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Língua Portuguesa


                                        Texto poético




O astronauta

O espaço não tem segredos para ele,
atravessa a via láctea
enquanto eu atravesso a rua
e conhece cada nuvem, cada estrela,
cada metro de infinito.
só não sabe onde fica o céu…

Lá em cima, onde nascem os relâmpagos,
ele abre sucessivas portas no ar
mas o céu não está atrás de nenhuma delas.

Desiludido, regressa à Terra
com pequenos meteoros na algibeira
e restos de cometas nos cabelos.
Está a contar as mais incríveis histórias,
mas fica calado quando lhe dizem “o céu…”

Um dia, porém, ele irá lá,
sem o belo fato de amianto
e sem o fumegante foguetão.
Ficará tão leve que os seus pés                              O Astrólogo
mal tocam a terra
como quando foi, em menino,                                  Enquanto os namorados
vestido de anjo na procissão.                                fazem desenhos coloridos do futuro
                                                             à luz dos candeeiros
                                                             e os bêbados começam a esquecer
                                                             a tristeza pelos bares,
                                                             ele estende a mão para tocar
                                                             os astros e as estrelas solitárias.

                                                             Nada sabe da sombra, da penumbra
                                                             ou das terríveis escuridões,
                                                             porque os seus olhos só vêem
                                                             as brilhantes, longínquas constelações.



                                                             Quando o Sol nasce ele adormece
                                                             e cai num leve sono diurno,
                                                             sonha que no seu aniversário
                                                             lhe vão oferecer o anel de Saturno.




                                                   in Álvaro Magalhães, O reino perdido, Edições Asa, 1986
O universo

Uns dizem que é aberto
Outros que é fechado
Outros
ainda que é plano

Cada um consoante o seu desejo

Para mim o universo
Tem a forma de um beijo




Vaivém                           Pó de estrelas

Do cabo Canaveral
vai partir mais um vaivém        Somos feitos
Quem me dera quem me dera        da mesma matéria
                                 que as estrelas
que me levasse também
                                 e os amores-perfeitos

Eu queria olhar a Terra          Somos feitos
pequenina lá do espaço           de pó de estrelas
Passar uma tangente a Marte
dar a Io um abraço

Escrever o meu nome em Urano
fazer figas a Tritão
esperar que Caronte
me viesse comer à mão            Mizaar


E depois ao regressar            Há dentro de ti uma estrela
– e no maior segredo             Porque não a deixas brilhar?
queria trazer de saturno         Não receies cegar os outros
um anel para o teu dedo          Nem que estes te possam cegar

                                 Há dentro de ti uma estrela
                                 Mesmo que a luz seja fria
                                 Brilha tanto como as outras
                                 E brilha de noite e de dia




                                 In Jorge Sousa Braga, Pó de Estrelas, Assírio &
                                 Alvim, 2004; com ilustrações de Cristina Valadas

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  • 1. Língua Portuguesa Texto poético O astronauta O espaço não tem segredos para ele, atravessa a via láctea enquanto eu atravesso a rua e conhece cada nuvem, cada estrela, cada metro de infinito. só não sabe onde fica o céu… Lá em cima, onde nascem os relâmpagos, ele abre sucessivas portas no ar mas o céu não está atrás de nenhuma delas. Desiludido, regressa à Terra com pequenos meteoros na algibeira e restos de cometas nos cabelos. Está a contar as mais incríveis histórias, mas fica calado quando lhe dizem “o céu…” Um dia, porém, ele irá lá, sem o belo fato de amianto e sem o fumegante foguetão. Ficará tão leve que os seus pés O Astrólogo mal tocam a terra como quando foi, em menino, Enquanto os namorados vestido de anjo na procissão. fazem desenhos coloridos do futuro à luz dos candeeiros e os bêbados começam a esquecer a tristeza pelos bares, ele estende a mão para tocar os astros e as estrelas solitárias. Nada sabe da sombra, da penumbra ou das terríveis escuridões, porque os seus olhos só vêem as brilhantes, longínquas constelações. Quando o Sol nasce ele adormece e cai num leve sono diurno, sonha que no seu aniversário lhe vão oferecer o anel de Saturno. in Álvaro Magalhães, O reino perdido, Edições Asa, 1986
  • 2. O universo Uns dizem que é aberto Outros que é fechado Outros ainda que é plano Cada um consoante o seu desejo Para mim o universo Tem a forma de um beijo Vaivém Pó de estrelas Do cabo Canaveral vai partir mais um vaivém Somos feitos Quem me dera quem me dera da mesma matéria que as estrelas que me levasse também e os amores-perfeitos Eu queria olhar a Terra Somos feitos pequenina lá do espaço de pó de estrelas Passar uma tangente a Marte dar a Io um abraço Escrever o meu nome em Urano fazer figas a Tritão esperar que Caronte me viesse comer à mão Mizaar E depois ao regressar Há dentro de ti uma estrela – e no maior segredo Porque não a deixas brilhar? queria trazer de saturno Não receies cegar os outros um anel para o teu dedo Nem que estes te possam cegar Há dentro de ti uma estrela Mesmo que a luz seja fria Brilha tanto como as outras E brilha de noite e de dia In Jorge Sousa Braga, Pó de Estrelas, Assírio & Alvim, 2004; com ilustrações de Cristina Valadas