SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 38
Baixar para ler offline
EDJ(;OES MUL11PUC
Vol. 1,N! 3, Fevereiro,1981
John Neville Keynes, em seu adminivel The Scope and Method of Political
Economy, distingue "uma ciencia positiva ... ( , ) corpo sistematizado de conheci-
mentos relatlvos ao que e, de uma ciencia normativa, ou reguladora, ... ( , ) corpo
sistematizado de conhecimentos em que se analisam criterios acerca do que devia
ser e de uma arte ... ( , ) sistema de regras para a consecuyll'o de urn determinado
objetivo"; observa que "a confusll'o entre elas e comum e tern sido a fonte de nume-
rosos erros serios" e lembra a importancia de "reconhecer uma ciencia positiva au-
tonoma da economia politic a" . ( 1 )
o presente artigo volta-se principalmente para certos problemas de carater
metodol6gico, manifestos quando se constr6i a "cic~nciapositiva autonoma" recla-
mada por Keynes, e focaliza, em particular, a questll'o de como proceder a fim de
decidir se uma hip6tese ou uma teoria deve ser aceita, ainda que provisoriamente,
como parte do "corpo sistematizado de conhecimentos relativos ao que e". Toda-
via, a confusll'o deplorada por Keynes ainda se manifesta com frequencia e impede
notar que a econornia pode ser - e em parte IS - uma ciencia positiva, de modo que
• Acrescentei, no presente artigo, sem alusoes espec{ficas, a maior parte de meu breve "Co-
mentario", que apareceu em Survey of Contemporary Economics, Vol. II ·(B.F. Haley, organi-
zador) (Chicago, Richard D. Irwin, Inc., 1952), pp. 455-57 .
. Agrade~o, pois muito me ajudaram, os comentarlos e cr{ticas feitos por Dorothy S.
Brady, Arthur F. Burns e George J. Stigler.
(1)
(tondles, Macmillan & Co., 1891), pp. 34-35 e 46.
Original: "The Methodology of Positive Economics"
Reprinted from Essays in Positive Economics by Milton Friedman by permission of
The University of Chicago Press. Copyright 1953 by the University of Chicago.
Tradu~o: Leonidas Hegenberg.
parece oportuno prefaciar 0 artigo, juntando-lhe algumas observa~{'les a prop6sito
da rela~ao que vige entre econornia positiva e econornia normativa.
I - A RELA<;AO ENTRE ECONOMIA POSITIV A E ECONOMIA NORMATIV A I
I
Confundir economia positiva e economia normativa e, ate certo ponto, inevi-
tavel. Quase todos consideram os temas centrais da econornia como algo de impor-
tancia vital e como algo que se coloca no ambito de sua pr6pria experiencia e com-
petencia; esses temas dao origem a amplas .controversias e s[o objeto de legisla~fo
frequente. Pessoas que se dizem "peritos" na materia formulam opinilSes divergen-
tes e dificilmente poderiamos considera-las, todas, como pessoas desinteressadas, ou
imparciais. De qualquer forma, em assuntos de tal monta, a opinifo "abalizada nao
seria endossada, por ato de fe, ainda que os "peritos" concordassem entre si e fos-
sem claramente imparciais. ( 1 ) As concluslSes da econornia posiuva parecem rele-
vantes e sao, de fato, de relevancia imediata para diversos problemas normativos
importantes, para quest{'les relativas ao que deveria ser feito e relativas ao modo
pelo qual se pode atingir urn determinado objetivo. Leigos e peritos, indiferente-
mente, tendem a acomodar as conclus{'les positivas aos preconceitos normativos
fortemente aceitos e tendem a rejeitar essas conc!us{'les positivas quando as suas
conseqtiencias normativas (ou aquilo que se presume sejam suas conseqiiencias
normativas) se mostram desagradaveis.
A economia positiva independe, em tese, de qualquer posi~fo etica especial
ou de juizos normativos. No dizer de Keynes, ela trata "do que e" e n[o "do que
deveria ser". A tarefa dessa economia positiva e a de provar um sistema de generali-
za~(jes passivel de ser utilizado para fazer previsOes corretas acerca das conseqtien-
cias de qualquer altera~[o das circunstancias. 0 desempenho de uma tal econornia
sera ajuizado em term os da precis50 e do alcance das previs{'lese em termos do ajus-
te que haja entre tais previs{'les e a experiencia. Em suma, a econornia positiva e ou
(1)
Quanto a isso, nada ha de peculiar nas ciencias sociais ou na Economia, como se podera consta-
tar pensando na irnportlincia que adquirirem, em geral, as cren~s pessoais ou, na Medicina, os
remedios caseiros, sempre que falte a evidencia obviamente convincente da opiniao dos "peri-
tos", 0 prestigio e a aceita~ao de que gozani, nos dias de hoje, as conce~es dos estudiososda
Fisica (seja quando se manifestam a respeito de temas de sua propria uea de especializa~o, seja
- como anas, ocorre muito frequentemente - quando se pronunciam sobre temas de olJ1rU
areas) derivam nao apenas da fe, mas da evidencia que as apoia, do exito de suas previsaes e du
dramaticas conquistas feitas com base nos resultados que propiciam. Quando a Economia pare-
ceu garantir a sua valia, na Gra-Bretanha da primeira metade do secuto XIX, com evidencia do
mesmo naipe, 0 prestigio e a aceita~o da "Economia cientJ1ica" puderam rivalizar com 0 atual
prestigio das ciencias flsicas.
pode vir a ser uma ciencia "objetiva", exatamente como qualquer das ciencias fisi-
cas. 0 fato de a economia considerat interrela~aes entre seres human os e de 0 pes-
quisador ser ele mesmo (de modo muito mais claro do que acontece nas ciencias fl·
sicas), parte do assunto investigado, geram, como e obvio, dificuldades especiais,
quando se cogita de alcan~ar objetividade; entretanto, esses fatos tamMm dll'o, aos
cientistas sociais, certas classes de dados que nll'o estll'o ao dispor dos estudiosos
que se voltam para as ciencias fisicas. Nem urn nertl outro desses dois itens, porem,
permite, no meu entender, que se fa~a uma distin~ao basica entre os dois grupos de
ciencias. ( 1 )
A economia normativa e a arte da economia, por sua vez, nlio podem ser in-
dependentes da economia positiva. Qualquer concluslio rela'tiva a diretrizes apoia-se,
obrigatoriamente, em uma previslio em tomo das conseqiiencias de proceder-se de
uma forma e nlio de outra, previslio essa que precisa assentar-se - explicita ou im-
plicitamente - na economia positiva. Nao existe, e claro, uma rela~ao um-a-um
entre as conclusaes relativas a diretriJ:es a seguir e as conclusaes da economia positi-
va; se uma tal rela~lio biunivoca existisse,nlio haveria lugar para uma ciencia norma-
tiva autonoma. Duas pessoas podem concordar a respeito das conseqiiencias de uma
legisla~ll'o especifica qualquer. Contudo, uma dessas pessoas pode achar que tais·
conseqiiencias slio desejaveis, inclinando-se, pois, a aceitar a lei, ao passo que a ou-
tra,julgando inaceitaveis aquelas conseqiiencias, pode deliberar opor-se a ela.
Atrevo,me a dizer, entretanto, que, presentemente, no mundo ocidentale, de
modo especifico, nos Estados Unidos da America, as divergencias, entre cidadll'os
imparciais, sobre as diretrizes economicas, derivam muito mais das diferen~as nas
previsoes relativas as consequencias economicas de uma a~lio - diferen~as que serll'o
eliminadas pelo processo da economia positiva - do que de uma fundamental diver-
sific~ao dos valores. basicos - diversifica~ao em tomo da qual os homens, em Ulti-
ma analise, so podem lutar. Exemplo claro e nao destituido de importancia eo da
legisla~ll'o a pro,posito dos sallirios rninimos. Sob a ampla quantidade de argumentos
em favor e contra essa legisla~ao esta a ideia geral de flxar urn "salario vital" para
todos - segundo a terminologia ambigua que freqiientemente se usa ao discutir a
questll'o. As diversas opiniaes assentam-se largamente em uma diferen~a, explicita
(1)
A intera~ao entre 0 observador e 0 processo observado, que e tao marcante caracter{stica das
ciencias sociais, possui, a par de urn paralelo obvio, nas ciencias fisicas, uma contraparte mais
sutil no principio da indetermina~ao, que resulta da intera~ao entre 0 processo de mensura~o e
o fenomeno que se procura medir. Esses dois elementos possuem, ainda, uma contraparte na
16gica, a saber, 0 teorema de Codel, segundo 0 qual e impossivel construir uma logica abrangen-
te e auto""luficiente. Esta em aberto a questao de saber se todos os tIes elementos podem ser
vistos como formula~es diversas de urn principio de generalidade ainda maior.
ou impli~ita, no que conceme as previsGes.relativas a eficacia desse particular modo
de alcan~ar 0 objetivo desejado. Quem apoia a lei acredita (preve) que os sahirios
minimos legais diminuem a pobreza pois elevam os vencimentos de pessoas que re-
cebem menos do que 0 sahirio minima, assim como os vencimentos de algumas pes-
soas que recebem mais do que esse minimo, sem provocar aumento do mlmero de
pessoas desempr~gadas ou com empregos piores do que os empregos que teriam sem
a lei. Quem se op~e a lei acredita (Preve) que os salarios minimos legais aumentam a
pobreza pois elevam 0 mlmero de pessoas desempregadas ou com empregos piores e
isso contrabalan~a, e muito, qualquer efeito favoravel que a lei poderia ter sobre os
sahirios de pessoas que viessem a manter seus empregos. Acordo quanta as conse-
qiiencias economicas de uma lei nao precisa, obrigatoriamente, corresponder a
completo acordo a respeito da sua desejabilidade, pois e perfeitamente possivel
haver diferen~as remanescentes no que conceme as suas conseqiiencias politicas ou
sociais. Todavia, existindo acordo em tomo dos objetivos, ter-se-a dado urn largo
passo em dire~ao ao consenso.
Diferen~as intimamente associadas, na analise positiva, esta'o nos alicerces de
concep~~es divergentes a proposito do papel e da posi~ao dos sindicatos e a prop6-
sito da desejabilidade dos con troles qiretos de pre~os e sallirios e das tarifas. Dife-
rentes previsoes acerca da importancia das assim chamadas "economias de escala"
explicam, amplamente, as concep~oes divergentes a respeito da desejabilidade ou da
necessidade de haver pormenorizada regulamenta~ao govemamental da industria e
de haver preferencia pelo socialismo em vez da a~l[o das empresas privadas. Essa
lista poderia ser indefinidamente prolongada. ( 1 ) Meu juizo de que as principais
diferen~as em tomo de praticas economicas, no mundo ocidental, SaDdesse genero,
e,naturalmente, ele mesmo, urn enunciado "positivo", a ser aceito OU rejeitado com
base na evidencia empirica.
( 1 )
Exemplo de maior complexidade e 0 das diretrizes de estabiliza(ao. A urn primeiro olhar, con-
cep~oes divergentes a respeito desse problema parecem refletir diferen~as nos objetivos colima-
dos. Acredito, porem, que essa prirneira impressao e desnorteadora e que, fundamentalmente, as
concep~oes divergentes refletem, principalmente, jUlzos diversificados a propOsito da fonte de
flutua~oes, na atividade economica, e do efeito de uma a~o alternativa, contraciclica. Para
examinar uma importante considera~o que explica boa parte da controversia, ver "The Effects
of a Full-Employment Policy on Economic Stabilitiy. A Formal Analysis", infra, pp. 117 -32.
Urn summo da atual posi~o das concep~oes dos profissionais que examinam 0 assunto se en-
contra em "The Problem of Economic Instability", relatorio de subcomissao do "Committee on
Public Issues':, da American Economic Association, American Economic Review, XI (setembro
de 1950),501-38.
N.T.: nesta e em outras notas, quando 0 Autor diz infra, refere-se a trechos que figuram nas
demais partes (II, III e IV) de seu livro ESSAYS IN POSITIVE ECONOMICS (Chicago Press,
1953, edi~ao Phoenix, de 1966), cuja parte I, Introdu~ao, pp. 3-43, esta aqui traduzida.
Se meu juizo e valida, isso quer dizer que urn consenso acerca de diretrizes
"corretas", no campo Economico, depende muito menos do progresso da Econornia
normativa, propriamente dita, do que do progresso de uma Economia positiva capaz
de conduzir a conclusoes que sao e merecem ser amplamente acolhidas. Quer dizer,
tambem, que uma razao pondenivel para distinguir riitidamente a Econornia positiva
da normativa e, justamente, a contribui~ao que por essa via se podera dar ao acordo
sobrediretrizes.
o objetivo ultimo de uma ciencia positiva e 0 desenvolvimento de uma "tea-
ria" ou de uma "hip6tese" capaz de produzir previs6es vatidas e significativas (ou
seja, nao banais) acerca de fenomenos ainda nao observados. Vma tal teoria e, via de
regra, uma complexa mistura de dois elementos. Em parte, e uma "linguagem", des-
tinada a fomentar "metodos sistematicos e organizados de raciocinio". ( 1 ) Em
parte, e urn corpo de hip6teses substantivas, elaboradas com 0 objetivo de collier,
por abstra~ao, aspectos essenciais da realidade complexa.
Vista como linguagem, a teoria naQ"possui conteudo substantivo; e urn con-
junto de tautologias. Sua fun~ao e a de servir como sistema de arquivamento para
organizar material empirico e simplificar a compreensao desse material; os criterios
pelos quais sera julgada sao os que se mostram adequados para avaliar urn sistema de
arquivamento. Estao as categorias definidas de modo claro e preciso? Sao elas
exaustivas? Sabemos onde colocar cada qual dos itens individuais ou M certa ambi-
guidade? Esta 0 sistema de Htulos e subtitulos projetado de tal maneira que se
toma facil encontrar urn desejado item ou e preciso "ca~a-lo", correndo de urn lado
para outro? Os itens que desejariamos considerar conjuntamente acham-se arquiva-
dos uns ao lado dos outros? 0 sistema de armazenamento contoma as elaboradas
referencias cruzadas?
As respostas dadas a tais perguntas dependem, em parte, de considera~eses 16-
gicas; e, em parte, de considera~oes factuais. Somente os canones da 16gica formal
podem revelar se uma linguagem especifica e completa e coercnte,ou seja, se as
proposi~eses da linguagem sao "certas" ou "erradas". Somente a evidencia factual,
por seu tumo, pode revelar se as categorias do "sistema analitico de arquivamento"
possuem urna contraparte emp~rica significativa, ou seja, se elas sao uteis para a
(l)
A frase f"male do artigo "The Present Position of Economics" (1885), de Alfred Marshall, que
aparece no livro organizado por A.C. Pigou, MEMORIALS OF ALFRED MARSHALL (Lon-
dres: Macmillan Co, 1925), p. 164. Ver, ainda, "The Marshallian Demand Curve", infra, pp.
56-57,90-91.
analise de particulares classes de problemas concretos. ( 1 ) 0 exemplo simples da
"oferta" e da "procura" ilustra tanto esse ultimo ponto, quanta a lista precedente
de questoes anal6gicas. Vistas como elementos da linguagem da teoria economica,
oferta e procura sao as duas principais categorias em que se distribuem os fatores
que afetam os pre~os relativos dos produtos ou os fatores de produ~[o. A utilidade
da dicotomia depen de da "generaliza~[o empirica segundo a qual urna enumera~[o
das for~as que influem sobre a demanda, em qualquer problema, e das for~as que
afetam a oferta, conduz a duas listas que tern poucos itens em comum." ( 2 ) Ora,
essa generaliza~ao e legitima para mere ados como 0 mercado final para urn hem de
consumo. Em tal mercado hli clara e precisa diferen~a entre as unidades economic as
passiveis de se verem contempladas como relativas a demanda do produto e as pas-
siveis de se verem contempladas como relativas a oferta desse produto. Raramente
paira duvida sobre se urn fator especifico deve ser classificado como fator que, de
urn lado, afeta a oferta ou como fator que, de outro lado, afeta a demanda; e rara-
mente hli necessidade de considerar efeitos cruzados (referencias cruzadas) entre as
duas categorias. Em tais casos, 0 simples e mesmo 6bvio arquivamento dos fatores
relevantes sob os titulos "oferta" e "demanda" representa grande simplific~[o do
problema e se tom a maneira efetiva de contomar falacias que, de outra forma, ten-
deriam a manifestar-se. Mas a generaliza~ao nao e sempre legitima. Nll'o vale, por
exemplo, para as flutua~oes diarias dos pre~os, em urn mercado primacialmente
especulativo. Pode urn boato a respeito de aumento de imposto sobre'lucros exces-
sivos, por exemplo, ser visto como fator que opera primordialmente na oferta de
a~oes das empresas, no mercado do dia? Ou sera visto como fator que opera na pro-
cura? Quase todos os fatores, alias, podem ser colocados sob 0 titulo "oferta" ou,
com justificativa similar, sob 0 titulo "procura". Os conceitos, porem, ainda s[o
passive is de usa e nao se mostram inteiramente despropositados; ainda s[o "certos",
embora, e claro, menos uteis do que 0 seriam no primeiro exemplo - porque lhes
falta, agora, uma contraparte empirica significativa.
Vista como corpo de hip6teses substantivas, a teoria sera julgada pelo seu
poder preditivo, relativamente a classe de fenomenos que ela pretende "explicar".
Tao-somente a evidencia factual podera mostrar se a teoria e "certa" ou "errada",
isto e, se ela sera provisoriamente "aceita" ~omo valida ou "rejeitada". 0 unico
teste relevante para a validade de uma hip6tese - ponto em que me deterei mais
longamente abaixo - e a compara~ao das suas previs<5escom a experiencia. A hip6-
(1)
Ver "Lange on Price Flexibility and Employment: A Methodological Criticism", infn, pp.
282-89.
(2 )
"The Marshallian Demand Curve", infn, p. 57.
tese e rejeitada quando suas previsoes sao contraditadas ("com freqiiencia" ou mais
assiduamente do que as previsoes oriundas de hip6tese altemativa). E aceita quando
suas previsoes nao sao contraditadas e tanto maior confian~a desperta quanta maior
o numero de oportunidades em que poderia ter-se visto contraditada. A evidencia
factual jamais "prova" uma hip6tese; pode, apenas, deixar de refutli-Ia e e isso,jus-
tamente, 0 que se entende ao dizer, de maneira urn tanto inexata, que uma hip6tese
foi "confirmada" pela experiencia.
A fim de evitar confusoes, cabe notar, explicitamente, que as "previsoes"
pelas quais se submete a teste a validade de uma hip6tese nao precisam dizer respei-
to a fen6menos que ainda nao ocorreram, ou seja, nao precisam ser vaticinios a
proposito de eventos futuros. Podem dizer respeito a fen6menos ja ocorridos, mas
sem que observa~oes acerea deles tivessem sido registradas, ou a fen6menos desco-
nhecidos para a pessoa que faz as previsoes. Exemplificando,.uma hip6tese pode
implicar que tal ou qual evento - face a certas outras circunstancias - deve ter
ocorrido em 1906. Se uma pesquisa de registros hist6ricos revela que 0 even to ocor-
reu, de fato, a previsao esta confirmada; se revela, ao contrario, que 0 evento nao
ocorreu, a previsao esta contraditada.
A validade de uma hipotese, no sentido agora elucidado, n[o e, por si mesma,
urn criterio suficiente para a escolha de uma dentre varias hip6teses viaveis. 0 nu-
mero de fatos observados e invariavelmente finito, ao passo que 0 numero de hip6-
teses po!>siveise infmito. Se ha uma hip6tese compativel com a evidencia disponi-
vel, entao havera sempre urn numero infinito de hip6teses igualmente compativeis
com essa evidencia. ( 1 ) Imagine-se, para exemplificar, que urn imposto de consu-
mo de urn artigo acarrete aumento de pre~o desse mesmo artigo - e que 0 aumento
seja igual ao imposto. Isso e compativel com as condi~oes competitivas, uma curva
estavel de demanda e uma curva estavel e horizontal de oferta. Mas tambem e com-
pativel com as condi~oes competitivas e uma curva de oferta de declividade positiva
ou negativa, com 0 exigi do deslocamento de compensa~ao efetuado seja na curva de
demanda, seja na curva de oferta. Tambem e compativel com as condi~oes monopo-
listicas, os custos marginais constantes e uma curva estavel de demanda, com a con-
figura~[o especifica requerida para produzir esse resultado. E assim por diante,
indefinidamente. Novas evidencias, com as quais a hip6tese devera mostrar-se com-
pativel, poderao, e certo, eliminar algumas das possibilidades; mas nao poderao
elimina-Ias todas e delimitar uma unica possibilidade, capaz de revelar-se compati-
( 1)
A restri"ao e necessaria porque a "evidencia" pode mostrar-se internamente contradit6ria, de
modo a inexistir hip6tese compativel com ela. Vcr, ainda, "Lange on Price Flexibility and
Employment", infra, pp. 282-83.
vel com a evidencia finita. A escolha de uma das hip6teses possiveis - todas
igualmente compativeis com a evidencia disponivel - M de ~r, ate certo
ponto, arbitrana, embora se reconhe~a, em geral, que entre as considera~ijes
relevantes a ter em conta estejam os crit6rios de "simplicidade" (e de "fe-
cundidade" - n~ijes que, todavia, desafiam caracteriz~lI'o completanlente obje-
tiva. Diz-se que uma teoria e .tanto mais "simples" quanto menor 0 numero de
conhecimentos iniciais que requer para pennitir previs~es, num dado campo de
fenomenos; diz-se que e mais "fecunda" se as previs~s resultantes slI'omais pre-
cisas, se a area em que a teoria permite as previsijese mais ampla e se 0 numero de
linhas de investiga~lfo sugeridas e maior.)A completude 16gica e a .coerencia
16gica slfo relevantes, mas desempenham papel subsidiano, assegurando que a
hip6tese afirma 0 que se pretende seja por ela afirmado e 0 afirme de maneira
anaIoga para todos os seus usuarios. Completude e coerencia atuam, aqui, exata-
mente como atuam, nas computa~ijes estatisticas, as verifiC~ijes de acuidade
aritmetica.
Infelizmente, porem, e raro podermos submeter a teste as previ~s particula-
res, nas ciencias sociais, valendo-nos de experimentos especificamente prOjetados
com 0 fito de eliminar as influenciaspertubadoras consideradas de maior importan-
cia. Em geral, precisamos confiar na evidencia recolhida em "experimentos" que,
simplesmente, ocorrem. A dificuldade de realizar os chamados "experimentos con-
trolados" nao corresponde, no meu entender, a uma distin~ao que se devaestabele-
cer entre ciencias sociais e ciencias fisicas; com efeito, nao so a dificuldade e co-
mum as duas areas (cogite-se da Astronomia, por exemplo) como, a par disso, urna
presurnivel diferen~a entre experimentos controladOs e experiencias nlfo-controla-
das e, quando muito, uma diferen~a de grau. Nenhurn experimento pode ser com-
pletamente controlado e qualquer experiencia e parcialmente controlada - no sen-
tido de que algumas influencias pertubadoras se mantem relativamente constantes
na experiencia.
A evidencia oferecida pela experiencia e abundante e, muitas vezes, tlio con-
cludente como 0 seria a evidencia recolhida por meio de experimentos planejados.
Segue-seque a impossibilidade de realizar experimentos nao e obstaculo fundamen-
tal para submeter a teste uma hipotese, empregando, para isso, 0 exito de suas pre-
visoes. Todavia, essa evidencia fornecida pela experiencia e bem mais dificil de in-
terpretar do que a recolhida em experimentos, porque sempre se mostra indireta e
incompleta e, em geral, se revela complexa. A coleta dessaevidenciae, via de regra,
muito ardua e sua interpret~ao exige anaIisessutis e cadeias de complicados racio-
cinios, que poucas vezes sao efetivamente convincentes. A Econornia se nega a evi-
dencia dramatica e direta do experimento "crucial", 0 que gera entraves para 0
adequado teste de hipoteses; isso, porem, e menos importante do que 0 obstaculo ,.
posto a tentativa de alcan~ar nipido e amplo consenso a respeito das conc1us~es jus-
tificadas pela evidencia acessivel. Assim, torna-se lento e difici1 0 processo de elimi-
n~ll'o de hipoteses malogradas, que raramente desaparecem e sempre voltam a ser
contempladas.
Ha, e certo, muita varia~ll'o no que concerne a esses temas. Qcasionalmente, a
experiencia nos fomece evidencias tll'o diretas, dramaticas e convincentes quanto as
que nos poderiam ser apresentadas pelos experimentos controlados. 0 exemplo
mais obviamente importante seria, talvez, 0 da evidencia que a infl~ll'o nos da a
respeito da hipotese de que urn apreciavel aumento da quantidade de moeda, em'
urn periodo relativamente breve, corresponde a urn substancial aumento dos pre~os
dos generos. Aevidencia, nesse cas~ e dramatica e a cadeia de raciocinio exigida
para interpreta-la e relativamente breve. Sem embargo, apesar dos numerosos casos
de aumento substancial dos pre~os, de sua correspondencia urn-a~urn com 0
aurnento das quantias de moeda e da ampla varia~ll'o de outras circunstancias que
possam parecer relevantes, cada nova experiencia da infla~ao levanta controversias
calorosas (nll'o apenas junto aos leigos, cumpre frisar), afirmando-se ou que 0 au-
mento da quantidade de moeda e efeito acidental de uma eleva~ll'o de pre~os, decor-
rente de outros fatores, ou que esse aurnento do estoque de moeda nll'o passa de
fortUito e desnecessano fenomeno, concomitante ao do aumento de pre~os.
Uma conseqiiencia da dificuldade que cerca 0 teste de hipoteses economic as
substantivas tern sido a fuga para 0 terreno das analises puramente formais e tauto-
logicas. ( 1 ) Como ja foi obseIVado, as tautologias ocupam urn importante lugar na .
Economia e em outras ciencias, pois sll'Qparte de uma linguagem especializada,ou
seja, constituem urn "sistema analitico de armazenamento". A par disso, a logica e a
matematica, tambem tautologicas, sao recursos essenciais para a verifica~ll'o da cor-
re~ll'o dos raciocinios, para a descoberta das implica~oes das hipoteses e para a anali-
se de hipoteses supostamente diferentes - com 0 fito de saber se,afmal, nll'o passam
de hipoteses equivalentes ou se sll'o realmente diversas, com a correspondente de-
termina~ll'o das diferen~as.
Mas a teoria economica deve ser mais do que uma estrutura de tautologias -
se pretende predizer as conseqiiencias de nossas a~oes, sem limitar-se a descrever tais
conseqiiencias, ou seja, se pretende ser mais do que matematica disfar~ada. ( 2 ) A
utilidade das tautologias depende, em Ultima instancia, como ja se ressaltou acima,
(1)
Ver 0 mesmo artigo, nota anterior, passim.
(2 )
Ver, tambem, Milton Friedman e L. J. Savage, "The Expected Utility Hypothesis and the
Measurability of Utility", Journal of Political Economy, LX (Dezembro, 1952),463-94, esp.
pp.565-67.
da aceitabilidade de hip6teses substantivas, capazes de sugerir as particulares catego-
rias em que se distribuem os refratarios fenomenos empiricos.
Efeito mais serio, provocado pela dificuldade de submeter a teste as hip6teses
economicas atraves de suas previsoes, e 0 deela facilitar 0 surgimento de mal:-enten-
didos acerca do papel da evidencia empirica no trabalho te6rico. A evidencia empi-
rica e vital em duas fases diversas, embora intimamente associadas: na fase de elabo-
ra~ao das hip6teses e na do teste de sua validade. Ampla e abrilhgente evidencia
acerca dos fenomenos de uma hip6tese tratara de generalizar e "explicar", alem de
possuir uma importancia 6bvia, como veicu10 para formul~li'o de novaship6teses, e
indispensavel para assegurar que a hip6tese explica 0 que pretende expIicar - OU
seja, para garantir que suas implica~ijes, no que conceme aiais fenomenos, nfo este-
jam de antemao contraditadas pela experiencia anterior. ( 1) Supondo que a hip6-
(1)
Nos Ultimos anos, alguns economistas, partic~ente os do grupo lig~do a "Cowles Commi-
ssion for Research in Economics", da Universidade de Chicago; enfatizaram a divisiO desse
passo (de sele~ao de hip6tese compatlvel com a evidencia conhecida) em duas fases: em primei-
ro lugar, a sele~o de um conjunto de hip6teses admisslveis, retiradas da classe de todas as hip6-
teses posslveis (0 que corresponde a escolha de urn "modelo", de acordo coma terminologia
adotada); e, em segundo lugar, a escolha de UJila hip6tese, dentre as admisSlveis (a escolha de
urna "estrutura"). Essa reparti~o pode ser heuristicamente valiosa em alguns tipos de trabalho,
especialmente quando se trata de aperfei~ar 0 uso sistematico de teorias e de evidencias esta-
tisticas ja existentes. De urn 3ngulo metodol6gico, porem, temos urna divisiio inteiramente arbi-
trana do processo de sel~o de uma especlfica hip6tese, divisi'o que esta em pe de igualdade
com Wrlas outras divis5es igualmente convenientes para este ou aquele prop6sito ou que satis-
fazem certas necessidades psicol6gicas dos investigadores.
Uma conse~iienci8 dessa particular divisiio foi a de que deu origem ao chamado problema "da
identifica~o". Como se observou acima, se uma hip6tese e compativel com a evidencia existen-
te, M um nlimero inimito de hip6teses que tambem se mostrariio compattveis com a mesma
evidencia. Embora, contudo, isso valha para a classe de hip6teses, como um todo, pode nao
valer para a subclasse obtida pela primeira das duas fases acima descritas - a da escolha do
"modelo". :e posslvel que a evidencia a empregar com 0 fito de selecionar a hip6tese f'mal (par-
Undo da subclasse) seja compatlvel com umad;1s hip6teses (da subclasse), caso em que 0 mode-
10 esta "identificado"i de outra forma, diz-se que omodelo "nao foiidentificado". Depreende-
-se dessa maneira de descrever 0 conceito de "identifica!llio" que estamos diante de urn caso
especial do problema geral de escolha de hip6teses igualmente compattveis com a evidencia -
urn problema que sera resolvido por meio de a1gum principio arbitrano como, digamos, 0 da
navalha de Ocam. A consider~ao de duas lases, na sele~o de urna hip6tese, faz com que esse
problema geral se manifeste duplamente, em cada qual dessasfases, dando-lhe uma conf'JgUIll~o
especial. Embora a classe de todas as hip6teses permane~, invariavelmente, nao identificada, a
subclasse do "modelo" talvez possa ser identificada, de modo que se apresenta a questao de
conhecei as condi~es a que 0 "modelo" deve satisfazer para ver-se identificado. Conql1anto a
considera~o das duas fases seja muito litil, em alguns contextos; ela gera 0 perigo de haver dois
criterios diferentes, inadvertidamente empregados para realizar 0 mesmo tipo de e:scolha de
tese e compativel com a evidencia existente, os testes ulteriores dessa hip6tese en-
volver[o deduzir, tomando·a como premissa, fatos novos, passiveis de observ~li'o,
mas n[o previamente conhecidos, e comparar tais fatos deduzidos com evidencia
empirica 'adicional. Para que urn tal teste se mostre relevante, os fatos deduzidos
devem dizer respeito a classe de fenomenos que a hip6tese procura explanar; a par
disso, eles devem estar suficientemente hem defmidos de modo a possibilitar que.a
observa~[opossa revelar-lhesa falsidade.
As duas fases (de elabora~ao de hip6teses e de teste de sua validade) relacio-
nam·se por ·duas vias diversas.Em primeiro lugar, os fatos particulares considerados
em cada fase, s[o, em parte, urna acidental consequencia da maneira de coligir
dados e dos conhecimentos de l:ada investigador. Os fatos que servir[g para subme-
ter a teste a hip6tese, por meio de suas implic~l>es, poderiam, perfeitamente, si·
tuar-se no material bruto empregado para formular a hip6tese - e reciprocamente.
Em segundo lugar, 0 processo jamais tern inicio na estaca zero; a chamada "fase
inicial" envolve'~sempre, compar~ao da observa~ao com as implica~l>esde urn
previo conjunto de hipoteses. Contradi~l>esque ai se apresentam sli'ourn estimulo
para a elabora~ao de novas hip6teses ou para a revisao das mais antigas. Segue-se
que as duas fases, metodologicamente distintas, andam, em verdade, lado a lado.
Mal-entendidos a prop6sito desse processo aparentemente simples devem-sea
frase "classe de fenomenos que a hip6tese pretende explicar". A dificuldade, nas
ciencias sociais, de obter evidencia n·ovapara essa classe de fenonenos e de avaliar
sua adequ~ao (com respeito as implica~()esda hip6tese) toma tentadora a ideia de
que outra evidencia, de acesso mais direto,se mostre igualmente relevante para a
validade da hip6tese. Toma, em outras palavras, tentadora a ideia de que as hip6te-
ses admitem nli'o apenas "implica~t'5es",mas, ainda, "pressupostos" e de que a
adequa~li'odestes a "realidade" e urn teste de validade da hip6tese, que difere do
teste pelas impIica~()esou a ele se adiciona. Essa conce~ao, amplamente advogada,
e fundamentalmente erronea e causa de nurnerosos danos. Longe de fomecer meio
mais flicitpara joeirar as hip6teses, separando as vaIidasdas nli'o-vaIidas,a conce~ao
apenas obscurece a questli'o,provoca 0 surgimento de mal-entendidos em tome do
significado da evidencia empirica para a teoria economica, desvia boa parte do
hip6teses, cada qual deles utilizado numa das fases em que se desdobra 0 passo generico de
sele~o.
A respeito desse enfoque metodo16gico geral, discutido na presente nota, ver Tryvge Haavelmo,
"The Probability Approach in Econometrics", Econometrica, Vol. XII (1944), Suplemento;
Jacob Marschak, "Economic Structure, Path, Policy, and Predication", American Economic
Review, XXXVII (Maio, 1947), 81-84;e "Statistic8l1nference in Economics: An Introduc-
tion", em T.C. Koopmans (organizador), STATISTICAL INFERENCE IN DYNAMIC ECO-
NOMIC MODELS.
esfor~ointelectual dos que desejam 0 desenvolvimento de uma Economia positiva e
bloqueia urn consenso quanta as hipoteses preliminares que devam figurar nessa
disciplina.
Na medida em que se possa dizer existirem "pressupostos" de uma teoria e na
medida em que seu "realismo" seja passivel de julgamento, independentemente da
validade de previsoos,a rela~aoentre a importincia de urna teoria e 0 "realismo" de
seus "pressupostos" e praticamente 0 oposto do que sugerea conce~lo sob critica.
Hip6teses verdadeiramente importantes tern "pressupostos" que nlo passam de
extravagantes e nlo-acuradas represent~oos descritivas da realidade. Via de regra,
quanta mais significativauma teoria, tanto mais nao-realistas(neste sentido) os seus
pressupostos. ( 1 ) A razao e simples.Vma hipotese e importante quando "explica"
muito com base em pouco, ou seja, quando esta em condi~6es de delimitar, por
abs~lo, partindo da massa de circunstancias complexas e pormenorizadas que
cercam 0 fenomeno a explicar, uma classe de elementos comuns e fundamentais,
formulando previS6esvli.lidascujo alicerce e, just~ente, apenas essa classe de ele·
mentos cruciais. Consequentemente, para que seja importante, uma hip6tese deve
ser descritivamente falsa em seus pressupostos. Ignora e deixa de explanar vlirias
circunstancias presentes, cuja irrelevancia para 0 fenomenoem tela decorre do
pr6prio exito da teoria.
A ~un de apresentar esse ponto de maneira menos paradoxal, note·se que a
pergunta relevante a fazer, ao cogitar dos "pressupostos" de uma teoria, nlo diz
respeito ao seu "realismo" descritivo fja que os pressupostos jamais sao descritiva·
mente "realistas"), mas ao fato de se mostrarem ou nlo aproxima~6es suficiente·
mente boas, tendo em conta os objetivos colimados. E essa pergunta sOpoderli.ser
respondida verificando se a teoria "funciona", ou seja, se conduz a previs6eSbastan·
te acuradas. Os dois testes, supostamente independentes, reduzem·se, portanto, a
urn teste unico.
A teoria da competi~ilomonopolista e imperfeita e urn exemplo do descaso
com que 880 tratadas essas proposi~oos, na teoria economica. 0 desenvolvimento
desse tipo de anlilise foi explicitamente estimulado - e a aceita~ao e a aprova~ao
que recebeu tambem 880 amplamente explicadas - pelo fato de acreditar·se que os
pressupostos da "concorrencia perfeita" ou do "monop6lio perfeito", subjacentes,
segundo se diz, a teoria economica neoclli.ssica,nos oferecern uma falsa imagem da
realidade. Essa cren~a assentava·se, por sua vez, quase inteiramente, na inocuidade
descritiva dos pressupostos, diretamente percebida, em vez de assentar-se em
(1)
Nao vale, e claro, a reciproca dessa proposi~o: pressupostos nao-realistas (neste sentido) nao
garantem que a teoria seja significativa.
qualquer reconhecida contradi~§'o em previs~s deduzidas da teoria econoIDlca
neocllissica. Exemplo ainda mais claro do ponto em tela, embora muito menos
importante, 6 fomecido pela prolixa discuss§'oem tomo da anaIisemarginal, publi-
cada, ha alguns anos, na American Economic Review. Os artigos, de defensores ou
de oponentes, olvidam 0 que me parece a clara quest§'oprincipal - a concordancia
das implica~~s da analise marginal com a experiencia - e debatem pontos irrele-
vantes, procurando saber se os homens de neg6cios chegam as suas decis~s consul-
tando programas, ou cuevasou fun~~s multivariadas que exibam custo marginal e
receita marginal. ( 1) Espero que esses dois exemplos (e outros que eles prontamen-
te sugerem) se prestem para justificar a id6ia de fazer-se,aqui, uma discuss§'oampla
dos principios metodol6gicos pertinentes - uma discuss§'oque, de outra forma,
poderia parecer descabida.
(1)
Ver R. A. Lester, "Shortcomings of Marginal Analysis for Wage Employment Problems",
American Economic Review, XXXVI (Mar~o, 1946),62-82; Fritz Machlup, "Marginal Analysis
and Empirical Research", American Economic Review, XXXVI (Setembro, 1946), 519-54;
R. A. Lester, "Marginalism, Minimum Wages, and Labor Markets", American Economic Review,
XXXVII (Mar~o, 1947), 135-48; Fritz Machlup, "Rejoider to an Antimarginalist", American
Economic Review, XXXVII (Mar~o, 1947), 148-54; G. J. Stigler, "Professor Lester and the
Marginalist", American Economic Review, XXXVII (Mar~o, 1947), 154-57; H. M. Oliver, Jr.,
"Marginal Theory and Business Behavior", American Economic Review, XXXVII (Junho,
1947), 375-83; R. A. Gordon, "Short-Period Price Determination in Theory and Practice",
American Economic Review, XXXVIII (Junho, 1948), 265-88.
Cabe notar que Lester, alem de referir-5e a MOS assuntos que se relacionam a validade dos
"pressupostos", na teoria marginal, tambem se,refere i evidencia que diz respeito a conformi-
dade da experiencia com as implica~es da teoria. Cita, alias, como exemplos em qqe lalta essa
conformidade, 0 modo pelo qual 0 emprego reagiu, na Alemanha, ao plano Papen e, nos Esta-
dos Unidos da America, as altera~es havidas na legisla~ao a respeito dos saIarios m{nimos.
Contudo, 0 bteve comentarlo de Stigler eo unico, dentre os demais artigos, em que hli alusao a
tal evidencia. Cumpre notar, ainda, que nao deve ser ignorada a completa e cuidadosa exposi~o
de Machlup, relativa a estrutura 16gica e ao significado da teoria marginal, porque 0 artigo de
Lester, ao debater 0 tema, estli sensivelmente prejudicado por v3ri.osmal-entendidos que quase
chegam a ocultar a evidencia ali apresentada, relevante para 0 assunto examinado. Entretanto,
Machlup, enfatizando a estrutura 16gica, chega perigosamente perto do ponto de apresentar a
teoria como se fosse mera tautologia ...;.embora esteja claro, em MOS pontos, que ele tern COilS-
ciencia do perigo e estli ansioso por evitli-Io. Os artigos de Oliver e de Gordon sao extremados,
concentrando-5e exclusivamente na questao da conformidade do comportamento de homens de
neg6cios com os "pressupostos" da teoria.
III - PODE UMA HIPOTESE SUBMETER-SE A
TESTE PEW REALISMO DE SEUS PRESSUPOSTOS?
Principiemos com urn exemplo fisico simples, 0 da lei da queda dos corpos.
Aceita-se a hipotes de acordo com a qual a acelera~ao g, de urn corpo que cai no
vacuo, e constante, na Terra, com valor aproximado de trinta e dois pes por segun-
do (ou seja, 9,8 metros po~ segundo), e independe da forma do corpo, da maneira
pela qual tomba,. etc. Isso acarreta cfle a distancia percorrida por urn corpo, em
queda livre, em qualquer intervalo especificado de tempo, sera dada pela formula
s = ( 1/2 ) gt2, on de sea distancia percorrida (em pes ou em metros) e t e 0
tempo (em segundos). Aplicar a formula ao caso de uma esfera compacta, deixada
cair do telhado de urn edificio, equivale a dizer que a esfera se comporta como se
estivesse caindo no vacuo. Submeter a teste a hipotese por meio de pressupostos
significaria, presumivelmente, medir a pressao real do ar para decidir se seu valor
esta ou nfo pr6ximo de zero. Ao nivel do mar, a pressao do ar e de aproximada-
mente 15 libras por centimetro quadrado (ou seja, de 6,75 kgf por cm2). Estaria
esse numero suficientemente proximo de zero para que a diferen~a fosse julgada
destituida de importancia? Aparentemente sim, pois 0 tempo real que a esfera s6li-
da leva para atingir 0 solo esta bem proximo do tempo indicado pel a formula. Ima-
gine-se, porem, que em vez da esfera compacta se lance, do alto do edificio, uma
pena. A f6rmula conduz, entao, a resultados exageradamente inacurados. Assim,
aquele numero (15, no caso de libras, ou 6,75, no caso dos kgf) e significativamente
diferente de zero para apena, mas nao para a esfera compacta. Suponha-se que a
formula se veja aplicada a uma esfera deixada cair de urn aviao, a trinta mil pes (ou
seja, a quase dez mil metros) de altitude. A pressao do ar, nessa altura, e decidida-
mente menor do que 6,75 kgf por centimetro quadrado. Sem embargo, 0 tempo
real de queda, de dez para sete mil metros de altitude (quando a pressao do ar ainda
e muito menor do que a pressao ao nivel do mar), difere consideravelmente do
tempo dado pela f6rmula - muito mais apreciavelmente do que 0 tempo gasto pela
esfera em sua queda do alto do edificio para 0 solo. De acordo com a f6rmula, a
velocidade da esfera deveria ser gt e deveria, pois, crescer continuadamente. Na
verdade, porem, uma esfera deixada caii de dez mil metros de altura atinge a sua
velocidade maxima bem antes de chegar ao solo. 0 mesmo acontece com respeito a
outras conseqtiencias da formula.
A questao inicial - a de saber se quinze esta ou nao suficientemente pr6ximo
de zero para que a diferen~a possa ver-se desprezada - e, portanto, uma questao
meio tola. Quinze libras por centimetro quadrado equiparam-se a 2.160 libras por
pe quadrado ou a 0.0075 toneladas por polegada quadrada. Nao dispomos de meios
que autorizem considerar tais numeros "pequenos" ou "grandes", se nos falta urn
padnlo exterior de comparayao. E 0 unico padrao relevante de comparayao e a pres-
sac do ar, relativamente a qual a f6rmula "funciona" ou nao, em urn dado conjunto
de circunstancias. Isso, porem, levanta a mesma questao, em urn segundo nivel. Que
significaria "funciona ou nao"? Ainda que pudessemos eliminar os erros de mensu-
rayao, 0 tempo de queda, efetivamente medido, dificilmente (ou nunca) se igualaria
ao tempo fornecido pela f6rmula. Quao grande deveria ser a diferenya entre esses
dois valores para ver-se justificada a afir~ao de que "a teoria nao funciona"? Para
responder a esta pergunta ha dois importantes padroes exteriores de comparayao.
Urn deles seria a acuidade passivel de ser alcanyada por uma teoria altemativa,
igualmente aceitavel, com a qual a teoria em pauta fosse confrontada. 0 outro
padrao manifesta-se quando existe uma teoria que sabidamente conduz a previsoes
mais satisfatorias, mas com maior custo. Os ganhos decorrentes da maior acuidade
(e que dependem dos objetivos perseguidos) precisam, nesse caso, ver-se compara-
dos com os mais elevados custos de sua obtenyao.
o exemplo ilustra, a urn tempo, a impossibilidade de submeter a teste uma
teoria pelos seus pressupostos e a ambiguidade do conceito de "pressupostos de
uma teoria". A formula s = (1/2) 9t2 vale para corpos que caem no vacuo e se
deriva da analise do comportamento de corpos que caem no vacuo. Cabe dizer,
entao, que, em variada gama de circunstancias, os corpos que tombam na atmosfera
real se comportam como se estivessem caindo no vacuo. Em linguagem muito usada
na Economia, isso traduzir-se-ia, de imediato em: a formula pressupoe 0 vacuo. Mas
e claro que assim nao acontece. 0 que ela verdadeiramente assevera e isto: em
muitos casos, a existencia da pressao atmosferica, a forma do corpo, 0 nome da
pessoa que 0 deixa cair, 0 tipo de mecanismo pelo qual se provoca a sua queda e
variadas outras circunstancias presentes deixam de ter efeito apreciavel sobre a
distancia que 0 corpo, em sua queda, percorre durante urn especificado intervalo de
tempo. A hip6tese pode ser facilmente refraseada, de maneira a omitir qualquer
alusao ao vacuo: em ampla gama de condiyoes, a distancia percorrida por urn corpo,
em queda livre, num especificado intervalo de tempo, e dado pela f6rmula
s = (1/2) 9t2. Deixando de lade a historia dessa formula e a teoria fisica a qual se
acha associada, tern sentido afirmar que ela pressupoe 0 vacuo? Ate onde me e dado
saber, ha varios outros conjuntos de circunstancias que poderiam conduzir a mesma
f6rmula. Ela e acolhida porque funciona e nao porque vivamos em urn vacuo apro-
ximado - seja qual for 0 significado disso.
o problema importante, em conexao com a hip6tese, e 0 de especificar as
circunstiincias em que a f6rmula funciona; mais precisamente, e 0 de indicar a
magnitude geral dos erros que se apresentam em suas previsoes, sob variadas condi-
yoes. Em verdade - como esta implicito no refraseamento da hip6tese, linhas acima
- nao se tern essa indicay30 da magnitude dos erros, de urn lado, e a propria hipo-
tese, de outro lado, como coisas diversas. A indica9ao e parte essencial da hip6tese,
uma parte que tendeni a sofrer revisoes e a ampliar-se, na medida em que a expe-
riencia vier a acumular-se.
No caso especifico da queda dos corpos, ha uma teoria mais geral, embora
ainda incompleta, esb09ada em fun9ao de tentativas de explicar os erros da teoria
simples. Essa teoria geral permite avaliar a influencia de alguns fatores de pertuba-
9ao e dela se deduz, como caso particular, a teoria simplificada. Entretanto, nao
convem usar sempre a teoria generalizada, pois a acuidade adicional que permite
nao justifica, via de regra, 0 custo adicional de seu emprego. Permanece, pois, como
questao importante, a de saber em que condi90es a teoria simples funciona "sufi-
cientemente bem". A pressao do ar e uma - e somente uma - das variaveis que
definem tais condi90es; ao lado de outras, sao, tambem, relevantes a forma do
corpo e a velocidade atingida. Vma das maneiras de interpretar essas variaveis -
diversas da pressao do ar - consiste em encara-Ias como fatores que determinam se
e significativo ou nao urn particular afastamento com_respeito ao "pressuposto" do
vacuo. Exemplificando, pode-se dizer que a diferen9a de formas dos corpos torn a as
quinze libras por polegada quadrada significativamente distantes de zero, no caso da
pena, mas nao significativamente distantes de zero, no caso da esfera compacta,
deixada cair de moderada altura. Esse enunciado, porem, deve ser nitidamente dis-
tinguido de outro, muito diverso, segundo 0 qual a teoria nao vige, no caso da pena,
porque seus pressupostos sao falsos. A rela9ao relevante e exatamente a oposta: os
pressupostos sao falsos, no caso da pena, porque a teoria nao funciona. Este ponto
deve ser enfatizado pois os "pressupostos" sao usados, de maneira perfeitamente
correta, a fim de especificar as circunstancias em que a teoria nao vige, mas nao,
como erroneamente se admite, com freqiiencia, a fim de determinar aquelas cir-
cunstancias - 0 que tern sido, importante fonte de cren9a em que uma teoria possa
ver-se submetida a testes pelos seus pressupostos.
Consideremos, agora, outro exemplo, concebido com 0 fito de apresentar-se
como ancilogo de muitas hip6teses que surgem em ciencias sociais. Cogitemos da
densidade das folhas em uma arvore. Sugiro, como hip6tese, que as folhas se posi-
cionam como se cada qual delas procurasse, deliberadamente, maximizar a quanti-
dade de luz solar que recebe, tendo em conta 0 posicionamento de folhas vizinhas;
como se cada qual delas conhecesse as leis fisicas responsaveis pela quantidade de
luz incidente em varios pontos e pudesse mover-se rapida ou instantaneamente de
urn ponto dado para qualquer outro ponto nao ocupado. ( 1 ) Ora, algumas das
(1)
Embora esteexemplo tenha origem independente, e similar a urn exemplo usado por Armen A.
Alchian, em "Uncertainty, Evolution, and Economic Theory", Journal of Political Economy,
LVIII ( Junho, 1950), pp. 211-21. Boa por¢o da discussao subsequente, embora tambem
tenha origem independente, acompanha as linhas da discussao de Alchian.
mais 6bvias implicayoos dessa hip6tese mostram-se perfeitamente compativeis
com a experiencia. Exemplificativamente (considerando, e claro, 0 que ocorre
nos Estados Unidos da America), a densidade das folhas e maior no lado suI
do que no lado norte das arvores, embora isso nlio ocorra ou ocorra de
modo menos patente, como a hip6tese implica, em encostas de m~mtes,
voltadas para 0 norte, ou quando 0 lado suI das arvores, por alguma razlio,
esteja na sombra. Deve a hip6tese tornar-se inaceitavel porque, ate onde
sabemos, as folhas nlio "deliberam" nem exibem comportamento consciente,
nlio freqiientaram escolas para aprender as relevantes leis cientificas ou as tecnicas
matematicas necessarias para a determinaylio de posiyoes "6timas" e n[o s[o
capazes de mover-se de urn ponto para outro? Nenhuma dessas form as de contra-
ditar a hip6tese e vitalmente relevante; os fen6menos envolvidos n[o se acham na
"classe de fen6menos que a hip6tese pretende explanar". A hipotese n[o afirma que
as folhas fayam tudo aquilo que foi men cion ado acima; limita-se a asseverar que a
densidade se apresenta como se as folhas fizessem 0 que foi dito. Em que pese a
aparente falsidade dos seus "pressupostos", a hipotese e muito plausivel, dado 0
acordo entre suas implica~oes e 0 observado. Tendemos a "explicar" a sua validade
com base em que a luz solar contribui para 0 desenvolvimento das folhas e que, por
conseguinte, elas se acumulam ou se mantem, em maior numero, nos locais em que
ha mais sol. Assim, 0 resultado decorrente de adaptay[o puramente passiva as
circunstiincias exteriores coincide com 0 resultado que decorreria de acomoday[o
deliberada a tais circunstiincias. A hip6tese altemativa e mais atraente do que a
concebida, mas n[o porque seus "pressupostos" seja:t;l"realistas" e sim porque ela e
parte de uma teoria de maior generalidade, aplicavel a uma variedade maior de
fen6menos, de que 0 posicionamento de folhas, numa arvore, e apenas urn caso
particular, teoria que admite maior numero de implicayoes passiveis de se verem
refutadas e que n[o foi contraditada, em ampla gama de condi~oes. A
evidencia direta para 0 crescimento das folhas esta, pois, refor~ada pela
evidencia indireta que deflui de outros fen6menos a que essa teoria geral se
aplica.
A hipotese concebida so e presumivelmente valida (ou seja: conduz a
previsoes "suficientemente" acuradas, relativas a densidade das folhas) para
uma classe restrita de circunstiincias. Niio sei quais seriam estas circunstiincias
e nem como defini-Ias. Parece 6bvio, entretanto, que os "pressupostos" da
teoria, neste exemplo, nlio tern qualquer papel na sua determinay[o. 0 tipo
da arvore, as caracteristicas do solo, etc., sao as variaveis que, provavelmente,
definirlio 0 iimbito de validade da teoria - validade que nao dependera da
capacidade matematica das folhas, nem da possibilidade de elas se moverem de urn
para outro ponto.
Savage e eu discutimos, em outro local, (1 ) urn exemplo similar, porem rela-
tivo ao comportamento humano. Consideremos 0 problema de determinar (prever)
os pontos feitos por urn eximio jogador de bilhar. Nlio parece descabido supor. que
excelentes previsOes seriam obtidas a partir da hipotese de que 0jogador executa as
tacadas como se conhecesse as complicadas formulas matematicas pelas quais fica-
riam fixadas as trajetorias otimas, fosse capaz, de relance, de fazer estimativas acu-
radas sobre os angulos e demais elementos que descrevem as posi~lles relativas das
bolas, estivesse apto, usando as formulas, a realizar caIculos em fra~lles de segundos;
e como se pudesse fazer com que as bolas se movessem ao longo das trajetorias indi-
cadas pelas formulas: A confian~a que depositamos em tal hipotese nao provem da
cren~a em que jogadores de bilhar, ainda que eximios, possam atravessar ou atraves-
sem, de fato, as fases do processo descrito; provem, ao contrario, da cren~a em que
as pessoas, se nao atingissem, de alguma forma, os mesmos resultados praticos,
deixariam de ser eximios jogadores de bilhar.
Urn pequeno passo nos leva do afirmado nos exemplos ao que se afirma na
hipotese da Economia segundo a qual, em ampla gama de circunstancias, as firmas
(individualmente consideradas), atuam como se estivessem tratando, racionalmente,
de maximizar seus esperados rendimentos (ou "lucros", segundo a terminologia
usual, urn tanto desnorteadora) ( 2 ) e tivessem cabal conhecimento dos dados
(1)
Milton Friedman e L. J. Savage, "The Utility Analysis of Choices Involving Risk", Journal of
Political Economy, LVI (Agosto, 1948), p. 298. Reimpresso no livro READINGS IN PRICE
THEORY, organizado pela American Economic Association (Chicago, Richard D. Irwin, Inc.,
1952),pp.57-96.
(2 )
Parece apropriado 0 usa do termo "lucros" para aludir Ii diferenlia entre resultados reOOse "es-
perados", entre recebimentos ex post e ex ante. Como sublinha Alehian (op. cit., p. 212),
acompanhando Tintner, os "lucros" sao frutos de incerteza e nao podem, portanto, ver-se, de
modo deliberado, antecipadamente maximizados. Face Ii incerteza, os indivlduos e as frrmas
escolhem uma dentre varias antecipadas distribuiliOes de probabilidade, relativas aos recebimen-
tos ou rendas. 0 conteudo especifico de uma teoria da escolha de uma de tais distribuil(c5es
depende de criterios que permitam hierarquiza-las. Uma hip6tese e a de que devam ser hierar-
quizadas segundo a expectativa matematica da utilidade que a elas se associa (cf. Friedman e
Savage, "The Expected-Utility Hypothesis and the Measurability of Utility",op. cit.). Caso
especial dessa hip6tese, ou alternativa para ela, hierarquiza as distribuil(c5es de probabilidades
segundo a expectativa matematica das rendas em dinheiro associadas a elas. Esta ultima alterna-
tiva e, possivelmente, mais facil de apliCar (e moosfreqiientemente aplicada) ao caso de f'rrmas
do que ao caso de indivlduos. 0 termo "rendas esperadas" sera entendido de modo suficiente-
mente amplo para poder abranger qualquer dessas opl(c5es.
Os temas a que se faz referencia na presente nota nilo silo fundamentOOs, cogitando-se das ques-
toes metodologicas em tela, de modo que se vem contornados, em geral, nas discussOes subs-
seqiientes.
indispensaveis para aIcanyar hito nessa empreitada; como se - dito de outro
modo - conhecessem as relevantes funyoes de demanda e de custo, calculassem
custos marginais e rendimentos marginais associados a todas as opyoes possiveis,
relativas as ayoes a tomar, e considerassem cada qual dessas linhas de ac;ao, prolon-
gando-as ate fazer com que os custos marginais se identificassem aos rendimentos
marginais. Ora, e claro que os homens de negocios nao resolvem, na realidade, Iite-
ralmente falando 0 sistema de equayoes em que 0 economista-matematico conden-
sa aquela hipotese - exatamente como as folhas e os jogadores de bilhar tamoom
nao executam complicados caIculos matematicos, ou os corpos em queda nao deci-
dem criar 0 vacuo. Se perguntarrnos ao jogador de bilhar como escolhe 0 ponto da
bola em que da a tacada, ele podera responder que "simplesmente da uma calcula·
da", embora nao deixe de apertar um pe de coelho, para ter sorte. 0 homem de
negocios podera dizer, por sua vez, que fixa preyos em termos de custos medios,
permitindo, e claro, alguns desvios, quando 0 mercado 0 exige. A resposta do joga-
dor e tao "esclarecedora" quanta a do homem de negocios e nenhuma das afirrna·
yoes se constitui em teste relevante para a hipotese correlata.
A confianya que possamos ter na hipotese da maximizayao dos rendimentos
justifica·se por evidencia de genero bem diverso. Essa evidencia e, pelo menos, em
parte, semelhante it que se utiliza para apoiar a hipotese do jogador de bilhar: se 0
comportamento dos homens de negocios nao se assemelhasse, de algum modo, a urn
comportamento compativel com a maximizayao dos rendimentos, parece improva-
vel que esses homens viessem a ficar por tempo longo no ramo dos negocios. Supo-
nhamos haver um determinante imediato aparente para 0 comportamento negocia-
dor - 0 habito, 0 acaso ou qualquer outro fator. Sempre que esse determinante
conduz a um comportamento compativel com a maximizayao bem informada e
racional dos rendimentos, os negocios prosperam e propiciam recursos para haver
expansao; caso contrario, os negocios tendem a produzir perda 'de recursos e so
poderao manter-se com auxilio de reservas provenientes de fora. 0 processo de
"selec;ao natural" ajuda-nos, pois, a validar a hipotese; em outras palavras, admitida
a seleyao natural, a aceitayao da hipotese pode assentar-se, largamente, na ideia de
que ela sumaria, apropriadamente, as condiyoes de sobrevivencia.
Evidencia de maior importancia, em favor da hipotese da maximizayao dos
rendimentos, provem da experiencia colhida em numerosas aplicayoes da hipotese a
problemas especificos - e a reiterada verificayao de que suas implicay5es deixaram
de se ver contraditadas. Dificlmente se documentara uma tal evidencia, que se acha
espalhada em numerosos memorandos, artigos e monografias cuja preocupayao
principal nao era a de submeter aquela hipotese a teste mas a de resolver especfficos
problemas concretos. Ainda assim, a hipotese tern, a sustenta-Ia, um testemunho
indireto e muito forte: 0 seu continuado emprego e a constante acolhida que mere-
ceu, por muitos anos - a que se associa a inexistencia de qualquer teoria rival cae-
rente, nao auto-contraditoria, capaz de ver-se desenvolvida e tambem amplamente
aceita. A evidencia em favor de uma hipotese resulta, sempre, de falhas nas tentati-
vas feitas no sentido de contradita-Ia; essa evidencia acumula-se enquanto a hipotese
e utilizada e, por sua propria natureza, nao pode ser facilmente documentada de
maneira abrangente. rende, pois, a tornar-se parte da tradiyao e do fold ore de ilma
ciencia, revelada atraves da tenacidade com que as hipoteses sao defendidas e nao
atraves de listas explicitas de casos em que deixaram de ver-se contraditadas.
Ate aqui, nossas condusoes relativas ao significado dos "pressupostos" 'de
uma teoria foram quase todos negativos: vimos que uma teoria n[o pode ser subme-
tida a teste pelo "realismo" de seus "pressupostos" e que 0 proprio conceito de
"pressuposto" de uma teoria esta cercado de ambigiiidades. Se isso resurnisse tudo,
seria dificil explicar 0 amplo uso desse conceito e a tendencia que todos temos de
falar dos pressupostos de uma teoria, e de compara-Ios com os pressupostos de
teorias alternativas. Ha muita fumaya presente para que inexista 0 fogo.
Na metodologia, tal como na ciencia positiva, os enunciados negativos s[o
formulados, em geral, com maior confianya do que os enunciados afirmativos. Ex-
plica-se, pois, porque tenho menos confianya em minhas proximas observayoes,
relativas ao significado e ao papel dos "pressupostos", do que nas observayoes pre-
cedentes. Ate on de me e dado ver, os "pressupostos de uma teoria" desempenham
tres papeis positivos diversos, embora relacionados: a) sao, freqiientemente, modo
economico de descrever ou de apresentar uma teoria; b) facilitam, algumas vezes, 0
teste indireto da hipotese e de suas impliayoes; e c) slfo, algumas vezes, como se
notou acima, urn meio conveniente de especificar as condiyoes sob as quais se espe-
ra seja valida a teoria. Os dois primeiros itens requerem discuss[o mais pormeno-
rizada.
o exemplo das folhas ilustra 0 primeiro papel dos pressupostos. Em vez de
dizer que as folhas tendem a maximizar a luz solar recebida, poderiamos formular
uma hipotese equivalente, destituida de pressupostos aparentes, sob a forma de lima
lista de regras que perrnitissem predizer a densidade das folhas: se uma arvore esta
em urn plano, sem que outras arvores ou· outros objetos impeyam a chegada dos
raios solares, entao a densidade das folhas tendera a ter tais e quais peculiaridades;
se uma arvore se acha na encosta de urn morro, cercada por diversas outras arvores
similares, entao ... ; e assim por diante. Esta e, claramente, uma forma bem menos
econ6mica de apresentayao da hipotese do que 0 enunciado simples segundo 0 qual
as folhas tendem a maximizar os raios solares que cad a qual delas recebe. Este Ulti-
mo enunciado e, na verdade, simples sumario das regras que comp<5em a lista acima
- mesmo que esta fosse indefinidamente prolongada - pois indica, ao mesmo tem-
po, como determinar as caracteristicas ambientais importantes para 0 particular
problema em tela e como avaliar seus efeitos. 0 enunciado e mais compacto e,
ainda, nao menos abrangente do que a lista.
Do modo mais geral, uma hipotese, ou teoria, consiste de uma asseryao de que
certas foryas se mostram importantes - e, por implicayao, de que certas foryas nao
sao importantes - para uma particular classe de fen6menos e de uma especificayao
de-como atuam as foryas declaradas importantes. Podemos encarar a hipotese como
algo que envolve dois elementos: 0 primeiro e urn mundo conceptual, ou urn mode-
10 abstrato, mais simples do que "0 mundo real", contendo apenas aquelas foryas
que a hipotese da como importantes; 0 segundo e urn conjunto de regras que defi-
nem a classe de fen6menos relativamente aos quais 0 "modelo" se tom a adequada
representayao do "mundo real", e que, a par disso, especificam a correspondencia
entre variaveis ou entidades do modelo e fatos observaveis.
Esses dois elementos tern caracteristicas bem diversas. 0 modelo e abstrato e
completo; e uma "algebra", ou uma "logic a" . A matematica e a logica formal ai
desempenham seus apropriados papeis e se prestam para verificar a completude e a
coerencia do modelo e para explorar as suas conseqiiencias. No modelo nao ha
espayo nem papel a dar a vagiiidade, aos "talvez" ou as aproximayoos. A pressao do
ar no vacuo e igual a zero, nao "pequena"; a curva de demanda de urn produto,
relativamente a urn produto competitivo, e horizontal (tern declividade zero) e nao
"quase horizontal".
As regras que govemam 0 uso do modelo, de outra parte, nunca sao abstratas
e completas. Precisam ser concretas e, conseqiientemente, incompletas - pois a
completude so e viavel em urn mundo conceptual, nao no "mundo real", seja qual
for a maneira de entende-lo. 0 modelo e a corporificayao logic a da meia-verdade
"Nada ha de novo sob 0 sol"; as regras de aplicayao do modelo nao podem, por sua
vez, ignorar a igualdade significativa meia-verdade "A Historia jamais se repete". Em
apreciavel margem, as regras podem ser explicitamente formuladas - mais facilmen-
te, mas, ainda assim, nao de maneira completa, quando a teoria e parte de outra
teoria de maior generalidade (como acontece no exemplo da queda dos corpos no
vacuo). Tentando tomar "objetiva" uma ciencia, nosso alvo deve ser 0 de formular
as regras explicitamente, na medida do possivel, alargando, continuadamente, 0
ambito dos fen6menos para os quais essa possibilidade se apresente. Seja qual for,
porem, 0 exito dessa tentativa, sempre sobra algum espayo para 0 born senso, no
momenta de aplic~[o das regras. Cada ocorrencia tern tray os tipicos proprios, n[o
abrangidos pelas regras explicitadas. A capacidade de 60pesar esses tra~os para saber
se devem ser desprezados aU n[o e saber se afetam ou· n[o a forma de associar
fenomenos obsemiveis a certas entidades do modelo, e algo que nao se ensina -
algo que so se aprende pela experiencia e mediante contato com a "correta" atmos-
fera cientifica, mas nunca adotando procedimentos rotineiros. Neste ponto e que 0
"amador" se separa do "profissional", em qualquer ciencia; e por ele passa a linha
divis6ria, muito fina, que separa 0 "vigarista'" do cientista.
Urn exemplo simples servini, talvez, para esclarecer a quest[o. A Geometria
Euclidiana e urn modelo abstrato, logicamente compl~to e coerente. Suas entidades
s[o definidas de maneira precisa: uma reta nao e uma figura cujo comprimento e
"muito" maior do que a largura ou aespessura; e uma figura geometrica de exten-
s[o zero e largura zero. Uma figura que tambem e, obviamente, "n[o-realista". Nao
ha, na "realidade", coisas como os pontos, as retas ou as superficies de Euclides.
Apliquemos esse modelo abstrato a Urn sinal deixado, no quadro negro, pelo giz. 0
sinal identifica-se a uma curva euclidiana, a uma superficie euclidiana ou a urn soli-
do euclidiano? Sera apropriadamente equiparado a uma'linha ~ 0 empregamos para
representar, digamos, uma curva de demanda. Mas podera ser assim entendido se 0
empregarmos para colorir urn mapa, ao delimitar paises, porque jamais chegariamos
a cobrir de cores as regioes se 0 sinal fosse visto como curva. Para esse fim, e preciso
equiparar 0 sinal a uma superficie. Essa maneira de encara-Io, todavia, esta afastada
das cogitayoes do fabricante de giz; de fato, isso acarretaria que 0 giz n[o chegaria a
ser usado porque, para esse novo fim, 0 sinal deve ser identificado a urn volume.
Neste exemplo simples, os juizos emitidos despertam acordo generalizado. Entre-
tanto, e claro que tais juizos - em que pese a viavel formulaya'o de considerayoes
amplas que os norteiam - nunca chegam II atingir cabal abrangencia para dar conta
de cada caso possivel. Esta-lhes vedado 0 carater de coerencia e autosuficiencia que
e tipico da Geometria Euclidiana.
Discorrendo a respeito dos "pressupostos cruciais" de uma teoria, procura-
mbS, segundo penso, enunciar os elementos-chaves do modelo abstrato. Ha, via de
regra, muitos modos diversos de descrever completamente 0 modelo - varios con-
juntos de "postulados" que tanto implicam quanta s[o implicados pelo modelo,
contemplado como urn todo. Os modos s[o logicamente equivalentes: elementos
que vemos como axiomas ou postulados de urn modelo, em uma perspectiva,
podem surgir como teoremas, em outra perspectiva - e reciprocamente. Os especi-
ficos "pressupostos" chamados "cruciais" s[o selecionados com base em convenien-
cias, tendo em conta questoes como a da simplicidade ou da economia, na descriy[o
do modelo, da plausibilidade intuitiva e da capacida'de de sugerir mesmo que t[o-
-somente por implicayao) algumas considerayoes que se mostrem relevantes para
Quando se formula uma hipotese, parece obvia, em geral, a tare fa de separar,
nessa formulayao, os enunciados que correspondem aos pressupostos dos enuncia-
dos que aludem as implicayoes. Entretanto, nao e facil distinguir, de modo rigoroso,
esses dais tipos de enunciados, pais a distinyao, segundo penso, nao e urn trayo da
hipotese, como tal, mas da maneira de emprega-Ia. Se assim acontece, a facilidade
de classificayao dos enunciados deve refletir ausencia de ambigtiidade no alvo que a
hipotese deve atingir. A possibilidade de haver troca de axiomas por tearemas - e
vice-versa - num modelo abstrato, acarreta a possibilidade de troca de "pressupos-
tos" por "implicayoes" - e vice-versa - em hipoteses substantivas associadas ao
modelo. Nao significa isso que qualquer implicaylto possa ver-se intercambiada com
qualquer pressuposto; significa, apenas, que pode haver mais de urn conjunto de
enunciados de que os demais decorram.
Exemplificando, considere-se uma proposiyao particular, na teoria do com-
portamento oligopolista. Se admitirmos que ( a) os empresarios procuram maximi-
zar seus rendimentos por quaisquer vias, inclusive par meio de aquisiyao ou de am-
pliayao do poder monopolista, isso acarretara que ( b ) as empresarios, quando a
demanda por urn "produto" e geograficamente instavel, os custos de transporte sao
apreciaveis, os acordos quanta a prey as slto ilegais e 0 numero de produtores do
referido artigo e relativamente pequeno, tenderlto a fixar sistemas de prey os de
ponto-de-referencia. ( 1 ) A afirmaylto ( a ) e vista como pressuposto e ( b ) como
implicayao, pois, aceitamos que a analise tern par objetivo a previsao do comporta-
menta do mercado. 0 pressuposto sera considerado aceitavel se concluirmos que as
condiyoes especificadas em ( b ) se associam, em geral, ao apreyamento de ponto-de-
-referencia e reciprocamente. Alteremos 0 objetivo; ele e 0 de identificar aqueles
casos em que vale a pena instaurar urn processo judicial assentado na lei anti-truste,
de Sherman, pela qual se prOlbe "ajuste fraudulento para atentado ao livre comer-
cio". Se admitirmos, entlto, que ( c ) 0 apreyamento de ponto-de-referencia e artifi-
cio deliberado, com 0 proposito de facilitar a coluslto, nas condiytks indicadas
em ( b ), isso acarretara que ( d ) os empresarios que participam de uma tatica de
apreyamento de ponto-de-referencia estarao ligados a urn "ajuste fraudulento para
aten-tado ao livre comercio". 0 que era urn pressuposto, na verslto anterior, passa a
(1)
Ver George J. Stigler, "A Theory of Delivered Price Systems", American Economic Review,
XXXIX (Dezembro, 1949), 1143-57.
ser uma implica9li'0, nesta segunda versli'o - e reciprocamente. 0 pressuposto ( c )
sera dado como valido se concluirmos que, tendo os empresarios adotado urn siste-
ma de apre9amento do ponto-de-referencia, existe, comumente, evidencia adicional
- sob a forma de cartas, memorandos, ou coisa anaIoga - de que estamos diante do
que as cortes de justi9a encarariam como "ajuste fraudulento para atentado ao livre
comercio"
Imaginemos que a hip6tese funciona, tendo em vista 0 primeiro objetivo, ou
seja,o da previsao do comportamento do mercado. Nao deflui dai, claramente, que
ela funciona quando se tern em vista 0 segundo objetivo, ou seja, 0 de prever se
existe ou deixa de existir evidencia da presen9a de urn "ajuste fraudulento para
atentado ao livre comercio" a justificar uma a9ao judicial. Reciprocamente, se a
hip6tese funciona com respeito ao segundo objetivo, nao deflui, dai que ha de
funcionar com respeito ao primeiro. T6davia, faltandoevidencia adicional, 0 exito
da hip6tese em urn caso - explicando uma classe de fen6menos - toma maior a
confian9a que nela depositamos ao cogitar de outro caso - explicando outra classe
de fen6menos. E dificil, todavia, dosar esse au~ento de confian9a, pois ele depende
de qUaDintimamente julguemos estarem relacionadas as duas classes de fen6menos
o que, por sua vez, depende, em intricada maneira, de tipos anaIogos de evidencia
indireta - ou seja, de experiencia que possamos ter, em outras areas, de como uma
dada teoria esta em condi90es de explicar fen6menos que, em certo sentido, se
mostram "similarmente diversos".
Apresentando 0 mesmo ponto em"perspectiva mais geral, 0 que denominamos
pressupostos de uma hip6tese presta-se para dar-nos alguma evidencia indireta rela-
tiva a aceitabilidade da hip6tese, na medida em que os pressupostos possam ver-se,
eles mesmos, considerados como implica9t'5es da hip6tese (de modo que seu acordo
com a fealidade seja uma forma de nao contraditar algumas implica90es) ou na
medida em que os pressupostos lembrem outras implica9t'5es da mesma hipotese,
susceptiveis de observa9ao causal empirica. ( 1 ) A razao que toma indireta essa
evidencia e a seguinte: os pressupostos ou as implica9t'5es correspondentes referem-
-se, via de regra, a uma classe de fen6menos que difere da classe que a hipotese pre-
tende explanar; em verdade, como se deixou indicado acima, ai esta 0 principal
criterio de que lan9amos mao ao decidir quais os enunciados que consideraremos
"pressupostos" e quais os que consideraremos "implica90es". 0 peso associado a
essa evidencia indireta depende de qUaDirltimamente julguemos estarem relaciona-
das as duas classes de fenomenos.
(1)
Ver Friedman e Savage, "The Expected-Utility Hypothesis and the Measurability of Utility",
op. cit., pp. 466-67, em que se acha outro exemplo especial desse tipo de teste.
Outro modo pelo qual os "pressupostos" facilitam 0 teste indireto de uma
dada hip6tese resuIta do fato deles trazerem a ton a a similaridade que ela possa
manter com outras hip6teses, tornando, assim, relevante para a validade da hip6tese
em tela a evidencia que corrobora as demais. Exemplicativamente, suponhamos ter
uma hip6tese relativa a uma particular classe de comportamentos. Ela pode ser
formulada, como de habito, sem fazer alusoes a "pressupostos". Imaginemos poder
mostrar que ela, a par disso, equivale a urn conjunto de outros pressupostos, no qual
se inclua a ideia de que os homens agem em defesa de seus pr6prios interesses. A
hip6tese ganha, assim, plausibilidade indireta, em virtude do exito (em outras clas-
ses de fenomenos) de novas hip6teses em que aquela ideia esteja presente. Na pior
das situayoes, 0 procedimento aqui adotado n[o e totalmente destituido de prece-
dentes ou destituido de exito, relativamente a todas as demais formas de uso das
hip6teses. Com efeito, enunciar os pressupostos de modo a explicar uma relayao
entre hip6teses superficialmente diversas e dar urn passo no sentido da formulayao
de hip6teses de maior generalidade.
Esse genero de evidencia indireta, relativa a hip6teses correlatas, explica, em
boa medida, os variados graus de confianya que pessoas de formayDes diferentes
associam a uma particular hipotese. Consideremos, por exemplo, a hip6tese de que
a amplitude de discriminayao racial ou religiosa, na oferta de empregos, numa espe-
cifica area ou numa especifica industria, associa-se intimamente ao grau de mono-
p6lio, na area ou na industria em pauta; de que, sendo a industria competitiva, a
discriminayao somente sera significativa se a raya ou a religiao dos empregados
afetar a disposiyao de outros empregadores (dispostos a aceitar esses empregados)
ou a aceitabilidade do produto fjunto a consumidores), mostrando-se, porem,
nao-correlacionada aos preconceitos dos pr6prios empregadores. ( 1 ) Essa hip6tese
tende a ser muito mais aceitavel para os economistas do que para os soci6logos.
Cabe dizer que ela "presume", entre empregadores, nas industrias competitivas, 0
simples desejo dos beneffcios pecunhlrios; esse "pressuposto" atua de maneira
adequada em uma ampla gama de hip6teses economicas que dizem respeito a vanos
fenomenos de massa de que trata a Economia. Ha de parecer razoavel, aos econo-
mistas, que tamoom aqui 0 pressuposto poSsa atuar adequadamente. De outro lado,
as hip6teses a que 0 soci610go se habituou possuem urn tipo muito diferente de
modelo, ou de mundo-ideal, em que 0 simples desejQ de beneficios pecuniarios
desempenha papel bem menos importante. A evidencia indireta acessivel ao
(1)
Tratamento rigoroso dessa hip6tese precisaria, e claro, especificar como entender "amplitude da
discriminal;iio racial ou religiosa" e "grau de monopcSlio". Para os presentes objetivos, porem, e
suficiente a forrnulal;iio mais ou menos vaga, encontrada no texto.
soci6logo, no que concerne a essa hip6tese, e muito menos favoravel para ela do que
a evidencia indireta acessivel ao economista. 0 soci610go, por conseguinte, con tem-
pIa a hip6tese com maior suspei~iIo.
E certo que a evidencia do economista e a do soci61ogo niIo se mostram con-
cludentes. 0 teste decisivo e 0 da atua~lro da hip6tese junto aos fenomenos que ela
pretende explanar. E possivel, entretanto, que, antes da realiza~iIo de qualquer teste
satisfat6rio desse genero (uma realiza~lro que talvez nlro possa ocorrer em futuro
proximo), ~guma avalia~iIo da hipotese venha a tornar-se indispensavel. Em tal
caso, a avalia~[o tera de assentar-se na evidencia inadequada ja recolhida. A par
disso, mesmo quando aquele teste pode ser realizado, 0 "brackground" dos cientis-
tas nlro e irrelevante para as conclusOes que eles obtem. Em ciencia nunca existe
certeza e 0 peso da evidencia, pro ou contra uma hipotese, jamais se avalia de ma-
neira totalmente "objetiva". 0 economista sera mais tolerante do que 0 soci610go,
ao julgar 0 acordo das implica~~es da hip6tese com a experiencia, e tendera, pois, a
acolher a hipotese, ainda que provisoriamente, com base em menor numero de casos
de "conformidade".
v - ALGUMAS IMPLICA(:OES DE INTERESSE
PARA AS QUESTOES ECONOMIC AS
As questeses metodologicas abstratas que discutem tern reflexos diretos sobre
a perene critica dirigida cpntra a teoria economica "ortodoxa", tida como "niIo-rea-
lista" e sobre as tentativas de reformul~iIo dessa teoria, feitas com 0 objetivo de
contornar aquela critica. A Edonomia e uma ciencia "desoladora" porque admite
ser 0 homem egoista e avido por dinheiro, urn "inflamado calculador de prazeres e
de dores que flutua, como se fOra homogeneo globulo desejoso de felicidade, sob 0
impulso de estimulos que 0 empurram de urn lado para outro mas 0 deixam in-
tacto". ( 1 ) A Economia assenta-se em Psicologia ultrapassada e precisa ver-se re-
construida, pondo-se em consonancia com as novas descobertas psicol6gicas. Admi-
te que 0 homem ou, pelo menos, 0 homem de neg6cios, esta "em constante estado
de 'alerta', preparado para alterar pre~os ou regras de pre~o sempre que sua intui-
~iIo... identifica varia~iIo das condi~~s de oferta e de procura"; ( 2 ) admite que os
mercados s[o perfeitos, a competi~iIo e pura e as mercadorias, 0 trabalho e 0 capital
s[o homogeneos.
(1)
Thorstein Veblen,. "Why Is Economics Not an Evolutionary Science?" (1898), reimpresso em
THE PLACE OF SCIENCE IN MODERN CIVILIZA nON (New York, 1919), p. 73.
(2 )
Oliver, op. cit., p. 381.
Como ja vnnos, as criticas desse tipo sli'o mais ou menos inocuas, exceto
quando se vejam suplementadas por evidencia de que outra hipotese, diferente da
teoria criticada em pelo menos urn desses aspectos, conduz a previsoes melhores, em
urn ambito n[o menor de fenomenos. Tais suplementarroes, porem, nli'o aparecem
nas criticas - que se assentam, quase inteiramente, em discrepancias supostamente
percebidas de modo direto, entre os "pressupostos" e 0 "mundo real". Exemplo
claro e dado pelas-recentes critic as dirigidas contra a hipotese da maximizarrli'o dos
rendimentos, assentada no fato de que os homens de negocios n[o agem e nem
podem agir como a teoria "presume" que 0 farram. A evidencia aduzida em apoio
desta afirmarr[o e, de habito, colhida nas respostas oferecidas pelos homens de
negocios, quando lhes sli'o feitas perguntas acerca dos fatares que afetam as suas
decisoes (urn procedimento de teste das teorias economic as perfeitamente compara-
vel ao teste das teorias sobre longevidade que se resumisse em indagar, aos octoge-
nanos, de que modo explicariam as suas vidas longas), ou colhida em estudos descri-
tivos referentes as atividades decisorias de firmas individuais. ( 1 ) Pouca ou nenhu-
ma evidencia se fomece, relativa a conformidade do comportamento real dos ho-
mens de negocios, no mercado (0 que fazem, em vez do que dizem fazer), com as
implicarroes da hipotese criticada, de urn lado, e com as implicarroes de uma hipote-
se alternativa, de outro lado.
Uma teoria ou os seus "pressupostos" n[o podem ser cabalmente "realistas",
no sentido descritivo imediato, que tli'o freqiientemente se atribui ao termo. Uma
teoria completamente "realist a" do mercado do trigo teria de incluir nao apenas as
condirroes diretamente subjacentes a oferta e a demanda de trigo, como, ainda,
( 1)
Ver H. D. Henderson, "The Significance of the Rate of Interest", Oxford Economic Papers,
n? 1 (Outubro, 1938), 'pp. 1-13; J. E. M{:ade e P. W. S. Andrews, "Summary of Replies to
Questions on Effects of Interest Rates", mesmo local, pp. 14-31; R. F. Harrod, "Price and
Cost in Entrepe~urs' Policy", mesmo periodico, n?2 (Maio, 1939), pp. 1-11; e R. 1. Hall e
C. J. Hitch, "Price Theory and Business Behavior", mesmo local, pp 12-45. Ver, ainda, Lester,
"Shortcomings of Marginal Analysis for Wage-Employment Problems", op. cit.; Gordon, op. cit.
Ever, eniun, Fritz Machlup, "Marginal Analysis and Empirical Research", op. ciC, particular-
mente Sec. II,onde se encontrarn cr{ticas pormenorizadas ao metodo dos questiomirios.
Nao pretendo insinuar que sejam imiteis, para todos os objetivos da Economia, os estudos, com
base em questionarios, das motiva;oes ou das cren;as a respeito de for;as que afetam 0 compor-
tarnento de homens de negocios ou de outras pessoas. Tais estudos podem ser extremamente
valiosos, sugerindo linhas de pesquisa para a analise das divergencias entre resultados esperados e
observados, ou seja, para a e1abora;ao de novas hipoteses ou a revisao de hipoteses antigas.
Entretanto, seja qual for 0 interesse de que se revistam, nesse prisma, os citados estudos me
Jfarecem completarnente imiteis como forma de submeter a teste a validade de hipoteses eco-
nomicas. Ver, a prop6sito, meu comentario em torno do artig'o de Albert G. Hart, "Liquidity
and Uncertainty", American Economic Review, XXXIX (Maio, 1949), 198-99.
indica<j:oesrelativas a moeda ou aos instrumentos de credito usados nos pagamentos;
teria de incluir dados a respeito dos comerciantes de trigo, cor dos olhos e dos cabe-
los de cada comerciante, os seus antepassados, a sua educa<j:lio,as pessoas da familia,
seus respectivos antecedentes e sua educa<j:lio,e assim por diante; teria de incluir
inforrnes a respeito do tipo de solo em que 0 cereal foi cultivado, de suas caracterfs-
ticas ffsicas e qui'micas, do est adO'geral do tempo na epoca de desenvolvimento das
plantas, dos tra<j:ostfpicos do pessoal encarregado de cuidar da fazenda e do consu-
rnidor que, afmal, utilizani os grlios; e assim por diante, indefinidamente. Qualquer
tentativa no sentido de contornar essa especie de "realismo" esta fadada, por certo,
a tornar inutil a teoria que se elabore.
A ideia de. teoria completamente realista e, naturalmente, pelo menos em
parte, ilus6ria. Nenhum crftico de teorias aceitaria essa posi<j:lioextremada como urn
objetivo a ser perseguido. Diria que os "pressupostos" da teoria em pauta eram
"exageradamente" nlio-realistas e que seu desejo consistia em poder contar com urn
conjunto de pressupostos "mais" realistas - sem, que chegassem a se-lo de modo
completo e escravizador. Contudo, nlio havera base para fazer distin<j:oesseguras,
isto e, para fugir da iluslio a que se aludiu ha pouco, enquanto 0 teste de "realismo"
for 0 da acuidade descritiva dos "pre~supostos", diretamente percebida (exemplifi-
cando: a observa<j:aode que "os homens de neg6cios nlio sao tlio avarentos, diniirni-
cos ou 16gicos quanto se poderia preyer com base nos seus retratos, pintados pela
teoria marginal" ( 1 ) ou de que "seria inteiramente inutil, sob urn ponto de vista
pratico, nas condi<j:oes atuais, que urn administrador de fabricas de multi-processos
tentasse ... calcular custos marginais e rendimentos marginais e procurasse iguala-
-los, tendo em conta cada qual dos fatores de prodd<rao"). ( 2 ) Qual 0 criterio que
permitiria avaliar os desvios em rela<j:lioao realismo,-assegurando que este ou aquele
afastamento e ou deixa de ser aceitavel? Por que, ao analisar-se 0 comportamento,
no campo dos neg6cios, 0 fato de se ignorar a magnitude dos custos enfrentados por
urn comerciante haveria de ser mais "nao-realista" do que 0 fato de se ignorar a cor
de seus olhos? A resposta 6bvia e esta: porque 0 primeiro fator tern mais influencia
do que 0 segundo, no estudo do comportamento dos homens de neg6cios. Nao ha,
porem, meios de saber se assim acontece, tendo em conta apenas a simples consta-
ta<j:aode que os homens de neg6cios enfrentam custos de magnitude variadas e tern
olhos de cores diversas. S6 se pode saber que a influencia do primeiro fator e maior
do que a influencia do segundo comparando 0 efeito que cada qual deles tern sobre
(1)
Oliver, op. cit., p. 382.
( 2 )
Lester, "Shortcomings of Marginal Analysis for Wage-Employment Problems", op. cit., p. 75.
as discrepiincias entre comportamento previsto e comportamento real. Ate os mais
exagerados advogados dos pressupostos realistas saD obrigados, necessariamente, a
rejeitar seus pr6prios criterios e a aceitar 0 teste de predi<yao- no momento em que
se disp5em a classificar pressupostos alternativos para dizer que uns saD mais ou
menos realistas do que outros. ( 1 )
A confusao basica entre acuidade descritiva e relevancia analitica -
subjacente na maioria das criticas dirigidas contra a teoria economic a e feitas
com base no presumido "nao-realismo" de seus pressupostos - e a plausibilidade de
certas concep<y6es que tendem a conduzir a tal confusao aparecem ilustradas, de
maneira muito clara, em uma observa<yaoaparentemente in6cua, encontrada em urn
artigo a respeito da teoria dos ciclos-de-neg6cios; eis a observa<yao: "fenomenos
economic os saD variados e complexos, de modo que uma teoria abrangente dos
ciclos de neg6cios, passivel de ver-se aplicada a realidade, ha de ser muito complica-
da." ( 2 ) Hipotese fundamental, na ciencia, e a de que as aparencias enganam e de
que existe uma forma de contemplar, de interpretar ou de organizar a evidencia que
revelara fenomenos diversificados, aparentemente desconexos, como sendo manifes-
ta<y5esde uma estrutura fundamental, mais ou menos simples. 0 teste dessa hipote-
se - como, alias, de qualquer outra - saD os seus frutos, urn teste que ate agora tern
sido dramaticamente bem sucedido. Se uma classe parece conter "fenomenos eco-
nomicos" variados e complexos, isso acontece, devemos supo-Io, por faltar teoria
adeqfiada capaz de explica-Ios. Nao e possivel colocar, de urn lado os fatos conheci-
dos e, de outro, uma teoria que esteja "pr6xima da realidade". A teoria e 0 modo
pelo qual percebemos "fatos" e nao podemos percebe-Ios sem dispor de uma teoria.
Qualquer declara<yao de que os fenomenos de Economia sao variados e complexos
(1)
Gordon, por cxemplo, em seu exame direto dos "pressupostos", reformula a hip6tese alternati-
va (geralmente preferida pelos criticos da hip6tese da maximizal;ao dos rendimentos), para vaza-
-Ia nestes termos: "Ha uma irresistlvel tendencia no sentido de fixar prel;os com base nos custos
totais medios, tendo em conta algum nlvel 'normal' de produl;ao. Al esta 0 padrao de mensura-
I;ao, a tatica !Jeque se valem os peritos em contabilidade 0 os homens de neg6cios, cujo objetivo
e antes 0 de contar com lucros satisfatorios, agindo com seguranl;a, do que 0 de maximizar
lucros" (op. cit., p. 275). Gordon, porem, abandona essa hip6tese ou a converte em uma tauto-
logia; no processo de assim transforma-la, aceita, implicitamente, 0 teste por meio de previsoes,
pois, adiante, assevera que "Custo pleno e lucros satisfatorios pod em continuar a ser os objeti-
vos, mesmo quando os custos sao diminuidos, a fim de enfrentar a competil;ao, ou aumentados,
a fim de tirar vantagens do mercado de vendas" (ibid., p. 284). Onde ficou a "tendencia irresis-
tivel"? E que tipo de evidencia poderia refutar a asserl;ao?
( 2 )
Sidney S. Alexander, "Issues of Business Cycle Theory Raised by Mr. Hicks", American Eco-
nomic Review, XLI (Dezembro, 1951), p. 872.
nada mais faz do que negar 0 estagio preliminar de conhecimento, 0 unico em con-
di~oes de dar sentido a atividade cientifica. Vma tal declara~[o se assemelha ao
enunciado, muito justificadamente ridicularizado por John Stuart Mill, segundo 0
qual "afortunadamente, nada mais existe, nas leis relativas ao valor, que os atuais
(l848) e futuros pensadores devam esclarecer; a teoria esta completa." ( 1 )
A confus[o entre acuidade descritiva e relevancia analftica n[o conduziu
apenas as criticas mal fundamentadas, dirigidas contra as teorias econornicas; tam-
bem levou a mal-entendidos em tomo de tais teorias e a uma orienta~[o erronea dos
esfor~os feitos no senti do de escoima-Ias de presumidos defeitos. Os "tipos ideais",
no modelo abstrato desenvolvido por teorizadores, na Econornia, tern sido vistos,
estritamente, como categorias descritivas que se tenciona estejam em corresponden-
cia direta e cabal com entidades do mundo real, independentemente do objetivo
que leva ao uso do modelo. As discrepancias 6bvias conduziram a tentativas neces-
sariamente mal sucedidas de elaborar teorias com base em categorias que pretendem
ser completamente descritivas.
Essa tendencia tern sua mais clara ilustra~[o, possivelmente, na interpreta~!'o
dada aos conceitos de "concorrencia perfeita" e de "monop6lio" e no desenvolvi-
mento da teoria da concorrencia "monopolista", ou "imperfeita". Marshall, segun-
do se afirma, adrnitiu a "concorrencia perfeita"; e possivel que tal coisa tenha exis-
tido algum dia. Mas ja nlio existe, de modo que e preciso abandonar as suas teorias.
o leitor procurara longa e arduamente - e, segundo minhas previ~s: sem exito -
se quiser achar, nos escritos de Marshall, qualquer pressuposto explicito acerca da
concorrencia perfeita ou qualquer afirma~lio em que se registre ser 0 mundo, em
sentido descritivo, composto por firmas isoladas envolvidas em uma concorrencia
perfeita. Ao contrario, 0 que se encontra nos escritos de Marshall e isto: "Em uma
extremidade estlio os mercados mundiais, em que a concorrencia atua diretamente,
vinda de todas as partes do globo; em outra est[o os mercados insulados, para os
quais a concorrencia vinda de longe esta fora de cogita~oes, embora a concorrencia
indireta e transmitida possa fazer-se sentida mesmo ai; de permeio, entre as duas
extremidades, estao quase todos os mercados que os econornistas e os homens de
neg6cios tern de estudar." ( 2 I Marshall encarou 0 mundo como ele e;pensou em
construir urn "mecanismo" para analisa-Io, mas n[o em uma reprodu~[o fotografica
do mundo.
Analisando 0 mundo como ele e, Marshall formulou a hip6tese de que, para a
(1)
PRINCIPLES OF POLITICAL ECONOMY (Ashley, organizador; Longmans, Green & Co.,
1929), p. 346.
( 2 )
PRINCIPLES, p. 329; ver, tambem, pp. 35, 100,.341,347,375 e 546.
resoluy1i'ode numerosos problemas, as firmas podiani ser agrupadas em "indus trias" ,
de tal modo que as similaridades das firmas de urn mesmo grupo superassem, em
importancia, as diferenyas que entre etas pudessem existir. Os problemas em tela s1i'o
aqueles em que 0 elemento notorio a considerar e 0 de as firmas de urn grupo se
verem analogamente afetadas por urn dado estimulo; ha, digamos, uma alteray1i'o
comum na demanda pelos artigos que as firmas produzem ou no fornecimento
desses artigos. Todavia, a tatica n1i'o se'aplica a todos os problemas, ja que, em
muitos casos, 0 eleme1lto importante a considerar e, justamente, 0 dos efeitos dife-
renciadores que demanda e oferta pod em ter sobre firmas particulares.
o modelo abstrato associado a essa hipotese de Marshall con tern dois tipos
"ideais" de firmas: firmas competitivas atomizadas, agrupadas em industrias, e
firmas monopolistas. Vma firma se diz competitiva quando a curva de demanda
concernente a sua produy1i'o e infinitamente elastica, relativamente ao seu proprio
preyo, para algum preyo e toda a produy1i'o, tendo em conta os pre.yos cobrados por
todas as demais firmas; a firma pertence a uma "industria" definida como urn grupo
de firmas que fabricam urn unico "produto". Urn "produto" e defmido como cole-
y1i'ode unidades que, aos olhos do consumidor, n1i'ose distinguem umas das outras,
de modo que a elasticidade da demanda, no que concerne a produyao de uma firma,
com respeito ao preyo de outra firma da mesma industria, se toma infinita, para
algum preyo e certas produyoes. Vma firma se diz monopolista quando a curva de
demanda, concernente a sua produyao, n1i'oe infinitamente elastica, para urn dado
preyo, relativamente a todas as produyoes. ( 1 ) Se a firma e monopolista, ela
propria e uma industria. ( 2 )
Como sempre, a hipotese, no seu todo, consiste n1i'o apenas desse modelo
abstrato e de seus tipos ideias, mas tambem de urn conjunto de regras, quase sempre
implicitas, sugeridas por exemplificay[o, que permita identificar firmas reais a urn
ou outro de tais tipos ideais e permita classificar as firmas, para situa-Ias em indus-
trias. Os tipos ideais n1i'otern a pretensao de ser descritivos; s[o concebidos a fim de
isolar os' trayos que se nrostrem relevantes para a resoluyao de urn particular pro-
blema. Ainda que pudessemos fazer estimativas diretas e acuradas da curva de de-
marida para urn produto da firma, n[o nos seria permitido dizer, de imediato, que
(1)
Esse tipo ideal pode ser dividido em dois: a firma oligopolista, se a curva de demanda para 0
produto e infmitamente elastica, a urn dado pre~, para alguns, mas mlo todos os produtos; e a
firma propriamente monopolista, se a curva de demanda mlo e infinitamente elastica em qual-
quer de seus pontos, exceto, possivelmente, no ponto que corresponda a uma produ~ao nula.
(2 )
Para 0 adepto do oligopolismo caracterizado na precedente nota, uma industria sera definida
como grupo de f"rrmasque produzem urn mesmo produto.
ela e perfeitamente competitiva ou monopolista, segundo a finitude ou nao-finitude
da elasticidade daquela curva. Nenhuma curva de demanda, efetivamente observada,
e perfeitamente horizontal, de modo que a elasticidade estimada sempre sera finita.
A questao relevante, invariavelmente, e a de saber se a elastieidade toma valores
"suficientemente" grandes a ponto de poder ser vista como infinita. Essa questao,
entretanto, nao adrnite resposta definitiva com base, apenas, no valor numerico da
propria elasticidade - exatamente como nao podemos dizer, de uma vez por todas,
que a pressao atmosferica de quinze libras por polegada quadrada esta "suficiente-
mente" proxima de zero a ponto de permitir 0 usa da formula s = (1/2) 9t2.
Analogamente, nao nos e dado calcular as elasticidades-cruzadas da demanda para,
em seguida, classificar as firmas, distribuindo-as em industrias, segundo a existencia
de "substancial hiato nas elasticidades-cruzadas da demanda". Como diz Marshall,
"Saber onde tra<;:aras linhas divisorias entre variadas mercadorias ou seja, industrias
e uma questao que precisa ser resolvida em fun<;:aode conveniencias, face a cada
discussao especifica." ( 1 ) Tudo depende do problema em tela. Nao ha qualquer
incongruencia quando a mesma firma se ve contemplada, num problema, como
competidora perfeita e, em outro problema, como entidade de carater monopolista
- analogamente ao que se da no caso de sinal de giz, onde tambem inexistem con-
tradi<;:5esse ele e considerado em termos de curva euclidiana, em certa situayao, em
termos de superficie euclidiana, em outra, e, em termos de superficie euclidiana, em
uma terceira situayao. Mostram-se relevantes as dimensoes da elasticidade e da elas-
ticidade cruzada de demanda, 0 numero de firmas que produzem artigos fisicamente
similares, etc., porque todos esses elementos saD (ou podem figurar entre as) varia-
veis utilizadas para definir a correspondencia que se estabelece entre entidades
ideais e entidades reais, num particular problema, assim como para especificar as
circunstancias em que a teoria vige suficientemente bem. Mas esses elementos nao
conduzem, de uma vez por todas, a uma divisao das firmas em monopolistas ou
competitivas.
Um exemplo concreto perrnitira esclarecer 0 ponto em tela. Imaginemos que
o problema seja 0 da determina<;:ao do efeito de um aumento (presumido permanen-
te) dos impostos sobre 0 pre<;:ode venda de cigarros no varejo. Posso preyer que
resultados largamente corretos serao obtidos ao tratar as empresas fabricantes de
cigarros como se fossem firmas que produzem um mesmo produto e que estao em
situa<;:ao de concorrencia perfeita. Em casos desse tipo, naturalmente, "alguma
conven<;:liodeve ser feita a respeito "de" quantos cigarros de certa marca, A, di-
gamos, hlfo de mostrar-se "equivalentes" a um cigarro de outra marca, B, por
(1)
PRINCIPLES, p. 100.
exemplo. ( 1 )
De outro fado, a hip6tese de que as fabric as de cigarros agiriam como se
fossem perfeitamente concorrentes teria sido urn falso guia para 0 estudo de suas
reac;i5esao controle de prec;os, durante a Segunda Guerra Mundial - 0 que se reco-
nheceria are mesmo antes do evento. as custos das fabricas de cigarros devem ter
subido no periodo da guerra. Em tais condic;oes, competidores perfeitos teriam
reduzido a quantidade oferecida para venda a prec;os antigos. Todavia, cabe presu-
mir que, mantidos os prec;os antigos, 0 aumento da renda dos consumidores, na
epoca do conflito, aumentaria a demanda. Em condic;oes de concorrencia perfeita, a
estrita adesao ao prec;o legal acarretaria nao apenas "escassez", (no sentido de que a
quantidade solicitada superaria a quantidade oferecida), como, ainda, urn declinio
absoluto do numero de cigarros produzidos. as fatos contraditam essa particular
consequencia: houve, na verdade, ades[o razoavelmente boa aos prec;os maximos
dos cigarros e, no en tanto, as quantidades produzidas aumentaram substancialmen-
te. A fOflra comum dos custos aumentados agiu, presumivelmente, com menos in-
tensidade do que a fore;:ade ruptura, representada pelo desejo, em cada firma, de
conservar sua porC;ao do mercado e de manter 0 valor e 0 prestigio do nome de seu
produto - especialmente quando os impostos sobre excesso de lucros desviou, para
o govemo, uma grande parte dos gastos com a propaganda. No que conceme a este
problema especifico, as firmas fabricantes de cigarros n[o poaem ser tratadas como
se fossem concorrentes perfeitos.
a cultivo de trigo e lembrado, frequentemente, para ilustrar a concorrencia
perfeita. Entretanto, assim como e_legitimo, para alguns problemas, cogitar dos
produtores de cigarros como se formassem uma industria perfeitarnente competiti-
va, nlfo e legitimo, para outros problemas, cogitar dos produtores de trigo nesses
termos. Exemplificlltivamente, n[o e conveniente tratar os produtores de trigo
como se constituissem uma industria perfeitamente competitiva se a quest[o em
foco e ados prec;os diferenciados que os operadores de maquinas da regi[o pagarn
pelo trigo.
As ideias de Marshall mostraram-se muito uteis para a analise de problemas
em que urn grupo de firmas e afetado por urn estimulo comum e em que as firmas
podem ser tratadas como se fossem concorrentes perfeitos. Ai esta a fonte do
mal-entendido que levou a admitir haver Marshall "presumido" a concorrencia per-
feita, em algum sentido descritivo. Seria altarnente conveniente dispor de uma
teoria roais geral do que a p,roposta por Marshall, uma teoria que englobasse, ao
mesmo tempo, os casos em que tern e os casos em que n[o tern importancia essen-
( 1)
as trechos citados saodos PRINCIPLES.
217101949 firedman-metodologia-da-economia-positiva-friedman
217101949 firedman-metodologia-da-economia-positiva-friedman
217101949 firedman-metodologia-da-economia-positiva-friedman
217101949 firedman-metodologia-da-economia-positiva-friedman
217101949 firedman-metodologia-da-economia-positiva-friedman

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a 217101949 firedman-metodologia-da-economia-positiva-friedman

Curso de Economia Politica I, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ULHT, 2011/12)
Curso de Economia Politica I, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ULHT, 2011/12)Curso de Economia Politica I, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ULHT, 2011/12)
Curso de Economia Politica I, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ULHT, 2011/12)A. Rui Teixeira Santos
 
Revolciones CientíFicas Y Keynesianas
Revolciones CientíFicas Y KeynesianasRevolciones CientíFicas Y Keynesianas
Revolciones CientíFicas Y Keynesianasblogdgalvan
 
Especialização em Saúde da Família UNA - SUS
Especialização em Saúde da Família UNA - SUSEspecialização em Saúde da Família UNA - SUS
Especialização em Saúde da Família UNA - SUSSebástian Freire
 
Texto18 P7
Texto18 P7Texto18 P7
Texto18 P7renatotf
 
A cheia do_mainstream
A cheia do_mainstreamA cheia do_mainstream
A cheia do_mainstreamCelaine Gomes
 
Almeida filho n. o conceito de saúde
Almeida filho n. o conceito de saúdeAlmeida filho n. o conceito de saúde
Almeida filho n. o conceito de saúdeMarcos Santos
 
Sociologia e ecologia
Sociologia e ecologiaSociologia e ecologia
Sociologia e ecologiaJoao Paulo
 
Sociologia e ecologia
Sociologia e ecologiaSociologia e ecologia
Sociologia e ecologiaJoao Paulo
 
Notas criticas sobre_justica_estado_e_direito_no_mundo_contemporaneo
Notas criticas sobre_justica_estado_e_direito_no_mundo_contemporaneoNotas criticas sobre_justica_estado_e_direito_no_mundo_contemporaneo
Notas criticas sobre_justica_estado_e_direito_no_mundo_contemporaneoMaria Amélia Ferracciú Pagotto
 
Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fund...
Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fund...Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fund...
Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fund...Eloi Campos
 
Lecture #1 fundamentos e conceitos econômicos básicos
Lecture #1   fundamentos e conceitos econômicos básicosLecture #1   fundamentos e conceitos econômicos básicos
Lecture #1 fundamentos e conceitos econômicos básicosHumberto Fioravante Ferro
 
Relação entre politica e economia
Relação entre politica e economiaRelação entre politica e economia
Relação entre politica e economiaRodrigo Ribeiro
 
Apostila introdutória
Apostila introdutória Apostila introdutória
Apostila introdutória colhomagno
 

Semelhante a 217101949 firedman-metodologia-da-economia-positiva-friedman (20)

Curso de Economia Politica I, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ULHT, 2011/12)
Curso de Economia Politica I, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ULHT, 2011/12)Curso de Economia Politica I, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ULHT, 2011/12)
Curso de Economia Politica I, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ULHT, 2011/12)
 
Mudanças de paradigma na biologia e seus impactos
Mudanças de paradigma na biologia e seus impactosMudanças de paradigma na biologia e seus impactos
Mudanças de paradigma na biologia e seus impactos
 
Revolciones CientíFicas Y Keynesianas
Revolciones CientíFicas Y KeynesianasRevolciones CientíFicas Y Keynesianas
Revolciones CientíFicas Y Keynesianas
 
Oes pi ritodasleisnasaude
Oes pi ritodasleisnasaudeOes pi ritodasleisnasaude
Oes pi ritodasleisnasaude
 
Especialização em Saúde da Família UNA - SUS
Especialização em Saúde da Família UNA - SUSEspecialização em Saúde da Família UNA - SUS
Especialização em Saúde da Família UNA - SUS
 
Texto18 P7
Texto18 P7Texto18 P7
Texto18 P7
 
A cheia do_mainstream
A cheia do_mainstreamA cheia do_mainstream
A cheia do_mainstream
 
Almeida filho n. o conceito de saúde
Almeida filho n. o conceito de saúdeAlmeida filho n. o conceito de saúde
Almeida filho n. o conceito de saúde
 
Sociologia e ecologia
Sociologia e ecologiaSociologia e ecologia
Sociologia e ecologia
 
Sociologia e ecologia
Sociologia e ecologiaSociologia e ecologia
Sociologia e ecologia
 
Td eco-01 apostila-de_economia[2]
Td eco-01 apostila-de_economia[2]Td eco-01 apostila-de_economia[2]
Td eco-01 apostila-de_economia[2]
 
Notas criticas sobre_justica_estado_e_direito_no_mundo_contemporaneo
Notas criticas sobre_justica_estado_e_direito_no_mundo_contemporaneoNotas criticas sobre_justica_estado_e_direito_no_mundo_contemporaneo
Notas criticas sobre_justica_estado_e_direito_no_mundo_contemporaneo
 
Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fund...
Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fund...Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fund...
Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fund...
 
Lecture #1 fundamentos e conceitos econômicos básicos
Lecture #1   fundamentos e conceitos econômicos básicosLecture #1   fundamentos e conceitos econômicos básicos
Lecture #1 fundamentos e conceitos econômicos básicos
 
Economia e moral
Economia e moralEconomia e moral
Economia e moral
 
Economia resumo
Economia resumoEconomia resumo
Economia resumo
 
Economia resumo
Economia resumoEconomia resumo
Economia resumo
 
Economia resumo
Economia resumoEconomia resumo
Economia resumo
 
Relação entre politica e economia
Relação entre politica e economiaRelação entre politica e economia
Relação entre politica e economia
 
Apostila introdutória
Apostila introdutória Apostila introdutória
Apostila introdutória
 

217101949 firedman-metodologia-da-economia-positiva-friedman

  • 1. EDJ(;OES MUL11PUC Vol. 1,N! 3, Fevereiro,1981 John Neville Keynes, em seu adminivel The Scope and Method of Political Economy, distingue "uma ciencia positiva ... ( , ) corpo sistematizado de conheci- mentos relatlvos ao que e, de uma ciencia normativa, ou reguladora, ... ( , ) corpo sistematizado de conhecimentos em que se analisam criterios acerca do que devia ser e de uma arte ... ( , ) sistema de regras para a consecuyll'o de urn determinado objetivo"; observa que "a confusll'o entre elas e comum e tern sido a fonte de nume- rosos erros serios" e lembra a importancia de "reconhecer uma ciencia positiva au- tonoma da economia politic a" . ( 1 ) o presente artigo volta-se principalmente para certos problemas de carater metodol6gico, manifestos quando se constr6i a "cic~nciapositiva autonoma" recla- mada por Keynes, e focaliza, em particular, a questll'o de como proceder a fim de decidir se uma hip6tese ou uma teoria deve ser aceita, ainda que provisoriamente, como parte do "corpo sistematizado de conhecimentos relativos ao que e". Toda- via, a confusll'o deplorada por Keynes ainda se manifesta com frequencia e impede notar que a econornia pode ser - e em parte IS - uma ciencia positiva, de modo que • Acrescentei, no presente artigo, sem alusoes espec{ficas, a maior parte de meu breve "Co- mentario", que apareceu em Survey of Contemporary Economics, Vol. II ·(B.F. Haley, organi- zador) (Chicago, Richard D. Irwin, Inc., 1952), pp. 455-57 . . Agrade~o, pois muito me ajudaram, os comentarlos e cr{ticas feitos por Dorothy S. Brady, Arthur F. Burns e George J. Stigler. (1) (tondles, Macmillan & Co., 1891), pp. 34-35 e 46. Original: "The Methodology of Positive Economics" Reprinted from Essays in Positive Economics by Milton Friedman by permission of The University of Chicago Press. Copyright 1953 by the University of Chicago. Tradu~o: Leonidas Hegenberg.
  • 2. parece oportuno prefaciar 0 artigo, juntando-lhe algumas observa~{'les a prop6sito da rela~ao que vige entre econornia positiva e econornia normativa. I - A RELA<;AO ENTRE ECONOMIA POSITIV A E ECONOMIA NORMATIV A I I Confundir economia positiva e economia normativa e, ate certo ponto, inevi- tavel. Quase todos consideram os temas centrais da econornia como algo de impor- tancia vital e como algo que se coloca no ambito de sua pr6pria experiencia e com- petencia; esses temas dao origem a amplas .controversias e s[o objeto de legisla~fo frequente. Pessoas que se dizem "peritos" na materia formulam opinilSes divergen- tes e dificilmente poderiamos considera-las, todas, como pessoas desinteressadas, ou imparciais. De qualquer forma, em assuntos de tal monta, a opinifo "abalizada nao seria endossada, por ato de fe, ainda que os "peritos" concordassem entre si e fos- sem claramente imparciais. ( 1 ) As concluslSes da econornia posiuva parecem rele- vantes e sao, de fato, de relevancia imediata para diversos problemas normativos importantes, para quest{'les relativas ao que deveria ser feito e relativas ao modo pelo qual se pode atingir urn determinado objetivo. Leigos e peritos, indiferente- mente, tendem a acomodar as conclus{'les positivas aos preconceitos normativos fortemente aceitos e tendem a rejeitar essas conc!us{'les positivas quando as suas conseqtiencias normativas (ou aquilo que se presume sejam suas conseqiiencias normativas) se mostram desagradaveis. A economia positiva independe, em tese, de qualquer posi~fo etica especial ou de juizos normativos. No dizer de Keynes, ela trata "do que e" e n[o "do que deveria ser". A tarefa dessa economia positiva e a de provar um sistema de generali- za~(jes passivel de ser utilizado para fazer previsOes corretas acerca das conseqtien- cias de qualquer altera~[o das circunstancias. 0 desempenho de uma tal econornia sera ajuizado em term os da precis50 e do alcance das previs{'lese em termos do ajus- te que haja entre tais previs{'les e a experiencia. Em suma, a econornia positiva e ou (1) Quanto a isso, nada ha de peculiar nas ciencias sociais ou na Economia, como se podera consta- tar pensando na irnportlincia que adquirirem, em geral, as cren~s pessoais ou, na Medicina, os remedios caseiros, sempre que falte a evidencia obviamente convincente da opiniao dos "peri- tos", 0 prestigio e a aceita~ao de que gozani, nos dias de hoje, as conce~es dos estudiososda Fisica (seja quando se manifestam a respeito de temas de sua propria uea de especializa~o, seja - como anas, ocorre muito frequentemente - quando se pronunciam sobre temas de olJ1rU areas) derivam nao apenas da fe, mas da evidencia que as apoia, do exito de suas previsaes e du dramaticas conquistas feitas com base nos resultados que propiciam. Quando a Economia pare- ceu garantir a sua valia, na Gra-Bretanha da primeira metade do secuto XIX, com evidencia do mesmo naipe, 0 prestigio e a aceita~o da "Economia cientJ1ica" puderam rivalizar com 0 atual prestigio das ciencias flsicas.
  • 3. pode vir a ser uma ciencia "objetiva", exatamente como qualquer das ciencias fisi- cas. 0 fato de a economia considerat interrela~aes entre seres human os e de 0 pes- quisador ser ele mesmo (de modo muito mais claro do que acontece nas ciencias fl· sicas), parte do assunto investigado, geram, como e obvio, dificuldades especiais, quando se cogita de alcan~ar objetividade; entretanto, esses fatos tamMm dll'o, aos cientistas sociais, certas classes de dados que nll'o estll'o ao dispor dos estudiosos que se voltam para as ciencias fisicas. Nem urn nertl outro desses dois itens, porem, permite, no meu entender, que se fa~a uma distin~ao basica entre os dois grupos de ciencias. ( 1 ) A economia normativa e a arte da economia, por sua vez, nlio podem ser in- dependentes da economia positiva. Qualquer concluslio rela'tiva a diretrizes apoia-se, obrigatoriamente, em uma previslio em tomo das conseqiiencias de proceder-se de uma forma e nlio de outra, previslio essa que precisa assentar-se - explicita ou im- plicitamente - na economia positiva. Nao existe, e claro, uma rela~ao um-a-um entre as conclusaes relativas a diretriJ:es a seguir e as conclusaes da economia positi- va; se uma tal rela~lio biunivoca existisse,nlio haveria lugar para uma ciencia norma- tiva autonoma. Duas pessoas podem concordar a respeito das conseqiiencias de uma legisla~ll'o especifica qualquer. Contudo, uma dessas pessoas pode achar que tais· conseqiiencias slio desejaveis, inclinando-se, pois, a aceitar a lei, ao passo que a ou- tra,julgando inaceitaveis aquelas conseqiiencias, pode deliberar opor-se a ela. Atrevo,me a dizer, entretanto, que, presentemente, no mundo ocidentale, de modo especifico, nos Estados Unidos da America, as divergencias, entre cidadll'os imparciais, sobre as diretrizes economicas, derivam muito mais das diferen~as nas previsoes relativas as consequencias economicas de uma a~lio - diferen~as que serll'o eliminadas pelo processo da economia positiva - do que de uma fundamental diver- sific~ao dos valores. basicos - diversifica~ao em tomo da qual os homens, em Ulti- ma analise, so podem lutar. Exemplo claro e nao destituido de importancia eo da legisla~ll'o a pro,posito dos sallirios rninimos. Sob a ampla quantidade de argumentos em favor e contra essa legisla~ao esta a ideia geral de flxar urn "salario vital" para todos - segundo a terminologia ambigua que freqiientemente se usa ao discutir a questll'o. As diversas opiniaes assentam-se largamente em uma diferen~a, explicita (1) A intera~ao entre 0 observador e 0 processo observado, que e tao marcante caracter{stica das ciencias sociais, possui, a par de urn paralelo obvio, nas ciencias fisicas, uma contraparte mais sutil no principio da indetermina~ao, que resulta da intera~ao entre 0 processo de mensura~o e o fenomeno que se procura medir. Esses dois elementos possuem, ainda, uma contraparte na 16gica, a saber, 0 teorema de Codel, segundo 0 qual e impossivel construir uma logica abrangen- te e auto""luficiente. Esta em aberto a questao de saber se todos os tIes elementos podem ser vistos como formula~es diversas de urn principio de generalidade ainda maior.
  • 4. ou impli~ita, no que conceme as previsGes.relativas a eficacia desse particular modo de alcan~ar 0 objetivo desejado. Quem apoia a lei acredita (preve) que os sahirios minimos legais diminuem a pobreza pois elevam os vencimentos de pessoas que re- cebem menos do que 0 sahirio minima, assim como os vencimentos de algumas pes- soas que recebem mais do que esse minimo, sem provocar aumento do mlmero de pessoas desempr~gadas ou com empregos piores do que os empregos que teriam sem a lei. Quem se op~e a lei acredita (Preve) que os salarios minimos legais aumentam a pobreza pois elevam 0 mlmero de pessoas desempregadas ou com empregos piores e isso contrabalan~a, e muito, qualquer efeito favoravel que a lei poderia ter sobre os sahirios de pessoas que viessem a manter seus empregos. Acordo quanta as conse- qiiencias economicas de uma lei nao precisa, obrigatoriamente, corresponder a completo acordo a respeito da sua desejabilidade, pois e perfeitamente possivel haver diferen~as remanescentes no que conceme as suas conseqiiencias politicas ou sociais. Todavia, existindo acordo em tomo dos objetivos, ter-se-a dado urn largo passo em dire~ao ao consenso. Diferen~as intimamente associadas, na analise positiva, esta'o nos alicerces de concep~~es divergentes a proposito do papel e da posi~ao dos sindicatos e a prop6- sito da desejabilidade dos con troles qiretos de pre~os e sallirios e das tarifas. Dife- rentes previsoes acerca da importancia das assim chamadas "economias de escala" explicam, amplamente, as concep~oes divergentes a respeito da desejabilidade ou da necessidade de haver pormenorizada regulamenta~ao govemamental da industria e de haver preferencia pelo socialismo em vez da a~l[o das empresas privadas. Essa lista poderia ser indefinidamente prolongada. ( 1 ) Meu juizo de que as principais diferen~as em tomo de praticas economicas, no mundo ocidental, SaDdesse genero, e,naturalmente, ele mesmo, urn enunciado "positivo", a ser aceito OU rejeitado com base na evidencia empirica. ( 1 ) Exemplo de maior complexidade e 0 das diretrizes de estabiliza(ao. A urn primeiro olhar, con- cep~oes divergentes a respeito desse problema parecem refletir diferen~as nos objetivos colima- dos. Acredito, porem, que essa prirneira impressao e desnorteadora e que, fundamentalmente, as concep~oes divergentes refletem, principalmente, jUlzos diversificados a propOsito da fonte de flutua~oes, na atividade economica, e do efeito de uma a~o alternativa, contraciclica. Para examinar uma importante considera~o que explica boa parte da controversia, ver "The Effects of a Full-Employment Policy on Economic Stabilitiy. A Formal Analysis", infra, pp. 117 -32. Urn summo da atual posi~o das concep~oes dos profissionais que examinam 0 assunto se en- contra em "The Problem of Economic Instability", relatorio de subcomissao do "Committee on Public Issues':, da American Economic Association, American Economic Review, XI (setembro de 1950),501-38. N.T.: nesta e em outras notas, quando 0 Autor diz infra, refere-se a trechos que figuram nas demais partes (II, III e IV) de seu livro ESSAYS IN POSITIVE ECONOMICS (Chicago Press, 1953, edi~ao Phoenix, de 1966), cuja parte I, Introdu~ao, pp. 3-43, esta aqui traduzida.
  • 5. Se meu juizo e valida, isso quer dizer que urn consenso acerca de diretrizes "corretas", no campo Economico, depende muito menos do progresso da Econornia normativa, propriamente dita, do que do progresso de uma Economia positiva capaz de conduzir a conclusoes que sao e merecem ser amplamente acolhidas. Quer dizer, tambem, que uma razao pondenivel para distinguir riitidamente a Econornia positiva da normativa e, justamente, a contribui~ao que por essa via se podera dar ao acordo sobrediretrizes. o objetivo ultimo de uma ciencia positiva e 0 desenvolvimento de uma "tea- ria" ou de uma "hip6tese" capaz de produzir previs6es vatidas e significativas (ou seja, nao banais) acerca de fenomenos ainda nao observados. Vma tal teoria e, via de regra, uma complexa mistura de dois elementos. Em parte, e uma "linguagem", des- tinada a fomentar "metodos sistematicos e organizados de raciocinio". ( 1 ) Em parte, e urn corpo de hip6teses substantivas, elaboradas com 0 objetivo de collier, por abstra~ao, aspectos essenciais da realidade complexa. Vista como linguagem, a teoria naQ"possui conteudo substantivo; e urn con- junto de tautologias. Sua fun~ao e a de servir como sistema de arquivamento para organizar material empirico e simplificar a compreensao desse material; os criterios pelos quais sera julgada sao os que se mostram adequados para avaliar urn sistema de arquivamento. Estao as categorias definidas de modo claro e preciso? Sao elas exaustivas? Sabemos onde colocar cada qual dos itens individuais ou M certa ambi- guidade? Esta 0 sistema de Htulos e subtitulos projetado de tal maneira que se toma facil encontrar urn desejado item ou e preciso "ca~a-lo", correndo de urn lado para outro? Os itens que desejariamos considerar conjuntamente acham-se arquiva- dos uns ao lado dos outros? 0 sistema de armazenamento contoma as elaboradas referencias cruzadas? As respostas dadas a tais perguntas dependem, em parte, de considera~eses 16- gicas; e, em parte, de considera~oes factuais. Somente os canones da 16gica formal podem revelar se uma linguagem especifica e completa e coercnte,ou seja, se as proposi~eses da linguagem sao "certas" ou "erradas". Somente a evidencia factual, por seu tumo, pode revelar se as categorias do "sistema analitico de arquivamento" possuem urna contraparte emp~rica significativa, ou seja, se elas sao uteis para a (l) A frase f"male do artigo "The Present Position of Economics" (1885), de Alfred Marshall, que aparece no livro organizado por A.C. Pigou, MEMORIALS OF ALFRED MARSHALL (Lon- dres: Macmillan Co, 1925), p. 164. Ver, ainda, "The Marshallian Demand Curve", infra, pp. 56-57,90-91.
  • 6. analise de particulares classes de problemas concretos. ( 1 ) 0 exemplo simples da "oferta" e da "procura" ilustra tanto esse ultimo ponto, quanta a lista precedente de questoes anal6gicas. Vistas como elementos da linguagem da teoria economica, oferta e procura sao as duas principais categorias em que se distribuem os fatores que afetam os pre~os relativos dos produtos ou os fatores de produ~[o. A utilidade da dicotomia depen de da "generaliza~[o empirica segundo a qual urna enumera~[o das for~as que influem sobre a demanda, em qualquer problema, e das for~as que afetam a oferta, conduz a duas listas que tern poucos itens em comum." ( 2 ) Ora, essa generaliza~ao e legitima para mere ados como 0 mercado final para urn hem de consumo. Em tal mercado hli clara e precisa diferen~a entre as unidades economic as passiveis de se verem contempladas como relativas a demanda do produto e as pas- siveis de se verem contempladas como relativas a oferta desse produto. Raramente paira duvida sobre se urn fator especifico deve ser classificado como fator que, de urn lado, afeta a oferta ou como fator que, de outro lado, afeta a demanda; e rara- mente hli necessidade de considerar efeitos cruzados (referencias cruzadas) entre as duas categorias. Em tais casos, 0 simples e mesmo 6bvio arquivamento dos fatores relevantes sob os titulos "oferta" e "demanda" representa grande simplific~[o do problema e se tom a maneira efetiva de contomar falacias que, de outra forma, ten- deriam a manifestar-se. Mas a generaliza~ao nao e sempre legitima. Nll'o vale, por exemplo, para as flutua~oes diarias dos pre~os, em urn mercado primacialmente especulativo. Pode urn boato a respeito de aumento de imposto sobre'lucros exces- sivos, por exemplo, ser visto como fator que opera primordialmente na oferta de a~oes das empresas, no mercado do dia? Ou sera visto como fator que opera na pro- cura? Quase todos os fatores, alias, podem ser colocados sob 0 titulo "oferta" ou, com justificativa similar, sob 0 titulo "procura". Os conceitos, porem, ainda s[o passive is de usa e nao se mostram inteiramente despropositados; ainda s[o "certos", embora, e claro, menos uteis do que 0 seriam no primeiro exemplo - porque lhes falta, agora, uma contraparte empirica significativa. Vista como corpo de hip6teses substantivas, a teoria sera julgada pelo seu poder preditivo, relativamente a classe de fenomenos que ela pretende "explicar". Tao-somente a evidencia factual podera mostrar se a teoria e "certa" ou "errada", isto e, se ela sera provisoriamente "aceita" ~omo valida ou "rejeitada". 0 unico teste relevante para a validade de uma hip6tese - ponto em que me deterei mais longamente abaixo - e a compara~ao das suas previs<5escom a experiencia. A hip6- (1) Ver "Lange on Price Flexibility and Employment: A Methodological Criticism", infn, pp. 282-89. (2 ) "The Marshallian Demand Curve", infn, p. 57.
  • 7. tese e rejeitada quando suas previsoes sao contraditadas ("com freqiiencia" ou mais assiduamente do que as previsoes oriundas de hip6tese altemativa). E aceita quando suas previsoes nao sao contraditadas e tanto maior confian~a desperta quanta maior o numero de oportunidades em que poderia ter-se visto contraditada. A evidencia factual jamais "prova" uma hip6tese; pode, apenas, deixar de refutli-Ia e e isso,jus- tamente, 0 que se entende ao dizer, de maneira urn tanto inexata, que uma hip6tese foi "confirmada" pela experiencia. A fim de evitar confusoes, cabe notar, explicitamente, que as "previsoes" pelas quais se submete a teste a validade de uma hip6tese nao precisam dizer respei- to a fen6menos que ainda nao ocorreram, ou seja, nao precisam ser vaticinios a proposito de eventos futuros. Podem dizer respeito a fen6menos ja ocorridos, mas sem que observa~oes acerea deles tivessem sido registradas, ou a fen6menos desco- nhecidos para a pessoa que faz as previsoes. Exemplificando,.uma hip6tese pode implicar que tal ou qual evento - face a certas outras circunstancias - deve ter ocorrido em 1906. Se uma pesquisa de registros hist6ricos revela que 0 even to ocor- reu, de fato, a previsao esta confirmada; se revela, ao contrario, que 0 evento nao ocorreu, a previsao esta contraditada. A validade de uma hipotese, no sentido agora elucidado, n[o e, por si mesma, urn criterio suficiente para a escolha de uma dentre varias hip6teses viaveis. 0 nu- mero de fatos observados e invariavelmente finito, ao passo que 0 numero de hip6- teses po!>siveise infmito. Se ha uma hip6tese compativel com a evidencia disponi- vel, entao havera sempre urn numero infinito de hip6teses igualmente compativeis com essa evidencia. ( 1 ) Imagine-se, para exemplificar, que urn imposto de consu- mo de urn artigo acarrete aumento de pre~o desse mesmo artigo - e que 0 aumento seja igual ao imposto. Isso e compativel com as condi~oes competitivas, uma curva estavel de demanda e uma curva estavel e horizontal de oferta. Mas tambem e com- pativel com as condi~oes competitivas e uma curva de oferta de declividade positiva ou negativa, com 0 exigi do deslocamento de compensa~ao efetuado seja na curva de demanda, seja na curva de oferta. Tambem e compativel com as condi~oes monopo- listicas, os custos marginais constantes e uma curva estavel de demanda, com a con- figura~[o especifica requerida para produzir esse resultado. E assim por diante, indefinidamente. Novas evidencias, com as quais a hip6tese devera mostrar-se com- pativel, poderao, e certo, eliminar algumas das possibilidades; mas nao poderao elimina-Ias todas e delimitar uma unica possibilidade, capaz de revelar-se compati- ( 1) A restri"ao e necessaria porque a "evidencia" pode mostrar-se internamente contradit6ria, de modo a inexistir hip6tese compativel com ela. Vcr, ainda, "Lange on Price Flexibility and Employment", infra, pp. 282-83.
  • 8. vel com a evidencia finita. A escolha de uma das hip6teses possiveis - todas igualmente compativeis com a evidencia disponivel - M de ~r, ate certo ponto, arbitrana, embora se reconhe~a, em geral, que entre as considera~ijes relevantes a ter em conta estejam os crit6rios de "simplicidade" (e de "fe- cundidade" - n~ijes que, todavia, desafiam caracteriz~lI'o completanlente obje- tiva. Diz-se que uma teoria e .tanto mais "simples" quanto menor 0 numero de conhecimentos iniciais que requer para pennitir previs~es, num dado campo de fenomenos; diz-se que e mais "fecunda" se as previs~s resultantes slI'omais pre- cisas, se a area em que a teoria permite as previsijese mais ampla e se 0 numero de linhas de investiga~lfo sugeridas e maior.)A completude 16gica e a .coerencia 16gica slfo relevantes, mas desempenham papel subsidiano, assegurando que a hip6tese afirma 0 que se pretende seja por ela afirmado e 0 afirme de maneira anaIoga para todos os seus usuarios. Completude e coerencia atuam, aqui, exata- mente como atuam, nas computa~ijes estatisticas, as verifiC~ijes de acuidade aritmetica. Infelizmente, porem, e raro podermos submeter a teste as previ~s particula- res, nas ciencias sociais, valendo-nos de experimentos especificamente prOjetados com 0 fito de eliminar as influenciaspertubadoras consideradas de maior importan- cia. Em geral, precisamos confiar na evidencia recolhida em "experimentos" que, simplesmente, ocorrem. A dificuldade de realizar os chamados "experimentos con- trolados" nao corresponde, no meu entender, a uma distin~ao que se devaestabele- cer entre ciencias sociais e ciencias fisicas; com efeito, nao so a dificuldade e co- mum as duas areas (cogite-se da Astronomia, por exemplo) como, a par disso, urna presurnivel diferen~a entre experimentos controladOs e experiencias nlfo-controla- das e, quando muito, uma diferen~a de grau. Nenhurn experimento pode ser com- pletamente controlado e qualquer experiencia e parcialmente controlada - no sen- tido de que algumas influencias pertubadoras se mantem relativamente constantes na experiencia. A evidencia oferecida pela experiencia e abundante e, muitas vezes, tlio con- cludente como 0 seria a evidencia recolhida por meio de experimentos planejados. Segue-seque a impossibilidade de realizar experimentos nao e obstaculo fundamen- tal para submeter a teste uma hipotese, empregando, para isso, 0 exito de suas pre- visoes. Todavia, essa evidencia fornecida pela experiencia e bem mais dificil de in- terpretar do que a recolhida em experimentos, porque sempre se mostra indireta e incompleta e, em geral, se revela complexa. A coleta dessaevidenciae, via de regra, muito ardua e sua interpret~ao exige anaIisessutis e cadeias de complicados racio- cinios, que poucas vezes sao efetivamente convincentes. A Econornia se nega a evi- dencia dramatica e direta do experimento "crucial", 0 que gera entraves para 0 adequado teste de hipoteses; isso, porem, e menos importante do que 0 obstaculo ,.
  • 9. posto a tentativa de alcan~ar nipido e amplo consenso a respeito das conc1us~es jus- tificadas pela evidencia acessivel. Assim, torna-se lento e difici1 0 processo de elimi- n~ll'o de hipoteses malogradas, que raramente desaparecem e sempre voltam a ser contempladas. Ha, e certo, muita varia~ll'o no que concerne a esses temas. Qcasionalmente, a experiencia nos fomece evidencias tll'o diretas, dramaticas e convincentes quanto as que nos poderiam ser apresentadas pelos experimentos controlados. 0 exemplo mais obviamente importante seria, talvez, 0 da evidencia que a infl~ll'o nos da a respeito da hipotese de que urn apreciavel aumento da quantidade de moeda, em' urn periodo relativamente breve, corresponde a urn substancial aumento dos pre~os dos generos. Aevidencia, nesse cas~ e dramatica e a cadeia de raciocinio exigida para interpreta-la e relativamente breve. Sem embargo, apesar dos numerosos casos de aumento substancial dos pre~os, de sua correspondencia urn-a~urn com 0 aurnento das quantias de moeda e da ampla varia~ll'o de outras circunstancias que possam parecer relevantes, cada nova experiencia da infla~ao levanta controversias calorosas (nll'o apenas junto aos leigos, cumpre frisar), afirmando-se ou que 0 au- mento da quantidade de moeda e efeito acidental de uma eleva~ll'o de pre~os, decor- rente de outros fatores, ou que esse aurnento do estoque de moeda nll'o passa de fortUito e desnecessano fenomeno, concomitante ao do aumento de pre~os. Uma conseqiiencia da dificuldade que cerca 0 teste de hipoteses economic as substantivas tern sido a fuga para 0 terreno das analises puramente formais e tauto- logicas. ( 1 ) Como ja foi obseIVado, as tautologias ocupam urn importante lugar na . Economia e em outras ciencias, pois sll'Qparte de uma linguagem especializada,ou seja, constituem urn "sistema analitico de armazenamento". A par disso, a logica e a matematica, tambem tautologicas, sao recursos essenciais para a verifica~ll'o da cor- re~ll'o dos raciocinios, para a descoberta das implica~oes das hipoteses e para a anali- se de hipoteses supostamente diferentes - com 0 fito de saber se,afmal, nll'o passam de hipoteses equivalentes ou se sll'o realmente diversas, com a correspondente de- termina~ll'o das diferen~as. Mas a teoria economica deve ser mais do que uma estrutura de tautologias - se pretende predizer as conseqiiencias de nossas a~oes, sem limitar-se a descrever tais conseqiiencias, ou seja, se pretende ser mais do que matematica disfar~ada. ( 2 ) A utilidade das tautologias depende, em Ultima instancia, como ja se ressaltou acima, (1) Ver 0 mesmo artigo, nota anterior, passim. (2 ) Ver, tambem, Milton Friedman e L. J. Savage, "The Expected Utility Hypothesis and the Measurability of Utility", Journal of Political Economy, LX (Dezembro, 1952),463-94, esp. pp.565-67.
  • 10. da aceitabilidade de hip6teses substantivas, capazes de sugerir as particulares catego- rias em que se distribuem os refratarios fenomenos empiricos. Efeito mais serio, provocado pela dificuldade de submeter a teste as hip6teses economicas atraves de suas previsoes, e 0 deela facilitar 0 surgimento de mal:-enten- didos acerca do papel da evidencia empirica no trabalho te6rico. A evidencia empi- rica e vital em duas fases diversas, embora intimamente associadas: na fase de elabo- ra~ao das hip6teses e na do teste de sua validade. Ampla e abrilhgente evidencia acerca dos fenomenos de uma hip6tese tratara de generalizar e "explicar", alem de possuir uma importancia 6bvia, como veicu10 para formul~li'o de novaship6teses, e indispensavel para assegurar que a hip6tese explica 0 que pretende expIicar - OU seja, para garantir que suas implica~ijes, no que conceme aiais fenomenos, nfo este- jam de antemao contraditadas pela experiencia anterior. ( 1) Supondo que a hip6- (1) Nos Ultimos anos, alguns economistas, partic~ente os do grupo lig~do a "Cowles Commi- ssion for Research in Economics", da Universidade de Chicago; enfatizaram a divisiO desse passo (de sele~ao de hip6tese compatlvel com a evidencia conhecida) em duas fases: em primei- ro lugar, a sele~o de um conjunto de hip6teses admisslveis, retiradas da classe de todas as hip6- teses posslveis (0 que corresponde a escolha de urn "modelo", de acordo coma terminologia adotada); e, em segundo lugar, a escolha de UJila hip6tese, dentre as admisSlveis (a escolha de urna "estrutura"). Essa reparti~o pode ser heuristicamente valiosa em alguns tipos de trabalho, especialmente quando se trata de aperfei~ar 0 uso sistematico de teorias e de evidencias esta- tisticas ja existentes. De urn 3ngulo metodol6gico, porem, temos urna divisiio inteiramente arbi- trana do processo de sel~o de uma especlfica hip6tese, divisi'o que esta em pe de igualdade com Wrlas outras divis5es igualmente convenientes para este ou aquele prop6sito ou que satis- fazem certas necessidades psicol6gicas dos investigadores. Uma conse~iienci8 dessa particular divisiio foi a de que deu origem ao chamado problema "da identifica~o". Como se observou acima, se uma hip6tese e compativel com a evidencia existen- te, M um nlimero inimito de hip6teses que tambem se mostrariio compattveis com a mesma evidencia. Embora, contudo, isso valha para a classe de hip6teses, como um todo, pode nao valer para a subclasse obtida pela primeira das duas fases acima descritas - a da escolha do "modelo". :e posslvel que a evidencia a empregar com 0 fito de selecionar a hip6tese f'mal (par- Undo da subclasse) seja compatlvel com umad;1s hip6teses (da subclasse), caso em que 0 mode- 10 esta "identificado"i de outra forma, diz-se que omodelo "nao foiidentificado". Depreende- -se dessa maneira de descrever 0 conceito de "identifica!llio" que estamos diante de urn caso especial do problema geral de escolha de hip6teses igualmente compattveis com a evidencia - urn problema que sera resolvido por meio de a1gum principio arbitrano como, digamos, 0 da navalha de Ocam. A consider~ao de duas lases, na sele~o de urna hip6tese, faz com que esse problema geral se manifeste duplamente, em cada qual dessasfases, dando-lhe uma conf'JgUIll~o especial. Embora a classe de todas as hip6teses permane~, invariavelmente, nao identificada, a subclasse do "modelo" talvez possa ser identificada, de modo que se apresenta a questao de conhecei as condi~es a que 0 "modelo" deve satisfazer para ver-se identificado. Conql1anto a considera~o das duas fases seja muito litil, em alguns contextos; ela gera 0 perigo de haver dois criterios diferentes, inadvertidamente empregados para realizar 0 mesmo tipo de e:scolha de
  • 11. tese e compativel com a evidencia existente, os testes ulteriores dessa hip6tese en- volver[o deduzir, tomando·a como premissa, fatos novos, passiveis de observ~li'o, mas n[o previamente conhecidos, e comparar tais fatos deduzidos com evidencia empirica 'adicional. Para que urn tal teste se mostre relevante, os fatos deduzidos devem dizer respeito a classe de fenomenos que a hip6tese procura explanar; a par disso, eles devem estar suficientemente hem defmidos de modo a possibilitar que.a observa~[opossa revelar-lhesa falsidade. As duas fases (de elabora~ao de hip6teses e de teste de sua validade) relacio- nam·se por ·duas vias diversas.Em primeiro lugar, os fatos particulares considerados em cada fase, s[o, em parte, urna acidental consequencia da maneira de coligir dados e dos conhecimentos de l:ada investigador. Os fatos que servir[g para subme- ter a teste a hip6tese, por meio de suas implic~l>es, poderiam, perfeitamente, si· tuar-se no material bruto empregado para formular a hip6tese - e reciprocamente. Em segundo lugar, 0 processo jamais tern inicio na estaca zero; a chamada "fase inicial" envolve'~sempre, compar~ao da observa~ao com as implica~l>esde urn previo conjunto de hipoteses. Contradi~l>esque ai se apresentam sli'ourn estimulo para a elabora~ao de novas hip6teses ou para a revisao das mais antigas. Segue-se que as duas fases, metodologicamente distintas, andam, em verdade, lado a lado. Mal-entendidos a prop6sito desse processo aparentemente simples devem-sea frase "classe de fenomenos que a hip6tese pretende explicar". A dificuldade, nas ciencias sociais, de obter evidencia n·ovapara essa classe de fenonenos e de avaliar sua adequ~ao (com respeito as implica~()esda hip6tese) toma tentadora a ideia de que outra evidencia, de acesso mais direto,se mostre igualmente relevante para a validade da hip6tese. Toma, em outras palavras, tentadora a ideia de que as hip6te- ses admitem nli'o apenas "implica~t'5es",mas, ainda, "pressupostos" e de que a adequa~li'odestes a "realidade" e urn teste de validade da hip6tese, que difere do teste pelas impIica~()esou a ele se adiciona. Essa conce~ao, amplamente advogada, e fundamentalmente erronea e causa de nurnerosos danos. Longe de fomecer meio mais flicitpara joeirar as hip6teses, separando as vaIidasdas nli'o-vaIidas,a conce~ao apenas obscurece a questli'o,provoca 0 surgimento de mal-entendidos em tome do significado da evidencia empirica para a teoria economica, desvia boa parte do hip6teses, cada qual deles utilizado numa das fases em que se desdobra 0 passo generico de sele~o. A respeito desse enfoque metodo16gico geral, discutido na presente nota, ver Tryvge Haavelmo, "The Probability Approach in Econometrics", Econometrica, Vol. XII (1944), Suplemento; Jacob Marschak, "Economic Structure, Path, Policy, and Predication", American Economic Review, XXXVII (Maio, 1947), 81-84;e "Statistic8l1nference in Economics: An Introduc- tion", em T.C. Koopmans (organizador), STATISTICAL INFERENCE IN DYNAMIC ECO- NOMIC MODELS.
  • 12. esfor~ointelectual dos que desejam 0 desenvolvimento de uma Economia positiva e bloqueia urn consenso quanta as hipoteses preliminares que devam figurar nessa disciplina. Na medida em que se possa dizer existirem "pressupostos" de uma teoria e na medida em que seu "realismo" seja passivel de julgamento, independentemente da validade de previsoos,a rela~aoentre a importincia de urna teoria e 0 "realismo" de seus "pressupostos" e praticamente 0 oposto do que sugerea conce~lo sob critica. Hip6teses verdadeiramente importantes tern "pressupostos" que nlo passam de extravagantes e nlo-acuradas represent~oos descritivas da realidade. Via de regra, quanta mais significativauma teoria, tanto mais nao-realistas(neste sentido) os seus pressupostos. ( 1 ) A razao e simples.Vma hipotese e importante quando "explica" muito com base em pouco, ou seja, quando esta em condi~6es de delimitar, por abs~lo, partindo da massa de circunstancias complexas e pormenorizadas que cercam 0 fenomeno a explicar, uma classe de elementos comuns e fundamentais, formulando previS6esvli.lidascujo alicerce e, just~ente, apenas essa classe de ele· mentos cruciais. Consequentemente, para que seja importante, uma hip6tese deve ser descritivamente falsa em seus pressupostos. Ignora e deixa de explanar vlirias circunstancias presentes, cuja irrelevancia para 0 fenomenoem tela decorre do pr6prio exito da teoria. A ~un de apresentar esse ponto de maneira menos paradoxal, note·se que a pergunta relevante a fazer, ao cogitar dos "pressupostos" de uma teoria, nlo diz respeito ao seu "realismo" descritivo fja que os pressupostos jamais sao descritiva· mente "realistas"), mas ao fato de se mostrarem ou nlo aproxima~6es suficiente· mente boas, tendo em conta os objetivos colimados. E essa pergunta sOpoderli.ser respondida verificando se a teoria "funciona", ou seja, se conduz a previs6eSbastan· te acuradas. Os dois testes, supostamente independentes, reduzem·se, portanto, a urn teste unico. A teoria da competi~ilomonopolista e imperfeita e urn exemplo do descaso com que 880 tratadas essas proposi~oos, na teoria economica. 0 desenvolvimento desse tipo de anlilise foi explicitamente estimulado - e a aceita~ao e a aprova~ao que recebeu tambem 880 amplamente explicadas - pelo fato de acreditar·se que os pressupostos da "concorrencia perfeita" ou do "monop6lio perfeito", subjacentes, segundo se diz, a teoria economica neoclli.ssica,nos oferecern uma falsa imagem da realidade. Essa cren~a assentava·se, por sua vez, quase inteiramente, na inocuidade descritiva dos pressupostos, diretamente percebida, em vez de assentar-se em (1) Nao vale, e claro, a reciproca dessa proposi~o: pressupostos nao-realistas (neste sentido) nao garantem que a teoria seja significativa.
  • 13. qualquer reconhecida contradi~§'o em previs~s deduzidas da teoria econoIDlca neocllissica. Exemplo ainda mais claro do ponto em tela, embora muito menos importante, 6 fomecido pela prolixa discuss§'oem tomo da anaIisemarginal, publi- cada, ha alguns anos, na American Economic Review. Os artigos, de defensores ou de oponentes, olvidam 0 que me parece a clara quest§'oprincipal - a concordancia das implica~~s da analise marginal com a experiencia - e debatem pontos irrele- vantes, procurando saber se os homens de neg6cios chegam as suas decis~s consul- tando programas, ou cuevasou fun~~s multivariadas que exibam custo marginal e receita marginal. ( 1) Espero que esses dois exemplos (e outros que eles prontamen- te sugerem) se prestem para justificar a id6ia de fazer-se,aqui, uma discuss§'oampla dos principios metodol6gicos pertinentes - uma discuss§'oque, de outra forma, poderia parecer descabida. (1) Ver R. A. Lester, "Shortcomings of Marginal Analysis for Wage Employment Problems", American Economic Review, XXXVI (Mar~o, 1946),62-82; Fritz Machlup, "Marginal Analysis and Empirical Research", American Economic Review, XXXVI (Setembro, 1946), 519-54; R. A. Lester, "Marginalism, Minimum Wages, and Labor Markets", American Economic Review, XXXVII (Mar~o, 1947), 135-48; Fritz Machlup, "Rejoider to an Antimarginalist", American Economic Review, XXXVII (Mar~o, 1947), 148-54; G. J. Stigler, "Professor Lester and the Marginalist", American Economic Review, XXXVII (Mar~o, 1947), 154-57; H. M. Oliver, Jr., "Marginal Theory and Business Behavior", American Economic Review, XXXVII (Junho, 1947), 375-83; R. A. Gordon, "Short-Period Price Determination in Theory and Practice", American Economic Review, XXXVIII (Junho, 1948), 265-88. Cabe notar que Lester, alem de referir-5e a MOS assuntos que se relacionam a validade dos "pressupostos", na teoria marginal, tambem se,refere i evidencia que diz respeito a conformi- dade da experiencia com as implica~es da teoria. Cita, alias, como exemplos em qqe lalta essa conformidade, 0 modo pelo qual 0 emprego reagiu, na Alemanha, ao plano Papen e, nos Esta- dos Unidos da America, as altera~es havidas na legisla~ao a respeito dos saIarios m{nimos. Contudo, 0 bteve comentarlo de Stigler eo unico, dentre os demais artigos, em que hli alusao a tal evidencia. Cumpre notar, ainda, que nao deve ser ignorada a completa e cuidadosa exposi~o de Machlup, relativa a estrutura 16gica e ao significado da teoria marginal, porque 0 artigo de Lester, ao debater 0 tema, estli sensivelmente prejudicado por v3ri.osmal-entendidos que quase chegam a ocultar a evidencia ali apresentada, relevante para 0 assunto examinado. Entretanto, Machlup, enfatizando a estrutura 16gica, chega perigosamente perto do ponto de apresentar a teoria como se fosse mera tautologia ...;.embora esteja claro, em MOS pontos, que ele tern COilS- ciencia do perigo e estli ansioso por evitli-Io. Os artigos de Oliver e de Gordon sao extremados, concentrando-5e exclusivamente na questao da conformidade do comportamento de homens de neg6cios com os "pressupostos" da teoria.
  • 14. III - PODE UMA HIPOTESE SUBMETER-SE A TESTE PEW REALISMO DE SEUS PRESSUPOSTOS? Principiemos com urn exemplo fisico simples, 0 da lei da queda dos corpos. Aceita-se a hipotes de acordo com a qual a acelera~ao g, de urn corpo que cai no vacuo, e constante, na Terra, com valor aproximado de trinta e dois pes por segun- do (ou seja, 9,8 metros po~ segundo), e independe da forma do corpo, da maneira pela qual tomba,. etc. Isso acarreta cfle a distancia percorrida por urn corpo, em queda livre, em qualquer intervalo especificado de tempo, sera dada pela formula s = ( 1/2 ) gt2, on de sea distancia percorrida (em pes ou em metros) e t e 0 tempo (em segundos). Aplicar a formula ao caso de uma esfera compacta, deixada cair do telhado de urn edificio, equivale a dizer que a esfera se comporta como se estivesse caindo no vacuo. Submeter a teste a hipotese por meio de pressupostos significaria, presumivelmente, medir a pressao real do ar para decidir se seu valor esta ou nfo pr6ximo de zero. Ao nivel do mar, a pressao do ar e de aproximada- mente 15 libras por centimetro quadrado (ou seja, de 6,75 kgf por cm2). Estaria esse numero suficientemente proximo de zero para que a diferen~a fosse julgada destituida de importancia? Aparentemente sim, pois 0 tempo real que a esfera s6li- da leva para atingir 0 solo esta bem proximo do tempo indicado pel a formula. Ima- gine-se, porem, que em vez da esfera compacta se lance, do alto do edificio, uma pena. A f6rmula conduz, entao, a resultados exageradamente inacurados. Assim, aquele numero (15, no caso de libras, ou 6,75, no caso dos kgf) e significativamente diferente de zero para apena, mas nao para a esfera compacta. Suponha-se que a formula se veja aplicada a uma esfera deixada cair de urn aviao, a trinta mil pes (ou seja, a quase dez mil metros) de altitude. A pressao do ar, nessa altura, e decidida- mente menor do que 6,75 kgf por centimetro quadrado. Sem embargo, 0 tempo real de queda, de dez para sete mil metros de altitude (quando a pressao do ar ainda e muito menor do que a pressao ao nivel do mar), difere consideravelmente do tempo dado pela f6rmula - muito mais apreciavelmente do que 0 tempo gasto pela esfera em sua queda do alto do edificio para 0 solo. De acordo com a f6rmula, a velocidade da esfera deveria ser gt e deveria, pois, crescer continuadamente. Na verdade, porem, uma esfera deixada caii de dez mil metros de altura atinge a sua velocidade maxima bem antes de chegar ao solo. 0 mesmo acontece com respeito a outras conseqtiencias da formula. A questao inicial - a de saber se quinze esta ou nao suficientemente pr6ximo de zero para que a diferen~a possa ver-se desprezada - e, portanto, uma questao meio tola. Quinze libras por centimetro quadrado equiparam-se a 2.160 libras por pe quadrado ou a 0.0075 toneladas por polegada quadrada. Nao dispomos de meios que autorizem considerar tais numeros "pequenos" ou "grandes", se nos falta urn
  • 15. padnlo exterior de comparayao. E 0 unico padrao relevante de comparayao e a pres- sac do ar, relativamente a qual a f6rmula "funciona" ou nao, em urn dado conjunto de circunstancias. Isso, porem, levanta a mesma questao, em urn segundo nivel. Que significaria "funciona ou nao"? Ainda que pudessemos eliminar os erros de mensu- rayao, 0 tempo de queda, efetivamente medido, dificilmente (ou nunca) se igualaria ao tempo fornecido pela f6rmula. Quao grande deveria ser a diferenya entre esses dois valores para ver-se justificada a afir~ao de que "a teoria nao funciona"? Para responder a esta pergunta ha dois importantes padroes exteriores de comparayao. Urn deles seria a acuidade passivel de ser alcanyada por uma teoria altemativa, igualmente aceitavel, com a qual a teoria em pauta fosse confrontada. 0 outro padrao manifesta-se quando existe uma teoria que sabidamente conduz a previsoes mais satisfatorias, mas com maior custo. Os ganhos decorrentes da maior acuidade (e que dependem dos objetivos perseguidos) precisam, nesse caso, ver-se compara- dos com os mais elevados custos de sua obtenyao. o exemplo ilustra, a urn tempo, a impossibilidade de submeter a teste uma teoria pelos seus pressupostos e a ambiguidade do conceito de "pressupostos de uma teoria". A formula s = (1/2) 9t2 vale para corpos que caem no vacuo e se deriva da analise do comportamento de corpos que caem no vacuo. Cabe dizer, entao, que, em variada gama de circunstancias, os corpos que tombam na atmosfera real se comportam como se estivessem caindo no vacuo. Em linguagem muito usada na Economia, isso traduzir-se-ia, de imediato em: a formula pressupoe 0 vacuo. Mas e claro que assim nao acontece. 0 que ela verdadeiramente assevera e isto: em muitos casos, a existencia da pressao atmosferica, a forma do corpo, 0 nome da pessoa que 0 deixa cair, 0 tipo de mecanismo pelo qual se provoca a sua queda e variadas outras circunstancias presentes deixam de ter efeito apreciavel sobre a distancia que 0 corpo, em sua queda, percorre durante urn especificado intervalo de tempo. A hip6tese pode ser facilmente refraseada, de maneira a omitir qualquer alusao ao vacuo: em ampla gama de condiyoes, a distancia percorrida por urn corpo, em queda livre, num especificado intervalo de tempo, e dado pela f6rmula s = (1/2) 9t2. Deixando de lade a historia dessa formula e a teoria fisica a qual se acha associada, tern sentido afirmar que ela pressupoe 0 vacuo? Ate onde me e dado saber, ha varios outros conjuntos de circunstancias que poderiam conduzir a mesma f6rmula. Ela e acolhida porque funciona e nao porque vivamos em urn vacuo apro- ximado - seja qual for 0 significado disso. o problema importante, em conexao com a hip6tese, e 0 de especificar as circunstiincias em que a f6rmula funciona; mais precisamente, e 0 de indicar a magnitude geral dos erros que se apresentam em suas previsoes, sob variadas condi- yoes. Em verdade - como esta implicito no refraseamento da hip6tese, linhas acima - nao se tern essa indicay30 da magnitude dos erros, de urn lado, e a propria hipo-
  • 16. tese, de outro lado, como coisas diversas. A indica9ao e parte essencial da hip6tese, uma parte que tendeni a sofrer revisoes e a ampliar-se, na medida em que a expe- riencia vier a acumular-se. No caso especifico da queda dos corpos, ha uma teoria mais geral, embora ainda incompleta, esb09ada em fun9ao de tentativas de explicar os erros da teoria simples. Essa teoria geral permite avaliar a influencia de alguns fatores de pertuba- 9ao e dela se deduz, como caso particular, a teoria simplificada. Entretanto, nao convem usar sempre a teoria generalizada, pois a acuidade adicional que permite nao justifica, via de regra, 0 custo adicional de seu emprego. Permanece, pois, como questao importante, a de saber em que condi90es a teoria simples funciona "sufi- cientemente bem". A pressao do ar e uma - e somente uma - das variaveis que definem tais condi90es; ao lado de outras, sao, tambem, relevantes a forma do corpo e a velocidade atingida. Vma das maneiras de interpretar essas variaveis - diversas da pressao do ar - consiste em encara-Ias como fatores que determinam se e significativo ou nao urn particular afastamento com_respeito ao "pressuposto" do vacuo. Exemplificando, pode-se dizer que a diferen9a de formas dos corpos torn a as quinze libras por polegada quadrada significativamente distantes de zero, no caso da pena, mas nao significativamente distantes de zero, no caso da esfera compacta, deixada cair de moderada altura. Esse enunciado, porem, deve ser nitidamente dis- tinguido de outro, muito diverso, segundo 0 qual a teoria nao vige, no caso da pena, porque seus pressupostos sao falsos. A rela9ao relevante e exatamente a oposta: os pressupostos sao falsos, no caso da pena, porque a teoria nao funciona. Este ponto deve ser enfatizado pois os "pressupostos" sao usados, de maneira perfeitamente correta, a fim de especificar as circunstancias em que a teoria nao vige, mas nao, como erroneamente se admite, com freqiiencia, a fim de determinar aquelas cir- cunstancias - 0 que tern sido, importante fonte de cren9a em que uma teoria possa ver-se submetida a testes pelos seus pressupostos. Consideremos, agora, outro exemplo, concebido com 0 fito de apresentar-se como ancilogo de muitas hip6teses que surgem em ciencias sociais. Cogitemos da densidade das folhas em uma arvore. Sugiro, como hip6tese, que as folhas se posi- cionam como se cada qual delas procurasse, deliberadamente, maximizar a quanti- dade de luz solar que recebe, tendo em conta 0 posicionamento de folhas vizinhas; como se cada qual delas conhecesse as leis fisicas responsaveis pela quantidade de luz incidente em varios pontos e pudesse mover-se rapida ou instantaneamente de urn ponto dado para qualquer outro ponto nao ocupado. ( 1 ) Ora, algumas das (1) Embora esteexemplo tenha origem independente, e similar a urn exemplo usado por Armen A. Alchian, em "Uncertainty, Evolution, and Economic Theory", Journal of Political Economy, LVIII ( Junho, 1950), pp. 211-21. Boa por¢o da discussao subsequente, embora tambem tenha origem independente, acompanha as linhas da discussao de Alchian.
  • 17. mais 6bvias implicayoos dessa hip6tese mostram-se perfeitamente compativeis com a experiencia. Exemplificativamente (considerando, e claro, 0 que ocorre nos Estados Unidos da America), a densidade das folhas e maior no lado suI do que no lado norte das arvores, embora isso nlio ocorra ou ocorra de modo menos patente, como a hip6tese implica, em encostas de m~mtes, voltadas para 0 norte, ou quando 0 lado suI das arvores, por alguma razlio, esteja na sombra. Deve a hip6tese tornar-se inaceitavel porque, ate onde sabemos, as folhas nlio "deliberam" nem exibem comportamento consciente, nlio freqiientaram escolas para aprender as relevantes leis cientificas ou as tecnicas matematicas necessarias para a determinaylio de posiyoes "6timas" e n[o s[o capazes de mover-se de urn ponto para outro? Nenhuma dessas form as de contra- ditar a hip6tese e vitalmente relevante; os fen6menos envolvidos n[o se acham na "classe de fen6menos que a hip6tese pretende explanar". A hipotese n[o afirma que as folhas fayam tudo aquilo que foi men cion ado acima; limita-se a asseverar que a densidade se apresenta como se as folhas fizessem 0 que foi dito. Em que pese a aparente falsidade dos seus "pressupostos", a hipotese e muito plausivel, dado 0 acordo entre suas implica~oes e 0 observado. Tendemos a "explicar" a sua validade com base em que a luz solar contribui para 0 desenvolvimento das folhas e que, por conseguinte, elas se acumulam ou se mantem, em maior numero, nos locais em que ha mais sol. Assim, 0 resultado decorrente de adaptay[o puramente passiva as circunstiincias exteriores coincide com 0 resultado que decorreria de acomoday[o deliberada a tais circunstiincias. A hip6tese altemativa e mais atraente do que a concebida, mas n[o porque seus "pressupostos" seja:t;l"realistas" e sim porque ela e parte de uma teoria de maior generalidade, aplicavel a uma variedade maior de fen6menos, de que 0 posicionamento de folhas, numa arvore, e apenas urn caso particular, teoria que admite maior numero de implicayoes passiveis de se verem refutadas e que n[o foi contraditada, em ampla gama de condi~oes. A evidencia direta para 0 crescimento das folhas esta, pois, refor~ada pela evidencia indireta que deflui de outros fen6menos a que essa teoria geral se aplica. A hipotese concebida so e presumivelmente valida (ou seja: conduz a previsoes "suficientemente" acuradas, relativas a densidade das folhas) para uma classe restrita de circunstiincias. Niio sei quais seriam estas circunstiincias e nem como defini-Ias. Parece 6bvio, entretanto, que os "pressupostos" da teoria, neste exemplo, nlio tern qualquer papel na sua determinay[o. 0 tipo da arvore, as caracteristicas do solo, etc., sao as variaveis que, provavelmente, definirlio 0 iimbito de validade da teoria - validade que nao dependera da capacidade matematica das folhas, nem da possibilidade de elas se moverem de urn para outro ponto.
  • 18. Savage e eu discutimos, em outro local, (1 ) urn exemplo similar, porem rela- tivo ao comportamento humano. Consideremos 0 problema de determinar (prever) os pontos feitos por urn eximio jogador de bilhar. Nlio parece descabido supor. que excelentes previsOes seriam obtidas a partir da hipotese de que 0jogador executa as tacadas como se conhecesse as complicadas formulas matematicas pelas quais fica- riam fixadas as trajetorias otimas, fosse capaz, de relance, de fazer estimativas acu- radas sobre os angulos e demais elementos que descrevem as posi~lles relativas das bolas, estivesse apto, usando as formulas, a realizar caIculos em fra~lles de segundos; e como se pudesse fazer com que as bolas se movessem ao longo das trajetorias indi- cadas pelas formulas: A confian~a que depositamos em tal hipotese nao provem da cren~a em que jogadores de bilhar, ainda que eximios, possam atravessar ou atraves- sem, de fato, as fases do processo descrito; provem, ao contrario, da cren~a em que as pessoas, se nao atingissem, de alguma forma, os mesmos resultados praticos, deixariam de ser eximios jogadores de bilhar. Urn pequeno passo nos leva do afirmado nos exemplos ao que se afirma na hipotese da Economia segundo a qual, em ampla gama de circunstancias, as firmas (individualmente consideradas), atuam como se estivessem tratando, racionalmente, de maximizar seus esperados rendimentos (ou "lucros", segundo a terminologia usual, urn tanto desnorteadora) ( 2 ) e tivessem cabal conhecimento dos dados (1) Milton Friedman e L. J. Savage, "The Utility Analysis of Choices Involving Risk", Journal of Political Economy, LVI (Agosto, 1948), p. 298. Reimpresso no livro READINGS IN PRICE THEORY, organizado pela American Economic Association (Chicago, Richard D. Irwin, Inc., 1952),pp.57-96. (2 ) Parece apropriado 0 usa do termo "lucros" para aludir Ii diferenlia entre resultados reOOse "es- perados", entre recebimentos ex post e ex ante. Como sublinha Alehian (op. cit., p. 212), acompanhando Tintner, os "lucros" sao frutos de incerteza e nao podem, portanto, ver-se, de modo deliberado, antecipadamente maximizados. Face Ii incerteza, os indivlduos e as frrmas escolhem uma dentre varias antecipadas distribuiliOes de probabilidade, relativas aos recebimen- tos ou rendas. 0 conteudo especifico de uma teoria da escolha de uma de tais distribuil(c5es depende de criterios que permitam hierarquiza-las. Uma hip6tese e a de que devam ser hierar- quizadas segundo a expectativa matematica da utilidade que a elas se associa (cf. Friedman e Savage, "The Expected-Utility Hypothesis and the Measurability of Utility",op. cit.). Caso especial dessa hip6tese, ou alternativa para ela, hierarquiza as distribuil(c5es de probabilidades segundo a expectativa matematica das rendas em dinheiro associadas a elas. Esta ultima alterna- tiva e, possivelmente, mais facil de apliCar (e moosfreqiientemente aplicada) ao caso de f'rrmas do que ao caso de indivlduos. 0 termo "rendas esperadas" sera entendido de modo suficiente- mente amplo para poder abranger qualquer dessas opl(c5es. Os temas a que se faz referencia na presente nota nilo silo fundamentOOs, cogitando-se das ques- toes metodologicas em tela, de modo que se vem contornados, em geral, nas discussOes subs- seqiientes.
  • 19. indispensaveis para aIcanyar hito nessa empreitada; como se - dito de outro modo - conhecessem as relevantes funyoes de demanda e de custo, calculassem custos marginais e rendimentos marginais associados a todas as opyoes possiveis, relativas as ayoes a tomar, e considerassem cada qual dessas linhas de ac;ao, prolon- gando-as ate fazer com que os custos marginais se identificassem aos rendimentos marginais. Ora, e claro que os homens de negocios nao resolvem, na realidade, Iite- ralmente falando 0 sistema de equayoes em que 0 economista-matematico conden- sa aquela hipotese - exatamente como as folhas e os jogadores de bilhar tamoom nao executam complicados caIculos matematicos, ou os corpos em queda nao deci- dem criar 0 vacuo. Se perguntarrnos ao jogador de bilhar como escolhe 0 ponto da bola em que da a tacada, ele podera responder que "simplesmente da uma calcula· da", embora nao deixe de apertar um pe de coelho, para ter sorte. 0 homem de negocios podera dizer, por sua vez, que fixa preyos em termos de custos medios, permitindo, e claro, alguns desvios, quando 0 mercado 0 exige. A resposta do joga- dor e tao "esclarecedora" quanta a do homem de negocios e nenhuma das afirrna· yoes se constitui em teste relevante para a hipotese correlata. A confianya que possamos ter na hipotese da maximizayao dos rendimentos justifica·se por evidencia de genero bem diverso. Essa evidencia e, pelo menos, em parte, semelhante it que se utiliza para apoiar a hipotese do jogador de bilhar: se 0 comportamento dos homens de negocios nao se assemelhasse, de algum modo, a urn comportamento compativel com a maximizayao dos rendimentos, parece improva- vel que esses homens viessem a ficar por tempo longo no ramo dos negocios. Supo- nhamos haver um determinante imediato aparente para 0 comportamento negocia- dor - 0 habito, 0 acaso ou qualquer outro fator. Sempre que esse determinante conduz a um comportamento compativel com a maximizayao bem informada e racional dos rendimentos, os negocios prosperam e propiciam recursos para haver expansao; caso contrario, os negocios tendem a produzir perda 'de recursos e so poderao manter-se com auxilio de reservas provenientes de fora. 0 processo de "selec;ao natural" ajuda-nos, pois, a validar a hipotese; em outras palavras, admitida a seleyao natural, a aceitayao da hipotese pode assentar-se, largamente, na ideia de que ela sumaria, apropriadamente, as condiyoes de sobrevivencia. Evidencia de maior importancia, em favor da hipotese da maximizayao dos rendimentos, provem da experiencia colhida em numerosas aplicayoes da hipotese a problemas especificos - e a reiterada verificayao de que suas implicay5es deixaram de se ver contraditadas. Dificlmente se documentara uma tal evidencia, que se acha espalhada em numerosos memorandos, artigos e monografias cuja preocupayao principal nao era a de submeter aquela hipotese a teste mas a de resolver especfficos problemas concretos. Ainda assim, a hipotese tern, a sustenta-Ia, um testemunho indireto e muito forte: 0 seu continuado emprego e a constante acolhida que mere-
  • 20. ceu, por muitos anos - a que se associa a inexistencia de qualquer teoria rival cae- rente, nao auto-contraditoria, capaz de ver-se desenvolvida e tambem amplamente aceita. A evidencia em favor de uma hipotese resulta, sempre, de falhas nas tentati- vas feitas no sentido de contradita-Ia; essa evidencia acumula-se enquanto a hipotese e utilizada e, por sua propria natureza, nao pode ser facilmente documentada de maneira abrangente. rende, pois, a tornar-se parte da tradiyao e do fold ore de ilma ciencia, revelada atraves da tenacidade com que as hipoteses sao defendidas e nao atraves de listas explicitas de casos em que deixaram de ver-se contraditadas. Ate aqui, nossas condusoes relativas ao significado dos "pressupostos" 'de uma teoria foram quase todos negativos: vimos que uma teoria n[o pode ser subme- tida a teste pelo "realismo" de seus "pressupostos" e que 0 proprio conceito de "pressuposto" de uma teoria esta cercado de ambigiiidades. Se isso resurnisse tudo, seria dificil explicar 0 amplo uso desse conceito e a tendencia que todos temos de falar dos pressupostos de uma teoria, e de compara-Ios com os pressupostos de teorias alternativas. Ha muita fumaya presente para que inexista 0 fogo. Na metodologia, tal como na ciencia positiva, os enunciados negativos s[o formulados, em geral, com maior confianya do que os enunciados afirmativos. Ex- plica-se, pois, porque tenho menos confianya em minhas proximas observayoes, relativas ao significado e ao papel dos "pressupostos", do que nas observayoes pre- cedentes. Ate on de me e dado ver, os "pressupostos de uma teoria" desempenham tres papeis positivos diversos, embora relacionados: a) sao, freqiientemente, modo economico de descrever ou de apresentar uma teoria; b) facilitam, algumas vezes, 0 teste indireto da hipotese e de suas impliayoes; e c) slfo, algumas vezes, como se notou acima, urn meio conveniente de especificar as condiyoes sob as quais se espe- ra seja valida a teoria. Os dois primeiros itens requerem discuss[o mais pormeno- rizada. o exemplo das folhas ilustra 0 primeiro papel dos pressupostos. Em vez de dizer que as folhas tendem a maximizar a luz solar recebida, poderiamos formular uma hipotese equivalente, destituida de pressupostos aparentes, sob a forma de lima lista de regras que perrnitissem predizer a densidade das folhas: se uma arvore esta em urn plano, sem que outras arvores ou· outros objetos impeyam a chegada dos raios solares, entao a densidade das folhas tendera a ter tais e quais peculiaridades; se uma arvore se acha na encosta de urn morro, cercada por diversas outras arvores
  • 21. similares, entao ... ; e assim por diante. Esta e, claramente, uma forma bem menos econ6mica de apresentayao da hipotese do que 0 enunciado simples segundo 0 qual as folhas tendem a maximizar os raios solares que cad a qual delas recebe. Este Ulti- mo enunciado e, na verdade, simples sumario das regras que comp<5em a lista acima - mesmo que esta fosse indefinidamente prolongada - pois indica, ao mesmo tem- po, como determinar as caracteristicas ambientais importantes para 0 particular problema em tela e como avaliar seus efeitos. 0 enunciado e mais compacto e, ainda, nao menos abrangente do que a lista. Do modo mais geral, uma hipotese, ou teoria, consiste de uma asseryao de que certas foryas se mostram importantes - e, por implicayao, de que certas foryas nao sao importantes - para uma particular classe de fen6menos e de uma especificayao de-como atuam as foryas declaradas importantes. Podemos encarar a hipotese como algo que envolve dois elementos: 0 primeiro e urn mundo conceptual, ou urn mode- 10 abstrato, mais simples do que "0 mundo real", contendo apenas aquelas foryas que a hipotese da como importantes; 0 segundo e urn conjunto de regras que defi- nem a classe de fen6menos relativamente aos quais 0 "modelo" se tom a adequada representayao do "mundo real", e que, a par disso, especificam a correspondencia entre variaveis ou entidades do modelo e fatos observaveis. Esses dois elementos tern caracteristicas bem diversas. 0 modelo e abstrato e completo; e uma "algebra", ou uma "logic a" . A matematica e a logica formal ai desempenham seus apropriados papeis e se prestam para verificar a completude e a coerencia do modelo e para explorar as suas conseqiiencias. No modelo nao ha espayo nem papel a dar a vagiiidade, aos "talvez" ou as aproximayoos. A pressao do ar no vacuo e igual a zero, nao "pequena"; a curva de demanda de urn produto, relativamente a urn produto competitivo, e horizontal (tern declividade zero) e nao "quase horizontal". As regras que govemam 0 uso do modelo, de outra parte, nunca sao abstratas e completas. Precisam ser concretas e, conseqiientemente, incompletas - pois a completude so e viavel em urn mundo conceptual, nao no "mundo real", seja qual for a maneira de entende-lo. 0 modelo e a corporificayao logic a da meia-verdade "Nada ha de novo sob 0 sol"; as regras de aplicayao do modelo nao podem, por sua vez, ignorar a igualdade significativa meia-verdade "A Historia jamais se repete". Em apreciavel margem, as regras podem ser explicitamente formuladas - mais facilmen- te, mas, ainda assim, nao de maneira completa, quando a teoria e parte de outra teoria de maior generalidade (como acontece no exemplo da queda dos corpos no vacuo). Tentando tomar "objetiva" uma ciencia, nosso alvo deve ser 0 de formular as regras explicitamente, na medida do possivel, alargando, continuadamente, 0 ambito dos fen6menos para os quais essa possibilidade se apresente. Seja qual for, porem, 0 exito dessa tentativa, sempre sobra algum espayo para 0 born senso, no
  • 22. momenta de aplic~[o das regras. Cada ocorrencia tern tray os tipicos proprios, n[o abrangidos pelas regras explicitadas. A capacidade de 60pesar esses tra~os para saber se devem ser desprezados aU n[o e saber se afetam ou· n[o a forma de associar fenomenos obsemiveis a certas entidades do modelo, e algo que nao se ensina - algo que so se aprende pela experiencia e mediante contato com a "correta" atmos- fera cientifica, mas nunca adotando procedimentos rotineiros. Neste ponto e que 0 "amador" se separa do "profissional", em qualquer ciencia; e por ele passa a linha divis6ria, muito fina, que separa 0 "vigarista'" do cientista. Urn exemplo simples servini, talvez, para esclarecer a quest[o. A Geometria Euclidiana e urn modelo abstrato, logicamente compl~to e coerente. Suas entidades s[o definidas de maneira precisa: uma reta nao e uma figura cujo comprimento e "muito" maior do que a largura ou aespessura; e uma figura geometrica de exten- s[o zero e largura zero. Uma figura que tambem e, obviamente, "n[o-realista". Nao ha, na "realidade", coisas como os pontos, as retas ou as superficies de Euclides. Apliquemos esse modelo abstrato a Urn sinal deixado, no quadro negro, pelo giz. 0 sinal identifica-se a uma curva euclidiana, a uma superficie euclidiana ou a urn soli- do euclidiano? Sera apropriadamente equiparado a uma'linha ~ 0 empregamos para representar, digamos, uma curva de demanda. Mas podera ser assim entendido se 0 empregarmos para colorir urn mapa, ao delimitar paises, porque jamais chegariamos a cobrir de cores as regioes se 0 sinal fosse visto como curva. Para esse fim, e preciso equiparar 0 sinal a uma superficie. Essa maneira de encara-Io, todavia, esta afastada das cogitayoes do fabricante de giz; de fato, isso acarretaria que 0 giz n[o chegaria a ser usado porque, para esse novo fim, 0 sinal deve ser identificado a urn volume. Neste exemplo simples, os juizos emitidos despertam acordo generalizado. Entre- tanto, e claro que tais juizos - em que pese a viavel formulaya'o de considerayoes amplas que os norteiam - nunca chegam II atingir cabal abrangencia para dar conta de cada caso possivel. Esta-lhes vedado 0 carater de coerencia e autosuficiencia que e tipico da Geometria Euclidiana. Discorrendo a respeito dos "pressupostos cruciais" de uma teoria, procura- mbS, segundo penso, enunciar os elementos-chaves do modelo abstrato. Ha, via de regra, muitos modos diversos de descrever completamente 0 modelo - varios con- juntos de "postulados" que tanto implicam quanta s[o implicados pelo modelo, contemplado como urn todo. Os modos s[o logicamente equivalentes: elementos que vemos como axiomas ou postulados de urn modelo, em uma perspectiva, podem surgir como teoremas, em outra perspectiva - e reciprocamente. Os especi- ficos "pressupostos" chamados "cruciais" s[o selecionados com base em convenien- cias, tendo em conta questoes como a da simplicidade ou da economia, na descriy[o do modelo, da plausibilidade intuitiva e da capacida'de de sugerir mesmo que t[o- -somente por implicayao) algumas considerayoes que se mostrem relevantes para
  • 23. Quando se formula uma hipotese, parece obvia, em geral, a tare fa de separar, nessa formulayao, os enunciados que correspondem aos pressupostos dos enuncia- dos que aludem as implicayoes. Entretanto, nao e facil distinguir, de modo rigoroso, esses dais tipos de enunciados, pais a distinyao, segundo penso, nao e urn trayo da hipotese, como tal, mas da maneira de emprega-Ia. Se assim acontece, a facilidade de classificayao dos enunciados deve refletir ausencia de ambigtiidade no alvo que a hipotese deve atingir. A possibilidade de haver troca de axiomas por tearemas - e vice-versa - num modelo abstrato, acarreta a possibilidade de troca de "pressupos- tos" por "implicayoes" - e vice-versa - em hipoteses substantivas associadas ao modelo. Nao significa isso que qualquer implicaylto possa ver-se intercambiada com qualquer pressuposto; significa, apenas, que pode haver mais de urn conjunto de enunciados de que os demais decorram. Exemplificando, considere-se uma proposiyao particular, na teoria do com- portamento oligopolista. Se admitirmos que ( a) os empresarios procuram maximi- zar seus rendimentos por quaisquer vias, inclusive par meio de aquisiyao ou de am- pliayao do poder monopolista, isso acarretara que ( b ) as empresarios, quando a demanda por urn "produto" e geograficamente instavel, os custos de transporte sao apreciaveis, os acordos quanta a prey as slto ilegais e 0 numero de produtores do referido artigo e relativamente pequeno, tenderlto a fixar sistemas de prey os de ponto-de-referencia. ( 1 ) A afirmaylto ( a ) e vista como pressuposto e ( b ) como implicayao, pois, aceitamos que a analise tern par objetivo a previsao do comporta- menta do mercado. 0 pressuposto sera considerado aceitavel se concluirmos que as condiyoes especificadas em ( b ) se associam, em geral, ao apreyamento de ponto-de- -referencia e reciprocamente. Alteremos 0 objetivo; ele e 0 de identificar aqueles casos em que vale a pena instaurar urn processo judicial assentado na lei anti-truste, de Sherman, pela qual se prOlbe "ajuste fraudulento para atentado ao livre comer- cio". Se admitirmos, entlto, que ( c ) 0 apreyamento de ponto-de-referencia e artifi- cio deliberado, com 0 proposito de facilitar a coluslto, nas condiytks indicadas em ( b ), isso acarretara que ( d ) os empresarios que participam de uma tatica de apreyamento de ponto-de-referencia estarao ligados a urn "ajuste fraudulento para aten-tado ao livre comercio". 0 que era urn pressuposto, na verslto anterior, passa a (1) Ver George J. Stigler, "A Theory of Delivered Price Systems", American Economic Review, XXXIX (Dezembro, 1949), 1143-57.
  • 24. ser uma implica9li'0, nesta segunda versli'o - e reciprocamente. 0 pressuposto ( c ) sera dado como valido se concluirmos que, tendo os empresarios adotado urn siste- ma de apre9amento do ponto-de-referencia, existe, comumente, evidencia adicional - sob a forma de cartas, memorandos, ou coisa anaIoga - de que estamos diante do que as cortes de justi9a encarariam como "ajuste fraudulento para atentado ao livre comercio" Imaginemos que a hip6tese funciona, tendo em vista 0 primeiro objetivo, ou seja,o da previsao do comportamento do mercado. Nao deflui dai, claramente, que ela funciona quando se tern em vista 0 segundo objetivo, ou seja, 0 de prever se existe ou deixa de existir evidencia da presen9a de urn "ajuste fraudulento para atentado ao livre comercio" a justificar uma a9ao judicial. Reciprocamente, se a hip6tese funciona com respeito ao segundo objetivo, nao deflui, dai que ha de funcionar com respeito ao primeiro. T6davia, faltandoevidencia adicional, 0 exito da hip6tese em urn caso - explicando uma classe de fen6menos - toma maior a confian9a que nela depositamos ao cogitar de outro caso - explicando outra classe de fen6menos. E dificil, todavia, dosar esse au~ento de confian9a, pois ele depende de qUaDintimamente julguemos estarem relacionadas as duas classes de fen6menos o que, por sua vez, depende, em intricada maneira, de tipos anaIogos de evidencia indireta - ou seja, de experiencia que possamos ter, em outras areas, de como uma dada teoria esta em condi90es de explicar fen6menos que, em certo sentido, se mostram "similarmente diversos". Apresentando 0 mesmo ponto em"perspectiva mais geral, 0 que denominamos pressupostos de uma hip6tese presta-se para dar-nos alguma evidencia indireta rela- tiva a aceitabilidade da hip6tese, na medida em que os pressupostos possam ver-se, eles mesmos, considerados como implica9t'5es da hip6tese (de modo que seu acordo com a fealidade seja uma forma de nao contraditar algumas implica90es) ou na medida em que os pressupostos lembrem outras implica9t'5es da mesma hipotese, susceptiveis de observa9ao causal empirica. ( 1 ) A razao que toma indireta essa evidencia e a seguinte: os pressupostos ou as implica9t'5es correspondentes referem- -se, via de regra, a uma classe de fen6menos que difere da classe que a hipotese pre- tende explanar; em verdade, como se deixou indicado acima, ai esta 0 principal criterio de que lan9amos mao ao decidir quais os enunciados que consideraremos "pressupostos" e quais os que consideraremos "implica90es". 0 peso associado a essa evidencia indireta depende de qUaDirltimamente julguemos estarem relaciona- das as duas classes de fenomenos. (1) Ver Friedman e Savage, "The Expected-Utility Hypothesis and the Measurability of Utility", op. cit., pp. 466-67, em que se acha outro exemplo especial desse tipo de teste.
  • 25. Outro modo pelo qual os "pressupostos" facilitam 0 teste indireto de uma dada hip6tese resuIta do fato deles trazerem a ton a a similaridade que ela possa manter com outras hip6teses, tornando, assim, relevante para a validade da hip6tese em tela a evidencia que corrobora as demais. Exemplicativamente, suponhamos ter uma hip6tese relativa a uma particular classe de comportamentos. Ela pode ser formulada, como de habito, sem fazer alusoes a "pressupostos". Imaginemos poder mostrar que ela, a par disso, equivale a urn conjunto de outros pressupostos, no qual se inclua a ideia de que os homens agem em defesa de seus pr6prios interesses. A hip6tese ganha, assim, plausibilidade indireta, em virtude do exito (em outras clas- ses de fenomenos) de novas hip6teses em que aquela ideia esteja presente. Na pior das situayoes, 0 procedimento aqui adotado n[o e totalmente destituido de prece- dentes ou destituido de exito, relativamente a todas as demais formas de uso das hip6teses. Com efeito, enunciar os pressupostos de modo a explicar uma relayao entre hip6teses superficialmente diversas e dar urn passo no sentido da formulayao de hip6teses de maior generalidade. Esse genero de evidencia indireta, relativa a hip6teses correlatas, explica, em boa medida, os variados graus de confianya que pessoas de formayDes diferentes associam a uma particular hipotese. Consideremos, por exemplo, a hip6tese de que a amplitude de discriminayao racial ou religiosa, na oferta de empregos, numa espe- cifica area ou numa especifica industria, associa-se intimamente ao grau de mono- p6lio, na area ou na industria em pauta; de que, sendo a industria competitiva, a discriminayao somente sera significativa se a raya ou a religiao dos empregados afetar a disposiyao de outros empregadores (dispostos a aceitar esses empregados) ou a aceitabilidade do produto fjunto a consumidores), mostrando-se, porem, nao-correlacionada aos preconceitos dos pr6prios empregadores. ( 1 ) Essa hip6tese tende a ser muito mais aceitavel para os economistas do que para os soci6logos. Cabe dizer que ela "presume", entre empregadores, nas industrias competitivas, 0 simples desejo dos beneffcios pecunhlrios; esse "pressuposto" atua de maneira adequada em uma ampla gama de hip6teses economicas que dizem respeito a vanos fenomenos de massa de que trata a Economia. Ha de parecer razoavel, aos econo- mistas, que tamoom aqui 0 pressuposto poSsa atuar adequadamente. De outro lado, as hip6teses a que 0 soci610go se habituou possuem urn tipo muito diferente de modelo, ou de mundo-ideal, em que 0 simples desejQ de beneficios pecuniarios desempenha papel bem menos importante. A evidencia indireta acessivel ao (1) Tratamento rigoroso dessa hip6tese precisaria, e claro, especificar como entender "amplitude da discriminal;iio racial ou religiosa" e "grau de monopcSlio". Para os presentes objetivos, porem, e suficiente a forrnulal;iio mais ou menos vaga, encontrada no texto.
  • 26. soci6logo, no que concerne a essa hip6tese, e muito menos favoravel para ela do que a evidencia indireta acessivel ao economista. 0 soci610go, por conseguinte, con tem- pIa a hip6tese com maior suspei~iIo. E certo que a evidencia do economista e a do soci61ogo niIo se mostram con- cludentes. 0 teste decisivo e 0 da atua~lro da hip6tese junto aos fenomenos que ela pretende explanar. E possivel, entretanto, que, antes da realiza~iIo de qualquer teste satisfat6rio desse genero (uma realiza~lro que talvez nlro possa ocorrer em futuro proximo), ~guma avalia~iIo da hipotese venha a tornar-se indispensavel. Em tal caso, a avalia~[o tera de assentar-se na evidencia inadequada ja recolhida. A par disso, mesmo quando aquele teste pode ser realizado, 0 "brackground" dos cientis- tas nlro e irrelevante para as conclusOes que eles obtem. Em ciencia nunca existe certeza e 0 peso da evidencia, pro ou contra uma hipotese, jamais se avalia de ma- neira totalmente "objetiva". 0 economista sera mais tolerante do que 0 soci610go, ao julgar 0 acordo das implica~~es da hip6tese com a experiencia, e tendera, pois, a acolher a hipotese, ainda que provisoriamente, com base em menor numero de casos de "conformidade". v - ALGUMAS IMPLICA(:OES DE INTERESSE PARA AS QUESTOES ECONOMIC AS As questeses metodologicas abstratas que discutem tern reflexos diretos sobre a perene critica dirigida cpntra a teoria economica "ortodoxa", tida como "niIo-rea- lista" e sobre as tentativas de reformul~iIo dessa teoria, feitas com 0 objetivo de contornar aquela critica. A Edonomia e uma ciencia "desoladora" porque admite ser 0 homem egoista e avido por dinheiro, urn "inflamado calculador de prazeres e de dores que flutua, como se fOra homogeneo globulo desejoso de felicidade, sob 0 impulso de estimulos que 0 empurram de urn lado para outro mas 0 deixam in- tacto". ( 1 ) A Economia assenta-se em Psicologia ultrapassada e precisa ver-se re- construida, pondo-se em consonancia com as novas descobertas psicol6gicas. Admi- te que 0 homem ou, pelo menos, 0 homem de neg6cios, esta "em constante estado de 'alerta', preparado para alterar pre~os ou regras de pre~o sempre que sua intui- ~iIo... identifica varia~iIo das condi~~s de oferta e de procura"; ( 2 ) admite que os mercados s[o perfeitos, a competi~iIo e pura e as mercadorias, 0 trabalho e 0 capital s[o homogeneos. (1) Thorstein Veblen,. "Why Is Economics Not an Evolutionary Science?" (1898), reimpresso em THE PLACE OF SCIENCE IN MODERN CIVILIZA nON (New York, 1919), p. 73. (2 ) Oliver, op. cit., p. 381.
  • 27. Como ja vnnos, as criticas desse tipo sli'o mais ou menos inocuas, exceto quando se vejam suplementadas por evidencia de que outra hipotese, diferente da teoria criticada em pelo menos urn desses aspectos, conduz a previsoes melhores, em urn ambito n[o menor de fenomenos. Tais suplementarroes, porem, nli'o aparecem nas criticas - que se assentam, quase inteiramente, em discrepancias supostamente percebidas de modo direto, entre os "pressupostos" e 0 "mundo real". Exemplo claro e dado pelas-recentes critic as dirigidas contra a hipotese da maximizarrli'o dos rendimentos, assentada no fato de que os homens de negocios n[o agem e nem podem agir como a teoria "presume" que 0 farram. A evidencia aduzida em apoio desta afirmarr[o e, de habito, colhida nas respostas oferecidas pelos homens de negocios, quando lhes sli'o feitas perguntas acerca dos fatares que afetam as suas decisoes (urn procedimento de teste das teorias economic as perfeitamente compara- vel ao teste das teorias sobre longevidade que se resumisse em indagar, aos octoge- nanos, de que modo explicariam as suas vidas longas), ou colhida em estudos descri- tivos referentes as atividades decisorias de firmas individuais. ( 1 ) Pouca ou nenhu- ma evidencia se fomece, relativa a conformidade do comportamento real dos ho- mens de negocios, no mercado (0 que fazem, em vez do que dizem fazer), com as implicarroes da hipotese criticada, de urn lado, e com as implicarroes de uma hipote- se alternativa, de outro lado. Uma teoria ou os seus "pressupostos" n[o podem ser cabalmente "realistas", no sentido descritivo imediato, que tli'o freqiientemente se atribui ao termo. Uma teoria completamente "realist a" do mercado do trigo teria de incluir nao apenas as condirroes diretamente subjacentes a oferta e a demanda de trigo, como, ainda, ( 1) Ver H. D. Henderson, "The Significance of the Rate of Interest", Oxford Economic Papers, n? 1 (Outubro, 1938), 'pp. 1-13; J. E. M{:ade e P. W. S. Andrews, "Summary of Replies to Questions on Effects of Interest Rates", mesmo local, pp. 14-31; R. F. Harrod, "Price and Cost in Entrepe~urs' Policy", mesmo periodico, n?2 (Maio, 1939), pp. 1-11; e R. 1. Hall e C. J. Hitch, "Price Theory and Business Behavior", mesmo local, pp 12-45. Ver, ainda, Lester, "Shortcomings of Marginal Analysis for Wage-Employment Problems", op. cit.; Gordon, op. cit. Ever, eniun, Fritz Machlup, "Marginal Analysis and Empirical Research", op. ciC, particular- mente Sec. II,onde se encontrarn cr{ticas pormenorizadas ao metodo dos questiomirios. Nao pretendo insinuar que sejam imiteis, para todos os objetivos da Economia, os estudos, com base em questionarios, das motiva;oes ou das cren;as a respeito de for;as que afetam 0 compor- tarnento de homens de negocios ou de outras pessoas. Tais estudos podem ser extremamente valiosos, sugerindo linhas de pesquisa para a analise das divergencias entre resultados esperados e observados, ou seja, para a e1abora;ao de novas hipoteses ou a revisao de hipoteses antigas. Entretanto, seja qual for 0 interesse de que se revistam, nesse prisma, os citados estudos me Jfarecem completarnente imiteis como forma de submeter a teste a validade de hipoteses eco- nomicas. Ver, a prop6sito, meu comentario em torno do artig'o de Albert G. Hart, "Liquidity and Uncertainty", American Economic Review, XXXIX (Maio, 1949), 198-99.
  • 28. indica<j:oesrelativas a moeda ou aos instrumentos de credito usados nos pagamentos; teria de incluir dados a respeito dos comerciantes de trigo, cor dos olhos e dos cabe- los de cada comerciante, os seus antepassados, a sua educa<j:lio,as pessoas da familia, seus respectivos antecedentes e sua educa<j:lio,e assim por diante; teria de incluir inforrnes a respeito do tipo de solo em que 0 cereal foi cultivado, de suas caracterfs- ticas ffsicas e qui'micas, do est adO'geral do tempo na epoca de desenvolvimento das plantas, dos tra<j:ostfpicos do pessoal encarregado de cuidar da fazenda e do consu- rnidor que, afmal, utilizani os grlios; e assim por diante, indefinidamente. Qualquer tentativa no sentido de contornar essa especie de "realismo" esta fadada, por certo, a tornar inutil a teoria que se elabore. A ideia de. teoria completamente realista e, naturalmente, pelo menos em parte, ilus6ria. Nenhum crftico de teorias aceitaria essa posi<j:lioextremada como urn objetivo a ser perseguido. Diria que os "pressupostos" da teoria em pauta eram "exageradamente" nlio-realistas e que seu desejo consistia em poder contar com urn conjunto de pressupostos "mais" realistas - sem, que chegassem a se-lo de modo completo e escravizador. Contudo, nlio havera base para fazer distin<j:oesseguras, isto e, para fugir da iluslio a que se aludiu ha pouco, enquanto 0 teste de "realismo" for 0 da acuidade descritiva dos "pre~supostos", diretamente percebida (exemplifi- cando: a observa<j:aode que "os homens de neg6cios nlio sao tlio avarentos, diniirni- cos ou 16gicos quanto se poderia preyer com base nos seus retratos, pintados pela teoria marginal" ( 1 ) ou de que "seria inteiramente inutil, sob urn ponto de vista pratico, nas condi<j:oes atuais, que urn administrador de fabricas de multi-processos tentasse ... calcular custos marginais e rendimentos marginais e procurasse iguala- -los, tendo em conta cada qual dos fatores de prodd<rao"). ( 2 ) Qual 0 criterio que permitiria avaliar os desvios em rela<j:lioao realismo,-assegurando que este ou aquele afastamento e ou deixa de ser aceitavel? Por que, ao analisar-se 0 comportamento, no campo dos neg6cios, 0 fato de se ignorar a magnitude dos custos enfrentados por urn comerciante haveria de ser mais "nao-realista" do que 0 fato de se ignorar a cor de seus olhos? A resposta 6bvia e esta: porque 0 primeiro fator tern mais influencia do que 0 segundo, no estudo do comportamento dos homens de neg6cios. Nao ha, porem, meios de saber se assim acontece, tendo em conta apenas a simples consta- ta<j:aode que os homens de neg6cios enfrentam custos de magnitude variadas e tern olhos de cores diversas. S6 se pode saber que a influencia do primeiro fator e maior do que a influencia do segundo comparando 0 efeito que cada qual deles tern sobre (1) Oliver, op. cit., p. 382. ( 2 ) Lester, "Shortcomings of Marginal Analysis for Wage-Employment Problems", op. cit., p. 75.
  • 29. as discrepiincias entre comportamento previsto e comportamento real. Ate os mais exagerados advogados dos pressupostos realistas saD obrigados, necessariamente, a rejeitar seus pr6prios criterios e a aceitar 0 teste de predi<yao- no momento em que se disp5em a classificar pressupostos alternativos para dizer que uns saD mais ou menos realistas do que outros. ( 1 ) A confusao basica entre acuidade descritiva e relevancia analitica - subjacente na maioria das criticas dirigidas contra a teoria economic a e feitas com base no presumido "nao-realismo" de seus pressupostos - e a plausibilidade de certas concep<y6es que tendem a conduzir a tal confusao aparecem ilustradas, de maneira muito clara, em uma observa<yaoaparentemente in6cua, encontrada em urn artigo a respeito da teoria dos ciclos-de-neg6cios; eis a observa<yao: "fenomenos economic os saD variados e complexos, de modo que uma teoria abrangente dos ciclos de neg6cios, passivel de ver-se aplicada a realidade, ha de ser muito complica- da." ( 2 ) Hipotese fundamental, na ciencia, e a de que as aparencias enganam e de que existe uma forma de contemplar, de interpretar ou de organizar a evidencia que revelara fenomenos diversificados, aparentemente desconexos, como sendo manifes- ta<y5esde uma estrutura fundamental, mais ou menos simples. 0 teste dessa hipote- se - como, alias, de qualquer outra - saD os seus frutos, urn teste que ate agora tern sido dramaticamente bem sucedido. Se uma classe parece conter "fenomenos eco- nomicos" variados e complexos, isso acontece, devemos supo-Io, por faltar teoria adeqfiada capaz de explica-Ios. Nao e possivel colocar, de urn lado os fatos conheci- dos e, de outro, uma teoria que esteja "pr6xima da realidade". A teoria e 0 modo pelo qual percebemos "fatos" e nao podemos percebe-Ios sem dispor de uma teoria. Qualquer declara<yao de que os fenomenos de Economia sao variados e complexos (1) Gordon, por cxemplo, em seu exame direto dos "pressupostos", reformula a hip6tese alternati- va (geralmente preferida pelos criticos da hip6tese da maximizal;ao dos rendimentos), para vaza- -Ia nestes termos: "Ha uma irresistlvel tendencia no sentido de fixar prel;os com base nos custos totais medios, tendo em conta algum nlvel 'normal' de produl;ao. Al esta 0 padrao de mensura- I;ao, a tatica !Jeque se valem os peritos em contabilidade 0 os homens de neg6cios, cujo objetivo e antes 0 de contar com lucros satisfatorios, agindo com seguranl;a, do que 0 de maximizar lucros" (op. cit., p. 275). Gordon, porem, abandona essa hip6tese ou a converte em uma tauto- logia; no processo de assim transforma-la, aceita, implicitamente, 0 teste por meio de previsoes, pois, adiante, assevera que "Custo pleno e lucros satisfatorios pod em continuar a ser os objeti- vos, mesmo quando os custos sao diminuidos, a fim de enfrentar a competil;ao, ou aumentados, a fim de tirar vantagens do mercado de vendas" (ibid., p. 284). Onde ficou a "tendencia irresis- tivel"? E que tipo de evidencia poderia refutar a asserl;ao? ( 2 ) Sidney S. Alexander, "Issues of Business Cycle Theory Raised by Mr. Hicks", American Eco- nomic Review, XLI (Dezembro, 1951), p. 872.
  • 30. nada mais faz do que negar 0 estagio preliminar de conhecimento, 0 unico em con- di~oes de dar sentido a atividade cientifica. Vma tal declara~[o se assemelha ao enunciado, muito justificadamente ridicularizado por John Stuart Mill, segundo 0 qual "afortunadamente, nada mais existe, nas leis relativas ao valor, que os atuais (l848) e futuros pensadores devam esclarecer; a teoria esta completa." ( 1 ) A confus[o entre acuidade descritiva e relevancia analftica n[o conduziu apenas as criticas mal fundamentadas, dirigidas contra as teorias econornicas; tam- bem levou a mal-entendidos em tomo de tais teorias e a uma orienta~[o erronea dos esfor~os feitos no senti do de escoima-Ias de presumidos defeitos. Os "tipos ideais", no modelo abstrato desenvolvido por teorizadores, na Econornia, tern sido vistos, estritamente, como categorias descritivas que se tenciona estejam em corresponden- cia direta e cabal com entidades do mundo real, independentemente do objetivo que leva ao uso do modelo. As discrepancias 6bvias conduziram a tentativas neces- sariamente mal sucedidas de elaborar teorias com base em categorias que pretendem ser completamente descritivas. Essa tendencia tern sua mais clara ilustra~[o, possivelmente, na interpreta~!'o dada aos conceitos de "concorrencia perfeita" e de "monop6lio" e no desenvolvi- mento da teoria da concorrencia "monopolista", ou "imperfeita". Marshall, segun- do se afirma, adrnitiu a "concorrencia perfeita"; e possivel que tal coisa tenha exis- tido algum dia. Mas ja nlio existe, de modo que e preciso abandonar as suas teorias. o leitor procurara longa e arduamente - e, segundo minhas previ~s: sem exito - se quiser achar, nos escritos de Marshall, qualquer pressuposto explicito acerca da concorrencia perfeita ou qualquer afirma~lio em que se registre ser 0 mundo, em sentido descritivo, composto por firmas isoladas envolvidas em uma concorrencia perfeita. Ao contrario, 0 que se encontra nos escritos de Marshall e isto: "Em uma extremidade estlio os mercados mundiais, em que a concorrencia atua diretamente, vinda de todas as partes do globo; em outra est[o os mercados insulados, para os quais a concorrencia vinda de longe esta fora de cogita~oes, embora a concorrencia indireta e transmitida possa fazer-se sentida mesmo ai; de permeio, entre as duas extremidades, estao quase todos os mercados que os econornistas e os homens de neg6cios tern de estudar." ( 2 I Marshall encarou 0 mundo como ele e;pensou em construir urn "mecanismo" para analisa-Io, mas n[o em uma reprodu~[o fotografica do mundo. Analisando 0 mundo como ele e, Marshall formulou a hip6tese de que, para a (1) PRINCIPLES OF POLITICAL ECONOMY (Ashley, organizador; Longmans, Green & Co., 1929), p. 346. ( 2 ) PRINCIPLES, p. 329; ver, tambem, pp. 35, 100,.341,347,375 e 546.
  • 31. resoluy1i'ode numerosos problemas, as firmas podiani ser agrupadas em "indus trias" , de tal modo que as similaridades das firmas de urn mesmo grupo superassem, em importancia, as diferenyas que entre etas pudessem existir. Os problemas em tela s1i'o aqueles em que 0 elemento notorio a considerar e 0 de as firmas de urn grupo se verem analogamente afetadas por urn dado estimulo; ha, digamos, uma alteray1i'o comum na demanda pelos artigos que as firmas produzem ou no fornecimento desses artigos. Todavia, a tatica n1i'o se'aplica a todos os problemas, ja que, em muitos casos, 0 eleme1lto importante a considerar e, justamente, 0 dos efeitos dife- renciadores que demanda e oferta pod em ter sobre firmas particulares. o modelo abstrato associado a essa hipotese de Marshall con tern dois tipos "ideais" de firmas: firmas competitivas atomizadas, agrupadas em industrias, e firmas monopolistas. Vma firma se diz competitiva quando a curva de demanda concernente a sua produy1i'o e infinitamente elastica, relativamente ao seu proprio preyo, para algum preyo e toda a produy1i'o, tendo em conta os pre.yos cobrados por todas as demais firmas; a firma pertence a uma "industria" definida como urn grupo de firmas que fabricam urn unico "produto". Urn "produto" e defmido como cole- y1i'ode unidades que, aos olhos do consumidor, n1i'ose distinguem umas das outras, de modo que a elasticidade da demanda, no que concerne a produyao de uma firma, com respeito ao preyo de outra firma da mesma industria, se toma infinita, para algum preyo e certas produyoes. Vma firma se diz monopolista quando a curva de demanda, concernente a sua produyao, n1i'oe infinitamente elastica, para urn dado preyo, relativamente a todas as produyoes. ( 1 ) Se a firma e monopolista, ela propria e uma industria. ( 2 ) Como sempre, a hipotese, no seu todo, consiste n1i'o apenas desse modelo abstrato e de seus tipos ideias, mas tambem de urn conjunto de regras, quase sempre implicitas, sugeridas por exemplificay[o, que permita identificar firmas reais a urn ou outro de tais tipos ideais e permita classificar as firmas, para situa-Ias em indus- trias. Os tipos ideais n1i'otern a pretensao de ser descritivos; s[o concebidos a fim de isolar os' trayos que se nrostrem relevantes para a resoluyao de urn particular pro- blema. Ainda que pudessemos fazer estimativas diretas e acuradas da curva de de- marida para urn produto da firma, n[o nos seria permitido dizer, de imediato, que (1) Esse tipo ideal pode ser dividido em dois: a firma oligopolista, se a curva de demanda para 0 produto e infmitamente elastica, a urn dado pre~, para alguns, mas mlo todos os produtos; e a firma propriamente monopolista, se a curva de demanda mlo e infinitamente elastica em qual- quer de seus pontos, exceto, possivelmente, no ponto que corresponda a uma produ~ao nula. (2 ) Para 0 adepto do oligopolismo caracterizado na precedente nota, uma industria sera definida como grupo de f"rrmasque produzem urn mesmo produto.
  • 32. ela e perfeitamente competitiva ou monopolista, segundo a finitude ou nao-finitude da elasticidade daquela curva. Nenhuma curva de demanda, efetivamente observada, e perfeitamente horizontal, de modo que a elasticidade estimada sempre sera finita. A questao relevante, invariavelmente, e a de saber se a elastieidade toma valores "suficientemente" grandes a ponto de poder ser vista como infinita. Essa questao, entretanto, nao adrnite resposta definitiva com base, apenas, no valor numerico da propria elasticidade - exatamente como nao podemos dizer, de uma vez por todas, que a pressao atmosferica de quinze libras por polegada quadrada esta "suficiente- mente" proxima de zero a ponto de permitir 0 usa da formula s = (1/2) 9t2. Analogamente, nao nos e dado calcular as elasticidades-cruzadas da demanda para, em seguida, classificar as firmas, distribuindo-as em industrias, segundo a existencia de "substancial hiato nas elasticidades-cruzadas da demanda". Como diz Marshall, "Saber onde tra<;:aras linhas divisorias entre variadas mercadorias ou seja, industrias e uma questao que precisa ser resolvida em fun<;:aode conveniencias, face a cada discussao especifica." ( 1 ) Tudo depende do problema em tela. Nao ha qualquer incongruencia quando a mesma firma se ve contemplada, num problema, como competidora perfeita e, em outro problema, como entidade de carater monopolista - analogamente ao que se da no caso de sinal de giz, onde tambem inexistem con- tradi<;:5esse ele e considerado em termos de curva euclidiana, em certa situayao, em termos de superficie euclidiana, em outra, e, em termos de superficie euclidiana, em uma terceira situayao. Mostram-se relevantes as dimensoes da elasticidade e da elas- ticidade cruzada de demanda, 0 numero de firmas que produzem artigos fisicamente similares, etc., porque todos esses elementos saD (ou podem figurar entre as) varia- veis utilizadas para definir a correspondencia que se estabelece entre entidades ideais e entidades reais, num particular problema, assim como para especificar as circunstancias em que a teoria vige suficientemente bem. Mas esses elementos nao conduzem, de uma vez por todas, a uma divisao das firmas em monopolistas ou competitivas. Um exemplo concreto perrnitira esclarecer 0 ponto em tela. Imaginemos que o problema seja 0 da determina<;:ao do efeito de um aumento (presumido permanen- te) dos impostos sobre 0 pre<;:ode venda de cigarros no varejo. Posso preyer que resultados largamente corretos serao obtidos ao tratar as empresas fabricantes de cigarros como se fossem firmas que produzem um mesmo produto e que estao em situa<;:ao de concorrencia perfeita. Em casos desse tipo, naturalmente, "alguma conven<;:liodeve ser feita a respeito "de" quantos cigarros de certa marca, A, di- gamos, hlfo de mostrar-se "equivalentes" a um cigarro de outra marca, B, por (1) PRINCIPLES, p. 100.
  • 33. exemplo. ( 1 ) De outro fado, a hip6tese de que as fabric as de cigarros agiriam como se fossem perfeitamente concorrentes teria sido urn falso guia para 0 estudo de suas reac;i5esao controle de prec;os, durante a Segunda Guerra Mundial - 0 que se reco- nheceria are mesmo antes do evento. as custos das fabricas de cigarros devem ter subido no periodo da guerra. Em tais condic;oes, competidores perfeitos teriam reduzido a quantidade oferecida para venda a prec;os antigos. Todavia, cabe presu- mir que, mantidos os prec;os antigos, 0 aumento da renda dos consumidores, na epoca do conflito, aumentaria a demanda. Em condic;oes de concorrencia perfeita, a estrita adesao ao prec;o legal acarretaria nao apenas "escassez", (no sentido de que a quantidade solicitada superaria a quantidade oferecida), como, ainda, urn declinio absoluto do numero de cigarros produzidos. as fatos contraditam essa particular consequencia: houve, na verdade, ades[o razoavelmente boa aos prec;os maximos dos cigarros e, no en tanto, as quantidades produzidas aumentaram substancialmen- te. A fOflra comum dos custos aumentados agiu, presumivelmente, com menos in- tensidade do que a fore;:ade ruptura, representada pelo desejo, em cada firma, de conservar sua porC;ao do mercado e de manter 0 valor e 0 prestigio do nome de seu produto - especialmente quando os impostos sobre excesso de lucros desviou, para o govemo, uma grande parte dos gastos com a propaganda. No que conceme a este problema especifico, as firmas fabricantes de cigarros n[o poaem ser tratadas como se fossem concorrentes perfeitos. a cultivo de trigo e lembrado, frequentemente, para ilustrar a concorrencia perfeita. Entretanto, assim como e_legitimo, para alguns problemas, cogitar dos produtores de cigarros como se formassem uma industria perfeitarnente competiti- va, nlfo e legitimo, para outros problemas, cogitar dos produtores de trigo nesses termos. Exemplificlltivamente, n[o e conveniente tratar os produtores de trigo como se constituissem uma industria perfeitamente competitiva se a quest[o em foco e ados prec;os diferenciados que os operadores de maquinas da regi[o pagarn pelo trigo. As ideias de Marshall mostraram-se muito uteis para a analise de problemas em que urn grupo de firmas e afetado por urn estimulo comum e em que as firmas podem ser tratadas como se fossem concorrentes perfeitos. Ai esta a fonte do mal-entendido que levou a admitir haver Marshall "presumido" a concorrencia per- feita, em algum sentido descritivo. Seria altarnente conveniente dispor de uma teoria roais geral do que a p,roposta por Marshall, uma teoria que englobasse, ao mesmo tempo, os casos em que tern e os casos em que n[o tern importancia essen- ( 1) as trechos citados saodos PRINCIPLES.