numa integração no parceiros comerciais com quota idêntica
valia apenas 4,1 por cento do cabaz de compras das famílias do que a efeitos de desvio de comércio do mercado ibérico. Esta alteração veio cor- revelado pela distribuição das percenta-
portuguesas; em 2005, as classes “educação” e “lazer, recreação Atlântico para a Europa continental. rigir uma situação absurda em que muitas gens de cada parceiro no comércio total
e cultura” pesavam 6,6 por cento no total. ■ P.R. Outra alteração marcante que não pode oportunidades de negócios e cooperação de Portugal desceu quase para metade,
ser associada à integração europeia foi a com o mercado mais próximo estavam a passando de 16 para oito.
perda de importância do comércio com os ser desperdiçadas. Tal significa que estamos cada vez mais
países africanos. Portugal tem hoje um quarto das suas dependentes do que acontece num núme-
Com a descolonização, o peso do comér- trocas com Espanha. Esta concentração ro pequeno de países da União Europeia.
cio com Angola e Moçambique caiu para de comércio com um único país não é iné- Para além do comércio, estes países são
valores muito baixos, tornando-se pouco dita no espaço europeu. Pelo contrário, também a origem do grosso do investi-
expressivo. Hoje o conjunto dos PALOP esta proporção é até inferior à registada mento estrangeiro realizado em Portugal,
representa apenas 1,3 por cento do total por muitos países europeus de dimensão bem como dos turistas que nos visitam
das trocas portuguesas, valor três vezes idêntica à portuguesa nas trocas com o (em que os espanhóis substituíram os
menor do que com a Bélgica ou a Holanda respectivo grande país vizinho. ingleses como grupo mais importante).
e quatro vezes mais pequeno do que o das Este é o caso da Áustria, Hungria, Re- Esta situação é estranha às alianças e
trocas de Portugal com a Galiza. afinidades culturais tradicionais
No final dos anos 60, Angola era o de Portugal. O nosso país mantém
segundo maior parceiro comercial uma forte tradição de aliança mi-
de Portugal (com mais de 12 por litar com os países atlânticos, da
cento das trocas) e Moçambique o qual no passado dependeu a sua
quinto (com 7 por cento). independência. Portugal tem laços
A perda de peso da África após culturais e linguísticos que o ligam
1974 não mostra qualquer sinal aos países africanos e ao Brasil.
de poder ser invertida, dado o A imigração e o investimento
forte endividamento destes pa- de Portugal no estrangeiro são
íses e a limitada dimensão das duas excepções à concentração
suas economias. De facto, as no espaço europeu, reflectindo
economias dos PALOP somadas esses laços, cuja importância não
têm um produto pouco superior deve ser descurada. Nestas duas
ao do distrito de Braga, produto áreas Portugal continua a manter
que é quatro a cinco vezes me- o grosso dos seus interesses fora
nor que o da região da Galiza. do espaço comunitário, surgindo
A proximidade e esta diferença como um grande investidor no
de dimensão fazem com que as Brasil, nos PALOP e em alguns
relações comerciais com esta região de- países do Magrebe e recebendo imigran-
vam continuar a ser mais importantes tes extracomunitários, embora mesmo
do que as do nosso país com a totalidade Professor Auxiliar do Departamento estes, em números crescentes, tenham
da África subsariana. de Economia da Universidade do Minho origem em países europeus. ■
DESEMPREGO: A MÁ EUROPA A taxa de desemprego por- DINHEIRO BARATO PARA TODOS Outro triunfo para Portugal e Es-
tuguesa antes da adesão era panha, primeiro da adesão à CEE
relativamente baixa. Continua a e, mais tarde, à moeda única, foi
ser inferior à média europeia, a redução das taxas de juro. Nos
mas, numa época de cresci- últimos anos os juros da zona
mento económico fraco como a euro estiveram a níveis histori-
actual, tende a crescer. Portugal camente baixos. Isso teve duas
chegou a 2000 perto de uma situ- consequências importantes para
ação técnica de pleno emprego países como Portugal e Espanha,
(abaixo dos 5 por cento), mas as cuja divisa era tradicionalmente
coisas pioraram. Pelo contrário, a fraca: os juros a pagar pela dívida
Espanha, que nos anos 90 chegou pública caíram muito; e as taxas
a ter taxas assustadoras na casa de juro do crédito a particulares
dos 20 por cento, conseguiu re- (especialmente no crédito à
duzir espectacularmente “el habitação) desceram bastante,
paro”. Em direcções inversas, o o que permitiu a muitas famílias
desemprego tem convergido. endividar-se para consumo.