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Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa


                     Departamento de Sociologia




                  Tecnologias de Resistência:


      Transgressão e Solidariedade nos Media Tácticos



                    Miguel Afonso Caetano



         ̧ ̃                                            ̧ ̃
Dissertacao submetida como requisito parcial para obtencao do grau de


  Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação


                             Orientador:


                Prof. Doutor Gustavo Leitão Cardoso




                             Maio, 2006
AGRADECIMENTOS:



●   Agradeço em primeiro lugar à minha mãe, pelo apoio na elaboração desta dissertação, mesmo
    nas alturas em que eu pensava que não ia conseguir, e pelo trabalho que teve de edição de
    grande parte do texto;
●   ao Felipe Fonseca, ao Hernani Dimantas e ao Daniel Pádua, pela enorme gentileza e as
    conversas trocadas a um oceano de distância;
●   ao Dalton Martins, com quem passeei pelas ruas da Baixa de Lisboa numa tarde chuvosa de
    Novembro;
●   ao Miguel Leal, por se ter disponibilizado a publicar no Vector da Virose um artigo que serviu
    para consolidar o meu pensamento crítico sobre os media tácticos;
●   à Karla Brunet, por me ter ajudado a dar um rumo concreto à minha investigação;
●   ao meu orientador, o Professor Gustavo Cardoso;
●   ao Professor José Luís Garcia, por me ter feito acreditar que vale a pena reflectir de um modo
    crítico sobre a tecnologia e os media.
RESUMO:



Resultando da convergência entre os media, a tecnologia, a arte e a política, os media
tácticos constituem um conjunto de práticas culturais e um movimento teórico
surgido na Europa durante a primeira metade da década de 90, difundindo-se até ao
final do milénio para a América do Norte e posteriormente para o resto do mundo.
Tirando inicialmente partido das câmaras de vídeo mas também, a partir de uma certa
altura, das tecnologias digitais como CD-ROMs e a Internet, o produtor deste tipo de
media assume-se como um híbrido, desempenhando em simultâneo o papel de artista,
activista, teórico e técnico.

Este tipo de utilizações subversivas e/ou criativas das tecnologias de informação e
comunicação por indíviduos normalmente excluídos do seu acesso caracteriza-se
pelo experimentalismo, a efemerabilidade, a flexibilidade, a ironia, o amadorismo.
Partindo da distinção entre tácticas e estratégias estabelecida por Michel de Certeau e
retomada por autores como David Garcia e Geert Lovink, esta dissertação examina o
modo como os media tácticos se apresentam como “media de crise, crítica e
oposição”. Empregando uma análise teórica das práticas de alguns colectivos,
pretendemos demonstrar que as tácticas de protesto destas formas de produção
mediática representam uma posição de permanente combate contra um adversário
concreto e explícito (Estado-nação, instituição supra-nacional ou empresa
transnacional).

Depois de abordarmos os perigos a que este modelo antagonista dos media como
arma de resistência induz, propomos uma perspectiva alternativa de media tácticos a
partir de uma análise empírica de dois projectos brasileiros, o Metáfora e o
MetaReciclagem. Em conclusão, argumentamos que estas e outras iniciativas de base
adaptam as práticas de subversão e resistência observáveis nos colectivos activistas
dos países desenvolvidos às especificidades de um país periférico como o Brasil. Ao
fomentarem a reapropriação da tecnologia para fins de transformação social, estes
grupos potenciam as capacidades criativas e comunicativas das comunidades locais,
com vista à sua auto-sustentabilidade e autonomia.



Palavras-chave: media tácticos, estratégias, activismo mediático, media alternativos,
hacker, software livre, reapropriação tecnológica, reciclagem, Brasil.
ABSTRACT:



Resulting from the convergence between media, technology, art and politics, tactical
media are a set of cultural practices and a theoretical movement which started in
Europe during the first half of the 90s, having spread to North America until the end
of the millenium and, afterwards, to the rest of the world. Initially taking advantage
of video camcorders but also, later, of digital technologies such as CD-ROMs and the
Internet, the producer of this kind of media acknowledges himself as as a hybrid,
performing simultaneously the role of an artist, activist, theorist and technician.

These subversive and/or creative uses of information and communication
technologies by individuals who normally don't have access to them are characterized
by experimentalism, ephemerality, flexibility, irony and amateurship. Based on the
distinction between tactics and strategies developed by Michel de Certeau and
continued by David Garcia and Geert Lovink, this dissertation examines the way
tactical media present themselves as "media of crisis, critique and opposition". By
applying a theoretical analysis of some collectives, we intend to demonstrate that the
protest tactics of these media production forms represent a position of permanent
struggle against a concrete and explicit opponent (nation-state, supranational
institution or transnational corporation).

After addressing the dangers that this antagonist model of media as a weapon of
resistance can lead to, we propose an alternative perspective of tactical media built on
an empirical analysis of two brazilian projects, Metáfora and MetaReciclagem.
Finally, we argue that these and other grassroots initiatives adapt the practices of
subversion and resistance visible in the activist collectives of developed countries to
the local settings of a peripheral country like Brazil. By fostering technological
reappropriation for social transformation, these groups unleash the creative and
communication capacities of these communities, towards their self-sustainability and
autonomy.



Keywords: tactical media, strategies, media activism, alternative media, hacker, free
software, technological reappropriation, recycling, Brazil.
As resistências já não são marginais, mas sim activas no centro de uma sociedade que se abre em
redes.


                                                         - Michael Hardt e Antonio Negri, Empire


Os media tácticos são o que são quando o necessitam de o ser

Os media tácticos não são nem de esquerda, nem de direita. São um conjunto de abordagens em

constante evolução, motivado pelas necessidades e interesses específicos dos seus criadores.

Os media tácticos são um ethos.

Os media tácticos alimentam-se de ar, respiram debaixo de àgua e vivem na escuridão; excepto

quando necessitam de se expor à luz do sol; nadar pelo ar e beber vinho. Os media tácticos são

uma afirmação do direito de associação; defendem a liberdade de associação e prosperam em

associações promíscuas.

Os media tácticos são sempre produzidos colectivamente, mesmo quando um autor individual os

produz.

Os media tácticos afirmam a acção do indivíduo, mesmo quando são grupos a produzi-los. Os

media tácticos são guiados por uma relação amorosa com a teorização.

Os media tácticos odeiam a Poi, mesmo se lêem teoria compulsivamente.

Os media tácticos são pensamento enquanto acção.

Os media tácticos não suspeitam das emoções fortes. Sabem que as emoções podem levar as

pessoas à acção; e, no entanto, os media tácticos conduzem as pessoas à acção.

Os media tácticos não são a articulação do seu criador. Os media tácticos são um lugar na

linguagem por onde se comunica. Como tal, são sempre sujeitos à apropriação.

Os media tácticos nunca são o vestido; são o par perfeito de brincos que dão bem com os teus

olhos; os sapatos elegantes; o sorriso confidente. São sedução.

Os media tácticos têm um sentido irónico de humor e um coração sincero.



                                  - Gregg Bordowitz, “What is Tactical Media? An open-ended list”


                                                 5
Índice



Introdução                                                                              9

  Notas Metodológicas e Epistemológicas                                                12

  Plano da Dissertação                                                                 17

1 - Elementos para a História e Caracterização dos Media Tácticos                      21

   1.1 - Génese do Movimento                                                           21

   1.2 - Principais Definições                                                         25

   1.3 - Abordagens Teóricas                                                           27

   1.4 - Distinção entre Media Alternativos e Media Tácticos                           35

2 - Genealogia das Mobilizações Informacionais                                         42

   2.1 - Décadas de 70 e 80                                                            45

   2.2 - Década de 90                                                                  51

   2.3 - Mediactivismo: do Direito à Informação ao Direito à Auto-gestão da Comunicação 54

3 - A Influência do Movimento do Software Livre e da Ética Hacker                      60

  3.1 - O Processo de Desenvolvimento do Software Livre                                69

  3.2 - A Ética Hacker                                                                 72

4 - A Táctica e suas Metáforas Teóricas                                                75

   4.1 - A Táctica e a Estratégia em Michel de Certeau                                 76

   4.2 - A Táctica enquanto Détournement                                               79

   4.3 - A Táctica enquanto Rizoma                                                     83

   4.4 - A Táctica enquanto Zona Autónoma Temporária (TAZ)                             87

   4.5 - A Táctica enquanto Swarming                                                   92

   4.6 - A Táctica enquanto 'Multidão'                                                 98

   4.7 - A Táctica enquanto Smart Mob                                                 103

5 - Práticas de Media Tácticos                                                        110

   5.1 - Culture Jamming: Guerrilha Semiológica                                       110

   5.2 - Hacktivismo: O Contra-poder do Ciberespaço                                   117

                                             6
5.3 - Artivismo: Crítica e Subversão na net.art                                   129

  5.4 - A Rede Informativa Indymedia: Jornalismo open-source                        144

      5.4.1 - O CMI-Portugal: Um Pequeno Estudo de Caso                             152

6 – Contributos Para Uma Crítica do Conceito                                        168

  6.1 - "O Alt.Everything da Cultura e da Política"                                 168

  6.2 - O Espectro da Cooptação pelo Capital                                        170

  6.3 - O Eterno Retorno do Sublime Tecnológico                                     172

  6.4 - A Subversão Impossível dos Media                                            175

  6.5 - A Retórica do Inimigo e a Metáfora Terrorista                               178

  SEGUNDA PARTE

1 - O "Jeitinho" Digital Brasileiro: "Gambiarras", "Mutirões" e "Puxadinhos"        188

  1.1 - Mídia Tática                                                                189

  1.2 – Contratv                                                                    195

  1.3 – Re:combo                                                                    195

  1.4 - Rádios Livres: Rádio Muda                                                   196

  1.5 – CMI-Brasil                                                                  198

  1.6 - Brasil, Nação Hacker                                                        201

2 - Projecto Metáfora: Caos e Ordem numa Inteligência Colectiva                     205

   2.1 – Eventos e Projectos                                                        210

   2.2 - A Participação no Midia Tática Brasil                                      216

   2.3 – A Tentativa de Criação de uma ONG e o Fim                                  217

   2.4 - Liderança e Motivação numa “Caordem”                                       222

3 - MetaReciclagem: Reapropriação da Tecnologia para Fins de Transformação Social   226

  3.1 - A Replicação da Metodologia da MetaReciclagem                               233

4 - Análise dos Dados Obtidos por Questionário                                      239

  4.1 - Perfil dos Colaboradores do Metáfora e do MetaReciclagem                    239

  4.2 - Opiniões em Relação ao Metáfora e MetaReciclagem                            243

     4.2.1 - Inspiração Política dos Projectos                                      243

                                             7
4.2.2 - Distinção entre Inclusão Digital e Reapropriação Social da Tecnologia   244

      4.2.3 - Avaliação dos Pontos Fortes e Fracos                                    247

      4.2.4 - Visões Pessoais Sobre o Metáfora e o MetaReciclagem                     249

Conclusão Final                                                                       251

Bibliografia                                                                          258




                                             8
1 - Introdução


Será que o conjunto de iniciativas e actividades temporárias de activismo cultural, político, social e
artístico realizadas através de tecnologias de comunicação a que alguns teóricos e activistas (Garcia e
Lovink, 1997; Critical Art Ensemble, 2001) deram o nome de media tácticos implicam sempre a
existência de um opositor, um inimigo, um "Outro" concreto e explícito? Será que estes meios de
resistência estão sempre associados a uma linguagem de violência ou, pelo menos, de contra-
propaganda? Será que, tal como refere Joanne Richardson (2002), “a linguagem dos media tácticos
aprisiona” irremediavelmente “a ideia de um outro tipo de produção mediática a uma teoria da guerra,
como um medium de oposição, definido em relação ao seu inimigo?”


Responder a estas questões é o principal objectivo a que nos propormos com esta dissertação de
investigação. Tencionamos assim elaborar uma crítica do conceito tradicional de media tácticos.
Numa altura em que os poderes políticos e económicos fazem passar uma imagem que agrupa os
activistas e os terroristas “no mesmo saco", trata-se de reconceptualizar este tipo de utilizações sociais
das novas e velhas tecnologias, de determinar se estes podem ser autónomos em relação à retórica e
acção violenta e extremista que marcou grande parte dos movimentos marginais e da contra-cultura
do século XX como os situacionistas dos anos 50 e 60.


Popularizados pelo evento Next Five Minutes (N5M)1, que se realiza de três em três anos desde 1993
em Amesterdão, Holanda, onde se reúnem participantes de vários tipos de iniciativas que vão sendo
desenvolvidas em todo o mundo, os media tácticos apresentam-se melhor explicitados por David
Garcia e Geert Lovink numa série de manifestos – “The ABC of Tactical Media” e “The DEF of
Tactical Media”, entre outros – publicados na lista de discussão por correio electrónico Nettime2.


Distanciando-se dos media alternativos por desconfiar dos dogmas ideológicos, o praticante de media
tácticos concilia as tarefas de um activista com as práticas de um hacker, empregando tecnologias
baratas como hardware em segunda mão e software livre (Linux). Baseia-se numa lógica Do-It-
Yourself (DIY – Faça Você Mesmo), sem quaisquer objectivos comerciais, operando de uma forma
independente e oposta à dos grupos económicos transnacionais que, tal como já acontece nos media
tradicionais, começam a dominar a Internet. O fim destas iniciativas “tácticas” consiste em aumentar
a liberdade de expressão das classes desfavorecidas, minorias (raciais, sexuais, etc.), comunidades de
bairro, dissidentes políticos, artistas de rua e outros que são normalmente excluídos do circuito dos
1
    Site disponível em http://www.next5minutes.org.
2
    Projecto de cariz marcadamente europeu criado em Outubro de 1995 por Lovink e Pit Schultz, que tem funcionado
    desde o início como principal local de discussão e produção dos praticantes de media tácticos. É possível consultar o
    seu arquivo na Web a partir do endereço http://www.nettime.org.

                                                            9
meios de comunicação de massas e do acesso às novas tecnologias.


Garcia e Lovink baseiam-se na distinção entre tácticas e estratégias formulada pelo francês Michel de
Certeau em Arts de Faire (1990 [1980]), em que refere que as primeiras correspondem a um método
subreptício, fragmentário e silencioso de resistência e subversão e as segundas aos modos de agir do
poder económico, político e científico. O princípio de táctica é oposto ao de estratégia no sentido de
não efectuar um confronto directo com o rival, mas enveredando por modos de actuação que minam
as suas forças e efeitos devastadores.


Todas as definições mais comuns de media tácticos pressupõem desde o início de um movimento
deste tipo a existência de um "inimigo", quer seja uma empresa transnacional como a Nike, a
McDonalds, a Shell ou um político como George W. Bush ou Silvio Berlusconi. Segundo esta
definição, o movimento só é formado e apenas existe em função de um Outro, O Inimigo, para o qual
se convergem todos os esforços A contestação e a denúncia das práticas desse adversário que o
colectivo considera que violam os direitos humanos, a democracia, a liberdade de escolha dos
consumidores ou o meio ambiente legitimam até o recurso à violência. Assim, quando se fala de
media tácticos existe a tendência para se referir a grupos com uma agenda determinada, como a rede
informativa alternativa Indymedia3, os colectivos artísticos AdBusters4, RTMark5, Critical Art
Ensemble6 e outros grupos hacktivistas, muitas vezes com uma filosofia meramente reactiva. Por
outro lado, estes grupos partilham a herança de uma certa mística terrorista que perpassou por todos
os movimentos artísticos subversivos desde os anos 50 até hoje, como explicaremos mais à frente.
Para os situacionistas, por exemplo, o terrorista era uma figura mítica e inspiradora e o recurso à
violência era encarado como uma forma legítima para alterar a sociedade e eliminar o sistema
capitalista e o espectáculo. Actualmente, alguns hacktivistas mais politicamente motivados não
hesitam em destruir e alterar informações dos servidores e sites, da mesma forma que alguns
elementos do movimento por uma globalização alternativa acabam por provocar actos de violência
contra as forças militares e de vandalismo contra a propriedade privada ou pública. Os media
dominantes exploram e empolam estes actos, apelidando-os até de ‘terroristas’, Muito mais do que a
força física, a dependência salarial, a censura, a insegurança laboral e outros instrumentos tradicionais
de controlo, a difusão propagandística do ‘fantasma do terrorismo’ é uma das principais armas
empregue pelos Estados e empresas transnacionais contra as redes tácticas de resistência provocando
na opinião pública um sentimento de risco ou de normalização social. Este estratagema empregue
pelo poder contra os media tácticos só é equiparado em eficácia pela cooptação – recuperação – das
próprias técnicas dos activistas, alterando o seu significado subversivo inicial por mensagens com fins
3
    Site disponível em http://www.indymedia.org.
4
    Site disponível em http://www.adbusters.org.
5
    Site disponível em http://www.rtmark.com.
6
    Site disponível em http://www.critical-art.net.

                                                      10
comerciais e de controlo.


Aplicando a ideia elaborada por Tim Jordan em relação ao activismo político apresentada em
Activism!, consideramos que a solidariedade e a trangressão – “o colectivo e a acção”, nos termos de
Jordan (2002: 14) - são as duas faces ‘gémeas’ dos média tácticos. Apesar de se referir à solidariedade
interna, isto é, a que existe entre os elementos de um colectivo como um grupo ecologista,
entendemos que Jordan expande implicitamente este termo ao nível macrosocial quando refere que
um dos princípios éticos do activismo político é a aceitação das diferenças7 e que o “terrorismo é a
negação da diferença”, uma vez que “visa eliminar a oposicão” (2002: 150). Pode-se assim dizer que,
no espírito do activismo político, a solidariedade grupal está interligada com a solidariedade global.
No entanto, Jordan reconhece no activismo político uma tensão entre a ética da teoria e o
pragmatismo das ruas, ou melhor, entre a solidariedade e a transgressão, dado que muitas formas de
acção directa acabam por resultar em violência. Mais ainda, alguns movimentos de libertação animal
encaram o terror como uma táctica legítima. Nos media tácticos, esta tensão é ainda mais forte devido
à herança do fantasma do terrorismo – agora mais do que nunca avivado, após os atentados de 11 de
Setembro, 11 de Março e 7 de Julho.


É neste contexto que surge a necessidade de apresentar tácticas que respondam à questão de como
conciliar a transgressão com a solidariedade global, isto é, resistência e subversão sem violência e
destruição. Esta é a hipótese que nos propomos explorar na segunda parte desta dissertação e que
emergiu a partir da questão que Joanne Richardson coloca no final de “The Language of Tactical
Media”:


       A ideia dos media tácticos é o prenúncio de uma questão necessária e oportuna: Como é
       possível produzir outros media, que exprimam a sua solidariedade com os pensamentos
       humilhados e os desejos incompreensíveis daqueles que parecem condenados ao silêncio, media
       que não reflictam o poder estratégico do mainstream ao cair numa propaganda auto-determinada
       idêntica a si própria e ignorando a sua própria história? (Richardson, 2002).


Este excerto sugeriu-nos um caminho de pesquisa que consideramos ainda por abrir. De forma a
demonstrar que a existência de um medium táctico não depende sempre da luta violenta contra um
adversário externo, iremos analisar o projecto brasileiro Metáfora. Surgido em 28 de Junho de 2002
sob a forma de uma lista de discussão por correio electrónico, transformou-se em pouco tempo numa
rede colaborativa de iniciativas sobre tecnologia, comunicação, educação e arte. Apesar de ter tido
uma curta duração, subsistindo apenas até Outubro de 2003, o movimento serviu como incubadora de

7
    Juntamente com a democracia radical, ou seja, a “transgressão dos actuais sistemas de representação democrática
    das formas actuais de sociedade civil” (Jordan, 2002: 149).

                                                          11
mais de 25 projectos colaborativos de tecnologia social, muitos dos quais continuaram
autonomamente com êxito, tendo até agora maior sucesso o MetaReciclagem8, uma iniciativa que
recebe computadores velhos doados, reequipa-os, configura-os e instala-os em associações e centros
comunitários de bairros carenciados, empregando apenas software livre. Apesar da sua história
atribulada, o êxito relativo do MetaReciclagem9 é testemuhado pelas parcerias estabelecidas com
ONGs, prefeituras e o próprio governo brasileiro. Estes colectivos constituíram e constituem
experiências de produção colaborativa em tecnologia (software e hardware), media, activismo e arte
a partir de um paradigma de conhecimento livre e partilhado, em moldes não-hierárquicos e
horizontais.


Os dois projectos demonstram o modo de actuação completamente globalizado dos media tácticos,
apesar de este tipo de práticas ser frequentemente associado a uma retórica de antagonismo face “À”
globalização. Na verdade, a força deste movimento assenta, como é nossa intenção demonstrar ao
longo destas páginas – ainda que de forma velada mas constante -, na constituição de micro-redes
geograficamente distribuídas por todo o globo compostas por profissionais e amadores oriundos dos
mais diversos sectores. Estas micro-redes nacionais e regionais, por sua vez, constituem-se
esporadicamente em grandes redes mundiais, através dos festivais e laboratórios organizados a partir
do festival Next Five Minutes, em Amesterdão, ou na cobertura informativa realizada pela Indymedia
das manifestações e protestos contra as organizações supra-nacionais que promovem a globalização
neo-liberal como a Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional. Embora as
primeiras associações regionais de movimentos de media alternativos e comunitários remontem às
decadas de 70 e 80, como veremos no capítulo dois da primeira parte, o surgimento de redes
horizontais e descentralizadas actuando no campo da intersecção entre arte, media e política só
ocorreu a partir dos anos 90, graças à massificação de tecnologias digitais como os computadores e,
sobretudo, a Internet.


Notas Metodológicas e Epistemológicas


Esta dissertação pretende constituir um trabalho de âmbito teórico-empírico, concedendo, no entanto,
um maior realce teórico. A opção por esta abordagem deriva em primeiro lugar de os media tácticos
constituírem um novo campo de investigação, ainda em evolução, com pouca divulgação junto do
grande público e referindo-se a um vasto conjunto de práticas bastantes diferentes entre si, em que o
número de criadores que reconhece os seus projectos como assumindo um cariz táctico é reduzido,
mesmo se estes se podem enquadrar nesse rótulo. Muitos dos investigadores de media alternativos e
activismo parecem ignorar este conceito, como no caso de Jordan (2002) e de Jordan e Taylor (2004),
8
    Site disponível em http://www.metareciclagem.org.
9
    Tendo em conta o modo de actuação descentralizado e sem qualquer tipo de organização institucional do projecto.

                                                         12
autores que apesar de analisarem em detalhe o hacktivismo e culture jamming, nunca empregam
explicitamente o termo media tácticos.


Em segundo lugar, ainda não existe ainda nenhuma teoria estável e sólida sobre os media tácticos, se
é que isso é possível tendo em conta o carácter de grupos como a RTMark, os Yes Men, os
AdBusters, entre outros. Exceptuando os textos de David Garcia e Geert Lovink (1997, 1999 e 2001),
Critical Art Ensemble (2001),             Graham Meikle (2002), Alexander Galloway (2004), Joanne
Richardson (2002) e poucos mais, a bibliografia teórica é ainda escassa. E mesmo quando existe, peca
por uma falta de consenso sobre o que são os media tácticos e a que tipo de práticas se referem.


Em termos empíricos, apesar de já haver um certo número de bibliografia académica sobre a
Indymedia10 e sobre o activismo mediático em geral, o estudo de experiências e projectos práticos de
hacktivismo, artivismo e culture jamming a partir da teoria dos media tácticos de Garcia e Lovink e do
CAE é ainda escasso, senão mesmo inexistente.


Outra dificuldade de investigação com que nos deparámos resultou da ausência de outros trabalhos
académicos sobre media alternativos em Portugal. Se falarmos de media tácticos, então a situação é
de total desconhecimento, quer nas universidades, quer no meio artístico. Apenas alguns artistas de
vanguarda actuam neste campo de subversão e resistência, embora não chamem o seu trabalho de
media tácticos (Conde, 2003). É nesse sentido que achamos necessário introduzir esta temática –
ainda que num plano mais teórico - num país como Portugal, normalmente bastante atrasado em
relação aos fenómenos de vanguarda que envolvem arte, tecnologia e activismo, como campos
autónomos ou de um modo interdisciplinar.


Contrastando com este ambiente pouco propício à experimentação cultural e tecnológica a partir de
lógicas subversivas11, se virarmos a nossa atenção para o outro lado do Atlântico, descobrimos um
10
     Ver lista de ensaios sobre a Indymedia em http://docs.indymedia.org/view/Local/ImcUkImcResearchReferences e
     em https://docs.indymedia.org/view/Global/ImcEssayCollection
11
     À excepção do Indymedia Portugal e do site Radicais Livres (www.radicais-livres.org) - actualmente suspenso -,
     será até mais apropriado dizer que não existe qualquer projecto activista, artístico ou de hacking em Portugal que
     possa ser considerado um medium táctico. Como refere Luís Silva a propósito da net.art no texto introdutório à
     exposição online “NetArt Portuguesa 1997 | 2004” organizada pelo projecto Atmosferas:

        Se, internacionalmente, o aspecto de contra-cultura assume um papel central no desenvolvimento da
        prática, em Portugal, ainda que existindo peças subversivas, ou extremamente críticas, não se pode falar
        de grupos organizados, ou minimamente estruturados, cujo objectivo tenha consistido, ou consista, em
        minar, desacreditar, ou colocar em falha o sistema.
        (...)
        Não se pode falar portanto de uma lógica subversiva, organizada, equivalente à sua congénere
        internacional. Mas também não se pode falar do surgimento de comunidades, novas diásporas até, cujo
        centro de actividade fosse o debate e a experimentação artística deste tipo de suporte. O carácter
        periférico, por um lado, e a falta de capital tecnológico, por outro, parecem ter colocado os artistas
        portugueses à margem de um discurso artístico centrado nas possibilidades criativas da Internet.
        Ausentes as comunidades orientadas para a discussão e crítica de net art, ausente o lado subversivo

                                                          13
país com centenas de milhões de pessoas que falam português onde a investigação e a produção no
domínio dos media alternativos e cultura digital tem-se desenvolvido exponencialmente. Esse país
chama-se Brasil e é actualmente um dos maiores centros de promoção e criação de media tácticos. O
exemplo do festival Midia Tática Brasil12 demonstra bem a vitalidade desta rede mediática. Realizado
em Março de 2003 na cidade de São Paulo, este evento contou com 315 participantes e cerca de
quatro mil visitantes, tendo gerado uma grande repercussão nos media comerciais daquele país,
envolvendo dezenas de colectivos de videoactivismo, produção de fanzines, rádios livres, DJs e
performances artísticas com motivações políticas.


Apesar dos projectos que participaram no festival terem sido quase todos originários de São Paulo, o
número de novas iniciativas despontando noutras cidades do litoral e mesmo do interior do país não
pára de aumentar, como veremos no primeiro capítulo da segunda parte desta dissertação. Um dado
importante que a análise destes projectos pemite identificar é que, tal como Garcia e Lovink (1997) e
o Critical Art Ensemble (2001) salientam, para se produzir media tácticos não é preciso empregar
novas tecnologias de informação e comunicação. Vivendo num país com enormes desigualdades
económicas e dispondo muitas vezes de escassos recursos financeiros, estes colectivos vêm-se
obrigados a recorrer aos suportes que ‘estão mais à mão’ e que têm mais impacto junto do meio onde
actuam, como seja o vídeo, a televisão e a rádio comunitária ou livre, ou mesmo a tradicional fanzine.
Daí que muitos não possuem sequer uma presença na Web. Mas a principal razão da grande dinâmica
dos media tácticos no Brasil advém do facto de estes grupos espalhados pelo território daquele país e
utilizando os mais variados suportes tecnológicos terem constituído uma importante rede de
intercâmbio e suporte mútuo, onde se partilham recursos e conhecimentos. Nos últimos anos, esta
rede tem vindo a ser impulsionada pelo Ministério da Cultura brasileiro de Gilberto Gil, através do
programa Cultura Viva, com o apoio de ONGs e prefeituras de grandes cidades do país. Ao contrário
do que acontece na Europa e na América do Norte, os artistas e activistas brasileiros não ressentem a
colaboração com o Estado e vêm nesta relação a possibilidade de influenciar decisivamente as
políticas públicas sobre os seus sectores de actividade, de modo a fornecer aos cidadãos os meios para

        dessas comunidades, o florescimento de uma net art portuguesa apresentou-se difícil, muito circunscrito,
        ainda que as temáticas abordadas e a forma de o fazer, fossem, na sua essência, semelhantes ao que se
        estava a explorar internacionalmente. (Silva, 2005)

     Em consonância com Luís Silva, consideramos que a única iniciativa que se aproxima mais da designação de media
     tácticos, segundo as definições de David Garcia e Geert Lovink ou do Critical Art Ensemble, é a plataforma Virose
     (http://www.virose.pt), que tem vindo desde 1997 a realizar um trabalho sobretudo de divulgação e discussão teórica
     sobre a convergência entre arte, media e tecnologia. Dirigida por Miguel Leal e Fernando José Pereira, este
     ‘associação interdisciplinar’ online sediada no Porto publica irregularmente a e-zine Vector, de periodicidade
     irregular, onde se pode encontrar textos de Geert Lovink, Lev Manovich, Laura Baigorri, Jose Luís Brea e Matteo
     Pasquinelli. Contudo, esta plataforma parece padecer de um excessivo ‘intelectualismo’ que a faz fechar sobre si
     própria, em relação à sociedade e à política. Não obstante, representa um contributo valioso para o debate sobre a
     cultura digital em Portugal e um espaço aberto a outras perspectivas teóricas, como tivemos ocasião de o
     testemunhar pessoalmente quando Miguel Leal nos concedeu gentilmente a oportunidade de publicar um texto da
     nossa autoria na Vector.
12
     Site disponível em http://midiatatica.org/mtb/index.htm.

                                                           14
exprimirem as suas vozes e participarem activamente no ambiente mediático e na sociedade em geral.


Deste modo, embora a inexistência de uma mesma rede dinâmica e criativa de media tácticos em
Portugal, o desconhecimento do tema e a ausência de estudos académicos sobre os media alternativos
ou radicais a nível nacional tenham constituído obstáculos à elaboração de um trabalho de pesquisa
original, o nosso conhecimento pessoal, ainda que à distância, de modo não-participativo e através de
comunicação mediada por computador de projectos lusófonos além-fronteiras como o Midia Tática e,
em particular, com o Metáfora/MetaReciclagem levou-nos a enveredar por um plano de investigação
empírica fora dos moldes tradicionais da investigação sobre os media em Portugal.


Propomos-nos assim apresentar algumas características que detectámos tanto no Metáfora como no
MetaReciclagem que são passíveis de serem enquadradas na definição de media tácticos, com base na
teoria avançada por autores como Garcia e Lovink (1997) e o Critical Art Ensemble (2001), nas
práticas desenvolvidas por colectivos europeus e norte-americanos que assumem essa classificação,
bem como na distinção entre tácticas e estratégicas estabelecida por Michel De Certeau (1990
[1980]). Em segundo lugar, pretendemos assinalar a especificidade que tais iniciativas assumem face
à produção mediática táctica patente nos países que compõem o centro da economia global. Para tal,
iremos apoiar-nos na teorização avançada pelo próprio David Garcia (2004a), bem como nos
trabalhos de Karla Brunet (2005), para além das reflexões de activistas brasileiros como Ricardo
Rosas (2004), Felipe Fonseca e Hernani Dimantas, entre outros. Estes autores apontam para um
modelo brasileiro de media tácticos que se encontra em emergência, mais direccionado para a
inclusão digital no sentido da reapropriação social da tecnologia do que para um activismo de protesto
anti-capitalista e anti-globalização.


Nesse sentido, desenvolvemos uma análise de conteúdo dos arquivos ainda disponíveis das listas de
discussão do Metáfora e do MetaReciclagem13 - sobretudo da lista Metáfora-Yahoo! -, na medida em
que todas as actividades, debates e ideias dos projectos surgiram a partir daí. Outros recursos que
serviram como fonte de recolha de informação foram as wikis14 de ambas as iniciativas, que têm

13
     Inicialmente, a nossa intenção era centrar a análise apenas no Metáfora, devido ao carácter híbrido, abrangente e,
     simultanamente, efémero das suas actividades face ao âmbito mais restrito do MetaReciclagem. A impossibilidade
     de um contacto físico e directo com a actividade no terreno dos esporos de reciclagem de computadores dificultava
     também, em nossa opinião, uma análise aprofundada deste último projecto que exigiria o recurso a uma observação
     directa do tipo etnográfico das práticas em questão. Mas ao longo da investigação fomo-nos apercebendo que era
     impossível abordar o Metáfora sem dar conta do trabalho desenvolvido pelo colectivo no MetaReciclagem. Embora
     se limite apenas à reciclagem de computadores, o MetaReciclagem herdou o legado conceptual do Metáfora e
     permitiu que muitas das ideias aí discutidas conquistassem repercussão junto dos responsáveis pelas políticas
     públicas brasileiras de inclusão digital.
14
     Software colaborativo que permite a edição colectiva dos documentos em hipertexto na Web usando um sistema
     leve e simples, sem que o conteúdo tenha que ser revisto antes da sua publicação. Todas as alterações realizadas
     pelos diferentes autores são registadas. A wiki do Metáfora está disponível em
     http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?; a do Metareciclagem pode ser acedida a partir de
     http://wiki.metareciclagem.org.

                                                           15
funcionado como espaços onde são documentadas para memória futura todas as experiências e ideias
partilhadas nas listas. Quando necessário, complementámos essa informação com dados obtidos de
blogs dos colaboradores do Metáfora e MetaReciclagem.


De forma a obter um perfil mais fidedigno dos elementos que integraram o núcleo inicial do Metáfora
- que veio a resultar mais tarde no MetaReciclagem - bem como das suas opiniões em relação a
ambos os projectos, decidimos elaborar um questionário composto pot 21 questões, algumas das
quais abertas, outras fechadas, que foi enviado por correio electrónico a 22 indivíduos – 17 do sexo
masculino e cinco do sexo feminino. O critério de selecção baseou-se no nível de colaboração activa
nos projectos do Metáfora e no MetaReciclagem, bem como na participação nas quatro listas de
email associadas a estas iniciativas (Metáfora-Yahoo!, Xemelê, MetaReciclagem e CoLab). Do total
de inquiridos, recebemos 11 respostas, o que corresponde a metade da amostra.


No intuito de aprofundar certos aspectos da história, estrutura organizacional e actividades dos dois
projecto, realizámos também uma entrevista por email com 15 questões abertas junto de Felipe
Fonseca, Dalton Martins, Daniel Pádua e Hernani Dimantas, na medida em que, tendo em conta a
leitura dos arquivos das listas e das wikis, estes foram os elementos mais envolvidos em ambos os
colectivos – dai serem legitimamente reconhecidos, de forma mais ou menos explícita, pelos outros
colaboradores como líderes. Com esta entrevista, pretendiamos também explorar mais a fundo certas
opções e decisões que marcaram o percurso do Metáfora e do MetaReciclagem. Apenas recebemos a
resposta de Felipe Fonseca15 mas tivemos também a oportunidade de travar algumas conversas
informais com outros responsáveis. A entrevista foi enviada a 18 de Novembro de 2005 e o
questionário a 22 de Novembro de 2005. De modo a garantir um maior grau de resposta, enviamos
nas semanas seguintes mensagens subsequentes apelando ao preenchimento do questionário e ao
envio das respostas da entrevista. A recolha dos dados procedeu-se assim entre a segunda quinzena de
Novembro e a primeira quinzena de Dezembro.


Consideramos que o recurso a vários instrumentos metodológicos como a análise de conteúdo, o
questionário e a entrevista justificam-se na medida em que as unidades de análise da nossa
investigação, o Metáfora e o MetaReciclagem, não podem ser considerados colectivos com uma
estrutura organizativa consolidada, minimamente fixa e dotadas de hierarquias rígidas16. Pelo
contrário, tal como outros media tácticos, possuem um carácter fluído, nómada, criativo e híbrido.


Mais ainda, esta opção metodológica justifica-se, em nossa opinião, na medida em que grande parte
15
     Fonseca publicou a entrevista no seu blog em http://metareciclagem.org/fff/?p=1699.
16
     Muito embora, exista um certo grau de hierarquização da articulação das actividades e competências. Como
     teresmos oportunidade de explicar, esta hierarquia resulta de uma meritocracia semelhante aos projectos de software
     livre, em que o mérito, a reputação e a dedicação de cada um são recompensadas pelo colectivo.

                                                           16
da literatura que aborda os media tácticos parte de uma abordagem interdisciplinar da convergência
entre Comunicação, Cultura e Tecnologia, partindo de campos diversos do saber, como a Teoria e o
Estudo dos Media, os Estudos Culturais, a Sociologia, a Filosofia e a Ciência Política.


Reconhecendo as diferenças linguísticas existentes na língua portuguesa escrita em Portugal e no
Brasil, tentámos adaptar as citações de blogs e artigos em publicações e os testemunhos obtidos por
intermédio dos questionários ao português continental. Já no que toca a citações retiradas das listas de
discussão, o critério seguido foi outro: procurámos, tanto quanto possível, manter-nos o mais fiéis
possíveis à fonte original, mesmo sob pena de desrespeitar as regras gramaticais e ortográficas
convencionais. Esperamos que, deste modo, possamos transmitir ao leitor o espírito de discussão viva,
animada e calorosa que constituiu, com efeito, a experiência mais valiosa que o Metáfora deixou nos
seus curtos 15 meses de existência.


De facto, verificámos que muita da vivacidade e da riqueza dos conteúdos presentes nas duas listas
(Metáfora-Yahoo! e Xemelê) se perdia quando as ideias aí trocadas eram documentadas na wiki. Esta
diferença de registos poderá ser explicada em parte pelo facto de que, embora este tipo de ferramentas
de publicação online possibilite a colaboração intelectual em larga escala, a informação aí armazenada
não seja partilhada de um modo tão imediato e generalizado como a que é difundida por intermédio
das listas. Outro factor a ter em consideração é que na altura, em 2002-2003, as wikis eram ainda um
fenómeno novo, não tão massificado como as listas de discussão, exigindo, para além disso, maiores
conhecimentos técnicos que a simples utilização do correio electrónico.


Plano da Dissertação


Commo já mencionámos, esta dissertação encontra-se dividida em duas partes, uma de cariz mais
teórico e outra mais empírica. No primeiro capitulo, começamos por referir as principais definições
do conceito de media tácticos, apresentamos de seguida as origens e a evolução histórica ao longo da
década de 90 do conjunto de práticas culturais e mediáticas para que o termo remete para avançar em
depois para as principais perspectivas teóricas sobre este movimento, recorrendo a autores como
Garcia e Lovink (1997 e 1999), Lovink e Schneider (2002), Critical Art Ensemble (2001), entre
outros. Por fim, elencamos alguns traços que distinguem os media tácticos de outras correntes
associadas à contra-cultura da segunda metade do século XX como os media alternativos e/ou
radicais.


De forma a contextualizar o surgimento dos media tácticos na última década, no segundo capítulo
traçamos um resumo da história daquilo a que Cardon e Granjon (2003) denominam de mobilizações


                                                  17
informacionais, isto é, os órgãos de comunicação social inicialmente – anos 70 e 80 - associados às
redes de movimentos sociais como o ambientalismo e o feminismo – como as rádios e televisões
comunitárias - e que vieram a culminar no movimento por uma globalização alternativa.


Uma vez que a metodologia empregue pelas práticas de media tácticos não se restringe ao conceito de
media em sentido estrito de meio de comunicação, no terceiro capítulo abordamos a relação existente
entre estas e o software livre e a ética hacker, conceitos essenciais para se perceber as formas de
actuação e organização descentralizada e o espírito auto-didacta que encontramos nessas práticas.


Dada a conotação específica que o termo táctica possui – e que é salientada ao longo desta dissertação
- remetendo para o universo militar e para uma concepção beligerante e antagonista da arte, dos media
e da própria participação política -, no quarto capítulo analisamos o significado literal da palavra,
assim como a oposição entre tácticas e estratégias no pensamento de Michel de Certeau (1990
[1980]), retomada por Garcia e Lovink anos mais tarde no festival Next Five Minutes. Para além
disso, pretendemos também clarificar as ligações existentes entre a táctica e outros conceitos
semelhantes que são frequentemente associados ao mesmo tipo de acções e fenómenos, como o
détournement, rizoma, Zona Autónoma Temporária, swarming, 'multidão' e smart mobs.


O quinto capítulo centra-se na caracterização de um certo número de práticas culturais, tecnológicas,
activistas que se destacam como exemplos de media tácticos. Estas práticas partilham características
comuns que definem os media tácticos: nomadismo, hibrídismo, valorização do espírito DIY, rejeição
das velhas ideologias, desconfiança por todo o tipo de poder, organização em rede, etc. Embora
muitos destes projectos funcionem sobretudo a partir de ou através da Internet, podemos também
encontrar em alguns o recurso a tecnologias não-digitais como a rádio, a televisão, a imprensa, os
cartazes publicitários ou a intervenções artísticas no espaço físico. De modo a optar pela
categorização que apresentamos aqui, baseámos-nos nos textos de Geert Lovink e David Garcia (1997
e 1999), Graham Meikle (2002), Alexander Galloway (2004) e Cardon e Granjon (2003). Deste modo
decidimos concentrarmos-nos em quatro tipos de práticas tácticas:


   1. A subversão das mensagens publicitárias para criticar as grandes marcas comerciais patente
       em projectos de culture jamming;
   2. Os ataques informáticos, intervenções e protestos virtuais dos grupos hacktivistas;
   3. As performances online e offline organizadas por colectivos artivistas;
   4. O “jornalismo” produzido por activistas e cidadãos-comuns através do Centros de Media
       Independentes (CMIs) da Indymedia.



                                                 18
Tendo em conta que o CMI-Portugal foi o único colectivo nacional que, após uma aturada pesquisa,
considerámos como passível de ser classificado como um media táctico, optámos por realizar um
pequeno estudo de caso - disponível no capítulo 5.4.1 – em que contrastamos as características
tácticas com os    traços estratégicos presentes neste projecto a partir da análise do sistema de
publicação aberta da Indymedia, que permite a publicação de artigos por qualquer pessoa, e da
implementação da política editorial pelos voluntários encarregados dessa tarefa. Este estudo apoia-se
ainda num questionário enviado através da lista de discussão do CMI-Portugal aos elementos do
colectivo.


Por último, o sexto capítulo é dedicado a um conjunto de apontamentos críticos em relação ao
conceito de media tácticos e aos colectivos e práticas associadas a ele, em que destacamos o emprego
abusivo do termo para designar projectos com trabalhos bastante diferentes entre si - correndo o risco
de se cair numa generalização excessiva -, o perigo das lógicas subversivas dos praticantes tácticos
contra as grandes empresas poderem ser aproveitados pelo próprio capital que criticam, a esperança
frequentemente infundada no potencial emancipador das novas tecnologias como a Internet apenas
por serem novas e a obsessão secreta pela mística dos movimentos de guerrilha e da figura do
terrorista que predomina na linguagem das formas de produção mediática em causa. Este capítulo
aprofunda a reflexão que iniciámos no artigo “Media Tácticos: Uma Introdução ao Activismo Do-It-
Yourself” que foi publicado no nº 12 da série b da e-zine Vector da associação Virose de Janeiro de
2005 (Caetano, 2005).


Na segunda parte, de âmbito mais empírico, começamos, no primeiro capítulo, por descrever o pano
de fundo do movimento brasileiro dos media tácticos em que o Metáfora e o MetaReciclagem
emergiram e se inserem e que tem vindo a despontar com maior força desde o início do século XXI e,
em particular, desde o início da presidência de Lula da Silva, que representou um novo clima político
aparentemente mais favorável à actividade dos colectivos autónomo – embora, na realidade, este se
revele mais paradoxal e nivelado do que se poderia pensar à partida.


No segundo capítulo, procedemos à apresentação da história do Metáfora e dos principais projectos
concretizados pelo colectivo, de entre os inúmeros que foram esboçados nas listas de discussão e na
wiki, continuando com uma análise das razões do fracasso desta “incubadora de projectos”, bem como
da estrutura de organização e liderança do grupo. O MetaReciclagem é abordado separadamente, no
terceiro capítulo, onde para além de darmos conta da história do projecto, fazemos uma exposição da
metodologia empregue na reciclagem de computadores e da reapropriação da tecnologia para fins de
transformação social, conceito que os seus colaboradores utilizam para denominar a sua actividade
em oposição às políticas de inclusão digital propostas por alguns políticos e ONGs brasileiras. No


                                                 19
quarto capítulo apresentamos os resultados de um questionário realizado por email que nos permitem
traçar um perfil dos colaboradores do Metáfora e do MetaReciclagem, bem como obter a sua opinião
em relação a ambos os projectos.


Na conclusão, partindo da experiência do Metáfora e do MetaReciclagem, demonstramos que, embora
estas iniciativas possam ser classificadas como media tácticos, elas diferem do modelo 'canónico'
antagonista e de confronto indirecto com um inimigo teorizado por Garcia e Lovink, Critical Art
Ensemble, Graham Meikle, Joanne Richardson e aplicado pelos activistas por uma globalização
alternativa da rede Indymedia, sabotadores de publicidade, hackers que danificam, entopem e/ou
escapam aos sistemas informáticos dos grandes poderes e artistas que colocam em causa a lógica
comercial e proprietária do mundo da arte e de outras indústrias culturais. Neste sentido, o Metáfora e
o MetaReciclagem representam um novo paradigma táctico que leva em conta as especificidades de
uma sociedade periférica e de contrastes como a do Brasil, onde a solidariedade e a cooperação, as
“gambiarras”, os “mutirões e os puxadinhos”, são mais importantes que o activismo de protesto,
resistência e oposição predominante nos media tácticos dos países desenvolvidos, na medida em que é
a própria sobrevivência num quotidiano marcado pela pobreza e exclusão que está em causa.




                                                  20
1 - Elementos para a História e Caracterização dos Media Tácticos


1.1 - Génese do Movimento


Tendo como pano de fundo um cenário pós-Muro de Berlim, o termo media tácticos foi criado em
1992 por Geert Lovink, David Garcia e Caroline Nevejan, organizadores da primeira edição do ciclo
de conferências Next Five Minutes (N5M), realizada em Amesterdão no ano seguinte (Berry, 2000;
CAE, 2001; Lovink e Schneider, 2002; Meikle, 2002). Foi desta forma, explica o colectivo artístico
Critical Art Ensemble (CAE)17, que “um certo tipo de práticas culturais existentes desde há décadas”
passou a ter um nome e uma definição (CAE, 2001).


Até então, “este movimento tinha evitado ser designado ou totalmente classificado. As suas origens
situam-se na vanguarda moderna, na medida em que os seus participantes atribuem uma grande
importância à experimentação e ao compromisso com o vínculo imprescendível existente entre a
representação e a política”. Segundo o mesmo grupo, os participantes desta corrente “não são artistas
em qualquer dos sentidos tradicionais do termo e não querem ser apanhados na teia de conotações
metafísicas, históricas e românticas que acompanham essa designação. Nem tão pouco são activistas
políticos propriamente ditos, dado que se recusam a adoptar somente uma posição de reacção.” (CAE,
2001: 3-4)


Inspirados na obra Arts de Faire de Michel de Certeau (1990 [1980]), os organizadores da primeira
edição do N5M inventaram o termo televisão táctica para servir como tema deste evento, na medida
em que, nessa altura, a câmara de vídeo era a tecnologia de electrónica de consumo mais massificada
e que oferecia maiores possibilidades “tácticas”, no sentido atribuído por Certeau a este conceito,
como forma de organização e mobilização social.


A iniciativa contou com activistas, artistas e teóricos oriundos da América do Norte e da Europa
Ocidental e do Leste. Os participantes estavam “interessados em questões de intervenção na televisão,
em teorizar sobre a estrutura e dinâmica da cultura do vídeo, em formular representações de causas
politicas que contribuíssem para uma melhor justiça social e em criar modelos alternativos de
distribuição”, entre outros assuntos (CAE, 2001).

17
     Para além de ter uma produção teórica de cinco livros, todos publicados pela editora Autonomedia,
     (www.autonomedia.org) onde investiga a convergência entre os regimes emergentes da tecnologia com os
     mecanismos de controlo empregues pelo capital e as grandes empresas, enquanto colectivo de arte performativa, o
     CAE produz instalações em galerias e espaços públicos onde questiona a propriedade empresarial da Internet, o
     acesso limitado às redes de informação digital, o predomínio das perspectivas comerciais na indústria tecnológica e
     as restrições impostas pelos direitos de propriedade intelectual. Recentemente, tem realizado produções relacionadas
     com a indústria de biotecnologia, incluindo os Organismos Geneticamente Modificados (OMGs) e o patenteamento
     de genes.

                                                           21
Mas enquanto que os activistas e artistas mediáticos do lado ocidental estavam e continuam a estar
sobretudo interessados na produção de media de campanhas em vez de movimentos sociais amplos 18,
os artistas dissidentes e activistas dos media samizdat19 tinham na sua maior parte pertencido a um
vasto movimento social que levou ao desmantelamento do império soviético e tendiam ainda durante
esses primeiros anos de liberdade para uma falta de sentido critico em relação ao seu futuro nos
termos de uma economia de mercado, diriam Garcia e Lovink em “The DEF of Tactical Media”
(1999), publicado na Nettime um pouco antes da terceira edição do N5M.


Apesar da sua pequena dimensão – teve apenas cerca de 300 participantes –, o evento serviu como
sinal de que estava a começar a formar-se um novo movimento. Mas, como Garcia referiu mais tarde
(1998), as condições que tornaram possíveis os media tácticos datavam já do final da década de 80,
“período importante de transição em que toda uma gama de novas tecnologias intermédias permitiu
interagir com os media de um modo muito menos passivo que os teóricos e futuristas alguma vez
tinham previsto.” Com intervalos de poucos anos de diferença entre si, apareçeram o zapping
televisivo, o walkman, o gravador de vídeo, a indústria de aluguer de videocassetes, uma quantidade
enorme de canais disponibilizada pelos sistemas domésticos de televisão por cabo e satélite e,
sobretudo, a câmara de vídeo.


Como explica este autor, em resultado desta revolução tecnológica na electrónica de consumo, as
audiências puderam pela primeira vez criar os seus próprios ambientes mediáticos personalizados.
Deu-se assim início ao “fim do domínio dos media difusores de massas enquanto fonte centralizada
das representações da sociedade.” Para Garcia, na medida em que estas novas tecnologias eram
ferramentas domésticas do quotidiano, elas libertaram os artistas e activistas mediáticos dos rituais
penosos e dispendiosos da produção alternativa e marginal (ver ponto seguinte).


Num ensaio mais recente, Lovink e Schneider afirmam, na mesma linha, que “a crescente
disponibilidade de equipamento Do-It-Yourself”, foi uma das razões, juntamente com um “maior
interesse pelas questões do género e o aumento exponencial das indústrias dos media”, da emergência
de um sentido de tomada de consciência entre activistas, programadores, teóricos, curadores e artistas
a partir dos anos 90 (Lovink e Schneider, 2002). Na perspectiva destes dois autores, “os media
deixaram de ser vistos meramente como instrumentos para a Luta para passarem a ser encarados
como ambientes virtuais cujos parâmetros estão em permanente processo de construção”, concluindo
que este período foi a época de ouro dos media tácticos, então centrados na problemática da estética e
na experimentação de formas alternativas de narração de histórias.
18
     Ao contrário dos seus antecessores dos anos 60 que pertenciam a movimentos sem uma agenda específica e que
     actuavam como um megafone representando a voz da resistência ou dos oprimidos, de acordo com Garcia e Lovink.
19
     Sistema clandestino de cópia e distribuição de publicações impressas dos países da Europa do Leste durante o
     período de dominação do comunismo.

                                                        22
Desde o vídeo, os primeiros CD-ROMs, as cassetes de áudio, as fanzines e os folhetos volantes aos
estilos musicais como o Rap e o Techno, os media empregues variavam bastante, assim como o tipo
de conteúdos, simbolizando acima de tudo a exaltação de uma liberdade de produção mediática. Na
opinião destes teóricos, este conjunto de práticas libertadoras veio a converter-se na passagem para o
século XXI em movimentos sociais com mensagens políticas explícitas, frequentemente apelidados
erroneamente pelos órgãos comerciais de comunicação social de “anti-globalização”.


Mas, para David Garcia, o facto do termo que veio a caracterizar este movimento ter surgido em
Amesterdão não foi mero acaso, mas sim fruto da “longa e notável história de produção mediática
experimental e anarquista e de redes cívicas desta cidade”. Esta “utopia pirata de media tácticos”,
como chegou o autor a caracterizar Amesterdão em meados da década de 90, resultava de um acesso
comunitário à rádio e televisão por cabo fortemente enraízado que permaneceu ao longo dos anos,
“apesar dos danos provocados desde então neste sector por políticas públicas.”


Para além da Holanda ter sido o primeiro país europeu a estabelecer uma infra-estrutura totalmente
constituída por cabo20, Amesterdão é, segundo Garcia, talvez a única grande cidade europeia que
obteve uma vantagem “táctica” da utilização da televisão por cabo. No ar há mais de vinte anos, os
seus dois “canais abertos” exibem programações de media tácticos e experimentais, para além de
outros programas mais conservadores. Outra iniciativa pioneira que aí teve lugar foi a Cidade Digital,
uma rede comunitária aberta a toda a população, assente em terminais de acesso público espalhados
ao longo do tecido urbano.


A partir de Amesterdão, epicentro deste renascimento do activismo mediático, o termo media tácticos
chegou em pouco tempo às listas de discussão por correio electrónico sobre teoria dos media como a
Nettime. Ao mesmo tempo, o conceito ganhou aceitação junto das comunidades virtuais, grupos de
trabalho e círculos sociais em que os actvistas e artistas mediáticos participam. Esta situação levou a
que os organizadores do primeiro evento N5M se apercebessem que o tópico televisão táctica tinha
um âmbito demasiado limitado no seu âmbito, uma vez que um número cada vez maior de pessoas
com uma sensibilidade semelhante estava a produzir trabalhos “tácticos” e que seria vantajoso para
todos que se reunissem (CAE, 2001: 4-5).


Desde a segunda edição do festival em 1996, o tópico media tácticos tornou-se no denominador
comum de todas as actividades que acolhe. O evento passou a integrar todas as formas de media,
embora os debates se centrassem nas tecnologias electrónicas de comunicação como a rádio, a
20
     O que fez com que nesse país a televisão por cabo seja hoje, de acordo com o autor, uma tecnologia utilitária de
     acesso quase universal.

                                                            23
televisão e, em particular, a Net. Ao mesmo tempo, tornou-se mais global, ao ponto do quarto e mais
recente N5M (2003) ter contado com a participação de elementos de projectos do Brasil, Índia,
Tanzânia, Gana, Mali, Zâmbia, Jamaica e outros países considerados periféricos ou semi-periféricos.
Mas a organização pretendeu ir para além de Amesterdão e descentralizar o evento, através da
implementação de laboratórios de media tácticos em São Paulo, Nova Deli, Dubrovnik, Moscovo,
Cluj, Barcelona, Birmigham, Chicago, Nova Escócia, Sidney e Zanzibar, que produziram os
conteúdos a partir dos quais um grupo de editores internacionais conceberam o elenco final do
programa do festival (Garcia, 2004).
.




                                                24
1.2 – Principais Definições


A partir da terceira edição do N5M, realizada em Março de 1999, a secção FAQ21 do site do evento
passou a integrar a seguinte definição:


           O termo 'media tácticos' refere-se a uma utilização e teorização crítica de práticas
           mediáticas que empregam todas as formas de velhos e novos média, simultaneamente
           lúcidas e sofisticadas para atingir uma variedade de fins não-comerciais específicos e
           promover todos os tipos de questões políticas potencialmente subversivas.22


Os organizadores do ciclo de conferências referem ainda nessa página que este tipo de práticas
abrange a utilização de câmaras digitais de vídeo de baixo custo e a consequente distribuição de
vídeos na Internet por parte de activistas, o recurso de participantes dos movimentos “anti-
globalização” a transmissores de rádio FM de fraca potência, a organização de ocupações virtuais de
sites da Internet, o desenvolvimento de software livre e open-source por programadores de
computadores e a utilização de tecnologia sem fios para disponibilizarem a comunidades inteiras um
acesso económico à Internet em banda larga.


Mas o primeiro esforço teórico de caracterização deste movimento é disponibilizado em “The ABC of
Tactical Media”, publicado em Maio de 1997 na Nettime por David Garcia e Geert Lovink. Este
manifesto começa com a seguinte definição:


           Media tácticos são o que acontece quando meios de comunicação baratos do tipo DIY,
           tornados possíveis pela revolução na electrónica de consumo e por formas alargadas de
           distribuição (desde o cabo de acesso público à Internet), são utilizados por indíviduos e
           grupos que se sentem oprimidos ou excluídos de uma cultura mais vasta. Não se limitam
           a noticiar factos e dado que nunca são imparciais; participam sempre e é isso mais do que
           qualquer coisa que os separa dos media dominantes. (Garcia e Lovink, 1997)


Este processo de designação e classificação gerou uma mistura de sentimentos perante muitos
praticantes de media tácticos. Se por um lado, segundo os membros do CAE, o novo termo deixava a
porta aberta para a sua cooptação e/ou a quase inevitável recuperação pelo capitalismo (2001: 5), ao
mesmo tempo “produziu um alívio pois qualquer um podia passar a ser um híbrido, seja artista,
técnico, cientista, artesão, teórico ou activista e todos podiam trabalhar juntos em combinações com
diferentes pesos e identidades. Estas múltiplas facetas (...) que faziam parte de cada indivíduo e de
cada grupo, podiam ser reconhecidas e valorizadas. Muitos sentiram-se aliviados por deixarem de se
ter que apresentar ao público como especialistas de forma a serem valorizados.


21
     Frequently Asked Questions, espaço destinado a responder às questões mais frequentes relativas ao evento.
22
     Retirado da página do FAQ do N5M disponível em http://www.next5minutes.org/faq.jsp?faqid=programme#3.

                                                         25
Como refere o CAE, o conjunto de traços a partir do qual emerge uma prática de media tácticos está
sujeito a mudar dependendo de a quem é perguntado quais são essas características. Este colectivo
artístico explica que os princípios deste modelo são gerais, reconfiguráveis, permeáveis, estando
sujeitos a frequentes formações e deformações, dependendo sempre da sua aplicação e contexto.


De forma a contribuir com a sua própria definição do movimento, este colectivo artístico apresenta
quatro princípios básicos (2001: 8-11):


   ●   Os media tácticos são uma forma de intervencionismo digital, não na medida em que apenas
       podem ser produzidos através de tecnologia digital, mas sim no sentido em que consistem na
       cópia, recombinação e re-presentação de informação. Colocam em causa o regime semótico
       em vigor criando eventos participativos e criticando através de um projecto experimental.


   ●   Os praticantes de media tácticos empregam qualquer medium necessário para responder às
       necessidades de uma situação. A sua especialização não predetermina a acção, pelo que se
       tende para a realização de trabalhos colaborativos que permitam o intercâmbio de diferentes
       competências.


   ●   A prática amadora é especialmente valorizada, dado que os amadores podem ver para além
       dos paradigmas dominantes, dispôem de uma maior liberdade para recombinar elementos de
       paradigmas considerados desde há muito mortos e não se encontram restringidos por sistemas
       institucionalizados de produção de conhecimento e de elaboração de políticas públicas.


   ●   Os media tácticos são efémeros, deixam poucos traços materiais. O que resta deles é
       sobretudo memória viva. As intervenções desterritorializam-se por si próprias, sendo sempre
       ad-hoc. Terminam a sua actividade por si próprias.




                                                 26
1.3 - Abordagens Teóricas


O objectivo (dos media tácticos) não é destruir a tecnologia sob algum tipo de ilusão neo-luddista, mas sim
impulsioná-la para um estado de hipertrofia, para além do ponto onde se pretendia que ela fosse. Então, na
sua condição enfraquecida, ferida e desprotegida, a tecnologia pode ser esculpida de novo em algo melhor,
algo em estreita concordância com as necessidades e os desejos reais dos seus utilizadores.

                                     - Alexander Galloway, Protocol: How Control Exists after Decentralization


Nos últimos anos, a começar com o manifesto fundador de Garcia e Lovink de 1997, a teorização
sobre os media tácticos tem vindo a crescer gradualmente. Contudo, o movimento não abandonou
ainda em grande parte o seu círculo inicial, junto do meio artístico de vanguarda e das comunidades
de programadores de software livre na América do Norte e Europa, apesar de algumas iniciativas
realizadas em países menos desenvolvidos.


Em “The ABC of Tactical Media”, Garcia e Lovink apresentam não só a primeira definição do
conceito de media tácticos, como lançam as bases para todo um novo programa teórico e prático no
contexto da teoria dos media, com aplicações aos campos na altura em irrrupção dos novos média e da
cibercultura.


As influências militares do movimento estão bem explícitas logo no início deste texto, com uma
referência explícita à necessidade da existência de um adversário para que o movimento subsista: “Os
media tácticos são media de crise, crítica e oposição. Isto constitui tanto a sua fonte de poder (...)
como o seu limite. Os seus heróis típicos são: o activista, o guerreiro nómada dos media, o prankster,
o hacker, o rapper de rua, o kamikaze da câmara de vídeo, eles são os alegres negativos, sempre à
procura de um inimigo. Mas, uma vez que o inimigo tenha sido nomeado e vencido, é ao militante
táctico que ocorre entrar em crise.”


Os media tácticos possibilitam, deste modo, as condições para a realização da III Guerra Mundial na
óptica de Marshall McLuhan, “uma guerra de guerrilha informacional, sem separação entre
participação civil e militar”23, em que “os fracos se tornam mais fortes que os opressores ao
descentralizarem-se, ao moverem-se rapidamente pelas paisagens mediáticas físicas ou virtuais”, nas
palavras dos dois teóricos. A pesquisa e procura destas técnicas consiste na missão de vários
produtores de media tácticos destinados às comunidades migrantes. Inspirados na distinção entre
“tácticas” e “estratégias” que Certeau aplica à relação entre o consumidor e a produção das indústrias
culturais24, estes artistas e activistas tentam “fazer com que o caçado descubra a maneira de se tornar o
23
     McLuhan, Marshall (1970), Culture is Our Business, Ballantine Books, pág. 66. Citado por Kalle Lasn (1999), pág.
     123.
24
     Tomada de empréstimo pelo próprio Certeau ao filósofo militar prussiano da primeira metade do século XIX Karl

                                                          27
caçador”.


Cerca de dois anos antes da publicação deste manifesto, no texto de apresentação da segunda edição
do N5M, já Andreas Broeckmann (1995) colocava como hipótese a existência de uma afiliação
inerente entre os media tácticos com certas disposições militares e tradições de pirataria, questionando
em seguida a aplicabilidade da metáfora militar para descrever o trabalho dos artistas e activistas
mediáticos. “Não será que a metáfora coloca em risco esforços para abordagens mais pacíficas,
ponderadas e também mais compassivas nos media independentes que são frequentemente dirigidas
precisamente contra as práticas repressivas e violentas dos conglomerados da comunicação social e
dos Poderes em vigor?”, perguntava.


O nomadismo militante e de guerrilha dos media tácticos é relacionado por Garcia e Lovink com as
culturas migrantes, na medida em que ambos se distinguem pela sua constante mobilidade. O
praticante táctico está sempre a cruzar fronteiras pré-estabelecidas entre disciplinas, mediums e
espaços. Daí resulta “a produção contínua de uma série de mutantes e híbridos”.


Ao    nomadismo      junta-se   um    hibridismo   provisório,   um    permanente     work-in-progress
experimentalista, fazendo uso das ferramentas que estão mais à mão. Os defensores deste tipo de
radicalidade estética “baseiam-se num princípio de resposta flexível, de trabalho com diferentes
coligações, sendo capazes de se moverem entre as diferentes entidades no vasto panorama mediático
sem traírem as suas motivações originais” (Garcia e Lovink, 1997).


Na base do movimento está uma estética da fuga, de camuflagem e da apropriação inspirada no texto
do pensador anarquista Hakim Bey sobre “Zonas Autónomas Temporárias” (2001 [1991]), pois,
segundo Garcia e Lovink, “os media tácticos nunca são perfeitos, estão sempre em transformação, são
performativos e pragmáticos, envolvidos num processo contínuo de questionamento das premissas dos
canais com que trabalham”.


À beira do final do milénio e nas vésperas da terceira edição do N5M, Garcia e Lovink actualizaram o
seu manifesto com “The DEF of Tactical Media” (1999), tendo em conta as consequências nefastas
do capitalismo global e o desvanescimento do clima utópico dos activistas mediáticos em relação ao
potencial emancipatório dos novos média, em especial, a Internet, que nesta altura começava já a ser
dominada por interesses comerciais.


   Von Clausewitz.

                                                   28
Apesar do crescimento extraordinário da globalização dos fluxos de capital, segundo os teóricos
holandeses, os grupos de media tácticos não deixaram de se opor a esta situação com campanhas
também cada vez mais globalizadas. Escrito antes de Seattle, Génova, Davos e Gotemburgo e de
todas as grandes manifestações contra o capitalismo global, este texto contém em si uma certa dose de
premonição, dado que refere já a possibilidade da constituição de um movimento a partir destas
“estratégias”. Nos dois anos seguintes, os órgãos comerciais de comunicação social irão encher-se
cada vez mais de referências ao movimento por uma globalização alternativa – ainda que muitas
sejam de teor negativo.


Contudo, os autores não deixam de realçar as diferenças existentes entre os vários praticantes tácticos.
Utilizando a primeira pessoa do plural, escrevem: “Não possuímos nenhuma identidade predominante
em torno da qual nos organizemos. Não criamos modelos positivos para que qualquer um se
identifique com eles (...). As nossas alianças são ainda relativamente froxas, com uma tendência para
se fragmentarem num número infinito de gangues e subculturas.”


Esta desorganização e fragmentação entre múltiplos organismos é, aliás, um dos problemas que afecta
a legitimidade dos activistas a favor de uma globalização alternativa face ao poder político, às
instituições transnacionais de políticas económicas e à opinião pública. Entre grupos desordeiros e
violentos de um lado e colectivos de acção directa pacífica do outro, o movimento parece ainda não
ter encontrado uma voz comum que represente todos os seus elementos.


Confrontados com a necessidade de saírem do próprio gueto que construíram para si, os praticantes
tácticos são levados, afirmam Garcia e Lovink, a procurarem novas coligações, tentando, em
simultâneo, evitar as armadilhas e os limites da política institucionalizada. Trata-se assim de uma
questão de construção de “zonas temporárias de consensos”, espelhando um equílibrio entre a
formação de alianças com pessoas que em condições normais, provavelmente nunca se iriam
conhecer e a possibilidade de, quando chegar a altura certa, dissolver essas coligações, tendo como
princípio base a mobilidade e a velocidade de forma a evitar a estagnação.


Criticando os activistas da “velha guarda” que consideram que o espaço da representação e do
simbólico construído por e através dos media não passa de um espectáculo cheio de símbolos vazios25,
os dois autores argumentam que muitas das lutas de rua passaram a desenrolar-se não no espaço
público, mas em ambientes virtuais e simulações, isto “numa altura em que se pode assistir a um tão

25
     “Hoje em dia, os media são acusados de fragmentarem em vez de unificarem e mobilizarem. Paradoxalmente, isto
     deve-se ao seu poder discursivo de pormenorizar as diferenças e de questionar, em vez de apenas emitir,
     propaganda.” (Garcia e Lovink, 1999)

                                                         29
grande crescimento no número de canais de media, onde existe uma expansão enorme dos vários
ciberespaços”. Por isso defendem que a velha oposição entre simulação e acção real26 deixou de fazer
sentido.


Outra das vítimas deste segundo manifesto táctico é a ideologia da hibridização. Apesar do
hibridismo, enquanto forma de ligação entre o velho e o novo, a rua e o virtual, ser uma das principais
características dos media tácticos, os teóricos holandeses referem que este método não deve ser
encarado como algo de bom em sim mesmo, porque isso significa o fim do sentido crítico e do
negativismo e a adopção da visão neo-liberal onde tudo pode ligar “promiscuamente” com tudo. Num
sentido táctico, o hibridismo não passa de um realismo sujo, uma questão de sobrevivência e nunca de
escolha.



Nesse mesmo ano de 99, em Novembro, a manifestação de Seattle para contestar a reunião da
Organização Mundial do Comércio (OMC) nessa cidade marcou o início de uma nova época em que
os media tácticos passaram a ser associados ao activismo mediático do movimento para uma
globalização alternativa que organiza demonstrações um pouco por todo o mundo27 contra as grandes
instituições supranacionais que controlam a política económica do globo de acordo com princípios
neo-liberais, quer seja a OMC, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial ou a União
Europeia. Os primeiros meses do século XXI representaram assim um período de crescimento
exponencial deste movimento, apesar da existência de várias vozes dissonantes entre si e da crise
económica acentuada.


É sob este pano de fundo que pode ser lido o último texto do trio de manifestos sobre media tácticos
escritos em co-autoria entre David Garcia e Geert Lovink, publicado em Julho de 2001, mais uma vez
na Nettime. “The GHI of Tactical Media” resulta de uma entrevista realizada por Andreas
Broeckmann, durante o festival de arte de novos media Transmediale 01, que se realizou em Berlim
nesse mês. Broeckmann foi o curador desse evento.


Respondendo à questão de se considera que “faz sentido falar dos media tácticos como uma atitude e
prática geral que permeia media diferentes ou se se trata de um termo sucinto para designar todo um

26
     Num ensaio baseado nos vários manifestos sobre media tácticos escritos por si e em co-autoria editado no seu livro
     Dark Fiber (2002: 265), Lovink complementa este texto referindo que as ideias de Jean Baudrillard relativas à
     simulação foram úteis nos anos quando o sector dos media explodiu. Contudo, à medida que se aproximava o fim do
     milénio, tudo parecia simulado, tendo as ideias do pensador francês começado a parecer conservadoras e fora de
     contacto com a actual realidade da Internet. Ver Jean Baudrillard (1981), Simulacros e Simulações. Lisboa, Relógio
     D’Água. Abordaremos mais uma vez as ideias deste pensador no capítulo 7.3.
27
     Praga, Génova, Gotemburgo, Davos, Montreal foram alguns dos cenários que, a seguir a Seattle, foram palco de
     manifestações contra grandes instituições supranacionais.

                                                          30
conjunto de práticas mediáticas diferentes, cada uma com a sua própria cultura e política”, Lovink
afirma que se trata de “uma forma de arte que conjuga o activismo com uma atitude positiva em
relação à tecnologia digital actual”, embora não considere que o movimento tenda para a utilização de
certos meios ou plataformas.


Na mesma linha, Garcia considera que, em vez do emprego de qualquer medium em particular, o que
caracteriza o praticante táctico é a qualidade de criar linguagens efectivas de utililizador, quer sejam
virtuais ou de outro modo. Os media tácticos são, assim, para os dois autores, mais uma questão de
atitude do que uma definição técnica. Nesta perspectiva, os praticantes tácticos não devem deixar
enredar-se por um tecno-narcisismo em favor das novas tecnologias digitais e, sobretudo, da Internet.


Isto na medida em que, afirma Lovink num tom cauteloso, não se obtém liberdade mediática de graça
nem, sobretudo, se pode comprar liberdade tecnológica. Criticando os defensores acérrimos do
software de código aberto como o sistema operativo Linux, o teórico holandês refere que não existe
software inerentemente bom. Do mesmo modo, “a Internet está para além do bem e do mal,
limitando-se a reflectir a natureza humana com todas as suas falhas”, “correndo o perigo de se tornar
num medium profissional, nas mãos de outros”.


Até porque, faz questão de notar, “o activismo táctico que actua na rede está muito mais próximo das
empresas ponto com do que muitos pensam”. Em consequência, o início da depressão da Internet a
partir do final de 2000 levou os activistas mediáticos a trocarem as esperanças utópicas iniciais por
uma série de críticas realistas da globalização e da chamada nova economia, responsabilizando-as
pela crise. Muitos viram desaparecer o financiamento das suas actividades, na sua grande parte até
então assegurado no sector comercial. Mas, de acordo com o autor, a um nível micro continuam a
existir muitas coisas interessantes por fazer com a Net.


Doutro ponto de vista, Lovink considera positivo, em termos das tarefas sociais e políticas efectuadas
na Rede, o desaparecimento da mentalidade de ladrão ciberegoísta das empresas ponto com, embora
saliente que não devemos ignorar o reverso desta história: “Com o liberalismo perdendo a sua
hegemonia, existe sempre o perigo de deitar fora o bébé junto com a água do banho e de perder a
ciberliberdade para as grandes companhias e o Estado. Isso nunca deveria acontecer. Também
compete aos activistas lutar contra a censura, fazer pressão contra a quantidade enorme de legislação
desastrosa.”


A inclusão de determinadas práticas artísticas na gaveta dos media tácticos é também contestada por

                                                   31
Lovink neste texto. Na sua opinião, este termo resulta de uma tentativa de “ultrapassar a dicotomia
entre a arte elitista e o activismo das ruas que marcou os anos 80 com os seus combates dogmáticos e
novos movimentos sociais institucionalizados” como o Greenpeace e a Amnistia Internacional. O
autor considera que a ideia dos media tácticos veio a resultar nas manifestações de Seatlle e no
fenómeno Indymedia..


Ao mesmo tempo que dá conta do renascimento extraordinário do activismo mediático a nível
mundial, Lovink não acredita, porém, que o Net-activismo ou os media tácticos possam preencher o
buraco existente entre questões abstractas como a dívida do terceiro mundo, os acordos de comércio
global, as políticas financeiras e a miséria diária, com as suas lutas concretas e locais. “A única coisa
que podemos fazer é trocar e partilhar conceitos”, diz, dando como exemplo o rápido crescimento dos
grupos anti-fronteiras que apoiam os imigrantes ilegais, “uma luta onde a imaginação táctica
desempenha um papel importante”.


Questionados por Broeckmann sobre a existência de uma possível tensão entre a necessidade dos
praticantes tácticos de obter apoio junto das instituições de modo a desenvolverem práticas e infra-
estruturas a longo prazo e a atitude “toca-e-foge” implícita nos media tácticos que é incompatível com
a natureza desse tipo de entidades, Lovink afirma que essa questão ainda não se coloca pois “a
institucionalização é um problema que surge com o tempo, talvez apenas cinco ou dez anos depois do
movimento original se ter fragmentado. Confessa até que “gostaria muito de ver surgir mais
iniciativas privadas do tipo ‘toca-e-foge’ no sector activista e da arte dos novos média”. Contudo,
considera que os indivíduos criativos não conseguem lidar com o tipo de burocracia que envolve as
instituições actuais. Neste aspecto, as empresas ponto com podem constituir para este autor uma boa
lição, na medida em que as artes e a cultura continuam a depender muito dos recursos
governamentais.


Por seu lado, Garcia também não vê essa tensão, embora por razões diferentes, dado que, ao contrário
do que a questão dá a entender, os media tácticos não estão sempre, por definição, fora do poder
institucional. Para si, o poder existe onde se faz exercer e esse local poderá ou não situar-se dentro das
instituições. “O táctico ultrapassa a dicotomia entre o comercial e de massas e o marginal. São os
conceitos em que os media tácticos são produzidos que influenciam as tácticas implementadas, e estes
conceitos (e tácticas) são múltiplos.”



Escrito já depois do 11 de Setembro de 2001, o ensaio de Geert Lovink inserido no Virtual Casebook
da Universidade de Nova Iorque sobre os eventos (Lovink, 2002a) constitui um balanço sobre o

                                                   32
impacto que os atentados nos Estados Unidos tiveram sob a condição dos media tácticos e do
mediactivismo em geral, concluindo que a guerra contra as opiniões divergentes que se seguiu a essa
data teve um efeito mínimo no movimento, “As tentativas de Bin Laden e Bush Jr. em 2001 para
sequestrar todos os media debaixo do símbolo único do Terror (e a guerra contra ele) duraram
efectivamente apenas algumas semanas” (idem). Em consequência dos atentados, os media tácticos
desenvolveram-se bastante, afirma. Empregando uma citação de Drazen Pantic, antigo operador de
Internet da estação independente de rádio B92, de Belgrado, e actual investigador da Universidade de
Nova Iorque, que remete para as origens militaristas do termo em questão, Lovink refere que “os
grupos de media tácticos estão muito mais adaptados ao conflito, ao passo que costumam enfraquecer
em tempos menos conturbados”. A grande mudança ocorreu, sobretudo, na entrada em vigor nos
países ocidentais de um conjunto de leis destinadas a “restringir as liberdades civis, a liberdade de
expressão e a privacidade, ou o que resta dela” (idem). A posição de Lovink em relação ao impacto do
11 de Setembro no movimento revela-se assim relativamente optimista. No entanto, como veremos no
capítulo 7.4, outros teóricos e activistas divergem da sua opinião.


Ainda segundo Lovink, encontramo-nos paradoxalmente entre um cada vez maior controlo dos media
e uma estrutura de diálogo e informação independente em ascenção. Se por um lado, o cenário de
medo pós-11 de Setembro fez com que se deixasse de encarar a Internet como um refúgio da
liberdade, por outro, a queda das empresas ponto com criou um espaço para o surgimento de novas
abordagens não-comerciais. Ao mesmo tempo que reconhecem a importância económica do novo
medium, os governos deixaram de recear que a Internet contribua para o aumento da liberdade de
expressão. A filtragem de conteúdos online deixou de ser empregue apenas por regimes autoritários,
como o da China, para se tornar numa característica comum nas intranets das empresas e
universidades, Para além disso, os motores de pesquisa na Web, como o Google, apresentam um
funcionamento nada transparente (idem).


Em paralelo, a utilização crescente do software livre e dos conceitos open-source, as redes Peer-to-
Peer (P2P) de partilha de ficheiros na Rede, o surgimento dos Weblogs que facilitam a publicação de
conteúdos online, as mensagens SMS dos telemóveis e os programas de edição de áudio e vídeo para
computadores pessoais são, para Lovink, sinais de uma democratização do sector dos media que,
apesar do crescente controlo empresarial e regulação governamental, está a ocorrer em todo o mundo
(idem).


Para Lovink, em vez de representarem a queda num reducionismo simplista, os media tácticos
rejeitam análises rígidas introduzindo vozes pessoais e novas que não se enquadram nos esquemas


                                                   33
políticos do passado. O autor aconselha os praticantes tácticos a, em vez de continuarem a queixar-se
da censura exercida pelos media comerciais dominantes, utilizá-los como “portais” que conduzem a
outras fontes de notícias e opiniões. Distinguindo-os dos media alternativos, considera que, neste
sentido, os media tácticos são pós-oposicionistas. A razão está no facto de serem mais impelidos pela
sua própria energia e desejo de mediar do que pelo desmascarar dos órgãos de comunicação social
controlados pelo Estado ou pelas empresas privadas.




                                                 34
1.4 - Distinção entre Media Alternativos e Media Tácticos


Todos os impulsos tímidos no sentido de democratizar o conteúdo, subvertê-lo, restaurar a ‘transparência do
código’, controlar o processo de informação, forjar uma reversibilidade dos circuitos ou tomar o poder sobre
os media são inúteis – salvo se o monopólio do discurso for quebrado.


                          - Jean Baudrillard, “Réquiem pelos media” em Crítica da Economia Política do Signo.


Como já vimos anteriormente, as definições de media alternativos variam bastante. A definição mais
abrangente e aprofundada do conceito é da autoria de Chris Atton, sob a forma de um modelo que tem
em conta vários elementos (2002: 27):

     1. Conteúdo (politicamente radical, social/culturalmente radical); valores-notícia

     2. Forma – gráficos, linguagem visual; diferentes tipos de apresentação; estética

     3. Inovações/adaptações reprográficas – utilização de mimeógrafos28, composição tipográfica
          IBM, litografia em offset, fotocopiadoras

     4. ‘Utilização Distributiva’ – distribuição através de circuitos alternativos, redes
          clandestinas/invísiveis de distribuição, rejeição dos direitos de autor

     5. Relações sociais, papéis e responsabilidades alteradas – leitores-redactores, organização
          colectiva, desprofissionalização do jornalismo, da impressão e da edição

     6. Processos de comunicação alterados – ligações horizontais, redes.


Segundo Atton, os pontos 1 a 3 referem-se a produtos ao passo que os pontos 4 a 6 indicam
processos. Como explica o autor, de acordo com este modelo, “as relações sociais tendem a ser
transformadas através de processos radicais de comunicação, ao mesmo tempo que os próprios media
(os veículos) tendem também a se transformar”. Efectuando uma análise crítica a este modelo ou
definição de media alternativos, podemos afirmar que, ao tentar conceber uma abordagem que
engloba uma dimensão histórica ampla e, ao mesmo tempo, o mais pormenorizada possível, Atton
acaba por se centrar no plano da imprensa e, sobretudo, das fanzines de pequena circulação
produzidas por amadores. As iniciativas baseadas na rádio, na televisão, no vídeo e na própria Internet
são deixadas um pouco de lado no ponto três e quatro. Se bem que se possa adaptar este modelo a
outros media, seria talvez mais apropriado que o quadro fosse mais aberto e menos detalhado.


Adoptando uma perspectiva mais aberta e menos rígida, John Downing propõe o termo media
radicais ou media alternativos radicais, salientando que o termo refere-se a “media polticamente

28
     Equipamento que realiza cópias em matriz perfurada – stencil.

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dissidentes que apresentam alternativas radicais ao debate mainstream” (1995). Segundo Downing,
algumas das principais características deste tipo de órgãos de comunicação social consistem no facto
da sua posse e gestão serem independentes; de exprimirem pontos de vistas que são, de alguma forma,
dissonantes das perspectivas dos media dominantes; e de incentivarem o estabelecimento de relações
horizontais com as suas audiências, ao contrário dos fluxos verticais, de cima para baixo, dos media
impressos e de difusão (broadcast). Tal como refere Graham Meikle, estas características dos media
alternativos devem ser entendidas como tendências e não como formas de classificar – isto é, não se
trata de dispositivos classificadores mas de potenciais abordagens disponíveis para analisar qualquer
órgão de comunicação social (2002: 60).


Dowing chega a remontar as origens dos media alternativos e das publicações dissidentes aos
panfletários revolucionários por altura da Guerra da Independência dos Estados Unidos, passando
pelos escritores abolicionistas negros, a imprensa feminina do século XIX, a imprensa operária do
final do século XIX e início do século XX, os documentários radicais da época da Depressão pós-
1929, chegando aos movimentos em defesa dos direitos civis dos anos 60 e à estação televisiva por
satélite Deep Dish.


Em relação à diferença entre alternativo e radical, Downing afirma que “falar apenas de media
alternativos é quase um oxímoro29. Tudo é, numa determinada altura, alternativo a alguma outra
coisa” (2001: IX). Na opinião de Meikle (2002: 196n1), “‘alternativo’ permanece o melhor de um
conjunto insatisfatório de termos: ‘radical’, por exemplo, conota-se para muitas pessoas com questões
e movimentos na sua maior parte de Esquerda, ao passo que o termo ‘alternativo’ deixa espaço para
analisar grupos com um programa ideológico mais de Direita. De uma forma semelhante, o adjectivo
‘independente’ é frequentemente conotado com independência económica, enviesando a nossa leitura
em direcção a questões relativas apenas à economia política”.


São vários os teóricos e activistas tácticos que fazem questão em distinguir os media alternativos
tradicionais e os media tácticos. Graham Meikle refere que os dois tipos de produção mediática
diferem em aspectos importantes: “Os praticantes tácticos não tentam afirmar-se a si próprios como
uma alternativa – eles não tentam criar uma estação de rádio ou um jornal ‘melhor’ ou estabelecer-se
como, por exemplo, uma ‘CNN chinesa’ (2002: 119). Em vez disso, os media tácticos tem como
essência a mobilidade e a flexibilidade, referindo-se a diferentes respostas a contextos sempre em
mudança.” Este autor, contudo, assinala algumas semelhanças entre os dois diferentes modelos de
media: “os ‘media tácticos, tal como os ‘media alternativos’, são melhor encarados como um conjunto
de opções em vez de uma abordagem monolítica (...) A utilização de media tácticos pode
29
     Junção ou combinação de palavras com sentido contraditório.

                                                         36
complementar abordagens típicas dos media alternativos – muitos sites da rede Independent Media
Center, por exemplo, são construídos sob a forma de projectos estratégicos a longo prazo; outros
surgem como sites tácticos de curta duração, relativos a eventos específicos.” (2002: 121)


No mesmo sentido, David Garcia e Geert Lovink escrevem no manifesto fundador “The ABC of
Tactical Media” que “apesar dos media tácticos incluirem os media alternativos, aqueles não se
encontram restringidos a esta categoria”. Referem ainda que introduziram o termo táctico de forma a
afastarem-se das “dicotomias rígidas que têm restringido durante tanto tempo o pensamento nesta
àrea, dicotomias como amador Vs profissional, alternativo Vs massificado. Até mesmo privado Vs
público”. Tal como refere Garcia noutro ensaio posterior, parecia que estas velhas terminologias
dialécticas “tinham deixado de descrever a situação por que estávamos a passar” (1998). No seu livro
Dark Fiber (2002), Lovink afirma que os media tácticos herdaram o legado dos media alternativos
sem a etiqueta de contra-cultura e a certeza ideológica de décadas anteriores. “Nascidos do desgosto
face à ideologia” (Garcia e Lovink, 2001), os media tácticos recusam o conflito e as estratégias de
luta pelo poder a que muitas das experiências mediáticas alternativas estavam associadas.


As lógicas dos dois tipos de produção mediática parecem ser na prática bastante diferentes, de acordo
com Joanne Richardson (2002): “As iniciativas grassroots (de base) que se centram na construção de
uma comunidade ligada a valores diferentes dos dominantes ocupam de facto um espaço ideológico
que é representado como sendo diferente: elas não se infiltram no mainstream de forma a pirateá-lo
ou subvertê-lo, como os RTMark poderão infiltrar a imagem mediática da OMC (Organização
Mundial do Comércio)”. Contudo, a autora salienta que uma das características comuns a ambos os
modelos de media é o facto de se auto-definirem através de um acto de oposição face a um
adversário, do qual a sua existência depende.


Em “Notes on Sovereign Media”, Lovink e Richardson (2001) fazem a distinção entre media tácticos,
media alternativos, media independentes e uma quarta categoria teórica a que chamam de media
soberanos. Introduzido pelo colectivo teórico germano-holandês BILWET ou ADILKNO (Fundação
para o Avanço do Conhecimento Ilegal), do qual Lovink foi um dos elementos, o conceito de media
soberanos remete para práticas artísticas que existem por si próprias, desinteressadamente, sem
objectivo ou motivação. Apesar de produzirem sinais com uma origem, um receptor ou autor, não
possuem um receptor designado. Em vez de comunicarem informação, comunicam-se a si próprios.
Eles cortaram todos os laços imaginários com a verdade, a realidade e a representação. Como referem
Lovink e Richardson, “os media soberanos deixaram de se concentrar nos desejos de um grupo-alvo
específico, tal como os media tácticos e alternativos ainda o fazem. Emanciparam-se de qualquer


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  • 1. Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa Departamento de Sociologia Tecnologias de Resistência: Transgressão e Solidariedade nos Media Tácticos Miguel Afonso Caetano ̧ ̃ ̧ ̃ Dissertacao submetida como requisito parcial para obtencao do grau de Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação Orientador: Prof. Doutor Gustavo Leitão Cardoso Maio, 2006
  • 2. AGRADECIMENTOS: ● Agradeço em primeiro lugar à minha mãe, pelo apoio na elaboração desta dissertação, mesmo nas alturas em que eu pensava que não ia conseguir, e pelo trabalho que teve de edição de grande parte do texto; ● ao Felipe Fonseca, ao Hernani Dimantas e ao Daniel Pádua, pela enorme gentileza e as conversas trocadas a um oceano de distância; ● ao Dalton Martins, com quem passeei pelas ruas da Baixa de Lisboa numa tarde chuvosa de Novembro; ● ao Miguel Leal, por se ter disponibilizado a publicar no Vector da Virose um artigo que serviu para consolidar o meu pensamento crítico sobre os media tácticos; ● à Karla Brunet, por me ter ajudado a dar um rumo concreto à minha investigação; ● ao meu orientador, o Professor Gustavo Cardoso; ● ao Professor José Luís Garcia, por me ter feito acreditar que vale a pena reflectir de um modo crítico sobre a tecnologia e os media.
  • 3. RESUMO: Resultando da convergência entre os media, a tecnologia, a arte e a política, os media tácticos constituem um conjunto de práticas culturais e um movimento teórico surgido na Europa durante a primeira metade da década de 90, difundindo-se até ao final do milénio para a América do Norte e posteriormente para o resto do mundo. Tirando inicialmente partido das câmaras de vídeo mas também, a partir de uma certa altura, das tecnologias digitais como CD-ROMs e a Internet, o produtor deste tipo de media assume-se como um híbrido, desempenhando em simultâneo o papel de artista, activista, teórico e técnico. Este tipo de utilizações subversivas e/ou criativas das tecnologias de informação e comunicação por indíviduos normalmente excluídos do seu acesso caracteriza-se pelo experimentalismo, a efemerabilidade, a flexibilidade, a ironia, o amadorismo. Partindo da distinção entre tácticas e estratégias estabelecida por Michel de Certeau e retomada por autores como David Garcia e Geert Lovink, esta dissertação examina o modo como os media tácticos se apresentam como “media de crise, crítica e oposição”. Empregando uma análise teórica das práticas de alguns colectivos, pretendemos demonstrar que as tácticas de protesto destas formas de produção mediática representam uma posição de permanente combate contra um adversário concreto e explícito (Estado-nação, instituição supra-nacional ou empresa transnacional). Depois de abordarmos os perigos a que este modelo antagonista dos media como arma de resistência induz, propomos uma perspectiva alternativa de media tácticos a partir de uma análise empírica de dois projectos brasileiros, o Metáfora e o MetaReciclagem. Em conclusão, argumentamos que estas e outras iniciativas de base adaptam as práticas de subversão e resistência observáveis nos colectivos activistas dos países desenvolvidos às especificidades de um país periférico como o Brasil. Ao fomentarem a reapropriação da tecnologia para fins de transformação social, estes grupos potenciam as capacidades criativas e comunicativas das comunidades locais, com vista à sua auto-sustentabilidade e autonomia. Palavras-chave: media tácticos, estratégias, activismo mediático, media alternativos, hacker, software livre, reapropriação tecnológica, reciclagem, Brasil.
  • 4. ABSTRACT: Resulting from the convergence between media, technology, art and politics, tactical media are a set of cultural practices and a theoretical movement which started in Europe during the first half of the 90s, having spread to North America until the end of the millenium and, afterwards, to the rest of the world. Initially taking advantage of video camcorders but also, later, of digital technologies such as CD-ROMs and the Internet, the producer of this kind of media acknowledges himself as as a hybrid, performing simultaneously the role of an artist, activist, theorist and technician. These subversive and/or creative uses of information and communication technologies by individuals who normally don't have access to them are characterized by experimentalism, ephemerality, flexibility, irony and amateurship. Based on the distinction between tactics and strategies developed by Michel de Certeau and continued by David Garcia and Geert Lovink, this dissertation examines the way tactical media present themselves as "media of crisis, critique and opposition". By applying a theoretical analysis of some collectives, we intend to demonstrate that the protest tactics of these media production forms represent a position of permanent struggle against a concrete and explicit opponent (nation-state, supranational institution or transnational corporation). After addressing the dangers that this antagonist model of media as a weapon of resistance can lead to, we propose an alternative perspective of tactical media built on an empirical analysis of two brazilian projects, Metáfora and MetaReciclagem. Finally, we argue that these and other grassroots initiatives adapt the practices of subversion and resistance visible in the activist collectives of developed countries to the local settings of a peripheral country like Brazil. By fostering technological reappropriation for social transformation, these groups unleash the creative and communication capacities of these communities, towards their self-sustainability and autonomy. Keywords: tactical media, strategies, media activism, alternative media, hacker, free software, technological reappropriation, recycling, Brazil.
  • 5. As resistências já não são marginais, mas sim activas no centro de uma sociedade que se abre em redes. - Michael Hardt e Antonio Negri, Empire Os media tácticos são o que são quando o necessitam de o ser Os media tácticos não são nem de esquerda, nem de direita. São um conjunto de abordagens em constante evolução, motivado pelas necessidades e interesses específicos dos seus criadores. Os media tácticos são um ethos. Os media tácticos alimentam-se de ar, respiram debaixo de àgua e vivem na escuridão; excepto quando necessitam de se expor à luz do sol; nadar pelo ar e beber vinho. Os media tácticos são uma afirmação do direito de associação; defendem a liberdade de associação e prosperam em associações promíscuas. Os media tácticos são sempre produzidos colectivamente, mesmo quando um autor individual os produz. Os media tácticos afirmam a acção do indivíduo, mesmo quando são grupos a produzi-los. Os media tácticos são guiados por uma relação amorosa com a teorização. Os media tácticos odeiam a Poi, mesmo se lêem teoria compulsivamente. Os media tácticos são pensamento enquanto acção. Os media tácticos não suspeitam das emoções fortes. Sabem que as emoções podem levar as pessoas à acção; e, no entanto, os media tácticos conduzem as pessoas à acção. Os media tácticos não são a articulação do seu criador. Os media tácticos são um lugar na linguagem por onde se comunica. Como tal, são sempre sujeitos à apropriação. Os media tácticos nunca são o vestido; são o par perfeito de brincos que dão bem com os teus olhos; os sapatos elegantes; o sorriso confidente. São sedução. Os media tácticos têm um sentido irónico de humor e um coração sincero. - Gregg Bordowitz, “What is Tactical Media? An open-ended list” 5
  • 6. Índice Introdução 9 Notas Metodológicas e Epistemológicas 12 Plano da Dissertação 17 1 - Elementos para a História e Caracterização dos Media Tácticos 21 1.1 - Génese do Movimento 21 1.2 - Principais Definições 25 1.3 - Abordagens Teóricas 27 1.4 - Distinção entre Media Alternativos e Media Tácticos 35 2 - Genealogia das Mobilizações Informacionais 42 2.1 - Décadas de 70 e 80 45 2.2 - Década de 90 51 2.3 - Mediactivismo: do Direito à Informação ao Direito à Auto-gestão da Comunicação 54 3 - A Influência do Movimento do Software Livre e da Ética Hacker 60 3.1 - O Processo de Desenvolvimento do Software Livre 69 3.2 - A Ética Hacker 72 4 - A Táctica e suas Metáforas Teóricas 75 4.1 - A Táctica e a Estratégia em Michel de Certeau 76 4.2 - A Táctica enquanto Détournement 79 4.3 - A Táctica enquanto Rizoma 83 4.4 - A Táctica enquanto Zona Autónoma Temporária (TAZ) 87 4.5 - A Táctica enquanto Swarming 92 4.6 - A Táctica enquanto 'Multidão' 98 4.7 - A Táctica enquanto Smart Mob 103 5 - Práticas de Media Tácticos 110 5.1 - Culture Jamming: Guerrilha Semiológica 110 5.2 - Hacktivismo: O Contra-poder do Ciberespaço 117 6
  • 7. 5.3 - Artivismo: Crítica e Subversão na net.art 129 5.4 - A Rede Informativa Indymedia: Jornalismo open-source 144 5.4.1 - O CMI-Portugal: Um Pequeno Estudo de Caso 152 6 – Contributos Para Uma Crítica do Conceito 168 6.1 - "O Alt.Everything da Cultura e da Política" 168 6.2 - O Espectro da Cooptação pelo Capital 170 6.3 - O Eterno Retorno do Sublime Tecnológico 172 6.4 - A Subversão Impossível dos Media 175 6.5 - A Retórica do Inimigo e a Metáfora Terrorista 178 SEGUNDA PARTE 1 - O "Jeitinho" Digital Brasileiro: "Gambiarras", "Mutirões" e "Puxadinhos" 188 1.1 - Mídia Tática 189 1.2 – Contratv 195 1.3 – Re:combo 195 1.4 - Rádios Livres: Rádio Muda 196 1.5 – CMI-Brasil 198 1.6 - Brasil, Nação Hacker 201 2 - Projecto Metáfora: Caos e Ordem numa Inteligência Colectiva 205 2.1 – Eventos e Projectos 210 2.2 - A Participação no Midia Tática Brasil 216 2.3 – A Tentativa de Criação de uma ONG e o Fim 217 2.4 - Liderança e Motivação numa “Caordem” 222 3 - MetaReciclagem: Reapropriação da Tecnologia para Fins de Transformação Social 226 3.1 - A Replicação da Metodologia da MetaReciclagem 233 4 - Análise dos Dados Obtidos por Questionário 239 4.1 - Perfil dos Colaboradores do Metáfora e do MetaReciclagem 239 4.2 - Opiniões em Relação ao Metáfora e MetaReciclagem 243 4.2.1 - Inspiração Política dos Projectos 243 7
  • 8. 4.2.2 - Distinção entre Inclusão Digital e Reapropriação Social da Tecnologia 244 4.2.3 - Avaliação dos Pontos Fortes e Fracos 247 4.2.4 - Visões Pessoais Sobre o Metáfora e o MetaReciclagem 249 Conclusão Final 251 Bibliografia 258 8
  • 9. 1 - Introdução Será que o conjunto de iniciativas e actividades temporárias de activismo cultural, político, social e artístico realizadas através de tecnologias de comunicação a que alguns teóricos e activistas (Garcia e Lovink, 1997; Critical Art Ensemble, 2001) deram o nome de media tácticos implicam sempre a existência de um opositor, um inimigo, um "Outro" concreto e explícito? Será que estes meios de resistência estão sempre associados a uma linguagem de violência ou, pelo menos, de contra- propaganda? Será que, tal como refere Joanne Richardson (2002), “a linguagem dos media tácticos aprisiona” irremediavelmente “a ideia de um outro tipo de produção mediática a uma teoria da guerra, como um medium de oposição, definido em relação ao seu inimigo?” Responder a estas questões é o principal objectivo a que nos propormos com esta dissertação de investigação. Tencionamos assim elaborar uma crítica do conceito tradicional de media tácticos. Numa altura em que os poderes políticos e económicos fazem passar uma imagem que agrupa os activistas e os terroristas “no mesmo saco", trata-se de reconceptualizar este tipo de utilizações sociais das novas e velhas tecnologias, de determinar se estes podem ser autónomos em relação à retórica e acção violenta e extremista que marcou grande parte dos movimentos marginais e da contra-cultura do século XX como os situacionistas dos anos 50 e 60. Popularizados pelo evento Next Five Minutes (N5M)1, que se realiza de três em três anos desde 1993 em Amesterdão, Holanda, onde se reúnem participantes de vários tipos de iniciativas que vão sendo desenvolvidas em todo o mundo, os media tácticos apresentam-se melhor explicitados por David Garcia e Geert Lovink numa série de manifestos – “The ABC of Tactical Media” e “The DEF of Tactical Media”, entre outros – publicados na lista de discussão por correio electrónico Nettime2. Distanciando-se dos media alternativos por desconfiar dos dogmas ideológicos, o praticante de media tácticos concilia as tarefas de um activista com as práticas de um hacker, empregando tecnologias baratas como hardware em segunda mão e software livre (Linux). Baseia-se numa lógica Do-It- Yourself (DIY – Faça Você Mesmo), sem quaisquer objectivos comerciais, operando de uma forma independente e oposta à dos grupos económicos transnacionais que, tal como já acontece nos media tradicionais, começam a dominar a Internet. O fim destas iniciativas “tácticas” consiste em aumentar a liberdade de expressão das classes desfavorecidas, minorias (raciais, sexuais, etc.), comunidades de bairro, dissidentes políticos, artistas de rua e outros que são normalmente excluídos do circuito dos 1 Site disponível em http://www.next5minutes.org. 2 Projecto de cariz marcadamente europeu criado em Outubro de 1995 por Lovink e Pit Schultz, que tem funcionado desde o início como principal local de discussão e produção dos praticantes de media tácticos. É possível consultar o seu arquivo na Web a partir do endereço http://www.nettime.org. 9
  • 10. meios de comunicação de massas e do acesso às novas tecnologias. Garcia e Lovink baseiam-se na distinção entre tácticas e estratégias formulada pelo francês Michel de Certeau em Arts de Faire (1990 [1980]), em que refere que as primeiras correspondem a um método subreptício, fragmentário e silencioso de resistência e subversão e as segundas aos modos de agir do poder económico, político e científico. O princípio de táctica é oposto ao de estratégia no sentido de não efectuar um confronto directo com o rival, mas enveredando por modos de actuação que minam as suas forças e efeitos devastadores. Todas as definições mais comuns de media tácticos pressupõem desde o início de um movimento deste tipo a existência de um "inimigo", quer seja uma empresa transnacional como a Nike, a McDonalds, a Shell ou um político como George W. Bush ou Silvio Berlusconi. Segundo esta definição, o movimento só é formado e apenas existe em função de um Outro, O Inimigo, para o qual se convergem todos os esforços A contestação e a denúncia das práticas desse adversário que o colectivo considera que violam os direitos humanos, a democracia, a liberdade de escolha dos consumidores ou o meio ambiente legitimam até o recurso à violência. Assim, quando se fala de media tácticos existe a tendência para se referir a grupos com uma agenda determinada, como a rede informativa alternativa Indymedia3, os colectivos artísticos AdBusters4, RTMark5, Critical Art Ensemble6 e outros grupos hacktivistas, muitas vezes com uma filosofia meramente reactiva. Por outro lado, estes grupos partilham a herança de uma certa mística terrorista que perpassou por todos os movimentos artísticos subversivos desde os anos 50 até hoje, como explicaremos mais à frente. Para os situacionistas, por exemplo, o terrorista era uma figura mítica e inspiradora e o recurso à violência era encarado como uma forma legítima para alterar a sociedade e eliminar o sistema capitalista e o espectáculo. Actualmente, alguns hacktivistas mais politicamente motivados não hesitam em destruir e alterar informações dos servidores e sites, da mesma forma que alguns elementos do movimento por uma globalização alternativa acabam por provocar actos de violência contra as forças militares e de vandalismo contra a propriedade privada ou pública. Os media dominantes exploram e empolam estes actos, apelidando-os até de ‘terroristas’, Muito mais do que a força física, a dependência salarial, a censura, a insegurança laboral e outros instrumentos tradicionais de controlo, a difusão propagandística do ‘fantasma do terrorismo’ é uma das principais armas empregue pelos Estados e empresas transnacionais contra as redes tácticas de resistência provocando na opinião pública um sentimento de risco ou de normalização social. Este estratagema empregue pelo poder contra os media tácticos só é equiparado em eficácia pela cooptação – recuperação – das próprias técnicas dos activistas, alterando o seu significado subversivo inicial por mensagens com fins 3 Site disponível em http://www.indymedia.org. 4 Site disponível em http://www.adbusters.org. 5 Site disponível em http://www.rtmark.com. 6 Site disponível em http://www.critical-art.net. 10
  • 11. comerciais e de controlo. Aplicando a ideia elaborada por Tim Jordan em relação ao activismo político apresentada em Activism!, consideramos que a solidariedade e a trangressão – “o colectivo e a acção”, nos termos de Jordan (2002: 14) - são as duas faces ‘gémeas’ dos média tácticos. Apesar de se referir à solidariedade interna, isto é, a que existe entre os elementos de um colectivo como um grupo ecologista, entendemos que Jordan expande implicitamente este termo ao nível macrosocial quando refere que um dos princípios éticos do activismo político é a aceitação das diferenças7 e que o “terrorismo é a negação da diferença”, uma vez que “visa eliminar a oposicão” (2002: 150). Pode-se assim dizer que, no espírito do activismo político, a solidariedade grupal está interligada com a solidariedade global. No entanto, Jordan reconhece no activismo político uma tensão entre a ética da teoria e o pragmatismo das ruas, ou melhor, entre a solidariedade e a transgressão, dado que muitas formas de acção directa acabam por resultar em violência. Mais ainda, alguns movimentos de libertação animal encaram o terror como uma táctica legítima. Nos media tácticos, esta tensão é ainda mais forte devido à herança do fantasma do terrorismo – agora mais do que nunca avivado, após os atentados de 11 de Setembro, 11 de Março e 7 de Julho. É neste contexto que surge a necessidade de apresentar tácticas que respondam à questão de como conciliar a transgressão com a solidariedade global, isto é, resistência e subversão sem violência e destruição. Esta é a hipótese que nos propomos explorar na segunda parte desta dissertação e que emergiu a partir da questão que Joanne Richardson coloca no final de “The Language of Tactical Media”: A ideia dos media tácticos é o prenúncio de uma questão necessária e oportuna: Como é possível produzir outros media, que exprimam a sua solidariedade com os pensamentos humilhados e os desejos incompreensíveis daqueles que parecem condenados ao silêncio, media que não reflictam o poder estratégico do mainstream ao cair numa propaganda auto-determinada idêntica a si própria e ignorando a sua própria história? (Richardson, 2002). Este excerto sugeriu-nos um caminho de pesquisa que consideramos ainda por abrir. De forma a demonstrar que a existência de um medium táctico não depende sempre da luta violenta contra um adversário externo, iremos analisar o projecto brasileiro Metáfora. Surgido em 28 de Junho de 2002 sob a forma de uma lista de discussão por correio electrónico, transformou-se em pouco tempo numa rede colaborativa de iniciativas sobre tecnologia, comunicação, educação e arte. Apesar de ter tido uma curta duração, subsistindo apenas até Outubro de 2003, o movimento serviu como incubadora de 7 Juntamente com a democracia radical, ou seja, a “transgressão dos actuais sistemas de representação democrática das formas actuais de sociedade civil” (Jordan, 2002: 149). 11
  • 12. mais de 25 projectos colaborativos de tecnologia social, muitos dos quais continuaram autonomamente com êxito, tendo até agora maior sucesso o MetaReciclagem8, uma iniciativa que recebe computadores velhos doados, reequipa-os, configura-os e instala-os em associações e centros comunitários de bairros carenciados, empregando apenas software livre. Apesar da sua história atribulada, o êxito relativo do MetaReciclagem9 é testemuhado pelas parcerias estabelecidas com ONGs, prefeituras e o próprio governo brasileiro. Estes colectivos constituíram e constituem experiências de produção colaborativa em tecnologia (software e hardware), media, activismo e arte a partir de um paradigma de conhecimento livre e partilhado, em moldes não-hierárquicos e horizontais. Os dois projectos demonstram o modo de actuação completamente globalizado dos media tácticos, apesar de este tipo de práticas ser frequentemente associado a uma retórica de antagonismo face “À” globalização. Na verdade, a força deste movimento assenta, como é nossa intenção demonstrar ao longo destas páginas – ainda que de forma velada mas constante -, na constituição de micro-redes geograficamente distribuídas por todo o globo compostas por profissionais e amadores oriundos dos mais diversos sectores. Estas micro-redes nacionais e regionais, por sua vez, constituem-se esporadicamente em grandes redes mundiais, através dos festivais e laboratórios organizados a partir do festival Next Five Minutes, em Amesterdão, ou na cobertura informativa realizada pela Indymedia das manifestações e protestos contra as organizações supra-nacionais que promovem a globalização neo-liberal como a Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional. Embora as primeiras associações regionais de movimentos de media alternativos e comunitários remontem às decadas de 70 e 80, como veremos no capítulo dois da primeira parte, o surgimento de redes horizontais e descentralizadas actuando no campo da intersecção entre arte, media e política só ocorreu a partir dos anos 90, graças à massificação de tecnologias digitais como os computadores e, sobretudo, a Internet. Notas Metodológicas e Epistemológicas Esta dissertação pretende constituir um trabalho de âmbito teórico-empírico, concedendo, no entanto, um maior realce teórico. A opção por esta abordagem deriva em primeiro lugar de os media tácticos constituírem um novo campo de investigação, ainda em evolução, com pouca divulgação junto do grande público e referindo-se a um vasto conjunto de práticas bastantes diferentes entre si, em que o número de criadores que reconhece os seus projectos como assumindo um cariz táctico é reduzido, mesmo se estes se podem enquadrar nesse rótulo. Muitos dos investigadores de media alternativos e activismo parecem ignorar este conceito, como no caso de Jordan (2002) e de Jordan e Taylor (2004), 8 Site disponível em http://www.metareciclagem.org. 9 Tendo em conta o modo de actuação descentralizado e sem qualquer tipo de organização institucional do projecto. 12
  • 13. autores que apesar de analisarem em detalhe o hacktivismo e culture jamming, nunca empregam explicitamente o termo media tácticos. Em segundo lugar, ainda não existe ainda nenhuma teoria estável e sólida sobre os media tácticos, se é que isso é possível tendo em conta o carácter de grupos como a RTMark, os Yes Men, os AdBusters, entre outros. Exceptuando os textos de David Garcia e Geert Lovink (1997, 1999 e 2001), Critical Art Ensemble (2001), Graham Meikle (2002), Alexander Galloway (2004), Joanne Richardson (2002) e poucos mais, a bibliografia teórica é ainda escassa. E mesmo quando existe, peca por uma falta de consenso sobre o que são os media tácticos e a que tipo de práticas se referem. Em termos empíricos, apesar de já haver um certo número de bibliografia académica sobre a Indymedia10 e sobre o activismo mediático em geral, o estudo de experiências e projectos práticos de hacktivismo, artivismo e culture jamming a partir da teoria dos media tácticos de Garcia e Lovink e do CAE é ainda escasso, senão mesmo inexistente. Outra dificuldade de investigação com que nos deparámos resultou da ausência de outros trabalhos académicos sobre media alternativos em Portugal. Se falarmos de media tácticos, então a situação é de total desconhecimento, quer nas universidades, quer no meio artístico. Apenas alguns artistas de vanguarda actuam neste campo de subversão e resistência, embora não chamem o seu trabalho de media tácticos (Conde, 2003). É nesse sentido que achamos necessário introduzir esta temática – ainda que num plano mais teórico - num país como Portugal, normalmente bastante atrasado em relação aos fenómenos de vanguarda que envolvem arte, tecnologia e activismo, como campos autónomos ou de um modo interdisciplinar. Contrastando com este ambiente pouco propício à experimentação cultural e tecnológica a partir de lógicas subversivas11, se virarmos a nossa atenção para o outro lado do Atlântico, descobrimos um 10 Ver lista de ensaios sobre a Indymedia em http://docs.indymedia.org/view/Local/ImcUkImcResearchReferences e em https://docs.indymedia.org/view/Global/ImcEssayCollection 11 À excepção do Indymedia Portugal e do site Radicais Livres (www.radicais-livres.org) - actualmente suspenso -, será até mais apropriado dizer que não existe qualquer projecto activista, artístico ou de hacking em Portugal que possa ser considerado um medium táctico. Como refere Luís Silva a propósito da net.art no texto introdutório à exposição online “NetArt Portuguesa 1997 | 2004” organizada pelo projecto Atmosferas: Se, internacionalmente, o aspecto de contra-cultura assume um papel central no desenvolvimento da prática, em Portugal, ainda que existindo peças subversivas, ou extremamente críticas, não se pode falar de grupos organizados, ou minimamente estruturados, cujo objectivo tenha consistido, ou consista, em minar, desacreditar, ou colocar em falha o sistema. (...) Não se pode falar portanto de uma lógica subversiva, organizada, equivalente à sua congénere internacional. Mas também não se pode falar do surgimento de comunidades, novas diásporas até, cujo centro de actividade fosse o debate e a experimentação artística deste tipo de suporte. O carácter periférico, por um lado, e a falta de capital tecnológico, por outro, parecem ter colocado os artistas portugueses à margem de um discurso artístico centrado nas possibilidades criativas da Internet. Ausentes as comunidades orientadas para a discussão e crítica de net art, ausente o lado subversivo 13
  • 14. país com centenas de milhões de pessoas que falam português onde a investigação e a produção no domínio dos media alternativos e cultura digital tem-se desenvolvido exponencialmente. Esse país chama-se Brasil e é actualmente um dos maiores centros de promoção e criação de media tácticos. O exemplo do festival Midia Tática Brasil12 demonstra bem a vitalidade desta rede mediática. Realizado em Março de 2003 na cidade de São Paulo, este evento contou com 315 participantes e cerca de quatro mil visitantes, tendo gerado uma grande repercussão nos media comerciais daquele país, envolvendo dezenas de colectivos de videoactivismo, produção de fanzines, rádios livres, DJs e performances artísticas com motivações políticas. Apesar dos projectos que participaram no festival terem sido quase todos originários de São Paulo, o número de novas iniciativas despontando noutras cidades do litoral e mesmo do interior do país não pára de aumentar, como veremos no primeiro capítulo da segunda parte desta dissertação. Um dado importante que a análise destes projectos pemite identificar é que, tal como Garcia e Lovink (1997) e o Critical Art Ensemble (2001) salientam, para se produzir media tácticos não é preciso empregar novas tecnologias de informação e comunicação. Vivendo num país com enormes desigualdades económicas e dispondo muitas vezes de escassos recursos financeiros, estes colectivos vêm-se obrigados a recorrer aos suportes que ‘estão mais à mão’ e que têm mais impacto junto do meio onde actuam, como seja o vídeo, a televisão e a rádio comunitária ou livre, ou mesmo a tradicional fanzine. Daí que muitos não possuem sequer uma presença na Web. Mas a principal razão da grande dinâmica dos media tácticos no Brasil advém do facto de estes grupos espalhados pelo território daquele país e utilizando os mais variados suportes tecnológicos terem constituído uma importante rede de intercâmbio e suporte mútuo, onde se partilham recursos e conhecimentos. Nos últimos anos, esta rede tem vindo a ser impulsionada pelo Ministério da Cultura brasileiro de Gilberto Gil, através do programa Cultura Viva, com o apoio de ONGs e prefeituras de grandes cidades do país. Ao contrário do que acontece na Europa e na América do Norte, os artistas e activistas brasileiros não ressentem a colaboração com o Estado e vêm nesta relação a possibilidade de influenciar decisivamente as políticas públicas sobre os seus sectores de actividade, de modo a fornecer aos cidadãos os meios para dessas comunidades, o florescimento de uma net art portuguesa apresentou-se difícil, muito circunscrito, ainda que as temáticas abordadas e a forma de o fazer, fossem, na sua essência, semelhantes ao que se estava a explorar internacionalmente. (Silva, 2005) Em consonância com Luís Silva, consideramos que a única iniciativa que se aproxima mais da designação de media tácticos, segundo as definições de David Garcia e Geert Lovink ou do Critical Art Ensemble, é a plataforma Virose (http://www.virose.pt), que tem vindo desde 1997 a realizar um trabalho sobretudo de divulgação e discussão teórica sobre a convergência entre arte, media e tecnologia. Dirigida por Miguel Leal e Fernando José Pereira, este ‘associação interdisciplinar’ online sediada no Porto publica irregularmente a e-zine Vector, de periodicidade irregular, onde se pode encontrar textos de Geert Lovink, Lev Manovich, Laura Baigorri, Jose Luís Brea e Matteo Pasquinelli. Contudo, esta plataforma parece padecer de um excessivo ‘intelectualismo’ que a faz fechar sobre si própria, em relação à sociedade e à política. Não obstante, representa um contributo valioso para o debate sobre a cultura digital em Portugal e um espaço aberto a outras perspectivas teóricas, como tivemos ocasião de o testemunhar pessoalmente quando Miguel Leal nos concedeu gentilmente a oportunidade de publicar um texto da nossa autoria na Vector. 12 Site disponível em http://midiatatica.org/mtb/index.htm. 14
  • 15. exprimirem as suas vozes e participarem activamente no ambiente mediático e na sociedade em geral. Deste modo, embora a inexistência de uma mesma rede dinâmica e criativa de media tácticos em Portugal, o desconhecimento do tema e a ausência de estudos académicos sobre os media alternativos ou radicais a nível nacional tenham constituído obstáculos à elaboração de um trabalho de pesquisa original, o nosso conhecimento pessoal, ainda que à distância, de modo não-participativo e através de comunicação mediada por computador de projectos lusófonos além-fronteiras como o Midia Tática e, em particular, com o Metáfora/MetaReciclagem levou-nos a enveredar por um plano de investigação empírica fora dos moldes tradicionais da investigação sobre os media em Portugal. Propomos-nos assim apresentar algumas características que detectámos tanto no Metáfora como no MetaReciclagem que são passíveis de serem enquadradas na definição de media tácticos, com base na teoria avançada por autores como Garcia e Lovink (1997) e o Critical Art Ensemble (2001), nas práticas desenvolvidas por colectivos europeus e norte-americanos que assumem essa classificação, bem como na distinção entre tácticas e estratégicas estabelecida por Michel De Certeau (1990 [1980]). Em segundo lugar, pretendemos assinalar a especificidade que tais iniciativas assumem face à produção mediática táctica patente nos países que compõem o centro da economia global. Para tal, iremos apoiar-nos na teorização avançada pelo próprio David Garcia (2004a), bem como nos trabalhos de Karla Brunet (2005), para além das reflexões de activistas brasileiros como Ricardo Rosas (2004), Felipe Fonseca e Hernani Dimantas, entre outros. Estes autores apontam para um modelo brasileiro de media tácticos que se encontra em emergência, mais direccionado para a inclusão digital no sentido da reapropriação social da tecnologia do que para um activismo de protesto anti-capitalista e anti-globalização. Nesse sentido, desenvolvemos uma análise de conteúdo dos arquivos ainda disponíveis das listas de discussão do Metáfora e do MetaReciclagem13 - sobretudo da lista Metáfora-Yahoo! -, na medida em que todas as actividades, debates e ideias dos projectos surgiram a partir daí. Outros recursos que serviram como fonte de recolha de informação foram as wikis14 de ambas as iniciativas, que têm 13 Inicialmente, a nossa intenção era centrar a análise apenas no Metáfora, devido ao carácter híbrido, abrangente e, simultanamente, efémero das suas actividades face ao âmbito mais restrito do MetaReciclagem. A impossibilidade de um contacto físico e directo com a actividade no terreno dos esporos de reciclagem de computadores dificultava também, em nossa opinião, uma análise aprofundada deste último projecto que exigiria o recurso a uma observação directa do tipo etnográfico das práticas em questão. Mas ao longo da investigação fomo-nos apercebendo que era impossível abordar o Metáfora sem dar conta do trabalho desenvolvido pelo colectivo no MetaReciclagem. Embora se limite apenas à reciclagem de computadores, o MetaReciclagem herdou o legado conceptual do Metáfora e permitiu que muitas das ideias aí discutidas conquistassem repercussão junto dos responsáveis pelas políticas públicas brasileiras de inclusão digital. 14 Software colaborativo que permite a edição colectiva dos documentos em hipertexto na Web usando um sistema leve e simples, sem que o conteúdo tenha que ser revisto antes da sua publicação. Todas as alterações realizadas pelos diferentes autores são registadas. A wiki do Metáfora está disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?; a do Metareciclagem pode ser acedida a partir de http://wiki.metareciclagem.org. 15
  • 16. funcionado como espaços onde são documentadas para memória futura todas as experiências e ideias partilhadas nas listas. Quando necessário, complementámos essa informação com dados obtidos de blogs dos colaboradores do Metáfora e MetaReciclagem. De forma a obter um perfil mais fidedigno dos elementos que integraram o núcleo inicial do Metáfora - que veio a resultar mais tarde no MetaReciclagem - bem como das suas opiniões em relação a ambos os projectos, decidimos elaborar um questionário composto pot 21 questões, algumas das quais abertas, outras fechadas, que foi enviado por correio electrónico a 22 indivíduos – 17 do sexo masculino e cinco do sexo feminino. O critério de selecção baseou-se no nível de colaboração activa nos projectos do Metáfora e no MetaReciclagem, bem como na participação nas quatro listas de email associadas a estas iniciativas (Metáfora-Yahoo!, Xemelê, MetaReciclagem e CoLab). Do total de inquiridos, recebemos 11 respostas, o que corresponde a metade da amostra. No intuito de aprofundar certos aspectos da história, estrutura organizacional e actividades dos dois projecto, realizámos também uma entrevista por email com 15 questões abertas junto de Felipe Fonseca, Dalton Martins, Daniel Pádua e Hernani Dimantas, na medida em que, tendo em conta a leitura dos arquivos das listas e das wikis, estes foram os elementos mais envolvidos em ambos os colectivos – dai serem legitimamente reconhecidos, de forma mais ou menos explícita, pelos outros colaboradores como líderes. Com esta entrevista, pretendiamos também explorar mais a fundo certas opções e decisões que marcaram o percurso do Metáfora e do MetaReciclagem. Apenas recebemos a resposta de Felipe Fonseca15 mas tivemos também a oportunidade de travar algumas conversas informais com outros responsáveis. A entrevista foi enviada a 18 de Novembro de 2005 e o questionário a 22 de Novembro de 2005. De modo a garantir um maior grau de resposta, enviamos nas semanas seguintes mensagens subsequentes apelando ao preenchimento do questionário e ao envio das respostas da entrevista. A recolha dos dados procedeu-se assim entre a segunda quinzena de Novembro e a primeira quinzena de Dezembro. Consideramos que o recurso a vários instrumentos metodológicos como a análise de conteúdo, o questionário e a entrevista justificam-se na medida em que as unidades de análise da nossa investigação, o Metáfora e o MetaReciclagem, não podem ser considerados colectivos com uma estrutura organizativa consolidada, minimamente fixa e dotadas de hierarquias rígidas16. Pelo contrário, tal como outros media tácticos, possuem um carácter fluído, nómada, criativo e híbrido. Mais ainda, esta opção metodológica justifica-se, em nossa opinião, na medida em que grande parte 15 Fonseca publicou a entrevista no seu blog em http://metareciclagem.org/fff/?p=1699. 16 Muito embora, exista um certo grau de hierarquização da articulação das actividades e competências. Como teresmos oportunidade de explicar, esta hierarquia resulta de uma meritocracia semelhante aos projectos de software livre, em que o mérito, a reputação e a dedicação de cada um são recompensadas pelo colectivo. 16
  • 17. da literatura que aborda os media tácticos parte de uma abordagem interdisciplinar da convergência entre Comunicação, Cultura e Tecnologia, partindo de campos diversos do saber, como a Teoria e o Estudo dos Media, os Estudos Culturais, a Sociologia, a Filosofia e a Ciência Política. Reconhecendo as diferenças linguísticas existentes na língua portuguesa escrita em Portugal e no Brasil, tentámos adaptar as citações de blogs e artigos em publicações e os testemunhos obtidos por intermédio dos questionários ao português continental. Já no que toca a citações retiradas das listas de discussão, o critério seguido foi outro: procurámos, tanto quanto possível, manter-nos o mais fiéis possíveis à fonte original, mesmo sob pena de desrespeitar as regras gramaticais e ortográficas convencionais. Esperamos que, deste modo, possamos transmitir ao leitor o espírito de discussão viva, animada e calorosa que constituiu, com efeito, a experiência mais valiosa que o Metáfora deixou nos seus curtos 15 meses de existência. De facto, verificámos que muita da vivacidade e da riqueza dos conteúdos presentes nas duas listas (Metáfora-Yahoo! e Xemelê) se perdia quando as ideias aí trocadas eram documentadas na wiki. Esta diferença de registos poderá ser explicada em parte pelo facto de que, embora este tipo de ferramentas de publicação online possibilite a colaboração intelectual em larga escala, a informação aí armazenada não seja partilhada de um modo tão imediato e generalizado como a que é difundida por intermédio das listas. Outro factor a ter em consideração é que na altura, em 2002-2003, as wikis eram ainda um fenómeno novo, não tão massificado como as listas de discussão, exigindo, para além disso, maiores conhecimentos técnicos que a simples utilização do correio electrónico. Plano da Dissertação Commo já mencionámos, esta dissertação encontra-se dividida em duas partes, uma de cariz mais teórico e outra mais empírica. No primeiro capitulo, começamos por referir as principais definições do conceito de media tácticos, apresentamos de seguida as origens e a evolução histórica ao longo da década de 90 do conjunto de práticas culturais e mediáticas para que o termo remete para avançar em depois para as principais perspectivas teóricas sobre este movimento, recorrendo a autores como Garcia e Lovink (1997 e 1999), Lovink e Schneider (2002), Critical Art Ensemble (2001), entre outros. Por fim, elencamos alguns traços que distinguem os media tácticos de outras correntes associadas à contra-cultura da segunda metade do século XX como os media alternativos e/ou radicais. De forma a contextualizar o surgimento dos media tácticos na última década, no segundo capítulo traçamos um resumo da história daquilo a que Cardon e Granjon (2003) denominam de mobilizações 17
  • 18. informacionais, isto é, os órgãos de comunicação social inicialmente – anos 70 e 80 - associados às redes de movimentos sociais como o ambientalismo e o feminismo – como as rádios e televisões comunitárias - e que vieram a culminar no movimento por uma globalização alternativa. Uma vez que a metodologia empregue pelas práticas de media tácticos não se restringe ao conceito de media em sentido estrito de meio de comunicação, no terceiro capítulo abordamos a relação existente entre estas e o software livre e a ética hacker, conceitos essenciais para se perceber as formas de actuação e organização descentralizada e o espírito auto-didacta que encontramos nessas práticas. Dada a conotação específica que o termo táctica possui – e que é salientada ao longo desta dissertação - remetendo para o universo militar e para uma concepção beligerante e antagonista da arte, dos media e da própria participação política -, no quarto capítulo analisamos o significado literal da palavra, assim como a oposição entre tácticas e estratégias no pensamento de Michel de Certeau (1990 [1980]), retomada por Garcia e Lovink anos mais tarde no festival Next Five Minutes. Para além disso, pretendemos também clarificar as ligações existentes entre a táctica e outros conceitos semelhantes que são frequentemente associados ao mesmo tipo de acções e fenómenos, como o détournement, rizoma, Zona Autónoma Temporária, swarming, 'multidão' e smart mobs. O quinto capítulo centra-se na caracterização de um certo número de práticas culturais, tecnológicas, activistas que se destacam como exemplos de media tácticos. Estas práticas partilham características comuns que definem os media tácticos: nomadismo, hibrídismo, valorização do espírito DIY, rejeição das velhas ideologias, desconfiança por todo o tipo de poder, organização em rede, etc. Embora muitos destes projectos funcionem sobretudo a partir de ou através da Internet, podemos também encontrar em alguns o recurso a tecnologias não-digitais como a rádio, a televisão, a imprensa, os cartazes publicitários ou a intervenções artísticas no espaço físico. De modo a optar pela categorização que apresentamos aqui, baseámos-nos nos textos de Geert Lovink e David Garcia (1997 e 1999), Graham Meikle (2002), Alexander Galloway (2004) e Cardon e Granjon (2003). Deste modo decidimos concentrarmos-nos em quatro tipos de práticas tácticas: 1. A subversão das mensagens publicitárias para criticar as grandes marcas comerciais patente em projectos de culture jamming; 2. Os ataques informáticos, intervenções e protestos virtuais dos grupos hacktivistas; 3. As performances online e offline organizadas por colectivos artivistas; 4. O “jornalismo” produzido por activistas e cidadãos-comuns através do Centros de Media Independentes (CMIs) da Indymedia. 18
  • 19. Tendo em conta que o CMI-Portugal foi o único colectivo nacional que, após uma aturada pesquisa, considerámos como passível de ser classificado como um media táctico, optámos por realizar um pequeno estudo de caso - disponível no capítulo 5.4.1 – em que contrastamos as características tácticas com os traços estratégicos presentes neste projecto a partir da análise do sistema de publicação aberta da Indymedia, que permite a publicação de artigos por qualquer pessoa, e da implementação da política editorial pelos voluntários encarregados dessa tarefa. Este estudo apoia-se ainda num questionário enviado através da lista de discussão do CMI-Portugal aos elementos do colectivo. Por último, o sexto capítulo é dedicado a um conjunto de apontamentos críticos em relação ao conceito de media tácticos e aos colectivos e práticas associadas a ele, em que destacamos o emprego abusivo do termo para designar projectos com trabalhos bastante diferentes entre si - correndo o risco de se cair numa generalização excessiva -, o perigo das lógicas subversivas dos praticantes tácticos contra as grandes empresas poderem ser aproveitados pelo próprio capital que criticam, a esperança frequentemente infundada no potencial emancipador das novas tecnologias como a Internet apenas por serem novas e a obsessão secreta pela mística dos movimentos de guerrilha e da figura do terrorista que predomina na linguagem das formas de produção mediática em causa. Este capítulo aprofunda a reflexão que iniciámos no artigo “Media Tácticos: Uma Introdução ao Activismo Do-It- Yourself” que foi publicado no nº 12 da série b da e-zine Vector da associação Virose de Janeiro de 2005 (Caetano, 2005). Na segunda parte, de âmbito mais empírico, começamos, no primeiro capítulo, por descrever o pano de fundo do movimento brasileiro dos media tácticos em que o Metáfora e o MetaReciclagem emergiram e se inserem e que tem vindo a despontar com maior força desde o início do século XXI e, em particular, desde o início da presidência de Lula da Silva, que representou um novo clima político aparentemente mais favorável à actividade dos colectivos autónomo – embora, na realidade, este se revele mais paradoxal e nivelado do que se poderia pensar à partida. No segundo capítulo, procedemos à apresentação da história do Metáfora e dos principais projectos concretizados pelo colectivo, de entre os inúmeros que foram esboçados nas listas de discussão e na wiki, continuando com uma análise das razões do fracasso desta “incubadora de projectos”, bem como da estrutura de organização e liderança do grupo. O MetaReciclagem é abordado separadamente, no terceiro capítulo, onde para além de darmos conta da história do projecto, fazemos uma exposição da metodologia empregue na reciclagem de computadores e da reapropriação da tecnologia para fins de transformação social, conceito que os seus colaboradores utilizam para denominar a sua actividade em oposição às políticas de inclusão digital propostas por alguns políticos e ONGs brasileiras. No 19
  • 20. quarto capítulo apresentamos os resultados de um questionário realizado por email que nos permitem traçar um perfil dos colaboradores do Metáfora e do MetaReciclagem, bem como obter a sua opinião em relação a ambos os projectos. Na conclusão, partindo da experiência do Metáfora e do MetaReciclagem, demonstramos que, embora estas iniciativas possam ser classificadas como media tácticos, elas diferem do modelo 'canónico' antagonista e de confronto indirecto com um inimigo teorizado por Garcia e Lovink, Critical Art Ensemble, Graham Meikle, Joanne Richardson e aplicado pelos activistas por uma globalização alternativa da rede Indymedia, sabotadores de publicidade, hackers que danificam, entopem e/ou escapam aos sistemas informáticos dos grandes poderes e artistas que colocam em causa a lógica comercial e proprietária do mundo da arte e de outras indústrias culturais. Neste sentido, o Metáfora e o MetaReciclagem representam um novo paradigma táctico que leva em conta as especificidades de uma sociedade periférica e de contrastes como a do Brasil, onde a solidariedade e a cooperação, as “gambiarras”, os “mutirões e os puxadinhos”, são mais importantes que o activismo de protesto, resistência e oposição predominante nos media tácticos dos países desenvolvidos, na medida em que é a própria sobrevivência num quotidiano marcado pela pobreza e exclusão que está em causa. 20
  • 21. 1 - Elementos para a História e Caracterização dos Media Tácticos 1.1 - Génese do Movimento Tendo como pano de fundo um cenário pós-Muro de Berlim, o termo media tácticos foi criado em 1992 por Geert Lovink, David Garcia e Caroline Nevejan, organizadores da primeira edição do ciclo de conferências Next Five Minutes (N5M), realizada em Amesterdão no ano seguinte (Berry, 2000; CAE, 2001; Lovink e Schneider, 2002; Meikle, 2002). Foi desta forma, explica o colectivo artístico Critical Art Ensemble (CAE)17, que “um certo tipo de práticas culturais existentes desde há décadas” passou a ter um nome e uma definição (CAE, 2001). Até então, “este movimento tinha evitado ser designado ou totalmente classificado. As suas origens situam-se na vanguarda moderna, na medida em que os seus participantes atribuem uma grande importância à experimentação e ao compromisso com o vínculo imprescendível existente entre a representação e a política”. Segundo o mesmo grupo, os participantes desta corrente “não são artistas em qualquer dos sentidos tradicionais do termo e não querem ser apanhados na teia de conotações metafísicas, históricas e românticas que acompanham essa designação. Nem tão pouco são activistas políticos propriamente ditos, dado que se recusam a adoptar somente uma posição de reacção.” (CAE, 2001: 3-4) Inspirados na obra Arts de Faire de Michel de Certeau (1990 [1980]), os organizadores da primeira edição do N5M inventaram o termo televisão táctica para servir como tema deste evento, na medida em que, nessa altura, a câmara de vídeo era a tecnologia de electrónica de consumo mais massificada e que oferecia maiores possibilidades “tácticas”, no sentido atribuído por Certeau a este conceito, como forma de organização e mobilização social. A iniciativa contou com activistas, artistas e teóricos oriundos da América do Norte e da Europa Ocidental e do Leste. Os participantes estavam “interessados em questões de intervenção na televisão, em teorizar sobre a estrutura e dinâmica da cultura do vídeo, em formular representações de causas politicas que contribuíssem para uma melhor justiça social e em criar modelos alternativos de distribuição”, entre outros assuntos (CAE, 2001). 17 Para além de ter uma produção teórica de cinco livros, todos publicados pela editora Autonomedia, (www.autonomedia.org) onde investiga a convergência entre os regimes emergentes da tecnologia com os mecanismos de controlo empregues pelo capital e as grandes empresas, enquanto colectivo de arte performativa, o CAE produz instalações em galerias e espaços públicos onde questiona a propriedade empresarial da Internet, o acesso limitado às redes de informação digital, o predomínio das perspectivas comerciais na indústria tecnológica e as restrições impostas pelos direitos de propriedade intelectual. Recentemente, tem realizado produções relacionadas com a indústria de biotecnologia, incluindo os Organismos Geneticamente Modificados (OMGs) e o patenteamento de genes. 21
  • 22. Mas enquanto que os activistas e artistas mediáticos do lado ocidental estavam e continuam a estar sobretudo interessados na produção de media de campanhas em vez de movimentos sociais amplos 18, os artistas dissidentes e activistas dos media samizdat19 tinham na sua maior parte pertencido a um vasto movimento social que levou ao desmantelamento do império soviético e tendiam ainda durante esses primeiros anos de liberdade para uma falta de sentido critico em relação ao seu futuro nos termos de uma economia de mercado, diriam Garcia e Lovink em “The DEF of Tactical Media” (1999), publicado na Nettime um pouco antes da terceira edição do N5M. Apesar da sua pequena dimensão – teve apenas cerca de 300 participantes –, o evento serviu como sinal de que estava a começar a formar-se um novo movimento. Mas, como Garcia referiu mais tarde (1998), as condições que tornaram possíveis os media tácticos datavam já do final da década de 80, “período importante de transição em que toda uma gama de novas tecnologias intermédias permitiu interagir com os media de um modo muito menos passivo que os teóricos e futuristas alguma vez tinham previsto.” Com intervalos de poucos anos de diferença entre si, apareçeram o zapping televisivo, o walkman, o gravador de vídeo, a indústria de aluguer de videocassetes, uma quantidade enorme de canais disponibilizada pelos sistemas domésticos de televisão por cabo e satélite e, sobretudo, a câmara de vídeo. Como explica este autor, em resultado desta revolução tecnológica na electrónica de consumo, as audiências puderam pela primeira vez criar os seus próprios ambientes mediáticos personalizados. Deu-se assim início ao “fim do domínio dos media difusores de massas enquanto fonte centralizada das representações da sociedade.” Para Garcia, na medida em que estas novas tecnologias eram ferramentas domésticas do quotidiano, elas libertaram os artistas e activistas mediáticos dos rituais penosos e dispendiosos da produção alternativa e marginal (ver ponto seguinte). Num ensaio mais recente, Lovink e Schneider afirmam, na mesma linha, que “a crescente disponibilidade de equipamento Do-It-Yourself”, foi uma das razões, juntamente com um “maior interesse pelas questões do género e o aumento exponencial das indústrias dos media”, da emergência de um sentido de tomada de consciência entre activistas, programadores, teóricos, curadores e artistas a partir dos anos 90 (Lovink e Schneider, 2002). Na perspectiva destes dois autores, “os media deixaram de ser vistos meramente como instrumentos para a Luta para passarem a ser encarados como ambientes virtuais cujos parâmetros estão em permanente processo de construção”, concluindo que este período foi a época de ouro dos media tácticos, então centrados na problemática da estética e na experimentação de formas alternativas de narração de histórias. 18 Ao contrário dos seus antecessores dos anos 60 que pertenciam a movimentos sem uma agenda específica e que actuavam como um megafone representando a voz da resistência ou dos oprimidos, de acordo com Garcia e Lovink. 19 Sistema clandestino de cópia e distribuição de publicações impressas dos países da Europa do Leste durante o período de dominação do comunismo. 22
  • 23. Desde o vídeo, os primeiros CD-ROMs, as cassetes de áudio, as fanzines e os folhetos volantes aos estilos musicais como o Rap e o Techno, os media empregues variavam bastante, assim como o tipo de conteúdos, simbolizando acima de tudo a exaltação de uma liberdade de produção mediática. Na opinião destes teóricos, este conjunto de práticas libertadoras veio a converter-se na passagem para o século XXI em movimentos sociais com mensagens políticas explícitas, frequentemente apelidados erroneamente pelos órgãos comerciais de comunicação social de “anti-globalização”. Mas, para David Garcia, o facto do termo que veio a caracterizar este movimento ter surgido em Amesterdão não foi mero acaso, mas sim fruto da “longa e notável história de produção mediática experimental e anarquista e de redes cívicas desta cidade”. Esta “utopia pirata de media tácticos”, como chegou o autor a caracterizar Amesterdão em meados da década de 90, resultava de um acesso comunitário à rádio e televisão por cabo fortemente enraízado que permaneceu ao longo dos anos, “apesar dos danos provocados desde então neste sector por políticas públicas.” Para além da Holanda ter sido o primeiro país europeu a estabelecer uma infra-estrutura totalmente constituída por cabo20, Amesterdão é, segundo Garcia, talvez a única grande cidade europeia que obteve uma vantagem “táctica” da utilização da televisão por cabo. No ar há mais de vinte anos, os seus dois “canais abertos” exibem programações de media tácticos e experimentais, para além de outros programas mais conservadores. Outra iniciativa pioneira que aí teve lugar foi a Cidade Digital, uma rede comunitária aberta a toda a população, assente em terminais de acesso público espalhados ao longo do tecido urbano. A partir de Amesterdão, epicentro deste renascimento do activismo mediático, o termo media tácticos chegou em pouco tempo às listas de discussão por correio electrónico sobre teoria dos media como a Nettime. Ao mesmo tempo, o conceito ganhou aceitação junto das comunidades virtuais, grupos de trabalho e círculos sociais em que os actvistas e artistas mediáticos participam. Esta situação levou a que os organizadores do primeiro evento N5M se apercebessem que o tópico televisão táctica tinha um âmbito demasiado limitado no seu âmbito, uma vez que um número cada vez maior de pessoas com uma sensibilidade semelhante estava a produzir trabalhos “tácticos” e que seria vantajoso para todos que se reunissem (CAE, 2001: 4-5). Desde a segunda edição do festival em 1996, o tópico media tácticos tornou-se no denominador comum de todas as actividades que acolhe. O evento passou a integrar todas as formas de media, embora os debates se centrassem nas tecnologias electrónicas de comunicação como a rádio, a 20 O que fez com que nesse país a televisão por cabo seja hoje, de acordo com o autor, uma tecnologia utilitária de acesso quase universal. 23
  • 24. televisão e, em particular, a Net. Ao mesmo tempo, tornou-se mais global, ao ponto do quarto e mais recente N5M (2003) ter contado com a participação de elementos de projectos do Brasil, Índia, Tanzânia, Gana, Mali, Zâmbia, Jamaica e outros países considerados periféricos ou semi-periféricos. Mas a organização pretendeu ir para além de Amesterdão e descentralizar o evento, através da implementação de laboratórios de media tácticos em São Paulo, Nova Deli, Dubrovnik, Moscovo, Cluj, Barcelona, Birmigham, Chicago, Nova Escócia, Sidney e Zanzibar, que produziram os conteúdos a partir dos quais um grupo de editores internacionais conceberam o elenco final do programa do festival (Garcia, 2004). . 24
  • 25. 1.2 – Principais Definições A partir da terceira edição do N5M, realizada em Março de 1999, a secção FAQ21 do site do evento passou a integrar a seguinte definição: O termo 'media tácticos' refere-se a uma utilização e teorização crítica de práticas mediáticas que empregam todas as formas de velhos e novos média, simultaneamente lúcidas e sofisticadas para atingir uma variedade de fins não-comerciais específicos e promover todos os tipos de questões políticas potencialmente subversivas.22 Os organizadores do ciclo de conferências referem ainda nessa página que este tipo de práticas abrange a utilização de câmaras digitais de vídeo de baixo custo e a consequente distribuição de vídeos na Internet por parte de activistas, o recurso de participantes dos movimentos “anti- globalização” a transmissores de rádio FM de fraca potência, a organização de ocupações virtuais de sites da Internet, o desenvolvimento de software livre e open-source por programadores de computadores e a utilização de tecnologia sem fios para disponibilizarem a comunidades inteiras um acesso económico à Internet em banda larga. Mas o primeiro esforço teórico de caracterização deste movimento é disponibilizado em “The ABC of Tactical Media”, publicado em Maio de 1997 na Nettime por David Garcia e Geert Lovink. Este manifesto começa com a seguinte definição: Media tácticos são o que acontece quando meios de comunicação baratos do tipo DIY, tornados possíveis pela revolução na electrónica de consumo e por formas alargadas de distribuição (desde o cabo de acesso público à Internet), são utilizados por indíviduos e grupos que se sentem oprimidos ou excluídos de uma cultura mais vasta. Não se limitam a noticiar factos e dado que nunca são imparciais; participam sempre e é isso mais do que qualquer coisa que os separa dos media dominantes. (Garcia e Lovink, 1997) Este processo de designação e classificação gerou uma mistura de sentimentos perante muitos praticantes de media tácticos. Se por um lado, segundo os membros do CAE, o novo termo deixava a porta aberta para a sua cooptação e/ou a quase inevitável recuperação pelo capitalismo (2001: 5), ao mesmo tempo “produziu um alívio pois qualquer um podia passar a ser um híbrido, seja artista, técnico, cientista, artesão, teórico ou activista e todos podiam trabalhar juntos em combinações com diferentes pesos e identidades. Estas múltiplas facetas (...) que faziam parte de cada indivíduo e de cada grupo, podiam ser reconhecidas e valorizadas. Muitos sentiram-se aliviados por deixarem de se ter que apresentar ao público como especialistas de forma a serem valorizados. 21 Frequently Asked Questions, espaço destinado a responder às questões mais frequentes relativas ao evento. 22 Retirado da página do FAQ do N5M disponível em http://www.next5minutes.org/faq.jsp?faqid=programme#3. 25
  • 26. Como refere o CAE, o conjunto de traços a partir do qual emerge uma prática de media tácticos está sujeito a mudar dependendo de a quem é perguntado quais são essas características. Este colectivo artístico explica que os princípios deste modelo são gerais, reconfiguráveis, permeáveis, estando sujeitos a frequentes formações e deformações, dependendo sempre da sua aplicação e contexto. De forma a contribuir com a sua própria definição do movimento, este colectivo artístico apresenta quatro princípios básicos (2001: 8-11): ● Os media tácticos são uma forma de intervencionismo digital, não na medida em que apenas podem ser produzidos através de tecnologia digital, mas sim no sentido em que consistem na cópia, recombinação e re-presentação de informação. Colocam em causa o regime semótico em vigor criando eventos participativos e criticando através de um projecto experimental. ● Os praticantes de media tácticos empregam qualquer medium necessário para responder às necessidades de uma situação. A sua especialização não predetermina a acção, pelo que se tende para a realização de trabalhos colaborativos que permitam o intercâmbio de diferentes competências. ● A prática amadora é especialmente valorizada, dado que os amadores podem ver para além dos paradigmas dominantes, dispôem de uma maior liberdade para recombinar elementos de paradigmas considerados desde há muito mortos e não se encontram restringidos por sistemas institucionalizados de produção de conhecimento e de elaboração de políticas públicas. ● Os media tácticos são efémeros, deixam poucos traços materiais. O que resta deles é sobretudo memória viva. As intervenções desterritorializam-se por si próprias, sendo sempre ad-hoc. Terminam a sua actividade por si próprias. 26
  • 27. 1.3 - Abordagens Teóricas O objectivo (dos media tácticos) não é destruir a tecnologia sob algum tipo de ilusão neo-luddista, mas sim impulsioná-la para um estado de hipertrofia, para além do ponto onde se pretendia que ela fosse. Então, na sua condição enfraquecida, ferida e desprotegida, a tecnologia pode ser esculpida de novo em algo melhor, algo em estreita concordância com as necessidades e os desejos reais dos seus utilizadores. - Alexander Galloway, Protocol: How Control Exists after Decentralization Nos últimos anos, a começar com o manifesto fundador de Garcia e Lovink de 1997, a teorização sobre os media tácticos tem vindo a crescer gradualmente. Contudo, o movimento não abandonou ainda em grande parte o seu círculo inicial, junto do meio artístico de vanguarda e das comunidades de programadores de software livre na América do Norte e Europa, apesar de algumas iniciativas realizadas em países menos desenvolvidos. Em “The ABC of Tactical Media”, Garcia e Lovink apresentam não só a primeira definição do conceito de media tácticos, como lançam as bases para todo um novo programa teórico e prático no contexto da teoria dos media, com aplicações aos campos na altura em irrrupção dos novos média e da cibercultura. As influências militares do movimento estão bem explícitas logo no início deste texto, com uma referência explícita à necessidade da existência de um adversário para que o movimento subsista: “Os media tácticos são media de crise, crítica e oposição. Isto constitui tanto a sua fonte de poder (...) como o seu limite. Os seus heróis típicos são: o activista, o guerreiro nómada dos media, o prankster, o hacker, o rapper de rua, o kamikaze da câmara de vídeo, eles são os alegres negativos, sempre à procura de um inimigo. Mas, uma vez que o inimigo tenha sido nomeado e vencido, é ao militante táctico que ocorre entrar em crise.” Os media tácticos possibilitam, deste modo, as condições para a realização da III Guerra Mundial na óptica de Marshall McLuhan, “uma guerra de guerrilha informacional, sem separação entre participação civil e militar”23, em que “os fracos se tornam mais fortes que os opressores ao descentralizarem-se, ao moverem-se rapidamente pelas paisagens mediáticas físicas ou virtuais”, nas palavras dos dois teóricos. A pesquisa e procura destas técnicas consiste na missão de vários produtores de media tácticos destinados às comunidades migrantes. Inspirados na distinção entre “tácticas” e “estratégias” que Certeau aplica à relação entre o consumidor e a produção das indústrias culturais24, estes artistas e activistas tentam “fazer com que o caçado descubra a maneira de se tornar o 23 McLuhan, Marshall (1970), Culture is Our Business, Ballantine Books, pág. 66. Citado por Kalle Lasn (1999), pág. 123. 24 Tomada de empréstimo pelo próprio Certeau ao filósofo militar prussiano da primeira metade do século XIX Karl 27
  • 28. caçador”. Cerca de dois anos antes da publicação deste manifesto, no texto de apresentação da segunda edição do N5M, já Andreas Broeckmann (1995) colocava como hipótese a existência de uma afiliação inerente entre os media tácticos com certas disposições militares e tradições de pirataria, questionando em seguida a aplicabilidade da metáfora militar para descrever o trabalho dos artistas e activistas mediáticos. “Não será que a metáfora coloca em risco esforços para abordagens mais pacíficas, ponderadas e também mais compassivas nos media independentes que são frequentemente dirigidas precisamente contra as práticas repressivas e violentas dos conglomerados da comunicação social e dos Poderes em vigor?”, perguntava. O nomadismo militante e de guerrilha dos media tácticos é relacionado por Garcia e Lovink com as culturas migrantes, na medida em que ambos se distinguem pela sua constante mobilidade. O praticante táctico está sempre a cruzar fronteiras pré-estabelecidas entre disciplinas, mediums e espaços. Daí resulta “a produção contínua de uma série de mutantes e híbridos”. Ao nomadismo junta-se um hibridismo provisório, um permanente work-in-progress experimentalista, fazendo uso das ferramentas que estão mais à mão. Os defensores deste tipo de radicalidade estética “baseiam-se num princípio de resposta flexível, de trabalho com diferentes coligações, sendo capazes de se moverem entre as diferentes entidades no vasto panorama mediático sem traírem as suas motivações originais” (Garcia e Lovink, 1997). Na base do movimento está uma estética da fuga, de camuflagem e da apropriação inspirada no texto do pensador anarquista Hakim Bey sobre “Zonas Autónomas Temporárias” (2001 [1991]), pois, segundo Garcia e Lovink, “os media tácticos nunca são perfeitos, estão sempre em transformação, são performativos e pragmáticos, envolvidos num processo contínuo de questionamento das premissas dos canais com que trabalham”. À beira do final do milénio e nas vésperas da terceira edição do N5M, Garcia e Lovink actualizaram o seu manifesto com “The DEF of Tactical Media” (1999), tendo em conta as consequências nefastas do capitalismo global e o desvanescimento do clima utópico dos activistas mediáticos em relação ao potencial emancipatório dos novos média, em especial, a Internet, que nesta altura começava já a ser dominada por interesses comerciais. Von Clausewitz. 28
  • 29. Apesar do crescimento extraordinário da globalização dos fluxos de capital, segundo os teóricos holandeses, os grupos de media tácticos não deixaram de se opor a esta situação com campanhas também cada vez mais globalizadas. Escrito antes de Seattle, Génova, Davos e Gotemburgo e de todas as grandes manifestações contra o capitalismo global, este texto contém em si uma certa dose de premonição, dado que refere já a possibilidade da constituição de um movimento a partir destas “estratégias”. Nos dois anos seguintes, os órgãos comerciais de comunicação social irão encher-se cada vez mais de referências ao movimento por uma globalização alternativa – ainda que muitas sejam de teor negativo. Contudo, os autores não deixam de realçar as diferenças existentes entre os vários praticantes tácticos. Utilizando a primeira pessoa do plural, escrevem: “Não possuímos nenhuma identidade predominante em torno da qual nos organizemos. Não criamos modelos positivos para que qualquer um se identifique com eles (...). As nossas alianças são ainda relativamente froxas, com uma tendência para se fragmentarem num número infinito de gangues e subculturas.” Esta desorganização e fragmentação entre múltiplos organismos é, aliás, um dos problemas que afecta a legitimidade dos activistas a favor de uma globalização alternativa face ao poder político, às instituições transnacionais de políticas económicas e à opinião pública. Entre grupos desordeiros e violentos de um lado e colectivos de acção directa pacífica do outro, o movimento parece ainda não ter encontrado uma voz comum que represente todos os seus elementos. Confrontados com a necessidade de saírem do próprio gueto que construíram para si, os praticantes tácticos são levados, afirmam Garcia e Lovink, a procurarem novas coligações, tentando, em simultâneo, evitar as armadilhas e os limites da política institucionalizada. Trata-se assim de uma questão de construção de “zonas temporárias de consensos”, espelhando um equílibrio entre a formação de alianças com pessoas que em condições normais, provavelmente nunca se iriam conhecer e a possibilidade de, quando chegar a altura certa, dissolver essas coligações, tendo como princípio base a mobilidade e a velocidade de forma a evitar a estagnação. Criticando os activistas da “velha guarda” que consideram que o espaço da representação e do simbólico construído por e através dos media não passa de um espectáculo cheio de símbolos vazios25, os dois autores argumentam que muitas das lutas de rua passaram a desenrolar-se não no espaço público, mas em ambientes virtuais e simulações, isto “numa altura em que se pode assistir a um tão 25 “Hoje em dia, os media são acusados de fragmentarem em vez de unificarem e mobilizarem. Paradoxalmente, isto deve-se ao seu poder discursivo de pormenorizar as diferenças e de questionar, em vez de apenas emitir, propaganda.” (Garcia e Lovink, 1999) 29
  • 30. grande crescimento no número de canais de media, onde existe uma expansão enorme dos vários ciberespaços”. Por isso defendem que a velha oposição entre simulação e acção real26 deixou de fazer sentido. Outra das vítimas deste segundo manifesto táctico é a ideologia da hibridização. Apesar do hibridismo, enquanto forma de ligação entre o velho e o novo, a rua e o virtual, ser uma das principais características dos media tácticos, os teóricos holandeses referem que este método não deve ser encarado como algo de bom em sim mesmo, porque isso significa o fim do sentido crítico e do negativismo e a adopção da visão neo-liberal onde tudo pode ligar “promiscuamente” com tudo. Num sentido táctico, o hibridismo não passa de um realismo sujo, uma questão de sobrevivência e nunca de escolha. Nesse mesmo ano de 99, em Novembro, a manifestação de Seattle para contestar a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) nessa cidade marcou o início de uma nova época em que os media tácticos passaram a ser associados ao activismo mediático do movimento para uma globalização alternativa que organiza demonstrações um pouco por todo o mundo27 contra as grandes instituições supranacionais que controlam a política económica do globo de acordo com princípios neo-liberais, quer seja a OMC, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial ou a União Europeia. Os primeiros meses do século XXI representaram assim um período de crescimento exponencial deste movimento, apesar da existência de várias vozes dissonantes entre si e da crise económica acentuada. É sob este pano de fundo que pode ser lido o último texto do trio de manifestos sobre media tácticos escritos em co-autoria entre David Garcia e Geert Lovink, publicado em Julho de 2001, mais uma vez na Nettime. “The GHI of Tactical Media” resulta de uma entrevista realizada por Andreas Broeckmann, durante o festival de arte de novos media Transmediale 01, que se realizou em Berlim nesse mês. Broeckmann foi o curador desse evento. Respondendo à questão de se considera que “faz sentido falar dos media tácticos como uma atitude e prática geral que permeia media diferentes ou se se trata de um termo sucinto para designar todo um 26 Num ensaio baseado nos vários manifestos sobre media tácticos escritos por si e em co-autoria editado no seu livro Dark Fiber (2002: 265), Lovink complementa este texto referindo que as ideias de Jean Baudrillard relativas à simulação foram úteis nos anos quando o sector dos media explodiu. Contudo, à medida que se aproximava o fim do milénio, tudo parecia simulado, tendo as ideias do pensador francês começado a parecer conservadoras e fora de contacto com a actual realidade da Internet. Ver Jean Baudrillard (1981), Simulacros e Simulações. Lisboa, Relógio D’Água. Abordaremos mais uma vez as ideias deste pensador no capítulo 7.3. 27 Praga, Génova, Gotemburgo, Davos, Montreal foram alguns dos cenários que, a seguir a Seattle, foram palco de manifestações contra grandes instituições supranacionais. 30
  • 31. conjunto de práticas mediáticas diferentes, cada uma com a sua própria cultura e política”, Lovink afirma que se trata de “uma forma de arte que conjuga o activismo com uma atitude positiva em relação à tecnologia digital actual”, embora não considere que o movimento tenda para a utilização de certos meios ou plataformas. Na mesma linha, Garcia considera que, em vez do emprego de qualquer medium em particular, o que caracteriza o praticante táctico é a qualidade de criar linguagens efectivas de utililizador, quer sejam virtuais ou de outro modo. Os media tácticos são, assim, para os dois autores, mais uma questão de atitude do que uma definição técnica. Nesta perspectiva, os praticantes tácticos não devem deixar enredar-se por um tecno-narcisismo em favor das novas tecnologias digitais e, sobretudo, da Internet. Isto na medida em que, afirma Lovink num tom cauteloso, não se obtém liberdade mediática de graça nem, sobretudo, se pode comprar liberdade tecnológica. Criticando os defensores acérrimos do software de código aberto como o sistema operativo Linux, o teórico holandês refere que não existe software inerentemente bom. Do mesmo modo, “a Internet está para além do bem e do mal, limitando-se a reflectir a natureza humana com todas as suas falhas”, “correndo o perigo de se tornar num medium profissional, nas mãos de outros”. Até porque, faz questão de notar, “o activismo táctico que actua na rede está muito mais próximo das empresas ponto com do que muitos pensam”. Em consequência, o início da depressão da Internet a partir do final de 2000 levou os activistas mediáticos a trocarem as esperanças utópicas iniciais por uma série de críticas realistas da globalização e da chamada nova economia, responsabilizando-as pela crise. Muitos viram desaparecer o financiamento das suas actividades, na sua grande parte até então assegurado no sector comercial. Mas, de acordo com o autor, a um nível micro continuam a existir muitas coisas interessantes por fazer com a Net. Doutro ponto de vista, Lovink considera positivo, em termos das tarefas sociais e políticas efectuadas na Rede, o desaparecimento da mentalidade de ladrão ciberegoísta das empresas ponto com, embora saliente que não devemos ignorar o reverso desta história: “Com o liberalismo perdendo a sua hegemonia, existe sempre o perigo de deitar fora o bébé junto com a água do banho e de perder a ciberliberdade para as grandes companhias e o Estado. Isso nunca deveria acontecer. Também compete aos activistas lutar contra a censura, fazer pressão contra a quantidade enorme de legislação desastrosa.” A inclusão de determinadas práticas artísticas na gaveta dos media tácticos é também contestada por 31
  • 32. Lovink neste texto. Na sua opinião, este termo resulta de uma tentativa de “ultrapassar a dicotomia entre a arte elitista e o activismo das ruas que marcou os anos 80 com os seus combates dogmáticos e novos movimentos sociais institucionalizados” como o Greenpeace e a Amnistia Internacional. O autor considera que a ideia dos media tácticos veio a resultar nas manifestações de Seatlle e no fenómeno Indymedia.. Ao mesmo tempo que dá conta do renascimento extraordinário do activismo mediático a nível mundial, Lovink não acredita, porém, que o Net-activismo ou os media tácticos possam preencher o buraco existente entre questões abstractas como a dívida do terceiro mundo, os acordos de comércio global, as políticas financeiras e a miséria diária, com as suas lutas concretas e locais. “A única coisa que podemos fazer é trocar e partilhar conceitos”, diz, dando como exemplo o rápido crescimento dos grupos anti-fronteiras que apoiam os imigrantes ilegais, “uma luta onde a imaginação táctica desempenha um papel importante”. Questionados por Broeckmann sobre a existência de uma possível tensão entre a necessidade dos praticantes tácticos de obter apoio junto das instituições de modo a desenvolverem práticas e infra- estruturas a longo prazo e a atitude “toca-e-foge” implícita nos media tácticos que é incompatível com a natureza desse tipo de entidades, Lovink afirma que essa questão ainda não se coloca pois “a institucionalização é um problema que surge com o tempo, talvez apenas cinco ou dez anos depois do movimento original se ter fragmentado. Confessa até que “gostaria muito de ver surgir mais iniciativas privadas do tipo ‘toca-e-foge’ no sector activista e da arte dos novos média”. Contudo, considera que os indivíduos criativos não conseguem lidar com o tipo de burocracia que envolve as instituições actuais. Neste aspecto, as empresas ponto com podem constituir para este autor uma boa lição, na medida em que as artes e a cultura continuam a depender muito dos recursos governamentais. Por seu lado, Garcia também não vê essa tensão, embora por razões diferentes, dado que, ao contrário do que a questão dá a entender, os media tácticos não estão sempre, por definição, fora do poder institucional. Para si, o poder existe onde se faz exercer e esse local poderá ou não situar-se dentro das instituições. “O táctico ultrapassa a dicotomia entre o comercial e de massas e o marginal. São os conceitos em que os media tácticos são produzidos que influenciam as tácticas implementadas, e estes conceitos (e tácticas) são múltiplos.” Escrito já depois do 11 de Setembro de 2001, o ensaio de Geert Lovink inserido no Virtual Casebook da Universidade de Nova Iorque sobre os eventos (Lovink, 2002a) constitui um balanço sobre o 32
  • 33. impacto que os atentados nos Estados Unidos tiveram sob a condição dos media tácticos e do mediactivismo em geral, concluindo que a guerra contra as opiniões divergentes que se seguiu a essa data teve um efeito mínimo no movimento, “As tentativas de Bin Laden e Bush Jr. em 2001 para sequestrar todos os media debaixo do símbolo único do Terror (e a guerra contra ele) duraram efectivamente apenas algumas semanas” (idem). Em consequência dos atentados, os media tácticos desenvolveram-se bastante, afirma. Empregando uma citação de Drazen Pantic, antigo operador de Internet da estação independente de rádio B92, de Belgrado, e actual investigador da Universidade de Nova Iorque, que remete para as origens militaristas do termo em questão, Lovink refere que “os grupos de media tácticos estão muito mais adaptados ao conflito, ao passo que costumam enfraquecer em tempos menos conturbados”. A grande mudança ocorreu, sobretudo, na entrada em vigor nos países ocidentais de um conjunto de leis destinadas a “restringir as liberdades civis, a liberdade de expressão e a privacidade, ou o que resta dela” (idem). A posição de Lovink em relação ao impacto do 11 de Setembro no movimento revela-se assim relativamente optimista. No entanto, como veremos no capítulo 7.4, outros teóricos e activistas divergem da sua opinião. Ainda segundo Lovink, encontramo-nos paradoxalmente entre um cada vez maior controlo dos media e uma estrutura de diálogo e informação independente em ascenção. Se por um lado, o cenário de medo pós-11 de Setembro fez com que se deixasse de encarar a Internet como um refúgio da liberdade, por outro, a queda das empresas ponto com criou um espaço para o surgimento de novas abordagens não-comerciais. Ao mesmo tempo que reconhecem a importância económica do novo medium, os governos deixaram de recear que a Internet contribua para o aumento da liberdade de expressão. A filtragem de conteúdos online deixou de ser empregue apenas por regimes autoritários, como o da China, para se tornar numa característica comum nas intranets das empresas e universidades, Para além disso, os motores de pesquisa na Web, como o Google, apresentam um funcionamento nada transparente (idem). Em paralelo, a utilização crescente do software livre e dos conceitos open-source, as redes Peer-to- Peer (P2P) de partilha de ficheiros na Rede, o surgimento dos Weblogs que facilitam a publicação de conteúdos online, as mensagens SMS dos telemóveis e os programas de edição de áudio e vídeo para computadores pessoais são, para Lovink, sinais de uma democratização do sector dos media que, apesar do crescente controlo empresarial e regulação governamental, está a ocorrer em todo o mundo (idem). Para Lovink, em vez de representarem a queda num reducionismo simplista, os media tácticos rejeitam análises rígidas introduzindo vozes pessoais e novas que não se enquadram nos esquemas 33
  • 34. políticos do passado. O autor aconselha os praticantes tácticos a, em vez de continuarem a queixar-se da censura exercida pelos media comerciais dominantes, utilizá-los como “portais” que conduzem a outras fontes de notícias e opiniões. Distinguindo-os dos media alternativos, considera que, neste sentido, os media tácticos são pós-oposicionistas. A razão está no facto de serem mais impelidos pela sua própria energia e desejo de mediar do que pelo desmascarar dos órgãos de comunicação social controlados pelo Estado ou pelas empresas privadas. 34
  • 35. 1.4 - Distinção entre Media Alternativos e Media Tácticos Todos os impulsos tímidos no sentido de democratizar o conteúdo, subvertê-lo, restaurar a ‘transparência do código’, controlar o processo de informação, forjar uma reversibilidade dos circuitos ou tomar o poder sobre os media são inúteis – salvo se o monopólio do discurso for quebrado. - Jean Baudrillard, “Réquiem pelos media” em Crítica da Economia Política do Signo. Como já vimos anteriormente, as definições de media alternativos variam bastante. A definição mais abrangente e aprofundada do conceito é da autoria de Chris Atton, sob a forma de um modelo que tem em conta vários elementos (2002: 27): 1. Conteúdo (politicamente radical, social/culturalmente radical); valores-notícia 2. Forma – gráficos, linguagem visual; diferentes tipos de apresentação; estética 3. Inovações/adaptações reprográficas – utilização de mimeógrafos28, composição tipográfica IBM, litografia em offset, fotocopiadoras 4. ‘Utilização Distributiva’ – distribuição através de circuitos alternativos, redes clandestinas/invísiveis de distribuição, rejeição dos direitos de autor 5. Relações sociais, papéis e responsabilidades alteradas – leitores-redactores, organização colectiva, desprofissionalização do jornalismo, da impressão e da edição 6. Processos de comunicação alterados – ligações horizontais, redes. Segundo Atton, os pontos 1 a 3 referem-se a produtos ao passo que os pontos 4 a 6 indicam processos. Como explica o autor, de acordo com este modelo, “as relações sociais tendem a ser transformadas através de processos radicais de comunicação, ao mesmo tempo que os próprios media (os veículos) tendem também a se transformar”. Efectuando uma análise crítica a este modelo ou definição de media alternativos, podemos afirmar que, ao tentar conceber uma abordagem que engloba uma dimensão histórica ampla e, ao mesmo tempo, o mais pormenorizada possível, Atton acaba por se centrar no plano da imprensa e, sobretudo, das fanzines de pequena circulação produzidas por amadores. As iniciativas baseadas na rádio, na televisão, no vídeo e na própria Internet são deixadas um pouco de lado no ponto três e quatro. Se bem que se possa adaptar este modelo a outros media, seria talvez mais apropriado que o quadro fosse mais aberto e menos detalhado. Adoptando uma perspectiva mais aberta e menos rígida, John Downing propõe o termo media radicais ou media alternativos radicais, salientando que o termo refere-se a “media polticamente 28 Equipamento que realiza cópias em matriz perfurada – stencil. 35
  • 36. dissidentes que apresentam alternativas radicais ao debate mainstream” (1995). Segundo Downing, algumas das principais características deste tipo de órgãos de comunicação social consistem no facto da sua posse e gestão serem independentes; de exprimirem pontos de vistas que são, de alguma forma, dissonantes das perspectivas dos media dominantes; e de incentivarem o estabelecimento de relações horizontais com as suas audiências, ao contrário dos fluxos verticais, de cima para baixo, dos media impressos e de difusão (broadcast). Tal como refere Graham Meikle, estas características dos media alternativos devem ser entendidas como tendências e não como formas de classificar – isto é, não se trata de dispositivos classificadores mas de potenciais abordagens disponíveis para analisar qualquer órgão de comunicação social (2002: 60). Dowing chega a remontar as origens dos media alternativos e das publicações dissidentes aos panfletários revolucionários por altura da Guerra da Independência dos Estados Unidos, passando pelos escritores abolicionistas negros, a imprensa feminina do século XIX, a imprensa operária do final do século XIX e início do século XX, os documentários radicais da época da Depressão pós- 1929, chegando aos movimentos em defesa dos direitos civis dos anos 60 e à estação televisiva por satélite Deep Dish. Em relação à diferença entre alternativo e radical, Downing afirma que “falar apenas de media alternativos é quase um oxímoro29. Tudo é, numa determinada altura, alternativo a alguma outra coisa” (2001: IX). Na opinião de Meikle (2002: 196n1), “‘alternativo’ permanece o melhor de um conjunto insatisfatório de termos: ‘radical’, por exemplo, conota-se para muitas pessoas com questões e movimentos na sua maior parte de Esquerda, ao passo que o termo ‘alternativo’ deixa espaço para analisar grupos com um programa ideológico mais de Direita. De uma forma semelhante, o adjectivo ‘independente’ é frequentemente conotado com independência económica, enviesando a nossa leitura em direcção a questões relativas apenas à economia política”. São vários os teóricos e activistas tácticos que fazem questão em distinguir os media alternativos tradicionais e os media tácticos. Graham Meikle refere que os dois tipos de produção mediática diferem em aspectos importantes: “Os praticantes tácticos não tentam afirmar-se a si próprios como uma alternativa – eles não tentam criar uma estação de rádio ou um jornal ‘melhor’ ou estabelecer-se como, por exemplo, uma ‘CNN chinesa’ (2002: 119). Em vez disso, os media tácticos tem como essência a mobilidade e a flexibilidade, referindo-se a diferentes respostas a contextos sempre em mudança.” Este autor, contudo, assinala algumas semelhanças entre os dois diferentes modelos de media: “os ‘media tácticos, tal como os ‘media alternativos’, são melhor encarados como um conjunto de opções em vez de uma abordagem monolítica (...) A utilização de media tácticos pode 29 Junção ou combinação de palavras com sentido contraditório. 36
  • 37. complementar abordagens típicas dos media alternativos – muitos sites da rede Independent Media Center, por exemplo, são construídos sob a forma de projectos estratégicos a longo prazo; outros surgem como sites tácticos de curta duração, relativos a eventos específicos.” (2002: 121) No mesmo sentido, David Garcia e Geert Lovink escrevem no manifesto fundador “The ABC of Tactical Media” que “apesar dos media tácticos incluirem os media alternativos, aqueles não se encontram restringidos a esta categoria”. Referem ainda que introduziram o termo táctico de forma a afastarem-se das “dicotomias rígidas que têm restringido durante tanto tempo o pensamento nesta àrea, dicotomias como amador Vs profissional, alternativo Vs massificado. Até mesmo privado Vs público”. Tal como refere Garcia noutro ensaio posterior, parecia que estas velhas terminologias dialécticas “tinham deixado de descrever a situação por que estávamos a passar” (1998). No seu livro Dark Fiber (2002), Lovink afirma que os media tácticos herdaram o legado dos media alternativos sem a etiqueta de contra-cultura e a certeza ideológica de décadas anteriores. “Nascidos do desgosto face à ideologia” (Garcia e Lovink, 2001), os media tácticos recusam o conflito e as estratégias de luta pelo poder a que muitas das experiências mediáticas alternativas estavam associadas. As lógicas dos dois tipos de produção mediática parecem ser na prática bastante diferentes, de acordo com Joanne Richardson (2002): “As iniciativas grassroots (de base) que se centram na construção de uma comunidade ligada a valores diferentes dos dominantes ocupam de facto um espaço ideológico que é representado como sendo diferente: elas não se infiltram no mainstream de forma a pirateá-lo ou subvertê-lo, como os RTMark poderão infiltrar a imagem mediática da OMC (Organização Mundial do Comércio)”. Contudo, a autora salienta que uma das características comuns a ambos os modelos de media é o facto de se auto-definirem através de um acto de oposição face a um adversário, do qual a sua existência depende. Em “Notes on Sovereign Media”, Lovink e Richardson (2001) fazem a distinção entre media tácticos, media alternativos, media independentes e uma quarta categoria teórica a que chamam de media soberanos. Introduzido pelo colectivo teórico germano-holandês BILWET ou ADILKNO (Fundação para o Avanço do Conhecimento Ilegal), do qual Lovink foi um dos elementos, o conceito de media soberanos remete para práticas artísticas que existem por si próprias, desinteressadamente, sem objectivo ou motivação. Apesar de produzirem sinais com uma origem, um receptor ou autor, não possuem um receptor designado. Em vez de comunicarem informação, comunicam-se a si próprios. Eles cortaram todos os laços imaginários com a verdade, a realidade e a representação. Como referem Lovink e Richardson, “os media soberanos deixaram de se concentrar nos desejos de um grupo-alvo específico, tal como os media tácticos e alternativos ainda o fazem. Emanciparam-se de qualquer 37