1. A LUTA DA
JAPUARA
Rosa Barros
Vinde, musa mensageira
Com poder, força e valor
Dai-me santa inspiração
Mandada por Nosso Senhor
Para falar na tragédia
Que César Campos formou
Canindé, cidade santa
De festa e devoção
Onde abrange muitas léguas
A sua grande admiração
Romeiro de longe vem
Cumprir sua devoção
Passou o ano setenta
Em Canindé foi um bom ano
Chegou a setenta e um
Com o gênio desumano
O César Campos, em Canindé
Foi logo mudando os planos
No dia dois de janeiro
César Campos juntou
Uns oitenta e cinco homens
E disse assim: - Vá, feitor
Arrombem o açude e derribem
As casas dos “morador”
As casas encheram logo
De homens pra viajar
Pra fazenda Japuara
Começaram a caminhar
Para ganhar dez cruzeiros
E sua vida arriscar
Todos eles bem satisfeitos
Pra ganharem esse trocado
Talvez pensando que não fosse
Um trabalho pesado
Porém, encontraram lá
Um serviço complicado
Chegaram os carros lá
Às oito horas do dia
Os motoristas pararam
Em frente uma moradia
A qual morada era
Onde Pio Nogueira residia
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Os homens desceram todos
Otávio Abreu, o ffeitor
Disse: - Todos me acompanhem
Para uma cerca marchou
Dizendo: - Derribem esta
Pra começar o labor
O Pio não estava em casa
Chegou nesta ocasião
Lá das bandas doa çude
Disse a eles: - Olhe, preste atenção
Derrubem todas as cercas
Porém, a casa, não!
Porém, nesta ocasião
Respondeu, alto, o feitor:
- Ninguém veio ouvir conversa!...
Pio Nogueira se calou
Eles trouxeram as escadas
Na parede encostou
Logo no oitão da casa
Começaram a trabalhar
Derribando todas as cercas
Uns e outros a conversar
Dizendo: - Logo, as casas
Nós iremos derrubar
Derrubaram todas as cercas
Saindo do outro lado
Nada tendo acontecido
Todo mundo animado
Mas, para o fim do trabalho
Vamos ver o resultado
- Vocês já encostaram as escadas
Quem quiser pode subir
Ou então me deixe em paz
Porque eu não vou me afligir
Enquanto seu César não me pagar
Eu não sairei daqui
Foi neste mesmo momento
Que um subiu na escada
João Longá era seu nome
Subiu sem fazer zoada
Pio Nogueira, nesta hora
Não pensou em mais nada
O futuro é enganoso
Dele não sabe ninguém
Não queiram perder seus direitos
Para ganhar um vintém
César Campos não é homem
Que dê camisa a ninguém
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A sala já estava
Com uma parte destelhada
João Longá, lá em cima
Como quem não temia nada
Nesta hora o Dourado
Foi subindo na escada
Bem no canto da parede
Subiu Longá disfarçado
Pio Nogueira, nesta hora
Deu-lhe um cartucho emprestado
Coitado, não voltou mais
Pra contar o resultado
Os outros que já estavam
Pertinho da cumeeira
Quando ouviram a zoada
Disse: - Não é brincadeira
De um pulo quebrou um pé
E ainda deu uma carreira
Nisto, o resto da tropa
Começou logo a correr
Uns diziam: - Meu Jesus
Desça pra nos defender
Uns perdidos nas matas
Outros no chão pra morrer
Eram dez horas do dia
Dquando este fogo cessou
Todos os homens correram
Só os mortos ficou
Vamos saber da notícia
Quando em Canindé chegou
Com duas horas depois
Do caso acontecido
Chegaram uns homens vexado
Fazendo grande alarido
Dizendo: - Lá, já morreu gente
E os homens tão prevenido
César Campos inventou
Que sofria do coração
Atcou-lhe logo os nervos
Mandou chamar seu irmão
Pra com ele fazer as pazes
E amenizar a situação
Naquele mesmo momento
Deram parte ao delegado
Este chamou logo os homens
Todos eles bem armados
Mas não sbiam que os homens
Se achavam bem preparados
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Pio Nogueiram, em sua casa
Estava bem despreocupado
Com homens e muitas armas
Com as armas que eles tinham deixado
Da chegada da polícia
Vamos ver o resultado
Cídio Martins, o delegado
Comanda o destacamento
Todos dentro dos carros
Preveniu seu armamento
Só não foi o coronel
Por não estar no momento
Pra fazenda Japuara
Seguiram os carros apressado
Para prender Pio Nogueira
Pelo crime praticado
O culpado é César Campos
É quem deve pagar o pato
Chegaram numa latada
Em frente, o carro parou
Cídio Martins não pensava
Para ela marchou
Mal pisou debaixo dela
O tiroteio começou
Bateu de mão o revólver
O gatilho apertou
Como nunca aconteceu
A arma não disparou
Um de seus homens de perto dele
Com um facão lhe cutelou
Deu-lhe um golpe na cabeça
Como um leão assanhado
Aí, o soldao Freitas
Partiu como um alucinado
Dizendo: - Tu paga a morte
Desse homem tão falado
Porém, antes de chegar
Francisco Martins atirou
Em cima do peito esquerdo
O bandido bambeou
Caiu no chão, já sem vida
O que devia, pagou
Francisco Martins lutou
Mas não ficou caído
O resto, todos correram
Valdemar ficou ferido
Quando terminou o fogo
O Freitas já tinha morrido
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Pois um soldado disposto
Saiu muito estragado
Magalhães não morreu
Porque saiu premiado
E mesmo ele voltou são
Para levar o recado
Com quatro mortos no chão
Uns feridos, outros cortados
Pio Nogueira e seus homens
Já tinham se retirado
Para tirar os mortos
Vamos ver o resultado
Quando chegu em Canindé
Os carros, todos ensanguentado
Em frente à Casa Campos
Francisco Martins cortado
Pois com um tiro nas costas
Vinha também estragado
Disseram que quatro homens
Mortos já tinham ficado
Nonato Vinte e Um
Cídio Martins, o delegado
O carreteiro e o soldado
Com três meses de casado
Coronel Raimundo Pereira
Passou logo urgentemente
Um telegrama pedindo
Uma força competente
E o comandante, logo
De tudo ficou ciente
Deixando a tropa aí
Pronto para viajar
Vamos saber de frei Lucas
Que os cadáveres foi buscar
Foi só quem se atreveu
Chegar no dito lugar
Frei Lucas apanhnou a kombi
Com uma bandeira na mão
Um crucifixo na outra
Fez a sua obrigação
Despediu-se das irmãs
E segiu sua missão
Quando ele entrou no carro
Alguém quis lhe acompanhar
Disse ele: - Irei só
Para não prejudicar
Algum pai de família
Que tem pra quem trabalhar
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Pra fazenda Japuara
O frade saiu vexado
Mário Neco disse: - Eu vou
Lhe fazer acompanhado
Porque numa missão dessa
Todo homem é Obrigado
Apanhou um carro e foi
Fazer sua obrigação
A kombia ia na frente
Veloz como um avião
Parou antes de chegar
Onde deu-se a traição
Saiu do carro frei Lucas
Com a bandeira na mão
E o crucifixo no peito
Pediu de Pio a benção
Dizendo: - Eu não venho aqui
Pra lhe fazer traição
Pio Nogueira abriu a porta
Vendo o vigário acenar
Com a bandeira da paz
Disse: - Pode se encostar
Frei Lulcas chegou pra frente
Começar a conversar
Frei Lucas disse: - Eu não venho
Aqui para lhe prender
Só quero que me autorize
Os cadáveres eu recolher
- Pois, não!, lhe respondeu Pio
Faça o que o senhor entender
Entraram e se sentaram
Quando olharam para estrada
Um jipe vinha chegando
De frente sua morada
Acelerou e parou
Bem pertinho da latada
Foi Mário Neco que lembrou-se
De ir o vigário ajudar
Botaram os cadáveres dentro
Para a kombi transportar
Depois arrodiaram a casa
E começaram a conversar
Pio Nogueira e Mário Neco
Que lhe pede e lhe implora:
- Fuja desta moradia
Deixe tudo e vá embora
Não resista com polícia
Se entregue ou caia fora
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Eu, como amigo, lhe peço:
É melhor se retirar
Já foi pedido reforço
E não tarda mais chegar
Se retire e vá embora
Não adianta enfrentar
Com toda essa exclamação
Não se mexia ninguém
É Mário Neco dizendo:
- Dou-lhe este conselho pra o bem
Vocês resistem com cinco
Mas não resistem com cem
Deu-lhe este conselho
Entrou no carro e voltou
Frei Lucas com os cadáveres
Também se encaminhou
Com vinte minutos depois
Em Canindé chegou
Levaram pra enfermaria
Todos os sangue lavaram
Os enfermeiros, depois
Todos os golpes costuraram
E alguns feridos com vida
Para o hospital transportaram
Vamos dexar os cadáveres
Para serem sepultados
E os feridos, cotiados
Para serem recuperados
Vamos falar nos reforços
De Fortaleza chegados
Uns dozes soldados armados
Para vingar mestre Cídio
Seguiram pra Japuara
Pelo trágico ou presídio (sic)
Em procura do autor
Daquele grande homícidio
Chegaram na Japuara
Às cinco horas ou mais
Já era pela tardinha
Todos os policiais
Procurando Pio Nogueira
Por dentro dos matagais
Fizeram fogo na casa
Onde o Pio residia
Mas, como estava em silêncio
Nada ali estremecia
A noite muito sutil
Nem uma palha bulia
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Assim passaram a noite
Nesta tristonha emboscada
Andando dentro dos matos
Em vereda e em estrada
A fim de pegar os homens
Mas não encontraram nada
No outro dia, bem cedo
Começaram procurar
Uns diziam: - Ele fugiu
Não está no Ceará
Outros diziam: - Ele já vai
Do Sete-Estrelo pra lá
E assim continuou
Aquela grande emboscada
Assim puderam sair
Onde tinha uma morada
Na mesma, a esposa dele
Se achava hospedada
Investigaram a mulher
Ela disse que não sabia
Porque quando ele saiu
Não disse pra onde ia
Disse o sargento: - A senhora
Vai para a delegacia
Veio ela e outra parenta
Que também foi encontrada
Decerto fizem parte
Daquela luta pesada
Chegando, tornaram a ser
Novamente investigada
Disse a ela o delegado:
- Então, não sabe do seu marido?
Disse ela: - Não, senhor
Ele anda foragido
Porque quando ele saiu
Eu estava sem sentido
Portanto, a investigação
Não deu o menor resultado
Disse o coronel: - Bote elas
Em um quarto resguardado
E vamos ver se encontramos
Um roteiro aproximado
Assim, porém, novamente
Com outra séria emboscada
Pegaram um conhecido dele
E outro seu camarada
Deixaram eles detidos
E seguiram outra jornada
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Uns diziam que Pio Nogueira
Estava no mato escondido
Outros diziam que ele está
Em lugar desconhecido
Outros disseram: - Em Fortaleza
Ele já está protegido
Pio Nogueira, ele é
Do sindicato, delegado
O sr. Lindolfo lhe protege
É o seu advogado
E ele não quis sair
Sem que fosse indenizado
Portanto, vamos deixar
A polícia em emboscada
Vamos falar como o Pio
Formou bem sua cilada
Ele e seus companheiros
Dentro da mata fechada
Já era pela tardinha
Que Pio Nogueira arribou
Ele e cinco companheiros
No mato se destinou
Com sede e fome e com sono
Pelas matas penetrou
Assim passaram no matos
Sábado, o dia primeiro
E para mais sofrimento
O segundo e o terceiro
Atravessando riacho
Rios, grotas e tabuleiros
No terceiro dia que Pio
Andava no mato degredado
Um de seus companheiros chega
Onde ele estava hospedado
Com um balaço na perna
Pulando muito arrastado
Disse Pio ao dito homem:
- Cuide logo em se tratar
Vá para o meio da estrada
Procure um carro apanhar
Vá direto a Canindé
Cuide logo em se hospitalizar
Assim mesmo o rapaz fez
Procurou logo a estrada
Deixando Pio e os outros
Naquela mata fechada
Aí, o bom leitor veja
Que quadra negra pesada
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Ficando o Pio e os outros
Naquele mato arriscado
Já era de madrugada
Avistaram um arruado
Com fome, procuraram lá
Pois se achavam Obrigado(a),
No mesmo arruado tinha
Numa rua um quarteirão
No quarteirão, uma venda
A qual fazia plantão
Pio, com fome, entrou na venda
Fez a sua obrigação
Pede um quilo de bolacha
Come com seus camaradas
Mesmo em cima do balcão
Como quem não teme nada
Neste momento, um carro
Fez zoada na estrada
Aí, eles se assustaram
Mas ficaram parados
Logo o carro ali parou
Desceram dois advogados
Um era o dr. Lindolfo
Que os levou com cuidado
Pio direto a Fortaleza
Seguiu nesta mesma ocasião
Ele e seus companheiros
Não foram contra a razão
E seus dois advogados
Acompanharam a prisão
Em São José da Macaoca
É o nome do arruado
Onde Pio e seus companheiros
Foram logo encontrado
Para ir responder júri
Na capital do estado
Na hora do noticiário
Do Peixoto de Alencar
Dr. Lindolfo Cordeiro
Levou o Pio pra apresentar
Falando e contando as ruínas
Que eles puderam atravessar
Disse Pio que até a onça
Os perseguiu lá no mato
Ouvindo bem de pertinho
O rosnado de um gato
Disse ele: - Meu Deus do céu
Ó que momento arriscado
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Disse também qu epediu
Ainda com paciência:
- Não derribem esta casa
Não façam esta violência
E seus filhinhos gritando
Pedindo a Deus providência
- Ninguém ligou meus pedidos
Começaram a derribar
Todas as telhas e jogando
Em baixo para quebrar
Aí, eu também de dentrou
Atirei mais pra intimidar
Aí, eu não vi mais nada
Fiquei louco, certamente
De tudo que aconteceu
Agora não tou ciente
Porque meu sangue ferveu
E eu mudei de repente
Aqui, deixo o Pio Nogueira
Cumprindo com seu destino
Perseguido por César Campos
Homem de instinto ferino
Maltrando o seu próximo
Sem temer um Deus divino
Aqui em nosso Ceará
As cousas estão mudando
Coronel metido a besta
Pensa que vai mandando
Termina perdendo a terra
Quando não sai apanhando
Nas terras de Canindé
Hoje há grande destruição
Por lutas com os camponeses
Contra toda exploração
Os indivíduos foram embora
E vem chegando a união
O sr. César Cammpos
Um perverso e malfeitor
Ordenou os capangas
Perseguiu os trabalhador
Derribou as suas casas
Para provocar terror
O César Campos pensava
O sindicato comprar
Ou mesmo lhe dar dinheiro
Pra do seu lado ficar
Este foi seu maior erro
Que ainda o faz chorar
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Quando os camponeses viram
A chegada dos malfeiror
Reuniu-se toda a turma
E um bom plano traçou
Armada de foice e cacete
Assim os expulsou
O capataz do perverso
Mandou o seu bando armado
Destelhar todas as casas
Saindo logo alvejado
Caiu um em cima de um toco
Morreu sem dar um piado
A polícia veio logo
Os camponeses atacou
Deram mais de quinhentos tiros
Mas só um tiro acertou
Perderam o delegado
Um cabra e um atirador
Depois desse tiroteio
A turma toda correu
Foi dizer a César Campos
Quem matou e quem morreu
Ele ainda está doente
Do susto que receberu
Aqui termino a história
Escrevi o que ouvi contar
Por rádio e televisão
Agora deixo o restante
Para o César Campos
Contar depois que ele se calar
Fim
Canindé, Ceará, 1971