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Baixar para ler offline
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Guardiola, o ladrão de ideias
Criatividade e inovação no futebol
© 2018 Gérman Castaños & Liceu dos Treinadores de Futebol
Todos os direitos reservados
i
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Dedicatória
Ao meu pai que, tendo eu só cinco anos, cada domingo me levava pela mão
ao campo para ver o nosso querido Villa del Parque. A primeira parte na tribu-
na, a segunda parte nas redes atrás da baliza. Por partilhar a paixão desde o
coração, por ensinar-me o idealismo desde o exemplo. Obrigado meu velho!
Sente-se a tua falta.
À minha mãe, que me ensinou a não ser um conformista e a superar-me cada
vez que possa.
À Mónica e Felicitas, as minhas duas pernas, as minhas duas mãos, os meus
dois pulmões, os meus dois cérebros… os meus dois corações. Ainda que às
vezes pareça o contrário, não se deixem guiar pelas aparências: elas são o
meu suporte.
A Andrés Mego que confiou em minhas palavras e sentimentos. Em minhas le-
tras e intuição. Em minhas frases e ideias. Em todos meus eu.
A Silvana Freddi que soube ter a paciência infinita de atender cada sugestão,
cada reclamação, cada ideia e que fez de Guardiola… um livro de leitura mais
simples e amigável que a minha obscura proposta inicial. Já não serei o mes-
mo escritor que fui, depois da sua sabedoria.
Aos meus colegas em geral e a Horacio Tellechea e David Bossio em particu-
lar, com os quais chegamos a entender-nos sem falar, sabendo sempre que o
verdadeiro valor agregado era criar as nossas próprias atividades sobre a
base da criatividade, sem replicar atividades criadas por outros. Com eles, a
criatividade florescia com naturalidade e sem fórceps. A Eduardo Gallazzi,
com quem compartilho ideais de vida.
Ao tio Norberto que me apoiou incondicionalmente. Qualquer um apoia com
evidências, a questão é apoiar quando não as há. Norberto foi um deles.
ii
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Aos meus companheiros do Submarino Amarelo: Chapa, Chete, Tenazas,
Avispa, Fredi, Fabi, Coco, Vaca, Juano, Tincho, Toto, Chipi, Mirco, Chone, Ser-
gio, Ruso, Gabi, Marce, Caye, Rober, Colo, Novillo, Leo, Dari e Diego. Graças
a eles, todavia ainda nos meus 46 anos, continuo sentindo cócegas na barriga
a cada fim de semana quando vamos defender as cores do Submarino Amare-
lo no torneio de veteranos que se joga em “o de Pulsen” (para além dos assa-
dos, bilhar e pingue-pongue.
A Yuri Quaglia, a primeira oportunidade como professor. A Carlos Rens e Abel
Sarratea, que me deram a primeira oportunidade no mundo do futebol. A Lidia
María Riba e Cristina Alemany, as minhas primeiras madrinhas no caminho de
ser escritor. Aos dois Marcelos (Roffé e Berenstein), os meus primeiros padri-
nhos no caminho de ser speaker.
A todos os meus jogadores de todas as épocas, de futebol e de andebol, que
souberam tolerar os meus padrões de expetativas muito altas e as minhas exi-
gências muito intensas e volumosas.
Ao professor Santella, a estrela que me guiou em meus inícios. Simples, gene-
roso, apaixonado. Ao professor Signorini, de uma humildade e idealismo que
contagia.
A todos que me ignoraram (são muitos) ou acreditaram que estava louco (são
uns quantos), indispensável obstáculo para redobrar a perseverança e a pro-
cura de novas oportunidades em novos espaços e renovadas pessoas.
A todos que acreditaram em mim (são muitos), apoio indispensável para se-
guir para a frente: María Angélica, Gaspar, Guada, Carmen, Raúl, avó Esther,
abuelo Darío, Mario, Lautaro, Marcos Bertone, Jorge Manso, Mario Raúl, Abel
Lagheza, Laura Caruso, Silvana do Hotel Panamericano, Claudia de Engrau-
lis, Fernando Hipólito, Eduardo Pérez Moretti, Marcelo Cardoso, José Pilar,
Claudio Oliver, Mariela Faienza, Luis Lanza, Raúl Mauco, Mecha Lubrano, Cla-
risa Herrera, Dora Foss... todos eles acreditaram de uma ou outra forma. A to-
dos os que esqueci de mencionar mas sabem que também merecem estar
numa dedicatória. Lhes peço perdão e espero que me perdoem.
iii
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À cidade de Necochea e aos seus necochenses: rio, parque, praia… O meu
lugar no mundo é um paraíso.
iv
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Índice
Prólogo...............................................................................................vi
1. Generalidades.......................................................................................10
2. Inovação Tecnológica...........................................................................61
3. Tática......................................................................................................82
4. Motivação e liderança de equipas.....................................................100
5. Marketing.............................................................................................134
6. O treino................................................................................................147
7. O jogador.............................................................................................172
8. Futebol infantil e juvenil.....................................................................190
9. O treinador...........................................................................................202
10. Técnicas de criatividade e ecossistemas de inovação.................237
11. A técnica............................................................................................249
12. Regulamento e arbitragem...............................................................255
13. O apito final.......................................................................................262
Bibliografia.......................................................................................267
Agradecimentos...............................................................................270
Germán Castaños...........................................................................278
v
fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
Prólogo
Não concebo preparar e jogar uma partida sem a ideia de poder ganhá-la. Pre-
parar o jogador desde o mental, intelectual e conceptual para que seja prota-
gonista.
Como treinador, necessito encontrar e saber pressionar a “tecla” exata
para que essa ordem tática sem a bola se transforme numa “desordem organi-
zada” com a bola e o jogador tenha liberdade, capacidade de tomar decisões
e improvisação, assuma riscos, invente e seja criativo para desenvolver assim
todo o seu potencial. Se o sistema tático te tira criatividade, não serve.
Se encontro essa “tecla”, o jogador assumirá melhores tomadas de decisão
e renderá, como mínimo, cerca de 20% mais.
O líder deve brindar ferramentas para que o futebolista decida espontanea-
mente e, neste ponto, o presente livro brinda tanto a treinadores como a fute-
bolistas caminhos para explorar a sua criatividade ao máximo.
Ricardo Zielinski
Treinador de Futebol. Treinou o Racing Club, Belgrano de Córdoba, Chacarita Juniors e Defensa
y Justicia, entre outras equipas.
vi
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Germán recorda-nos, com grande mestria, que o futebol é volúvel: mudan-
ça permanente e mutação constante. Como a própria vida. Mas com uma lupa
gigante. Volátil, incerto, inseguro e complexo. Mais do que nunca uma virtude
que deve ter todo o líder no futebol, para além de firmeza e saber escutar, é
ser criativo e inovador. Este livro, sem dúvida, vale por isso. Brinda ferramen-
tas que, no curto prazo, os treinadores e os futebolistas terão que utilizar para
solucionar problemas, ser sujeitos pensantes e desenvolver o seu máximo po-
tencial.
Marcelo Roffé
Psicólogo desportivo.Trabalhou nas Seleções da Argentina e da Colômbia com José Pekerman
como treinador.
Suponho que não se necessita percorrer o mundo para se dar conta de
que, como nos legou Hamlet Lima Quintana, “há gente que é assim, muito ne-
cessária”. Parafraseando o magnífico poeta, chego à conclusão que não ne-
cessitámos extenuar-nos em vasculhar demasiadas bibliotecas para assumir
que “há livros que são assim, muito necessários”. Esta quase óbvia reflexão
ocorreu-me ao percorrer com entusiasta fruição as páginas desta inovadora e
muito feliz ocorrência de Germán onde nos mostra, com meridiana claridade,
um novo caminho para alcançar o êxito no futebol baseado em inevitáveis prin-
cípios éticos.
Fernando Signorini
Preparador Físico de Diego Armando Maradona nos Mundiais 86 ́, 90 ́y 94 ́; Preparador Físico da
Seleção Argentina no Mundial 2010.
vii
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A criatividade e a inovação são motores indispensáveis no futebol para se
conseguir transcender mais além do que o possível êxito desportivo. Esses
dois termos também são necessários para definir esta magnífica obra, capaz
de reunir uma longa série de conceitos e exemplos, com a sua consequente
análise e desenvolvimento, que a fazem tão cativante como imperdível.
Vicente Muglia
Jornalista Diario Olé. Autor do livro Che Pep, a conexão argentina.
Apaixonante livro. Recomendado para todos aqueles que gostam das histó-
rias relacionadas com o futebol e também para aqueles que gostam de ir um
pouco mais além. Neste mundo onde a inovação e a criatividade estão atra-
vessadas pela tecnologia, o futebol não escapa a tal regra.
Gabriel Gómez Stradi
Analista de vídeo no Club Atlético River Plate.
viii
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ix
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C A P Í T U L O 1
Generalidades
O treinador inglês Howard Wilkinson tinha razão: “Há dois tipos de treinado-
res: os que acabam de ser despedidos e os que estão prestes a sê-lo”. Tam-
bém Nils Liedholm, que foi treinador da Roma de Itália: “O trabalho de treina-
dor é o melhor do mundo. Pena que existam os jogos!”.
Lição 1
Numa sociedade com muitos atores frustrados, o futebol é o âmbito onde não
se perdoa a frustração, precisamente por ser o lugar no qual a sociedade está
disposta a sublimá-la. No futebol podemos transformar a nossa fracassada re-
alidade numa “fantasia de êxito”, isto é, mudar a nossa imagem quotidiana de
frustração por 90 minutos de ilusão.
Cada vez mais o treinador, e também os jogadores e os dirigentes em me-
nor medida, são a desculpa perfeita, o verdadeiro “bode expiatório”. Na antigui-
dade em Israel, sacrificavam um bode em rituais religiosos para purificar as su-
as culpas. Estamos a entrar numa era na qual nem sequer os bons resultados
garantem a continuidade do treinador ao comando da equipa. Nos últimos
anos, por exemplo, a Jupp Heynckes não lhe renovaram o contrato no
Bayern de Munique, apesar de ter conseguido a Liga dos Campeões, a Bun-
desliga e a Taça da Alemanha.
10
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Lição 2
A imprensa, assim como os adeptos, exigem satisfação imediata e sustentada
no tempo. Somado ao facto de que certos dirigentes carecerem de uma lide-
rança para sustentar aquilo em que dizem crer (projetos de longo prazo, etc.)
mas não estão dispostos, no mais mínimo, a pagar os custos políticos porque
renovam o seu poder nas eleições seguintes.
Encurtaram-se todos os tempos. Tudo tem tendência ao efémero. Tudo é,
em termos de Zygmunt Bauman, “sociedade líquida”. Mudança permanente.
Mutação constante. O líquido é maleável, dinâmico e volúvel. Por isso, fala-
se, e o futebol não é alheio a estas variáveis, de ambientes VUCA: volatile (vo-
látil), uncertain (incerto), complex (complexo) e ambiguous (ambíguo).
Se a guilhotina sempre ameaça o pescoço e a morte de qualquer processo
está vigorosamente presente, mais vale mortes dignas que deixem inspiração
que ocasos que não iluminem nada. A criatividade e a inovação serão cruciais
para evitar a profecia compartilhada de Wilkinson ou para que, ao cumprir-se,
a lápide nos despeça com honras.
Lição 3
A urgência de resultados pode destroçar qualquer planificação a longo prazo.
Por isso, cada vez mais as empresas contratam pessoas com capacidade de
resolução de problemas complexos, criatividade e flexibilidade cognitiva. Isso
mesmo deveriam observar os dirigentes na hora de contratar um treinador.
Isso mesmo deveria ter em conta o treinador no momento de eleger um joga-
dor. Já o disse o genial Victor Hugo: “O que conduz e arrasta o mundo não
são as máquinas mas as ideias”.
Nunca fui partidário das definições absolutas porque tendem, numa tentati-
va de descrever e sintetizar, ser reducionistas e limitantes. Mas há uma que
gosto particularmente e que pode ser útil para nos introduzir no termo criativi-
dade. Diz Paul Torrance: “A criatividade é um processo que torna alguém sen-
sível aos problemas, deficiências, gretas ou lacunas nos conhecimentos e o
leva a identificar dificuldades, procurar soluções, fazer especulações ou formu-
lar hipóteses, aprovar e comprovar estas hipóteses e modificá-las, se é neces-
11
fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
sário, para além de comunicar os resultados”. Algum treinador, jogador, diri-
gente ou profissional de futebol acreditará que pode prescindir dela?
A história tende a premiar com o bronze a quem se encorajou a ser diferen-
te e revolucionário nas suas propostas. Rinus Michels, para além de ganhar
uma Taça dos Campeões Europeus com o Ajax, um título da Liga Espanhola
com o Barcelona e um Campeonato da Europa com a Holanda, é venerado
como o criador do “Futebol Total”. Michels é mais reconhecido pela sua contri-
buição inovadora, da qual se nutriram milhares de treinadores, do que pelos
seus títulos. O seu legado foi aceite por todos. Johan Cruyff, depois de já ter
falecido Michels, comentou que como jogador e como treinador não havia nin-
guém que lhe tivesse ensinado tanto como ele. A gente aceita o legado de
quem marca as pegadas, não de quem segue as existentes.
Lição 4
Um dos grandes pensadores do século XXI: Stephen Hawking disse que a in-
teligência é a habilidade de adaptar-se às mudanças. Hawking não estava fa-
lando de futebol mas bem que o poderia ter feito. A inteligência para adaptar-
se às mudanças neste campo deve ser repentina, imediata. Tanto desde o
banco como desde a relva. E não há melhor forma de adaptar-se às mudan-
ças do que responder rapidamente a elas, sobretudo se é ele mesmo quem
as provoca. Tal é a importância da criatividade e da inovação no futebol.
A eterna denúncia
Lição 5
Os treinadores tendem a tropeçar com um lugar bastante comum quando do-
minam o jogo mas não obtêm a vitória. Uma e outras vez as mesmas pala-
vras. Discurso que também abraçam os jogadores. O que ocorre com eles
também se estende às organizações. É habitual ver como as empresas ado-
tam o discurso da inovação da boca para fora, mas logo resistem seriamente
a implementá-la no quotidiano.
12
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Eternas denúncias no futebol
Carlos Gamarra (depois da derrota do Paraguai perante a Grécia no Mundial
da Alemanha 2006): “Faltou-nos criatividade. Marcámos bem, saímos bem,
mas no final nos falta dar boas bolas aos nossos avançados”.
Gonzalo Arconada (depois do empate do Real Jaén de Espanha): “Custou-
nos, faltou-nos “engenho”, criatividade, para poder atacar com melhores argu-
mentos a sua linha”.
Morgan Schneiderlin (depois do empate entre o CSKA e o Manchester Uni-
ted): “Faltou-nos criatividade”.
José Mourinho (depois do empate do Real Madrid perante o Sporting): “Hoje
jogámos sem os jogadores mais criativos da equipa. Faltou-nos criatividade.
Faltou-nos para além disso contra uma equipa encerrada atrás. Teríamos de o
ter tentado de outro modo”.
Enrique Meza (depois do empate 1 a 1 entre UCR e Cartaginés): “Faltou-nos
criatividade. Faltou-nos imaginação para poder romper a defesa”.
Guillermo Vázquez (depois do apertado triunfo do Cruz Azul sobre o Puebla
no México): “É necessário que os seus jogadores demonstrem criatividade
dentro do campo para romper cercos defensivos como ocorreu esta tarde com
La Franja”.
Manuel Pellegrini (depois da derrota do Manchester City frente ao Arsenal):
“Creio que o Arsenal defendeu muito bem e nós não tivemos a criatividade
para colocar vulnerável essa defesa”.
13
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Diego Latorre (a sua avaliação como jornalista depois do empate com a Argen-
tina): “Ao Equador faltou-lhe mais criatividade no seu jogo ofensivo”.
Ottmar Hitzfield (depois da equipa alemã vencer o Boca): “Ao Boca faltou-lhe
criatividade”.
Marcelo Barovero (depois do empate do River Plate da Argentina na primeira
mão da final da Taça dos Libertadores perante o Tigres do México): “Faltou-
nos um pouco de criatividade e, em geral, foi uma partida equilibrada, típica
de uma final”.
Guillermo Barros Schelotto (depois do triunfo do Lanús sobre o Argentinos Ju-
niors no futebol argentino): “Ao princípio estávamos lentos e nos faltou criativi-
dade”.
Brendan Rodgers (depois do Liverpool perder perante o Manchester United):
“Disputámos já cinco partidas e ainda não fizemos nada. Necessitámos de ser
mais criativos.”.
Geralmente tal demanda tem lugar após um resultado azarado e de um gran-
de desempenho do oponente, que neutraliza todas as forças do jogo ofensivo.
Teria-se que determinar o que é criatividade nesse caso.
Lição 6
Reclama-se criatividade mas treina-se a mecanização. Porque quando uma
equipa não converte golos, falta criatividade no ataque; mas quando perde por
vários, não se reclama criatividade defensiva.
14
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Lição 7
Quando faltam ideias e o jogo cai em repetições sem resultados visíveis, recla-
ma-se a ausência de criatividade. Mas, treina-se para a criatividade? Fomen-
tam-se ambientes criativos? Porque se associa a criatividade só com o ata-
que, e não também com o bloqueio das habilidades do adversário? Porque se
limita a criatividade ao mais óbvio? Também pode faltar criatividade para blo-
quear o adversário. Mourinho costumava dizer: “Cada vez que enfrentava
Messi, passava horas pensando na maneira de pará-lo coletivamente, já que
é impossível marcá-lo individualmente”. Isso também é um exercício de criativi-
dade.
A eterna denúncia de ausência de criatividade vem acompanhada de outra
frase igualmente banal e escutada até à saciedade: “Temos que trabalhar
mais duro”. E trabalhar para ser mais criativo para quando? Vitor Frade, pai
da Periodização Tática, costuma falar do Princípio das Propensões, que basi-
camente consiste em fazer aparecer uma grande percentagem do que quere-
mos alcançar, do objetivo pretendido. Para isso, devemos condicionar o exercí-
cio para que o comportamento pretendido apareça de uma maneira repetida.
Por esta razão, há falhas de aparição criativa. É evidente que, sem criativida-
de no treino, dificilmente encontraremos criatividade no jogo. Ou como dizem
Amieiro, Oliveira, Resende e Barreto: “A equipa como um ‘mecanismo não me-
cânico’. Durante a semana de trabalho, os exercícios deveriam promover situa-
ções onde surjam ações espontâneas que gerem um caos dentro de uma or-
dem estabelecida. Isto faz referência à organização funcional, ou como a nos-
sa equipa se vai desenvolver no terreno de jogo. Há que procurar uma criativi-
dade que destrua esse mecanismo rígido sem criatividade nem espontaneida-
de, mediante exercícios que obriguem os nossos futebolistas nos treinos a re-
solver constantemente situações de maneira espontânea e criativa”.
Lição 8
Existe uma inconsistência entre a reclamação e a ausência de prática que fa-
voreça a criatividade. Reclama-se o que não se faz. Pede-se aquilo que não
se desenvolve. Não se chega a entender a criatividade como um fenómeno
que transcenda a criatividade técnica dos iluminados e virtuosos da bola. As
coisas são vistas sempre do mesmo modo, tal como veremos detalhadamente
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mais à frente. O jornalista Santiago Segurola afirma em relação a isto: “É curio-
so como a tática suspeita da fantasia, mas reclama-a desesperadamente para
ganhar partidas”.
Criatividade e inovação: tendência mundial
Em 2015 o World Economic Forum (Fórum Económico Mundial), que reune di-
retores, gestores, CEOs e líderes das principais organizações do mundo, fez
uma pesquisa consultando quais eram as qualidades mais valorizadas em
2015 e quais seriam em 2020. A criatividade, que estava décima em 2015, es-
tará no terceiro lugar em 2020, representando assim o salto mais importante
entre todas as qualidades avaliadas e sendo definitivamente determinante
para se enfrentar os próximos anos.
O passo decisivo na história mundial para instalar a criatividade e a inova-
ção foi dado pelo economista austro-americano Joseph Schumpeter quando
em 1911, com apenas 28 anos, escreveu sobre a ‘destruição criativa’. Ele con-
siderou a inovação como a principal fonte de progresso económico; claro que
também pode ser atribuída a outro qualquer tipo de ‘progresso’: tático, físico,
motivacional, lideracional, etc. Mas por estes dias o mundo fala mais do que
nunca de criatividade e inovação. As empresas e os países. A China tem pla-
neado dar o salto para passar de ser um país manufaturante de baixo custo a
um país que centra a sua economia na inovação. Prova disso é que, no comu-
nicado de imprensa das suas políticas económicas para os próximos cinco
anos, a palavra inovação aparece nada mais nada menos do que 71 vezes,
planeando que dois terços do seu crescimento provenham dela.
A inovação fala-se e aciona-se. Quantas vezes figura nos discursos dos
clubes e treinadores perante cada desafio competitivo? Quantas vezes se co-
locam em ação processos inovadores? Israel é um país com muita pouca in-
dústria, no entanto, as suas políticas de inovação o posicionaram como o se-
gundo lugar de inovação do mundo (só atrás de Silicon Valley).
Como se pode crer que países tão pequenos, como o próprio Israel, Finlândia,
Singapura ou Suécia, conseguiram posicionar-se entre quem marca a tendên-
cia nos cenários mundiais? A resposta é óbvia e única: criatividade e inova-
16
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ção. Como é possível superar uma equipa poderosa, sem criatividade e inova-
ção? Como poderia uma equipa poderosa manter o seu reinado, sem criativi-
dade e inovação? É que, tanto no futebol como nos negócios, entre as pesso-
as, as organizações e os países… o que não inova morre!
Lição 9
Sem a inovação como método que tudo atualiza, ainda estaríamos taticamen-
te a jogar no WM de Chapman, ou avaliando a condição física do futebolista
com o Teste de Cooper. A inovação converte rapidamente em algo obsoleto
qualquer tecnologia, e coloca assim em tempos pré-históricos algo que ocor-
reu faz menos de cinquenta anos. Os computadores que levaram o homem à
lua em 1969 tinham menos capacidade de processamento do que o telemóvel
que levas no teu bolso!
“Não posso entender porque é que as pessoas se assustam com as novas
ideias. Eu assusto-me com as velhas”, dizia John Cage. As inovações mais for-
tes provêm de setores que não se encontram no radar competitivo dos gran-
des. Blockbuster, a maior cadeia de aluguer de filmes do mundo (comparável
a um Barcelona, um Real Madrid, um Manchester United ou à Juventus), en-
trou em bancarrota pela aparição de um competidor pequeno mas ágil, inova-
dor e com um novo modelo de negócios: Netflix. A revolução metodológica, ci-
entífica e tática no futebol soviético surgiu de um treinador da terceira divisão:
o Dnipro dirigido por Lobanovsky, que desenvolveu o futebol total mas do ou-
tro lado da Cortina de Ferro.
A inovação joga a favor e joga contra. Não é para covardes nem hesitan-
tes. A favor porque, se verdadeiramente se quer marcar um caminho e deixar
uma pegada distinta, é imprescindível recorrer a ela. Contra porque os treina-
dores jogam cada partida com uma sensação constante de que o seu trabalho
pode caducar, se os resultados não os acompanham. A urgência de resulta-
dos conspira para a criação original. Por isso, há mais conservadores do que
inovadores no futebol mundial.
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Lição 10
A criatividade e a inovação são aplicáveis a cada âmbito do rendimento de
uma equipa. Desde a tática à motivação, desde a preparação física às pales-
tras pré-jogo, desde programar o estágio até à viagem em avião, desde uma
conversa individual com um jogador até uma conferência de imprensa (como
as conferências de Jürgen Klopp, que são incríveis), desde a renovação de
um contrato até à apresentação com o plantel do primeiro dia de trabalho.
Tudo pode receber a frescura que brinda a criatividade. O uso deste tipo de
ferramentas também deveria funcionar como um “gatilho” para que o próprio
treinador possa elaborar as suas; ou como um “despertador” que o ajude a
pensar no impensado (sabe-se que 95% dos pensamentos de hoje serão
iguais aos de ontem e aos de amanhã).
O treinador é quem decide onde e quando deseja utilizá-las (se é que dese-
ja utilizá-las ou arquivá-las). O que não é possível é não pensá-las. Seria qua-
se como dizia Unamuno: “Que pensem eles” (os rivais). O produto da criativi-
dade não será sempre de aplicação imediata. Pode ser rotineiro e persistente
nas suas ideias táticas, mas criativo nas suas formas de comunicar. Ou vice-
versa. Ou ambas as coisas. Sempre é melhor a sua disponibilidade e uso
para todos os âmbitos, desejos e necessidades, mas ninguém tira a cada trei-
nador o poder utilizar o produto da criatividade quando, para e onde queira.
Uma grande definição de futebol é aquela que soube recolher as melhores
ideias de muitos pensadores. Em 2005 Mas disse: “É uma habilidade aberta,
relacionada fundamentalmente com a perceção (Knapp, 1963) e o conheci-
mento (Bloom, 1965), que requer o domínio do próprio corpo e uma relação
com os outros, (A.A.P.H.E.R.), com uma grande incerteza sócio-motriz implíci-
ta no jogo, (Parlebas, 1998), que exige um terceiro nível de dificuldade, que
implica a mobilidade constante do objeto e do sujeito, isto é, da bola e do fute-
bolista (Fitts, 1965) e, para além disso, implica o domínio dos deslocamentos
e o conhecimento do oponente”.
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Lição 11
O futebol tem uma sucessão infinita de situações problema ao longo do jogo.
Crer que o treinador tem todas as respostas é uma soberba própria do desco-
nhecimento. Mas se num exercício de ilimitada imaginação este as tivera, ha-
veria que ver se o jogador tem a capacidade de aprende-las todas e a motiva-
ção para as absorver. É por isso que a capacidade de resolução imediata (o
futebol não espera) e intuitiva (ninguém pode parar para pensar porque abriria
caminho ao golo adversário) e a capacidade de “improvisar profissionalmen-
te”, fazendo uso do conhecimento de forma veloz, são fundamentais para um
jogador. “Primeiro a ideia e depois a jogada”, dizia o genial xadrezista Miguel
Najdorf. Esta frase diferencia dois tempos, o qual é impossível fazer no fute-
bol, exceto nas jogadas de bola parada e só antes de que o árbitro coloque
tudo em movimento com o seu apito. O futebol é um “xadrez vivo”. O xadrez
trabalha com as ideias de uma parte do cérebro chamada neocórtex; enquan-
to que o futebolista necessita acomodar-se numa criatividade vinculada com o
inconsciente.
Quando Callois fez a sua classificação sociológica dos jogos, faz mais de
50 anos, quis diferenciar a cada um encerrando-o num compartimento. A clas-
sificação constava de quatro categorias: Agon (jogos de competição, individu-
ais, coletivos, por equipas); Alea (jogos de fortuna, de azar, de sorte); Mimicry
(jogos de representação, de simulação, simbólicos); e Ilink (jogos que impli-
cam um desejo de turbulência e instabilidade, acompanhados de sensações
de desequilíbrio ou vertigem). A maioria dos jogos responde a uma categoria,
uns poucos a duas. Mas se examinarmos detalhadamente o futebol, vemos
que ele tem algo de todas. Razão que o torna imprevisível.
Lição 12
O treinador inovador (bem sucedido) tende a ser copiado por todos sobre a
base da crença que, copiando o método, os resultados chegarão com este.
Quem copia às cegas não sabe que cada criação tática é única para cada
equipa, que necessita adaptações individuais tanto como criações que a enri-
queçam. Isso ocorreu com o Inter da Itália que após os títulos o seu modelo
foi copiado até à exaustão, mas com escassos resultados. O seu difusor, Hele-
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nio Herrera, soube dar as razões: “O Catenaccio foi copiado por todos, mas o
fizeram mal. Só puseram em prática a sua defesa, esquecendo-se da sua
ofensiva. Sem ela, nunca teríamos ganho”. É justo dizer que o verdadeiro in-
ventor do catenaccio foi o treinador austríaco Karl Rappan no Servette, e
mais tarde na Seleção Suiça, com o denominado ferrolho suiço. Nada do que
se expõe neste livro deveria ser copiado por si só. O propósito é que, ao ser
lido, funcione como inspiração para que cada treinador desenvolva o seu espí-
rito inovador dia após dia. Helenio Herrera não foi só inovador nesse aspeto,
também foi o inventor dos estágios. A sua esposa, Fiora Gandolfi, conta como
apareceu a inspiração e o momento eureka:
“Helenio partiu uma perna e teve que estar muito tempo em repouso. Gostava muito
de ler, mas o único livro que se pode encontrar num hospital de Espanha é A Bíblia. En-
controu uns textos de um monge que recomendava retiros espirituais, dias inteiros nos
quais se limpava a mente, em busca de um estado de concentração absoluta. Helenio
deu-se conta em seguida de que isto podia ser muito útil para mentalizar os jogadores
antes de partidas importantes. Assim foi inventado o estágio”.
A criatividade não provém só do pensar, mas do pensar interagindo. A Pa-
blo Silva, técnico de gás registado e jornalista desportivo sem exercer, ocor-
reu-lhe inventar o spray para fixar a distância das barreiras:
“Eu sempre joguei futebol. Um dia fui disputar uma partida do centro de ex alunos do
meu colégio. Íamos perdendo e, já perto do final, tivemos a possibilidade de empatar
com um livre direto. Quando o fui executar, a barreira adiantou-se a menos de três me-
tros e a bola bateu no estômago de um rival. O árbitro não repetiu o livre e armou-se
uma confusão. Enquanto voltava a casa, muito irritado, comecei a maquinar uma ideia
para evitar estas situações”.
A compreensão criativa provém mais da vivência do que do pensamento.
De algo que choca e provoca mais do que algo que se fundamenta. O cami-
nho até à definição do projeto nem sempre é curto. Porque não é o mesmo ge-
rir a criatividade do que gerir a inovação. O inventor diz: “Primeiro pensei num
elástico. Algo que ficasse tenso e não pudesse ser superado pela barreira. De-
pois imaginei um spray. Assim arrancou tudo”.
A inovação causa surpresa. Na primeira aparição do spray nos campos,
numa partida da Segunda Divisão da Argentina entre o Los Andes e o Chacari-
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ta, os jogadores olharam para o solo assombrados quando o árbitro o utilizou
pela primeira vez. A inovação requer tempo e superação de contratempos. Pa-
blo Silva esperou seis anos para que o produto se utilizasse nos campos ar-
gentinos, dez para que fosse aprovado pelo International Board, e doze para
que se implementasse num Mundial.
Quando alguém se dispõe a inovar numa partida, o maior risco não é per-
der porque esta é uma condição inerente ao jogo. O risco é o ridículo e a críti-
ca de quem está sentado comodamente no conhecido. Como disse o treina-
dor espanhol Juanma Lillo: “Não arriscar é o mais arriscado, assim que, para
evitar riscos, arriscarei”. Ou Guardiola: “Não há nada mais perigoso que não
arriscar”. O maior erro não é o que se comete, mas o que se deixa de cometer
por medo de cometê-lo. O erro maior é não permitir-se nenhum.
Proibido perder: o instinto de sobrevivência
As inovações no futebol para os medíocres têm só dois resultados: êxito e fra-
casso. Essa qualificação nunca pode desprender-se do resultado do jogo: ga-
nhar ou perder. Os pragmáticos valorizam os resultados. Os românticos, os
processos. Os visionários, ambas as coisas.
A derrota sempre se descreve com maior detalhe do que o triunfo. A culpa-
bilidade do fracasso sempre é mais contundente do que a responsabilidade
na vitória. Por um lado, exalta-se a cultura do êxito mas simultaneamente con-
segue-se um efeito inesperado: a necessidade de não perder para não sofrer
as críticas implacáveis da imprensa e dos adeptos.
O treinador Bill Shankly, que orientou o Liverpool entre 1959-74, dizia: “Al-
gumas pessoas pensam que o futebol é uma questão de vida ou de morte. De-
ceciona-me essa atitude. É mais importante do que isso”.
Porque razão então se põe tanto esforço no “não perder”? Porque é que as
táticas defensivas abundam e as ofensivas escasseiam? Porque o nosso cére-
bro, fisiológica e inconscientemente, está mais preparado para sobreviver do
que para viver. Para conservar do que para expandir-se. Para não perder do
que para ganhar. A mesma história da natureza humana. A mente trabalha na-
turalmente mais a favor do “não perder-se” do que do ganhar-se. Presta-se
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mais 80% de atenção às notícias más do que às boas porque no negativo en-
contra-se a ameaça à sobrevivência. O positivo é um excedente para o cére-
bro. Frans de Waal em Eu Primata - por que somos como somos diz: “O pre-
cursor da depressão em outras espécies, a base biológica que logo dará lugar
à depressão como a conhecemos, é a derrota. A derrota dá lugar a uma série
de mudanças fisiológicas e emocionais muito similares às da depressão”.
Segundo a Teoria Prospectiva de Kahneman e Tversky, as pessoas ten-
dem a escolher uma alternativa segura antes do que uma provável, o qual se
conhece como “efeito certeza”. Em termos futebolísticos, a maioria dos treina-
dores prefere um empate seguro, antes que um triunfo provável. Os autores
também descrevem o “efeito de reflexão” que basicamente diz que os huma-
nos tendem ao risco quando todas as nossas opções são más. No futebol, a
maioria dos treinadores correriam o risco de expor-se quando, por exemplo,
necessitam de um triunfo de três ou mais golos para passar de fase.
O mesmo ocorre no amor. Um psiquiatra relata que as pessoas aproximam-se
para saber em que é que falharam e não repetir os erros no futuro. A consulta
não é sobre de “como conquistar”, mas “como não ser abandonado”. Evolutiva-
mente o objetivo de qualquer espécie é a sua conservação. A preservação e
transmissão de genes à próxima geração. Por isso, os mecanismos de alerta
estão mais ativos para as emoções negativas do que para as positivas. O alar-
me está sempre preparado para detetar situações que ameaçam a sobrevivên-
cia.
As derrotas no futebol. A resposta maioritária (de se colocar mais ênfase
na derrota do que na vitória), perante este alarme, desperta nos treinadores o
seu mecanismo de defesa mais primitivo e inconsciente: procurar estratégias
para não perder e ter a ameaça temporariamente afastada. Ás vezes, só uma
semana e até à próxima partida.
Ás mesmas conclusões se chegou sobre as equipas cotadas em bolsa. As
pessoas têm mais tendência a evitar as perdas do que a obter lucros. Assim
como as vitórias impulsionavam as ações para cima e as derrotas para baixo,
o impacto negativo das derrotas era proporcionalmente o dobro que o das vitó-
rias. Castellani, Pattitoni y Patuelli, professores da Universidade de Bolonha
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que estudaram os casos, descobriram que o empate tende a desvalorizar as
ações do mesmo modo que a vitória tende a valorizá-las.
O não perder introduz-se inconscientemente inclusivamente nos âmbitos
do ganhar. A inovação, por exemplo. Claramente inovar é uma aposta para se
ganhar, uma ousadia, uma aventura, um risco que não tem nada de conserva-
dorismo. No entanto, os últimos dados obtidos dos departamentos de I+D (In-
vestigação e Desenvolvimento) demonstram o contrário: 58% do orçamento
dedica-se a inovações incrementais ou menores, 28% a inovações substanci-
ais e só 14% a inovações radicais ou disruptivas. Pior ainda, a proporção de
novos produtos inovadores reduziu-se a metade nas últimas décadas. Isso si-
gnifica que até nos âmbitos de inovar existe o medo para não perder.
Inovação radical (ou disruptiva) frente a inovação incre-
mental
A inovação tende a incomodar os cenários de “suposta” estabilidade. A inova-
ção altera, corrói e provoca tanto medo como rejeição ao princípio. A história
reflete milhares de casos. Também no futebol. Quando se inventou o penálti,
por volta de 1891, os Guarda-Redes em sinal de protesto ficavam parados ao
lado do poste sem exercer oposição. Os adeptos ingleses demoraram anos a
aceitar a regra.
Impulsionar o êxito promove a inovação. Manter estável a derrota o acal-
ma. A inovação radical é imprescindível para quebrar com as tradições e a ino-
vação incremental, para as modernizar. Quando se perde, diz-se vulgarmente:
“Há que continuar a trabalhar”, ou “trabalharemos mais duro”. As análises su-
perficiais levam a propostas superficiais. Um olhar que enfatiza só o volume
de trabalho (há que se trabalhar mais) como a intensidade (há que fazê-lo
mais duro). Como o buraco de Edward de Bono, talvez não se trate de fazer o
buraco mais profundo, mas sim um distinto. Ou como menciono no meu Pen-
samento em montanha russa, aprofundar o buraco, fazer um novo e uni-los a
ambos. Talvez se trate unicamente de trabalhar distintamente. Ao fim e ao
cabo, é como diz Arrigo Sacchi: “O futebol é ainda um desporto muito atrativo
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porque evolui todos os dias. Quem diz o contrário é porque não conseguiu
compreendeu nada”.
Lição 13
Em geral, os treinadores sabem muito de tática e estratégia mas nada de cria-
tividade e inovação. Mas a estratégia sem criatividade não é outra coisa que
um plano óbvio. Assim não é possível formar jogadores criativos nem equipas
inovadoras.
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Inovação radical Inovação incremental
A inovação radical ou disruptiva produz-se
quando se incorpora no mercado um
produto ou serviço que é capaz por si
mesmo de gerar uma categoria. Radical
provém do latim radix (raíz). Trabalha-se
sobre um conceito absolutamente novo.
A inovação incremental produz-se quando
de adiciona (ou tira, ou combina, ou
subtrai, ou substitui) uma parte a um
produto ou serviço. Trabalha-se sobre
uma base conceptual.
Na tecnologia
Na tecnologia
Invenção do automóvel.
Incorporação do limpa para brisas.
Incorporação do rádio.
Invenção do telefone móvel.
Incorporação da lanterna.
Incorporação da câmara de fotos.
No futebol
No futebol
Invenção do penálti.
Mudanças na marca do penálti (no início
existia uma linha).
Mudança na distância do Guarda-Redes
(no início podia-se adiantar).
Invenção das chuteiras.
Chuteiras com pitões modificáveis.
Chuteiras sem cordões.
Chuteiras estilo basquetebol.
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Lição 14
Toda a estratégia sem criatividade na sua idealização torna-se previsível/aces-
sível de bloquear/vencer. Sun Tzu é o autor de A Arte da Guerra, considerado
o melhor livro de estratégia de todos os tempos. E apesar da data em que foi
escrito (século VI-V a. C.), continua a ser um manual indispensável em aulas
de estratégia de jogo e utilizado em prestigiadas universidades como o Institu-
to de Tecnologias de Massachussets ou a Universidade de Columbia. Para
além disso é a leitura de cabeceira de numerosos diretores de grandes multi-
nacionais e treinadores desportivos de todos os setores e categorias. Diz Sun
Tzu: “Os guerreiros vitoriosos primeiro vencem e depois vão à guerra. Os guer-
reiros vencidos primeiro vão à guerra e depois tentam vencer”. A criatividade é
um bom aliado da estratégia. Motivação e originalidade para os próprios. Sur-
presa e imprevisibilidade para o adversário.
Alguns treinadores não fazem demasiado uso da palavra criatividade nos
seus discursos mas isso não é um problema, abunda-se em suas intenções e
exigências. Um exemplo disto é Cruyff. Sem mencionar a palavra criativida-
de, a exigia com toda a sua energia: “Há que saber romper a lógica da defesa
quando não o esperam”. É óbvio que a lógica não se rompe com lógica, mas
com imaginação e criatividade. Cruyff sabia gerar rompimentos com Koeman
ou Guardiola.
Em 1993 o jornalista Santiago Segurola escreveu um artigo no qual valori-
zava as qualidades estético-criativas do jogo que impulsionava Cruyff: “Há
algo nas suas equipas que as aparenta com uma visão pop da vida: o gosto
pela diversão, a procura do brilho e um lado ingénuo, juvenil e despreocupa-
do. As boas partidas do Barça sentem-se como as boas canções de Os Bea-
tles ou Os Kinks: rápidas e diretas ao coração. E tudo isso porque Cruyff gos-
tava da bola e dos futebolistas, e não andava preso à chatice que nos mata:
sistema, sistema, sistema. Ainda que os seus discípulos tenham prestado
atenção ao equilíbrio, à tensão defensiva e aos detalhes táticos, nenhum se
esqueceu do estilo e da mensagem lúdica de Johan”.
A criatividade pode romper a lógica porque a desestabiliza. A lógica não
pode romper o produto da criatividade porque não tem um sentido que se pos-
sa compreender ao instante. Toda a criação exige em tempo de interpretação.
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Lição 15
O que não faz nada para evoluir está fazendo tudo para estagnar. E para não
estagnar, é bom saber que criatividade não consiste só em fazer jogadas com
boa habilidade técnica e inovação não se trata só de mecanismos tecnológi-
cos que melhorem o rendimento. É infinitamente mais do que isso. É a ponta
do iceberg do óbvio. As possíveis contribuições da criatividade e a inovação
são todo o resto do iceberg que não se vê.
A cópia e o ladrão de ideias
Para que um treinador seja criativo e possa transmitir essa criatividade aos
seus jogadores, necessita ter tanto uma formação multidimensional como a ca-
pacidade para assimilar e conectar distintas informações, conhecimentos e ex-
periências. Não é nenhuma vergonha tomar elementos de distintos treinado-
res e uni-los segundo o gosto pessoal e as necessidades da equipa.
Tito Ramallo, ex futebolista e treinador, definiu Guardiola como um “ladrão
de ideias”. Isto poderia interpretar-se como uma grave acusação, se não fosse
porque o mesmo Guardiola o admite como método criativo:
“Eu agarrei de tudo. De Barcelona fui a Itália e agarrei coisas; e logo fui ao México e
agarrei coisas: como saía com três La Volpe e como jogou com a Argentina no Mundial
dominando o jogo, ainda que depois tenham perdido com um golo de Maxi. E dali fui
para o Qatar, e bom, aí… melhorei o swing. Logo meti tudo numa trituradora, fiz o mix e
as coisas ficaram na minha cabeça. E essas pertencem-me. Em Barcelona roubei, rou-
bei e roubei; fui ao México e roubei, e se quiserem roubar de mim, roubem-me, porque
ao final joga-se para os adeptos. O jogo é dos jogadores, os adeptos vão vê-los, não a
nós. E roubei e roubei”.
Guardiola é o Edison do futebol. Um criador que também se apoiou nas cri-
ações de outros para obter as suas próprias. Edison foi reconhecido como
uma pessoa com grande capacidade para comprar, adaptar e vender as inven-
ções no mercado, já que muitas das suas milhares de patentes foram obras
originais de outros (gira-discos, lâmpada elétrica, câmara de filmar, etc.). Tal-
vez Guardiola se tenha inspirado em Picasso, que costumava dizer: “Os bons
artistas copiam mas os grandes roubam”.
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A neurociência comprovou que esse tipos de “roubos”, baseados em intan-
gíveis, não ativa as regiões morais do cérebro. Mas Guardiola guarda seme-
lhanças com os fenómenos da criatividade desde que o mundo é mundo.
Eric Weiner disse sobre os atenienses que brilharam no século V a.C. (co-
nhecido como o século de Péricles): “Era uma atitude, como sempre. É uma
cultura. No caso de Atenas, era uma orientação para fora. Os atenienses
eram grandes navegantes. De facto, eram um povo errante. Os gregos não in-
ventaram tanto como pensamos. É famosa a frase de Platão: ‘O que os gre-
gos tomam emprestado dos estrangeiros o aperfeiçoam’. Pedir emprestado é
uma expressão generosa. Eles roubavam, mas logo o aperfeiçoavam’. Sem-
pre foi assim. É o que se vê em Silicon Valley hoje em dia”.
O professor José Patricio Saiz apresenta uma visão histórica: “Ao ato de cri-
ar, une-se desde o princípio dos tempos a faculdade humana de copiar. Auto-
res e imitadores são partes opostas de uma mesma equação. Todos, no fun-
do, estamos fazendo isto. A criação é uma moeda de duas caras: a original e
a cópia. Nos inspiramos, nos documentamos, começamos imitando obras que
foram criadas antes”. Nesse sentido, o mundo vai em direção cada vez mais
parecida ao futebol, onde o copyright de invenção tática ou metodológica não
impede a aplicação universal imediata.
Lição 16
Os inteligentes tomam de todos; os tolos só de si mesmos. Em criatividade e
inovação não se trata do que se rouba, mas do que se faz com o que se rou-
ba. O sistema de Guardiola no Barcelona teve antecedentes afastados do se-
lecionador italiano Vittorio Pozzo na década de 30 e de Arrigo Sacchi no Mi-
lan de finais dos anos 80. Ainda assim, ninguém pode dizer que Guardiola não
é um inovador nato, porque a questão não é de quem ou quando tomas do
resto, mas o que é que fazes com o que tomas.
O jornalista e escritor Lluis Lainz disse: “Guardiola soube recolher os ensi-
namentos de Michels (propôs o sistema e os automatismos), Cruyff (contribu-
iu com a frescura da intuição e a simplicidade), Van Gaal (implementou o estu-
do e o rigor) e Rijkaard (adicionou o trabalho de pressão em primeira linha e
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uma imagem de amabilidade e respeito). E lhe acrescentou uma série de ino-
vações que lhe permitiu engrandecer o modelo”.
Um estudo realizado pela University College de Londres, e publicado na re-
vista Current Biology, mostra que a memória e a imaginação estão intimamen-
te ligadas no cérebro a nível celular. A memória permite-nos realizar viagens
no tempo mental, recolhendo acontecimentos do passado e imaginando acon-
tecimentos que ainda não ocorreram, para prever como poderiam desenvol-
ver-se.
Lição 17
Trata-se de ver a conexão de tudo o vivido, a favor da criação e a capacidade
de combinar e ressignificar os conhecimentos antigos. Qualquer treinador tem
a capacidade de transformar-se num profissional inovador e surpreendente.
Se somámos as suas experiências como jogador (a maioria dos treinadores
foram jogadores de futebol), a quantidade de treinadores que passaram pelo
seu caminho, a formação formal ou autodidata, a quantidade de horas de ob-
servação de futebol e de outros desportos e a sua experiência como treinador,
podemos afirmar que, se um treinador não é inovador, não o é pelos seus co-
nhecimentos, mas pela sua falta de predisposição a sê-lo. Uma questão mais
de atitude que de biologia.
Foi dito até ao infinito que a grande contribuição de Guardiola foi recupe-
rar a técnica, quando se impunham a tática e o físico. Mas tal repetição não
garante que seja verdade. O grande acerto de Guardiola foi realizar a união
perfeita. Quem poderia falar mal do físico, se toma para as suas equipas o
pressing de Arrigo Sacchi? Quem poderia criticar a tática, se inovou até jogar
sem avançados e golear? Guardiola soube combinar, em perfeita harmonia, o
físico e o tático, para que o técnico pudesse brillar. Neste ponto, há que menci-
onar também o psicológico-grupal, pela maneira com que soube gerir os egos
das suas super estrelas. E os seis títulos da sua primeira temporada não fo-
ram um obstáculo para continuar a introduzir modificações significativas. Guar-
diola elegeu “lançar as suas inovações ao mercado” nas condições mais arris-
cadas e menos aconselháveis. Não se conformou com adversários de dimen-
são menor, elegendo o Real Madrid e, no mesmíssimo Santiago Bernabéu,
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modificou uma defesa de três ou deslocou Lionel Messi da linha para a posi-
ção de um falso número nove. “Sem a capacidade de surpresa, estamos mor-
tos”, também expressou. De onde nasce a surpresa? De evitar a rotina futebo-
lística, que não deve confundir-se com sustentar os princípios nos quais se ba-
seia o jogo. Não conheço outro caminho para gerar surpresa que desenvolver
criatividade.
Oscar Rojas Morillo definiu Guardiola como o último renascentista e ao Bar-
celona como uma equipa tão marcada para o talento e a criatividade, que a
inovação nasce sozinha. Exigir inovação sem passar pela criatividade é saltar-
se passos inutilmente. A criatividade transbordante provoca inovação por si
mesma, já que é impossível não enamorar-se de uma ideia e validá-la no cam-
po.
Lição 18
Como mencionei também no meu livro anterior O pensamento em montanha
russa: “Se inovar implica ter uma vantagem temporal, que dure umas partidas
ou toda uma temporada, justifica qualquer esforço. E uma vantagem temporal,
traz outra vantagem temporal, justifica vantagens temporalmente ampliadas
que roçam o definitivo. O processo de imitação é o início de um novo molde
que pode terminar numa criação única. Porque a imitação é também o início
de um caminho. Copiar eternamente e com exatidão é uma repressão do eu,
do nós, inaceitável em qualquer psique. Mais tarde ou mais cedo, surgirá uma
exteriorização do eu/nós com atributos próprios da nossa individualidade/cole-
tividade”.
Em 1980 Juan Mujica, ao comando do Nacional de Montevideu (Uruguai)
e após o seu regresso como futebolista em França, copiou e adaptou marca-
ções ao homem trazidas da Europa, algo impensado para o futebol uruguaio
de então. E conseguiu ser campeão da liga local, da América e também do
mundo.
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PREVISÃO 1
É muito comum no mundo empresarial convocar desportistas e treinadores
para palestras e conferências sobre duas capacidades bem determinadas: li-
derança e motivação. Dentro de pouco, o futebol fará todo o contrário: copiará
e adaptará criativamente as melhores experiências do mundo da empresa.
Num futuro próximo, os treinadores dedicarão uma percentagem de tempo do
total de treino (que pode converter-se num turno dedicado só a isso) a melho-
rar as qualidades do futebolista, replicando de maneira adaptada iniciativas
como as da Google ou 3M. A atenção das necessidades individuais e o com-
promisso de planificação aumentam tanto a motivação como a pertença, pois
qualquer jogador se sente importante, escutado e atendido.
O técnico inovador Osvaldo Zubeldía nutriu-se do mundo da empresa,
quando o seu ajudante na equipa técnica, Miguel Ignomiriello, lhe recomen-
dou as sessões de duplo e triplo turno, logo depois de ler um livro acerca de
como se organizava o trabalho nas fábricas.
O fenómeno da cópia é saudável como início de um caminho mas doentio
como início e fim. Copiar pode tanto originar como destruir a criatividade. O
seu uso ou abuso determina a sua fertilidade ou a sua morte. Não se trata da
fórmula “copie e cole”, mas de algo muito mais amplo e produtivo que consiste
em copiar (combinar, criar, recriar, imaginar, sobrepor, eliminar, recombinar)
para depois colar. A cópia como réplica total e absoluta diminui as potencialida-
des. A cópia como método criativo as amplia. A primeira é moralmente ilegíti-
ma. A segunda é moralmente aceitável e comercialmente viável”.
Laureano Ruiz, inventor dos meínhos (essa forma de treinar com bola que
utilizou o Barcelona) tinha razão, ao dizer: “Durante muitos anos se disse que
estava tudo inventado. Mas este jogo é evolução e progresso. Antes para de-
fender, ia-se para trás. Agora o Barça vai para a frente”.
A combinação como método básico
Tito Ramallo, treinador espanhol, declara: “A minha maneira de entender o
treino recolhe muitos aspetos, principalmente da periodização tática, algo do
microciclo estruturado e das experiências pessoais acumuladas como jogador
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e treinador”. Não tem sentido não tomar os elementos disponíveis, para dar-
lhes um significado pessoal, e construir a própria identidade com elementos
do “outro”. E agrega: “Mais que uma metodologia própria, é uma maneira de
interpretar o treino, porque transformo o prisma com o que quero olhar os ele-
mentos que já estavam aí”. O conceito de intensidade tática, principal contribu-
ição de Tito Ramallo, provém da combinação, pois nasceu da leitura de duas
tendências: o que dizia Seirul-lo e o que dizia Frade.
O grande Steve Jobs, fundador da Apple, dizia que criatividade consiste em combi-
nar coisas. Os cartões vermelhos e amarelos, por exemplo, nasceram da necessidade
de penalizar os jogadores e o seu inventor, um árbitro inglês, inspirou-se nos códigos
dos semáforos: o amarelo = advertência e o vermelho = proibição. Todo o descobrimen-
to apoia-se num anterior. Quando Wilhelm Röntgen descobriu os raios X, jamais imagi-
nou a quantidade de aplicações médicas que derivariam deles.
Criatividade é combinação. Todos os especialistas, com as suas nuances,
coincidem nisso:
A teoria da memória inteligente de Erik Kandel consiste numa combinação
de histórias e conhecimentos que temos guardados. Arthur Koestler introduziu
o conceito de bissociação como princípio básico para um eureka: o contato de
duas ideias que antes não estavam vinculadas. Frans Johansson disse no O
efeito Medici: “Quanto mais diferentes sejam as partes que se combinem,
mais oportunidades de inovação haverá”. Arnold entende que na ação criativa
se põem em jogo experiências anteriores que se combinam e transferem às
novas estruturas. Kimberly Seltzer e Tom Bentley falam da criatividade como a
“interdisciplinaridade ou capacidade de sobrepor distintos conhecimentos que
correspondem a diferentes campos do saber”.
Um treinador pode ser um inovador desde o específico até ao geral. A men-
te aberta concentra-se e expande-se. O caráter avassalador concentra-se e
diferencia-se. Dois exemplos disto são, por um lado, as contínuas inovações
táticas de Guardiola, capaz de jogar com cinco médios na final do Mundial de
Clubes (disposição tática que guarda com maior orgulho criador), ou com cin-
co atacantes, quando o Bayern Munique enfrentou o Olympiacos da Grécia e
antes o Colónia da Alemanha, num sistema em forma de WW. E pelo outro,
Herbert Chapman, o inventor do sistema WM e o primeiro a equilibrar as li-
nhas no futebol, com cinco defesas e cinco atacantes. O seu sistema populari-
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zou-se no mundo inteiro. Mas nem todos sabem que Chapman foi o promotor
da utilização dos dorsais e da luz artificial nos estádios para favorecer as parti-
das noturnas.
A inovação também é um processo cíclico (como a moda), onde o velho
que é pouco estimado pode voltar a aparecer como algo novo com o correr do
tempo. A inovação é atrevimento e corre-se o risco de ficar em ridículo se esta
falha. Mas não necessariamente a proposta, e a interrupção abrupta que impli-
ca, deveria ser um risco tormentoso que faça que, por medo, as ideias fiquem
só em papel ou numa conversa de café.
Em Itália, por exemplo, inventaram o conceito regulamentar do cartão ver-
de. Este consiste em que um árbitro pode mostrar cartão verde aos jogadores
para os premiar por alguma ação relacionada com o jogo limpo. A ideia é pre-
miar os jogadores que tenham acumuladas uma maior quantidade de cartões
no final da temporada.
A inovação aqui permite atender vários detalhes para compreender o seu
impacto desde a criatividade:
a. Introduzir um cartão com uma nova cor.
b. Sair do conceito punitivo (castigar com os cartões amarelo e verme-
lho) para ingressar no campo do reconhecimento como conceito valorizador.
Isto implica uma mudança de perspetiva.
c. Os italianos primeiro experimentaram o cartão em categorias juvenis
e logo no futebol profissional da segunda divisão.
Lição 19
Pensar em termos opostos (neste caso estilo punitivo/estilo valorativo) favore-
ce a criatividade por levar o pensamento justamente ao seu oposto (onde ge-
ralmente pode haver lugares vazios de ideias); a cada ideia, na prática, pode
atribuir-se o nível de risco que se deseja. Ter em conta esta diferença, entre o
criar e o fazer, permite que as ideias possam ir da mente ao terreno e da teo-
ria à prática mais rapidamente.
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Um bom treinador que aspire à criatividade e à inovação, tanto para si mes-
mo como para os seus dirigidos, tem a oportunidade de aprender das melho-
res experiências e adaptá-las ao seu meio e possibilidades. Na Universidade
de Stanford criou-se um programa de criatividade e inovação chamado
d.school onde, segundo um dos seus fundadores: “A essência da escola é de-
monstrar a todos os estudantes que eles também podem ser criativos, que
essa qualidade não está reservada aos artistas. Uma vez que chegam, encon-
tram-se com alunos das sete faculdades de Stanford e o desafio é que desen-
volvam projetos através da fusão dos seus conhecimentos, pontos de vista e
experiência”.
Os treinadores deveriam promover esses intercâmbios para criar “apoiados
na diversidade” (distintas posições, países de origem, idiomas, culturas, treina-
dores anteriores e conquistas). A diversidade que compõe um plantel é o cam-
po propicio para que as combinações das contribuições de cada jogador pos-
sam beneficiar a criatividade geral e a inovação coletiva. A história o demons-
tra. Isto é o que diz Eric Weiner, que poderia aplicar-se a um plantel de fute-
bol: “Os lugares que produzem génios tendem a ter políticas mais abertas em
relação aos imigrantes. Era o que se via na antiga Atenas e o mesmo que se
vê hoje em Silicon Valley”.
Pressinto para além disso um forte desconhecimento dos treinadores para
as contribuições que possam vir desde o mundo da criatividade e a inovação
para as suas táticas, seus métodos de treino, a comunicação com os jogado-
res, a imprensa e os dirigentes, as suas palestras motivacionais e os seus mé-
todos punitivos. Não existe área da qual o treinador não possa ver-se nutrido
pelas ferramentas de criatividade e as experiências de inovação. Nos casos
em que assim não tenha sido, os treinadores mostraram mais criatividade
para inventar caminhos aos jogadores que perceção para tomar caminhos in-
ventados por eles.
Lição 20
Os treinadores tentam extrair dos seus futebolistas as máximas contribuições,
tanto desde o ponto de vista físico como volitivo. Mas a nenhum lhe ocorre ex-
trair as maiores contribuições desde a sua criatividade. Para os dois primeiros
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pontos, existem treinos físicos que levam ao limite a capacidade de tolerar car-
gas do desportista. Mas são quase inexistentes os treinos que explorem a cria-
tividade em aspetos gerais e específicos adaptados ao jogo. Este é um peque-
no extrato do que disseram o treinador argentino Ángel Cappa e o preparador
do Barcelona Seirul.lo em relação da necessidade de treinar no futebol:
Cappa: “… Há que treinar com criatividade. Não se deve prever tudo, falando desde
o ponto de vista futebolístico. Depende também do dia, do que surja nesse instante. Mui-
tas vezes mudava o que tinha previsto para a manhã”.
Seirul.lo: “Eu aplico uns parâmetros mínimos e logo observo; se vejo que, a partir de
umas séries realizadas, fazer mais não serve de nada, o deixo. Os jogadores perdem
interesse, se há muita repetição. Dos treinadores que tive no Barça, os que melhor lida-
ram com este aspeto foram os que tiveram melhores resultados”.
Valdano costuma dizer que no futebol não há criatividade sem ordem. E
numa equipa a ordem para a criatividade a entrega o treinador que crê nos va-
lores desta e os promove. O treinador Xavier Azkargorta o entende como va-
lor no Barcelona de Luis Enrique: “Deu organização dentro da liberdade. Não
é uma contradição porque cada jogador tem uma missão, mas a desenvolve
com liberdade e capacidade de tomar decisões”. Um treinador que sabe acei-
tar os riscos e recolher os frutos.
Cada vez mais vozes reclamam criatividade no futebol. O mesmíssimo Vi-
tor Frade, pai da periodização tática, expressa-se desta forma: “A criatividade
tem que suceder na vida. … Por isso eu falei de contextos e não de comporta-
mentos! Se a periodização tática dá predominância ao jogo, a dá à confronta-
ção, a qual tem sempre certa imprevisibilidade. As equipas não só se distin-
guem pela sua grande capacidade de diversidade, mas também a qualidade
do jogo traz sempre a necessidade de resolver as situações de uma maneira
criativa”.
Xavier Tamarit, autor de Periodización Táctica vs Periodización Táctica, dá
o seu contributo sobre a criatividade no futebol: “A criatividade é um aspeto
fundamental na espécie humana. E também o é no futebol, já que é um des-
porto com muita imprevisibilidade. É por isso que o nosso jogo não deverá limi-
tar esta criatividade; pelo contrário, este deverá promovê-la, respeitando sem-
pre essas referências coletivas que nos levam à organização. Isto é, os princí-
pios e subprincípios de jogo (desordem dentro da ordem). Quando nos referi-
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mos à criatividade, incluimos tanto a criatividade de quem joga no setor ofensi-
vo, como de quem o faz no setor defensivo e inclusivamente do Guarda-Re-
des. Nos referimos a quando se tem a bola e também a quando não se tem. A
uma criatividade na tomada de decisões, a uma originalidade nas soluções do
jogador, mas sempre em função de uma intenção prévia (princípios e subprin-
cípios de jogo)”.
Lição 21
É mais fácil para um futebolista desfrutar uma partida, se dentro dela há lugar
para o prazer criativo. Mas deixará de desfrutar quando a necessidade de con-
quista aumente as demandas de planificação, exigência e mecanização. A me-
lhor combinação é: mecanização e improvisação criativa, quando correspon-
dam. Improvisação criativa não é libertinagem, mas confiança na capacidade
de criar de um futebolista, em função das experiências acumuladas que leva
numa mochila invisível. O nível de mecanização tem que permitir tanto prover
soluções ao jogo em ocasiões, como criá-las quando suceda algo inesperado.
Como dizia o treinador espanhol Juan Manuel Lillo, assinalando o quadro táti-
co: “Cá está tudo, menos o que vai ocorrer”. Andrés Iniesta costuma dizer: “Há
táticas, estratégias, mas o futebol é imprevisível porque tens de decidir em mi-
lésimos de segundo”. John Lennon dizia que a vida é isso que ocorre enquan-
to nos empenhamos em fazer outros planos. Quem sabe o futebol seja isso
que ocorre enquanto nos empenhamos em fazer táticas e mais táticas, em
busca de uma mecanização que sempre será incompleta ante as problemáti-
cas que apresenta o jogo. É que uma tática tem que ser o suficientemente fle-
xível para permitir a superioridade sobre o contrário.
O imprevisível. Algum treinador tem na sua planificação uma derrota por 7
a 1 (como sofreu o Brasil no Mundial 2014 como organizador)? Ou a lesão de
10 jogadores titulares ao mesmo tempo? Ou a eliminação da Taça dos Liberta-
dores da América porque um par de adeptos atiram “gás pimenta” na saída
para o campo da equipa rival? Ou uma tragédia aérea como a que sofreram
Manchester United (1958), Green Cross (1961), The Strongest (1969) ou Alian-
ça Lima (1987)?
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A maior ocorrência de um facto, menor sensibilidade frente ao inesperado.
Daí nasce a metáfora cisne negro que Nassim Taleb toma de David Hume:
“Se passarmos toda a vida no hemisfério norte, pensaremos que todos os cis-
nes são brancos; no entanto, na Austrália existem cisnes negros”. Ninguém
planifica esses cenários mas há que estar preparados para enfrentá-los. Estes
acontecimentos não podem esperar que os envolvidos se sentem a desenvol-
ver uma sessão de técnicas de criatividade, isto é, o “eureka mágico”. Necessi-
ta-se a criatividade ao instante, porque é necessário tomar decisões sobre um
cenário desconhecido. O cérebro deve encontrar as respostas no mesmo ins-
tante em que se está vivendo o facto, que geralmente é um cenário confuso e/
ou caótico, sem recursos disponíveis e com implicações emocionais muito for-
tes. O cérebro já não necessita responder rápido, mas “originalmente rápido”.
Só uma mente criativa pode improvisar com a originalidade necessária
para sair de um problema repentino. Treinar-se para a “improvisação criativa”
é planificar como preparar-se para um futuro cada vez mais incerto. A criativi-
dade é a única que sabe de memória o manual de procedimentos ante emer-
gências inesperadas. Não é fácil saber como resolver os desafios da crescen-
te complexidade, mas uma maneira de NÃO resolvê-los é ignorando a criativi-
dade.
Lição 22
O novo mundo requer de velozes interpretações que conduzam a soluções.
Toda a certeza que não é revista periodicamente tende a repetir condutas,
mas não sempre resultados. Toda a conclusão que pretendamos considerar
como definitiva é sempre momentânea. São tempos de certezas duvidosas
que requerem pensar criativamente, antes que aceitar sem julgar. A habilidade
criativa é a habilidade das habilidades. A competência do futuro é a criativida-
de porque, através dela, chegamos a este presente e também escaparemos
dele.
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Lição 23
Se deixa de desfrutar quando se associa a criatividade exclusivamente a tare-
fas ofensivas e com bola, o qual é um mito escandalosamente extendido. Um
jogador cuja tarefa é principalmente defensiva também pode ser criativo. Tirar
uma bola sem faltas é de artistas. Esta motivação deve chegar também a
quem tem prevalência de tarefas defensivas sobre as ofensivas (ainda que to-
dos os jogadores devam ter tanto tarefas defensivas como ofensivas).
Lição 24
O treinador, os jogadores e os dirigentes devem ser conscientes do valor da
criatividade. Sem consciência, é muito difícil aceitar a criatividade dentro da
planificação da equipa porque o jogador poderia vê-la como uma ferramenta
desnecessária e excêntrica.
Clubes inovadores
A inovação deve ser um valor que compromete a instituição a pôr em jogo
e valorizar ao longo do tempo. O Milan de Itália sempre foi reconhecido por
isso e, quando os sinais se debilitaram, velhas glórias se encarregaram de de-
nuncia-lo. Pouco antes do ano 2010 Arrigo Sacchi pediu ao proprietário do
clube, Silvio Berlusconi, que voltasse a ser o “grande inovador” que era. As
instituições que se destacam por inovar e gozam de um passado inovador
sempre encontrarão pessoas que alertem sobre estados de comodidade, es-
tancamento, aburguesamento ou miopia. Um são exercício que não lhe permi-
ta abandonar os seus princípios e a sua visão. É necessário que cada institui-
ção inovadora tenha o seu “Arrigo Sacchi”, para que a chama da criatividade e
a inovação nunca se apague. Parece que o Milan entendeu o seu compromis-
so com a inovação já que, ao momento de escrever este livro, projetavam
construir o estádio mais inovador do mundo.
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Lição 25
Como saber se uma instituição é inovadora? Pelos produtos que exibe e o cli-
ma organizacional para a criatividade que se vive. Todos compartilham o valor
da inovação. Desde o presidente da instituição, até os encarregados da cafeta-
ria; desde a equipa técnica da equipa da primeira divisão, até aos encarrega-
dos da segurança. Cada um aprecia o valor das novas ideias (necessitam-se
pelo menos 300 para encontrar uma com êxito) e contribui com o seu capital
intelectual. Algo que se conhece como bridge building e consiste em que o
pessoal dos distintos departamentos se relacione, para aproveitar o potencial
que possa surgir dessas sinergias. O Barcelona de Espanha, por exemplo, re-
aliza workshops de cocriação com os seus empregados, um ponto cardeal na
estratégia que se propôs a comissão diretiva ao longo do seu mandato.
Tão imbuído está o Barcelona em temas de inovação e tão claro tem o ob-
jetivo de ser líder nesse campo que em 2017 abriu o “Barcelona Innovation
Hub” (uma inovação em si mesmo já que é o primeiro do seu tipo). Reconhe-
cem a necessidade de “estar atualizados de tudo”. Com este projeto o clube
persegue quatro premissas: procurar o conhecimento por fora da sua institui-
ção, gerá-lo, compartilhá-lo e o poder monetizar e, por último, transferi-lo. O
clube quer ser emissor e ao mesmo tempo recetor de inovação num ecossiste-
ma que terá maior impacto, se conta com agentes externos abrindo as suas
portas de par em par a agentes de financiamento, indústria desportiva, univer-
sidades, centros de investigação e outros patrocinadores sabedores de que
um e um somam mais de dois. Por isso é um Innovation Hub e não uma uni-
versidade ou centro tecnológico.
Em 1961, Mel Rodhes estabeleceu os quatro P’s da criatividade (no Barce-
lona institucionalizam dois deles):
1. Press (meio ambiente).
2. Processo (criam-se espaços e institucionalizam-se processos para fa-
vorecer a criatividade).
3. Personalidade.
4. Produto.
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Para eles, o futuro e a competência não são uma carga, mas um desafio.
Segundo Stephen Shapiro, especialista em inovação, existem três níveis nas
organizações inovadoras:
1. Inovação por atividades: concursos, workshops de criatividade, ape-
los, open calls, etc.
2. Inovação por capacidade: estruturas definidas, tanto para a ideação
como para a implementação de novas ideias.
3. Inovação por sistema: a criatividade e a inovação penetraram ao pon-
to de transformar-se no ADN da instituição. Todos se sentem comprometidos e
felizes de participar na missão inovadora.
Lição 26
É um grave erro associar a criatividade com exclusividade à técnica. Apesar
de Valdano ter razão, ao dizer: “A criatividade está enamorada da técnica. O
toque subtil, o calcanhar impossível. O futebol sul americano em estado puro”.
Um erro no qual costumam cair os treinadores, dirigentes, jornalistas desporti-
vos e jogadores. A criatividade deve nascer da capacidade dos treinadores ge-
rirem a tática, a favor de cenários onde a capacidade de execução técnica, ou
de bloquear o adversário, produza em benefício próprio. A criatividade é um
elemento que diferencia o treinador, o preparador físico, o jogador e inclusiva-
mente o árbitro. Porque todos eles estão submetidos a situações nas quais o
“manual do óbvio” se esgota.
Os treinadores transformaram-se em verdadeiros condutores das suas
equipas de trabalho, compostas em muitos casos por, pelo menos, vinte pes-
soas entre treinadores, ajudantes, preparadores físicos, treinadores de Guar-
da-Redes, psicólogos, massagistas, médicos, nutricionistas, etc. Em palavras
de Van Gaal: “Sou de uma época em que o treinador fazia tudo. Agora sou o
gestor e tenho um departamento de ciências do desporto, outro de scouting e
outro médico, um chefe de assistentes e treinadores assistentes. Eu não faço
nada… nada! Delego e ganho muito dinheiro”.
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Lição 27
Entre a equipa técnica (9) e a equipa médica (9), o Paris SG da França exibe
um plantel de 18 profissionais. Entre a equipa técnica (10) e a equipa médica
(10), a cifra do Vélez Sarsfield da Argentina ascende a 20 profissionais. Para
mencionar só dois casos de 2016. As equipas não dispõem de um treinador
de criatividade, um “think manager”, alguém que tenha a gestão eficiente do
capital intelectual do grupo de trabalho. Perante esta situação, um treinador
tem a obrigação de solicitar, gerir e aplicar as ideias da sua equipa de colabo-
radores. Nas reuniões deve saber manejar (ou delegar) o processo criativo
conjunto dessa soma de cérebros. Uma equipa técnica que sabe gerir a capa-
cidade criativa dos seus componentes eleva-se a si mesmo em relação àque-
les que não dispõem de um tratamento profissional para a gestão da criativida-
de.
Walter Di Salvo é diretor de desenvolvimento científico da Academia Aspi-
re do Qatar, uma espécie de guru em matéria de inovação em preparação físi-
ca (Real Madrid, Manchester United, Lazio). É o criador do projeto Aspire in
the World Fellows, uma associação de 50 clubes (40 equipas e 10 seleções)
de 28 países dos cinco continentes, para promover o desenvolvimento do ta-
lento no futebol a partir de critérios inovadores. Uma palavra autorizada para
falar de inovação no futebol: “O mundo do futebol é fechado, reticente às ino-
vações, e não compartilha os seus conhecimentos. Os clubes têm medo de
abrir-se e não aceitam as críticas. Mas a sociedade vai numa linha clara de
abertura; o vemos nos jovens que partilham tudo nas redes sociais. Partilhar
informação nos ajuda a ser melhores. No futebol, até agora, a gente só parti-
lhava informação ao final da sua carreira”.
Lição 28
A aprendizagem da criatividade deveria ser sempre prática, evitando teoriza-
ções que aborreçam o jogador. Os humanos aprendem 10% do que leem,
20% do que escutam, 30% do que veem, 50% do que veem e ouvem, 70% do
que debatem com outros e mais de 80% do que fazem.
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Quando há desejo de fazer, a criatividade não se fixa no orçamento. Quan-
do não há recursos, a criatividade é o único recurso. Contam que, como não
havia recursos, o Rosario Central da Argentina fundou a sua sede social num
vagão de comboios em desuso, que para além disso era usado como balneá-
rio! A escassez é motivo de provocação criativa.
O treinador espanhol Joaquín Caparrós, antes de chegar à elite do futebol
de Espanha, trabalhou em clubes muito modestos e crê que “a modéstia no fu-
tebol faz com que um treinador sem meios tenha uma grande criatividade”. As
vivências de Caparrós guardam semelhança com as descobertas de Uri Ne-
ren e seus colegas, que encontraram na escassez de recursos o denominador
comum das melhores inovações, produtos e patentes. Já o dizia Platão em A
República: “A necessidade é a mãe da invenção”. Neren e um grupo de cole-
gas desenharam a experiência The World Database of Innovation com a qual
recolheram informação sobre mais de 500.000 patentes e inovações. O seu
denominador comum foram as limitações, externas ou internas, impostas a
cada projeto.
Lição 29
A sabedoria dos treinadores de elite será alternar adequadamente, em quanto
ao tempo e ao lugar, a abundância natural desses ambientes com as restri-
ções intencionais, em busca de criatividade, inovação, surpresa, motivação e
“sacudidelas” da zona de conforto.
Os clubes que têm poucos recursos económicos devem ter engenho para
sustentar-se e crescer. A criatividade converte-se no seu principal aliado. Em
2002 o clube Floey comprou ao Vindbjart o atacante Kenneth Kristensen por
75 kilos de camarões. O comprador não dispunha de fundos e o vendedor não
queria desiludir o atacante, que desejava ser transferido. Vidar Ulstein, presi-
dente do Vindbjart, solicitou o peso do jogador em camarões e assim ficou fe-
chada uma das transferências mais insólitas e criativas do futebol mundial.
Outro caso de criatividade é o do clube inglês Halifax que, devido aos inten-
sos nevões de 1963, habilitou o seu campo como pista de patinagem para ob-
ter ingressos.
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Dirigentes, jogadores e treinadores devem ser criativos. Em 2003 o presi-
dente do Cruz Azul do México, Billy Álvarez, depois de nove jornadas sem tri-
unfos, despediu a equipa técnica e todo o plantel de jogadores. O seu objetivo
foi rescindir o contrato vigente e oferecer uma remuneração por objetivos. Só
cobrariam se obtivessem pontos. A maioria do plantel aceitou. Entre eles, os
futebolistas mais jovens e alguns consagrados, como o Guarda-Redes Oscar
Pérez e o atacante Juan Francisco Palencia. Outros, como o atacante Sebas-
tián Abreu, decidiram sair.
É muito bom que o engenho acompanhe a quem dispõe de maiores recur-
sos. O AS Monaco, por exemplo, desenhou treinos para os Guarda-Redes
com uma cerca de construção inclinada no solo. Isto dá à bola uma nova dire-
ção logo depois de passar sobre ela.
O futebol costuma ser permissivo com os ganhadores e lapidar com os per-
dedores, mesmo quando a posição alcançada seja a de vice-campeão. No en-
tanto, há segundos classificados que foram mais recordados e determinantes
que os primeiros na história deste desporto. O seu legado inovador transcen-
deu a anedota do resultado e inspirou muitos dos treinadores que vieram de-
pois: a Hungria de Gusztáv Sebes de 1954 ou a Holanda de 1974 com o seu
futebol total (definição dos jornalistas à de Michels: futebol de pressão).
PREVISÃO 2
No futuro, o futebol total será aquele que desloque o jogador por qualquer po-
sição, transitando com a destreza específica do jogo. Não será um Defesa La-
teral que defenda forte, se projete e chegue à área (o que já existe), mas aque-
le jogador capaz de anular a sua marcação na fase defensiva, de passar a
bola como um Médio Ofensivo no seu trânsito pela metade do campo e de en-
viar um cruzamento como um Extremo ou de definir na área como um Ponta
de Lança. E assim, com cada uma das posições. Em função disso, mudarão
todas as formas de treino no futebol de elite.
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PREVISÃO 3
Cruyff confessou que aprendeu a ver o futebol desde a posição de Guarda-
Redes, que tanto lhe gostava praticar em treinos ou equipas alternativas. O fu-
tebol infanto-juvenil modificará os seus conceitos de formação tanto no geral
como no específico. O conceito do geral será o específico e o específico ten-
derá a desaparecer. A muitos lhes surpreende o poder de golo de Gabriel Mer-
cado, o marcador de ponta da Seleção Argentina. Eles ignoram que Mercado,
em criança, jogava tanto a Médio Ofensivo como a Ponta de Lança.
Lição 30
A tendência a rever estratégias de treino e ensino é irreversível. Também a
compreensão de novas formas de explorar o potencial do cérebro. Esta é a
opinião sobre o tema de Juan Sebastián Verón, ex-jogador do Manchester
United e da Seleção da Argentina e atual presidente do Club Estudiantes de
La Plata da Argentina: “A contribuição das neurociências ao futebol é muito im-
portante. Hoje temos a necessidade de formar “jogadores inteligentes”, que se-
jam eficientes para tomar decisões. Isso leva-nos a repensar os processos for-
mativos dos futebolistas, que adotaram um caráter mecanicista e robotizado,
estigmatizando o erro no processo de ensino-aprendizagem e coartando o
desenvolvimento da perceção e a criatividade”.
A personalidade inovadora
Os inovadores foram sempre um motivo de admiração. Christine MacLeod,
professora de História na Universidade de Bristol, destaca que no século XIX
Isaac Newton chegou a competir com William Shakespeare, como o máxi-
mo herói cultural da nação; e James Watt, o inventor da máquina a vapor, con-
verteu-se num mito.
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• Os inovadores são apaixonados
O grande campeão mundial de xadrez Bobby Fischer jogava até no chuvei-
ro. Contam que um dia Guardiola, antes de dirigir o Barcelona, veio à Argenti-
na para aprender de Bielsa e Menotti. Na sua paixão, Bielsa não deixava de
passar os seus conhecimentos, chegando às onze horas de conversa, pelo
que Guardiola viu-se obrigado a concluir o encontro. Benni McCarthy foi com-
panheiro de Frank de Boer no Ajax e disse dele: “Tinha um treinador dentro,
sempre se preocupava pelos meus movimentos no campo e os analisava para
ganhar vantagem sobre os rivais. Isso sim, se se punha a falar de futebol, não
parava até que o calassem!”.
• Os inovadores bebem de qualquer fonte para ter os melhores resulta-
dos
Encontram contribuições que engrandecem os seus pontos fortes e minimi-
zam os débeis. O treinador espanhol Luis Enrique realiza trabalhos de coa-
ching mas só a nível pessoal, um psicólogo que o acompanha para onde vá.
• Os inovadores não podem ser contidos pelas estruturas nem pelas
expetativas
René Higuita foi um Guarda-Redes que jamais foi escravo do que esperavam
dele. Os três postes e a pequena área representavam uma prisão para ele. Jo-
gou sempre com os pés, saía para longe da baliza e ganhou fama mundial
p e l a i n v e n ç ã o d o “ e s c o r p i ã o ”
(https://www.youtube.com/watch?v=TRj3dKKp9tI).
• Os inovadores não temem o ridículo
Albert Batteux é considerado o melhor treinador da história da França, inspi-
rador do futebol ofensivo e defensor do drible por considerar que as superiori-
dades numéricas se obtêm ao desequilibrar um defensor numa situação de
1x1. A estrela do Reims dos anos 50, Raymond Kopa, era acusado de driblar
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em excesso. Batteux dizia-lhe: “No dia que não dribles mais tiro-te”. Outro trei-
nador lhe teria aconselhado a driblar menos até que as queixas terminassem.
Um inovador dobra a aposta e arrisca-se. Em cada jogador encontraremos a
qualidade pela qual expressa melhor a sua criatividade, isso que o distingue
do resto.
• Os inovadores têm as expetativas muito altas e aspiram a ser únicos
O treinador Jürgen Klopp referiu: “Os adeptos não só têm que reconhecer-
nos pelas nossas camisolas em amarelo e negro. Ainda que joguemos de cor
vermelha, todos têm que pensar: Essa equipa só pode ser o Borussia
Dortmund”.
• Os inovadores estão convencidos das suas ideias e não lhes importa
se elas provocam antipatias
A sua convicção está muito por cima do “que dirão?”. O que hoje é moeda co-
mum no seu momento foi uma medida antipopular. Sir Alex Ferguson proibiu
na sua chegada ao Manchester United a presença de qualquer estranho no
campo de jogo enquanto os seus jogadores se treinavam. “Ninguém pode en-
trar no treino, é algo privado. Os jogadores vêm relaxados e se divertem por-
que ninguém os observa com lupa”.
• Os inovadores levam as suas ideias até ao extremo desconhecendo
toda a crítica
Batteux inventou o canto “à la rémoise” (à maneira do Reims) que chegou a
ser ridicularizado. Na sua equipa os pontapés de canto à área não eram ca-
suais. O Reims saía com um passe curto para elaborar uma sequência de
jogo baseada em passes e ações de 1x1, como base ao desequilíbrio da técni-
ca. A renuncia a lançar um cruzamento à área é uma expressão de criativida-
de e inovação. Alguns especialistas consideram a seleção da França de Bat-
teux (terceira no Mundial de 1958) de melhor qualidade que a campeã mundi-
al de 1998.
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• Os inovadores o são nas suas ideias e na forma de as comunicar
Por exemplo, a motivação. Num diálogo entre Marcelo Bielsa e um futebolis-
ta, antes de um clássico entre Newell’s e Central, o treinador perguntou ao jo-
gador o que ele estaria disposto a oferecer, se lhe garantissem o triunfo. A res-
posta é que chegaria a travar a bola com a cabeça. Bielsa pede mais e respon-
de: “Se me asseguram ganhar, deixo cortar este dedo”.
• Os inovadores são emocionais. Um bom treinador inovador pode en-
volver-se emocionalmente com o jogador
Guardiola disse: “Há outra maneira: não envolver-se emocionalmente. Ter o
treino e a formação e ir para casa. Mas os seres humanos necessitam proximi-
dade, em bons e maus momentos. Eu necessito a pele, o abraço, a explica-
ção. Não há coisa mais maravilhosa que tentar meter as tuas ideias nas cabe-
ças dos teus jogadores”.
Quem sabe Guardiola conheça os múltiplos benefícios do abraço: biológi-
cos, psicológicos e sociais. Estes incluem: segregar oxitocina, serotonina e do-
pamina (sensação de bem estar), elevar a autoestima, favorecer o altruismo,
relaxar-se (especialmente a parte pré-frontal do cérebro), melhorar o sistema
imunológico e a tensão arterial, reduzir a produção de cortisol (hormona res-
ponsável pelo stress) e estimular condutas de generosidade. Tudo isso num
abraço de seis segundos. Talvez Guardiola saiba que a nossa primeira forma
de vinculação não foi a palavra, mas sim o contato. Em 2009 o psicólogo
Matther Hertenstein demonstrou num estudo que, com o contato físico, comu-
nicam-se emoções como a simpatia, a felicidade e a gratidão com uma eficá-
cia de 78%. Não é casualidade que o córtex insular seja uma zona cerebral
que se ativa durante o contato e quando se experimenta confiança. Numa soci-
edade com fobia ao contato, o abraço resulta inovador. Guardiola o sabe, ou o
intui.
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• Os inovadores são idealistas e têm a capacidade natural de provocar
para gerar expetativas
Se os dirigentes aspiram a realizar algo revolucionário, só podem nutrir-se des-
te tipo de treinadores. Na primeira partida de Marcelo Bielsa no Olympique
de Marselha, havia uma bandeira com a legenda: “Louco. Faz-nos sonhar”.
Só este tipo de personalidades possui uma aura distinta que ilumina tudo. E já
não importa tanto o resultado final (Bielsa não terminou com um título para a
equipa francesa), mas a sua capacidade para iluminar processos e deixar mar-
cas para sempre.
• Os inovadores são obsessivos
Oriol Tort, criador de La Masía barcelonista onde se formaram os grandes ta-
lentos futebolísticos da equipa blaugrana, passava horas observando partidas
de crianças na sua função de scouting. Assim foi como descobriu Guardiola,
Iniesta e Xavi, entre muito outros. Uma vez que finalizava o seu trabalho
como representante de produtos farmacêuticos, dedicava o seu fim de sema-
na à observação de crianças. Sam Walton, fundador da famosa cadeia de su-
permercados Wal-Mart, costumava ir trabalhar às 4:00 da manhã para rever
os relatórios de venda do dia anterior e pensar um pouco antes que chegas-
sem os outros.
• Os inovadores vivem para criar o que ninguém tinha proposto antes
O treinador russo Valeri Lovanovsky aspirava a uma automatização extrema
dos movimentos dos seus jogadores. Para provar que os haviam incorporado,
os fazia jogar partidas reduzidas de cinco contra cinco… com os olhos venda-
dos!
• Os inovadores encontram inspiração em qualquer momento e lugar
Não dependem de nenhuma ferramenta para forçar o pensamento criativo.
Jürgen Klopp inspirou-se nos métodos dos bateristas para desenhar os trei-
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nos de repetições de técnicas. Não é casualidade que o dispositivo de melho-
ramento da técnica, Footnaut, tenha nascido no Borussia Dortmund.
• Os inovadores adiantam-se no tempo
No futebol atual um bom Guarda-Redes deve saber jogar com os pés. Em
1974 isso era pouco menos do que uma excentricidade. Rinus Michels na
sua “Laranja Mecânica” fez isto e muito mais com a figura de Jan Jongbloed,
que tinha aí 33 anos, uma carreira normal e só quatro minutos jogados com a
seleção holandesa. Jongbloed defendia sem luvas, jogava como um líbero e
jogava com naturalidade com a bola nos pés. Pouca informação para um espí-
rito normal. Suficiente para um inovador. Os inovadores adiantam-se no tem-
po. Valeri Lovanovsky preocupava-se em 1970 pelas reações dos jogadores
criativos no cortéx cerebral.
• Os inovadores não temem o ridículo
O treinador argentino Carlos Bilardo foi um inovador tático, não só pelo seu
1-3-5-2, mas também pela forma de transmitir compromisso e paixão aos
seus jogadores. Numa festa pediu ao atacante argentino Ricardo Gareca que
se pusesse próximo de um jogador italiano em pleno baile, para ver se podia
emparelhar-se com ele nas bolas paradas. Encontrou-se com o jogador Julio
Olarticoechea em plena rota para explicar-lhe numa parede da rua (como
quadro negro) e com um pedaço de tijolo (como giz) quais eram as suas pre-
tensões táticas para o Mundial ’86. Despertou o defensor Oscar Ruggeri em
plena noite para perguntar-lhe a quem deveria marcar na final. E convocou o
Guarda-Redes Sergio Goycoechea numa praça de noite, iluminando o setor
com automóveis, só para saber se era capaz de defender de noite.
• Os inovadores são detalhistas
A comunicação não verbal é cada dia mais valorizada e inclui o olhar como
motivo de dominância ou hierarquia. A criatividade também consiste em inven-
tar detalhes, onde o simbolismo do pequeno no todo nunca é proporcional ao
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seu tamanho. Arrigo Sacchi, no Milan, fazia sair ao campo primeiro Ruud
Gullit, com o objetivo de impor-se visualmente aos rivais, aproveitando o tama-
nho do seu corpo. Gullit saudava o rival com o olhar fixo nos olhos. Numa
meia-final com o Real Madrid, Sacchi perguntou a Gullit quantos haviam baixa-
do a cabeça, ao que o holandês respondeu: “Todos menos um” (esse era Hu-
go Sánchez). O Milan de Sacchi era uma máquina demolidora de bom jogo e
não necessitava desses “detalhes” para impor-se. Mas um apaixonado como
Sacchi não deixava nenhum detalhe ao acaso.
• Os inovadores são multifacetados, tanto na sua personalidade como
nas suas capacidades
Pela sua formação curiosa, o inovador atravessa todos os temas. Daí nasce a
sua criatividade. Lewis Carroll foi um grande escritor mas também um inventor
de triciclos para adultos e jogos de mesa. Tal como Franz Kafka, que populari-
zou o primeiro capacete de uso civil e Herbert Wells, que inventou o primeiro
jogo bélico com soldadinhos. No futebol, o treinador francês Arsène Wenger
dirigiu o Arsenal de Inglaterra por mais de 20 anos. Fala seis idiomas e for-
mou-se como economista na Universidade de Cambridge. Participou do dese-
nho do Emirates Stadium, a elaboração de uma dieta para os seus jogadores
e a criação de um teste psicológico para os seus jogadores com 117 pergun-
tas, para medir a resistência psicológica, o stress e o autocontrolo. Para além
disso demonstrou ter um talento especial para descobrir diamantes em bruto,
em especial a George Weah, a quem resgatou de uma equipa humilde do
seu país e o levou a ser eleito Bola de Ouro e FIFA World Player.
• Os inovadores são perseverantes
O jogador russo Belanov contou que o famoso e inovador treinador soviético
Valery Lobanovsky chegou a treinar até seis horas, ensaiando somente o
modo como o Lateral começava uma jogada pela direita que era finalizada
pelo Extremo Esquerdo.
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fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
• Os inovadores costumam ser incompreendidos
A personalidade inovadora costuma ser interrogada sobre as suas caraterísti-
cas. Ao treinador argentino Marcelo Bielsa, os jornalistas o interrogam tanto
pelas suas táticas como pelo seu estilo. Ele costuma contestar (como o fez na
sua chegada ao Olympique de Marselha, quando o consultaram porque o di-
zem “louco”) mais ou menos assim: “Algumas das respostas que elejo não co-
incidem com as que se elegem normalmente”. Quem sabe o treinador Arsène
Wenger, a quem também costumam apelidar de louco, tenha razão: “Se não
fosse pelos loucos, o mundo seria um lugar mais estúpido para se viver”. E eu
agrego: aborrecido, rotineiro, regular…
• Os inovadores costumam ser incompreendidos
A capacidade de desnivelar do inovador alimenta-se da sua sensibilidade para
ver o que ninguém vê. Um ex-treinador das divisões inferiores do Barcelona
explica a qualidade visionária de Oriol Tort nesta história: “Tinha as pernas
pequenas e finas, como dois arames. Era pequeno e, francamente, não lhe vi
nada relevante a nível futebolístico: nem remate, nem drible, nem chegada,
nem desequilíbrio. Não sei o que tem a criança. Eu só lhe vejo cabeça” (Pep
Guardiola tinha uma enorme cabeça em relação ao seu pequeno corpo). Tort
respondeu: “Justamente, o segredo da criança está na sua cabeça. Nunca ti-
nha visto uma criança que se antecipe tão rápido à jogada, que pense um se-
gundo antes que os outros e tenha melhor visão periférica”.
• Os inovadores são as “ovelhas negras” de um rebanho manso
As “ovelhas negras” terminam sendo, em muitos casos, “ovelhas doura-
das”. Stan Cullis foi uma personalidade distinta no mundo do futebol. Como
jogador destacou-se por duas grandes rebeldias. A primeira, ser o único joga-
dor da sua equipa que não levantou o seu braço para reverenciar Hitler e se
manteve fiel aos seus princípios, pelo que foi removido da partida. A segunda,
o seu espírito desportivo e cavalheirismo no jogo. Perdeu uma final por não co-
meter uma falta intencional, o qual estava punido pelo regulamento.
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fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
Como treinador ignorou todas as vozes contra si pela tendência dos Wol-
ves jogarem bolas longas para as costas dos defensores contrários. Desafiou
os imbatíveis Honved Budapeste da Hungria e ganhou-lhes numa partida ami-
gável em 1954. Esta gerou tanta expetativa, que a BBC ofereceu transmitir o
jogo (algo pouco comum para a época). Depois dessa partida, auto-proclamou
a sua equipa como a melhor do mundo, motivo que inspirou uma competição
para medir as melhores da Europa entre si. Uma proposta do periódico fran-
cês L’Equip, que desconhecia a afirmação de Cullis. Tinha nascido o que hoje
conhecemos como a Champions League.
O público fez-lhe saber a sua admiração quando o despediram, como a to-
das pessoas distintas: enviaram milhares de cartas aos dirigentes e deixaram
de acudir ao campo. Wolverhampton desceu à segunda divisão. Uma das tri-
bunas do estádio Molineux recebeu o nome de “The Stan Cullis Stand” e em
2003 entrou no Hall da Fama do futebol inglês.
Espírito criativo?
O treinador argentino Diego Simeone jogava a desenhar táticas em cada
uma das refeições da Seleção Argentina, na sua época de jogador com Ger-
mán Burgos (que devia apressar-se a tomar os talheres que eram utilizados
por Simeone, para além de copos, saleiros e todos os elementos que estives-
sem à mão). Assim pensava movimentos e sistemas táticos.
Quando o Milan comia pizza, Sacchi estava de parabéns. Usava as azeito-
nas para representar os movimentos táticos dos futebolistas. Mas não só, se-
gundo Chema Bravo, mais de uma vez no estacionamento de Milanello elabo-
rou algum detalhe tático desenhando sobre o vapor das janelas de um carro.
Beethoven costumava ir pela rua gritando as melodias que lhe ocorriam,
enquanto as ia anotando num papel. Cada treinador deveria seguir um pouco
o exemplo de Beethoven.
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fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
Lição 31
Tal como fazia o grande músico, é muito importante levar um registo das idei-
as que vão aparecendo. O registo, ainda que seja só umas poucas palavras
ou um esboço, deveria estar presente em todos os momentos e em todos os
lugares por uma simples razão: nunca se sabe se a ideia voltará novamente à
cabeça. Um caderno de ideias, papéis soltos, aplicações no telemóvel e qua-
dros são todos suportes que, dependendo do âmbito, não devem faltar a al-
guém que valoriza o produto da criatividade. Em síntese, a melhor descrição
de uma personalidade criativa e inovadora que encontrei pertence a Mihály
Csákszentmihályi, uma das pessoas que maior influência teve na minha for-
mação sobre estes temas: “Se tivesse que expressar com uma só palavra o
que faz as suas personalidades diferentes das outras, esta seria complexida-
de. Com isto quero dizer que mostram tendências de pensamento e atuação
que na maioria das pessoas não se dão juntas. Contêm extremos contraditóri-
os. Em vez de serem ‘indivíduos’, cada um deles é uma ‘multidão’. Eles ten-
dem a reunir o leque inteiro das possibilidades humanas dentro de si mesmos.
Estas qualidades estão presentes em todos nós mas habitualmente somos
educados para desenvolver só um polo. Poderíamos crescer cultivando o lado
agressivo, competitivo, da nossa natureza, e desprezando ou reprimindo o
lado protetor, cooperativo. Um indivíduo criativo poderia ser ao mesmo tempo
agressivo e cooperativo, ou em momentos diferentes, dependendo da situa-
ção. Ter uma personalidade complexa significa ser capaz de expressar a totali-
dade do leque de traços que estão potencialmente presentes em cada huma-
no, mas que habitualmente atrofiam-se porque pensamos que um dos extre-
mos é ‘bom’, enquanto o outro é ‘mau’. Uma personalidade complexa não su-
põe neutralidade, nem o termo médio. Supõe sim a capacidade de passar de
um extremo ao outro quando a ocasião o requer”.
Comparemos a anterior definição com a que oferece o jornalista Martí Pe-
rarnau sobre Guardiola no livro Herr Pep: “Pep é obsessivo. E competitivo. É
perfecionista, pedagógico e apaixonado. É enérgico e curioso. Prepara-se e
está preparado. É próximo e distante, inovador, frio e caloroso. Extremamente
exigente. Autocrítico, insatisfeito. Resultadista, pragmático, simples, irritável.
Pep é vulcânico. Persistente, esforçado e trabalhador. É entusiasta e senti-
mental até à última lágrima. Inconformista. É impulsivo e reflexivo ao mesmo
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  • 3. Dedicatória Ao meu pai que, tendo eu só cinco anos, cada domingo me levava pela mão ao campo para ver o nosso querido Villa del Parque. A primeira parte na tribu- na, a segunda parte nas redes atrás da baliza. Por partilhar a paixão desde o coração, por ensinar-me o idealismo desde o exemplo. Obrigado meu velho! Sente-se a tua falta. À minha mãe, que me ensinou a não ser um conformista e a superar-me cada vez que possa. À Mónica e Felicitas, as minhas duas pernas, as minhas duas mãos, os meus dois pulmões, os meus dois cérebros… os meus dois corações. Ainda que às vezes pareça o contrário, não se deixem guiar pelas aparências: elas são o meu suporte. A Andrés Mego que confiou em minhas palavras e sentimentos. Em minhas le- tras e intuição. Em minhas frases e ideias. Em todos meus eu. A Silvana Freddi que soube ter a paciência infinita de atender cada sugestão, cada reclamação, cada ideia e que fez de Guardiola… um livro de leitura mais simples e amigável que a minha obscura proposta inicial. Já não serei o mes- mo escritor que fui, depois da sua sabedoria. Aos meus colegas em geral e a Horacio Tellechea e David Bossio em particu- lar, com os quais chegamos a entender-nos sem falar, sabendo sempre que o verdadeiro valor agregado era criar as nossas próprias atividades sobre a base da criatividade, sem replicar atividades criadas por outros. Com eles, a criatividade florescia com naturalidade e sem fórceps. A Eduardo Gallazzi, com quem compartilho ideais de vida. Ao tio Norberto que me apoiou incondicionalmente. Qualquer um apoia com evidências, a questão é apoiar quando não as há. Norberto foi um deles. ii fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 4. Aos meus companheiros do Submarino Amarelo: Chapa, Chete, Tenazas, Avispa, Fredi, Fabi, Coco, Vaca, Juano, Tincho, Toto, Chipi, Mirco, Chone, Ser- gio, Ruso, Gabi, Marce, Caye, Rober, Colo, Novillo, Leo, Dari e Diego. Graças a eles, todavia ainda nos meus 46 anos, continuo sentindo cócegas na barriga a cada fim de semana quando vamos defender as cores do Submarino Amare- lo no torneio de veteranos que se joga em “o de Pulsen” (para além dos assa- dos, bilhar e pingue-pongue. A Yuri Quaglia, a primeira oportunidade como professor. A Carlos Rens e Abel Sarratea, que me deram a primeira oportunidade no mundo do futebol. A Lidia María Riba e Cristina Alemany, as minhas primeiras madrinhas no caminho de ser escritor. Aos dois Marcelos (Roffé e Berenstein), os meus primeiros padri- nhos no caminho de ser speaker. A todos os meus jogadores de todas as épocas, de futebol e de andebol, que souberam tolerar os meus padrões de expetativas muito altas e as minhas exi- gências muito intensas e volumosas. Ao professor Santella, a estrela que me guiou em meus inícios. Simples, gene- roso, apaixonado. Ao professor Signorini, de uma humildade e idealismo que contagia. A todos que me ignoraram (são muitos) ou acreditaram que estava louco (são uns quantos), indispensável obstáculo para redobrar a perseverança e a pro- cura de novas oportunidades em novos espaços e renovadas pessoas. A todos que acreditaram em mim (são muitos), apoio indispensável para se- guir para a frente: María Angélica, Gaspar, Guada, Carmen, Raúl, avó Esther, abuelo Darío, Mario, Lautaro, Marcos Bertone, Jorge Manso, Mario Raúl, Abel Lagheza, Laura Caruso, Silvana do Hotel Panamericano, Claudia de Engrau- lis, Fernando Hipólito, Eduardo Pérez Moretti, Marcelo Cardoso, José Pilar, Claudio Oliver, Mariela Faienza, Luis Lanza, Raúl Mauco, Mecha Lubrano, Cla- risa Herrera, Dora Foss... todos eles acreditaram de uma ou outra forma. A to- dos os que esqueci de mencionar mas sabem que também merecem estar numa dedicatória. Lhes peço perdão e espero que me perdoem. iii fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 5. À cidade de Necochea e aos seus necochenses: rio, parque, praia… O meu lugar no mundo é um paraíso. iv fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 6. Índice Prólogo...............................................................................................vi 1. Generalidades.......................................................................................10 2. Inovação Tecnológica...........................................................................61 3. Tática......................................................................................................82 4. Motivação e liderança de equipas.....................................................100 5. Marketing.............................................................................................134 6. O treino................................................................................................147 7. O jogador.............................................................................................172 8. Futebol infantil e juvenil.....................................................................190 9. O treinador...........................................................................................202 10. Técnicas de criatividade e ecossistemas de inovação.................237 11. A técnica............................................................................................249 12. Regulamento e arbitragem...............................................................255 13. O apito final.......................................................................................262 Bibliografia.......................................................................................267 Agradecimentos...............................................................................270 Germán Castaños...........................................................................278 v fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 7. Prólogo Não concebo preparar e jogar uma partida sem a ideia de poder ganhá-la. Pre- parar o jogador desde o mental, intelectual e conceptual para que seja prota- gonista. Como treinador, necessito encontrar e saber pressionar a “tecla” exata para que essa ordem tática sem a bola se transforme numa “desordem organi- zada” com a bola e o jogador tenha liberdade, capacidade de tomar decisões e improvisação, assuma riscos, invente e seja criativo para desenvolver assim todo o seu potencial. Se o sistema tático te tira criatividade, não serve. Se encontro essa “tecla”, o jogador assumirá melhores tomadas de decisão e renderá, como mínimo, cerca de 20% mais. O líder deve brindar ferramentas para que o futebolista decida espontanea- mente e, neste ponto, o presente livro brinda tanto a treinadores como a fute- bolistas caminhos para explorar a sua criatividade ao máximo. Ricardo Zielinski Treinador de Futebol. Treinou o Racing Club, Belgrano de Córdoba, Chacarita Juniors e Defensa y Justicia, entre outras equipas. vi fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 8. Germán recorda-nos, com grande mestria, que o futebol é volúvel: mudan- ça permanente e mutação constante. Como a própria vida. Mas com uma lupa gigante. Volátil, incerto, inseguro e complexo. Mais do que nunca uma virtude que deve ter todo o líder no futebol, para além de firmeza e saber escutar, é ser criativo e inovador. Este livro, sem dúvida, vale por isso. Brinda ferramen- tas que, no curto prazo, os treinadores e os futebolistas terão que utilizar para solucionar problemas, ser sujeitos pensantes e desenvolver o seu máximo po- tencial. Marcelo Roffé Psicólogo desportivo.Trabalhou nas Seleções da Argentina e da Colômbia com José Pekerman como treinador. Suponho que não se necessita percorrer o mundo para se dar conta de que, como nos legou Hamlet Lima Quintana, “há gente que é assim, muito ne- cessária”. Parafraseando o magnífico poeta, chego à conclusão que não ne- cessitámos extenuar-nos em vasculhar demasiadas bibliotecas para assumir que “há livros que são assim, muito necessários”. Esta quase óbvia reflexão ocorreu-me ao percorrer com entusiasta fruição as páginas desta inovadora e muito feliz ocorrência de Germán onde nos mostra, com meridiana claridade, um novo caminho para alcançar o êxito no futebol baseado em inevitáveis prin- cípios éticos. Fernando Signorini Preparador Físico de Diego Armando Maradona nos Mundiais 86 ́, 90 ́y 94 ́; Preparador Físico da Seleção Argentina no Mundial 2010. vii fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 9. A criatividade e a inovação são motores indispensáveis no futebol para se conseguir transcender mais além do que o possível êxito desportivo. Esses dois termos também são necessários para definir esta magnífica obra, capaz de reunir uma longa série de conceitos e exemplos, com a sua consequente análise e desenvolvimento, que a fazem tão cativante como imperdível. Vicente Muglia Jornalista Diario Olé. Autor do livro Che Pep, a conexão argentina. Apaixonante livro. Recomendado para todos aqueles que gostam das histó- rias relacionadas com o futebol e também para aqueles que gostam de ir um pouco mais além. Neste mundo onde a inovação e a criatividade estão atra- vessadas pela tecnologia, o futebol não escapa a tal regra. Gabriel Gómez Stradi Analista de vídeo no Club Atlético River Plate. viii fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 11. C A P Í T U L O 1 Generalidades O treinador inglês Howard Wilkinson tinha razão: “Há dois tipos de treinado- res: os que acabam de ser despedidos e os que estão prestes a sê-lo”. Tam- bém Nils Liedholm, que foi treinador da Roma de Itália: “O trabalho de treina- dor é o melhor do mundo. Pena que existam os jogos!”. Lição 1 Numa sociedade com muitos atores frustrados, o futebol é o âmbito onde não se perdoa a frustração, precisamente por ser o lugar no qual a sociedade está disposta a sublimá-la. No futebol podemos transformar a nossa fracassada re- alidade numa “fantasia de êxito”, isto é, mudar a nossa imagem quotidiana de frustração por 90 minutos de ilusão. Cada vez mais o treinador, e também os jogadores e os dirigentes em me- nor medida, são a desculpa perfeita, o verdadeiro “bode expiatório”. Na antigui- dade em Israel, sacrificavam um bode em rituais religiosos para purificar as su- as culpas. Estamos a entrar numa era na qual nem sequer os bons resultados garantem a continuidade do treinador ao comando da equipa. Nos últimos anos, por exemplo, a Jupp Heynckes não lhe renovaram o contrato no Bayern de Munique, apesar de ter conseguido a Liga dos Campeões, a Bun- desliga e a Taça da Alemanha. 10 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 12. Lição 2 A imprensa, assim como os adeptos, exigem satisfação imediata e sustentada no tempo. Somado ao facto de que certos dirigentes carecerem de uma lide- rança para sustentar aquilo em que dizem crer (projetos de longo prazo, etc.) mas não estão dispostos, no mais mínimo, a pagar os custos políticos porque renovam o seu poder nas eleições seguintes. Encurtaram-se todos os tempos. Tudo tem tendência ao efémero. Tudo é, em termos de Zygmunt Bauman, “sociedade líquida”. Mudança permanente. Mutação constante. O líquido é maleável, dinâmico e volúvel. Por isso, fala- se, e o futebol não é alheio a estas variáveis, de ambientes VUCA: volatile (vo- látil), uncertain (incerto), complex (complexo) e ambiguous (ambíguo). Se a guilhotina sempre ameaça o pescoço e a morte de qualquer processo está vigorosamente presente, mais vale mortes dignas que deixem inspiração que ocasos que não iluminem nada. A criatividade e a inovação serão cruciais para evitar a profecia compartilhada de Wilkinson ou para que, ao cumprir-se, a lápide nos despeça com honras. Lição 3 A urgência de resultados pode destroçar qualquer planificação a longo prazo. Por isso, cada vez mais as empresas contratam pessoas com capacidade de resolução de problemas complexos, criatividade e flexibilidade cognitiva. Isso mesmo deveriam observar os dirigentes na hora de contratar um treinador. Isso mesmo deveria ter em conta o treinador no momento de eleger um joga- dor. Já o disse o genial Victor Hugo: “O que conduz e arrasta o mundo não são as máquinas mas as ideias”. Nunca fui partidário das definições absolutas porque tendem, numa tentati- va de descrever e sintetizar, ser reducionistas e limitantes. Mas há uma que gosto particularmente e que pode ser útil para nos introduzir no termo criativi- dade. Diz Paul Torrance: “A criatividade é um processo que torna alguém sen- sível aos problemas, deficiências, gretas ou lacunas nos conhecimentos e o leva a identificar dificuldades, procurar soluções, fazer especulações ou formu- lar hipóteses, aprovar e comprovar estas hipóteses e modificá-las, se é neces- 11 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 13. sário, para além de comunicar os resultados”. Algum treinador, jogador, diri- gente ou profissional de futebol acreditará que pode prescindir dela? A história tende a premiar com o bronze a quem se encorajou a ser diferen- te e revolucionário nas suas propostas. Rinus Michels, para além de ganhar uma Taça dos Campeões Europeus com o Ajax, um título da Liga Espanhola com o Barcelona e um Campeonato da Europa com a Holanda, é venerado como o criador do “Futebol Total”. Michels é mais reconhecido pela sua contri- buição inovadora, da qual se nutriram milhares de treinadores, do que pelos seus títulos. O seu legado foi aceite por todos. Johan Cruyff, depois de já ter falecido Michels, comentou que como jogador e como treinador não havia nin- guém que lhe tivesse ensinado tanto como ele. A gente aceita o legado de quem marca as pegadas, não de quem segue as existentes. Lição 4 Um dos grandes pensadores do século XXI: Stephen Hawking disse que a in- teligência é a habilidade de adaptar-se às mudanças. Hawking não estava fa- lando de futebol mas bem que o poderia ter feito. A inteligência para adaptar- se às mudanças neste campo deve ser repentina, imediata. Tanto desde o banco como desde a relva. E não há melhor forma de adaptar-se às mudan- ças do que responder rapidamente a elas, sobretudo se é ele mesmo quem as provoca. Tal é a importância da criatividade e da inovação no futebol. A eterna denúncia Lição 5 Os treinadores tendem a tropeçar com um lugar bastante comum quando do- minam o jogo mas não obtêm a vitória. Uma e outras vez as mesmas pala- vras. Discurso que também abraçam os jogadores. O que ocorre com eles também se estende às organizações. É habitual ver como as empresas ado- tam o discurso da inovação da boca para fora, mas logo resistem seriamente a implementá-la no quotidiano. 12 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 14. Eternas denúncias no futebol Carlos Gamarra (depois da derrota do Paraguai perante a Grécia no Mundial da Alemanha 2006): “Faltou-nos criatividade. Marcámos bem, saímos bem, mas no final nos falta dar boas bolas aos nossos avançados”. Gonzalo Arconada (depois do empate do Real Jaén de Espanha): “Custou- nos, faltou-nos “engenho”, criatividade, para poder atacar com melhores argu- mentos a sua linha”. Morgan Schneiderlin (depois do empate entre o CSKA e o Manchester Uni- ted): “Faltou-nos criatividade”. José Mourinho (depois do empate do Real Madrid perante o Sporting): “Hoje jogámos sem os jogadores mais criativos da equipa. Faltou-nos criatividade. Faltou-nos para além disso contra uma equipa encerrada atrás. Teríamos de o ter tentado de outro modo”. Enrique Meza (depois do empate 1 a 1 entre UCR e Cartaginés): “Faltou-nos criatividade. Faltou-nos imaginação para poder romper a defesa”. Guillermo Vázquez (depois do apertado triunfo do Cruz Azul sobre o Puebla no México): “É necessário que os seus jogadores demonstrem criatividade dentro do campo para romper cercos defensivos como ocorreu esta tarde com La Franja”. Manuel Pellegrini (depois da derrota do Manchester City frente ao Arsenal): “Creio que o Arsenal defendeu muito bem e nós não tivemos a criatividade para colocar vulnerável essa defesa”. 13 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 15. Diego Latorre (a sua avaliação como jornalista depois do empate com a Argen- tina): “Ao Equador faltou-lhe mais criatividade no seu jogo ofensivo”. Ottmar Hitzfield (depois da equipa alemã vencer o Boca): “Ao Boca faltou-lhe criatividade”. Marcelo Barovero (depois do empate do River Plate da Argentina na primeira mão da final da Taça dos Libertadores perante o Tigres do México): “Faltou- nos um pouco de criatividade e, em geral, foi uma partida equilibrada, típica de uma final”. Guillermo Barros Schelotto (depois do triunfo do Lanús sobre o Argentinos Ju- niors no futebol argentino): “Ao princípio estávamos lentos e nos faltou criativi- dade”. Brendan Rodgers (depois do Liverpool perder perante o Manchester United): “Disputámos já cinco partidas e ainda não fizemos nada. Necessitámos de ser mais criativos.”. Geralmente tal demanda tem lugar após um resultado azarado e de um gran- de desempenho do oponente, que neutraliza todas as forças do jogo ofensivo. Teria-se que determinar o que é criatividade nesse caso. Lição 6 Reclama-se criatividade mas treina-se a mecanização. Porque quando uma equipa não converte golos, falta criatividade no ataque; mas quando perde por vários, não se reclama criatividade defensiva. 14 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 16. Lição 7 Quando faltam ideias e o jogo cai em repetições sem resultados visíveis, recla- ma-se a ausência de criatividade. Mas, treina-se para a criatividade? Fomen- tam-se ambientes criativos? Porque se associa a criatividade só com o ata- que, e não também com o bloqueio das habilidades do adversário? Porque se limita a criatividade ao mais óbvio? Também pode faltar criatividade para blo- quear o adversário. Mourinho costumava dizer: “Cada vez que enfrentava Messi, passava horas pensando na maneira de pará-lo coletivamente, já que é impossível marcá-lo individualmente”. Isso também é um exercício de criativi- dade. A eterna denúncia de ausência de criatividade vem acompanhada de outra frase igualmente banal e escutada até à saciedade: “Temos que trabalhar mais duro”. E trabalhar para ser mais criativo para quando? Vitor Frade, pai da Periodização Tática, costuma falar do Princípio das Propensões, que basi- camente consiste em fazer aparecer uma grande percentagem do que quere- mos alcançar, do objetivo pretendido. Para isso, devemos condicionar o exercí- cio para que o comportamento pretendido apareça de uma maneira repetida. Por esta razão, há falhas de aparição criativa. É evidente que, sem criativida- de no treino, dificilmente encontraremos criatividade no jogo. Ou como dizem Amieiro, Oliveira, Resende e Barreto: “A equipa como um ‘mecanismo não me- cânico’. Durante a semana de trabalho, os exercícios deveriam promover situa- ções onde surjam ações espontâneas que gerem um caos dentro de uma or- dem estabelecida. Isto faz referência à organização funcional, ou como a nos- sa equipa se vai desenvolver no terreno de jogo. Há que procurar uma criativi- dade que destrua esse mecanismo rígido sem criatividade nem espontaneida- de, mediante exercícios que obriguem os nossos futebolistas nos treinos a re- solver constantemente situações de maneira espontânea e criativa”. Lição 8 Existe uma inconsistência entre a reclamação e a ausência de prática que fa- voreça a criatividade. Reclama-se o que não se faz. Pede-se aquilo que não se desenvolve. Não se chega a entender a criatividade como um fenómeno que transcenda a criatividade técnica dos iluminados e virtuosos da bola. As coisas são vistas sempre do mesmo modo, tal como veremos detalhadamente 15 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 17. mais à frente. O jornalista Santiago Segurola afirma em relação a isto: “É curio- so como a tática suspeita da fantasia, mas reclama-a desesperadamente para ganhar partidas”. Criatividade e inovação: tendência mundial Em 2015 o World Economic Forum (Fórum Económico Mundial), que reune di- retores, gestores, CEOs e líderes das principais organizações do mundo, fez uma pesquisa consultando quais eram as qualidades mais valorizadas em 2015 e quais seriam em 2020. A criatividade, que estava décima em 2015, es- tará no terceiro lugar em 2020, representando assim o salto mais importante entre todas as qualidades avaliadas e sendo definitivamente determinante para se enfrentar os próximos anos. O passo decisivo na história mundial para instalar a criatividade e a inova- ção foi dado pelo economista austro-americano Joseph Schumpeter quando em 1911, com apenas 28 anos, escreveu sobre a ‘destruição criativa’. Ele con- siderou a inovação como a principal fonte de progresso económico; claro que também pode ser atribuída a outro qualquer tipo de ‘progresso’: tático, físico, motivacional, lideracional, etc. Mas por estes dias o mundo fala mais do que nunca de criatividade e inovação. As empresas e os países. A China tem pla- neado dar o salto para passar de ser um país manufaturante de baixo custo a um país que centra a sua economia na inovação. Prova disso é que, no comu- nicado de imprensa das suas políticas económicas para os próximos cinco anos, a palavra inovação aparece nada mais nada menos do que 71 vezes, planeando que dois terços do seu crescimento provenham dela. A inovação fala-se e aciona-se. Quantas vezes figura nos discursos dos clubes e treinadores perante cada desafio competitivo? Quantas vezes se co- locam em ação processos inovadores? Israel é um país com muita pouca in- dústria, no entanto, as suas políticas de inovação o posicionaram como o se- gundo lugar de inovação do mundo (só atrás de Silicon Valley). Como se pode crer que países tão pequenos, como o próprio Israel, Finlândia, Singapura ou Suécia, conseguiram posicionar-se entre quem marca a tendên- cia nos cenários mundiais? A resposta é óbvia e única: criatividade e inova- 16 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 18. ção. Como é possível superar uma equipa poderosa, sem criatividade e inova- ção? Como poderia uma equipa poderosa manter o seu reinado, sem criativi- dade e inovação? É que, tanto no futebol como nos negócios, entre as pesso- as, as organizações e os países… o que não inova morre! Lição 9 Sem a inovação como método que tudo atualiza, ainda estaríamos taticamen- te a jogar no WM de Chapman, ou avaliando a condição física do futebolista com o Teste de Cooper. A inovação converte rapidamente em algo obsoleto qualquer tecnologia, e coloca assim em tempos pré-históricos algo que ocor- reu faz menos de cinquenta anos. Os computadores que levaram o homem à lua em 1969 tinham menos capacidade de processamento do que o telemóvel que levas no teu bolso! “Não posso entender porque é que as pessoas se assustam com as novas ideias. Eu assusto-me com as velhas”, dizia John Cage. As inovações mais for- tes provêm de setores que não se encontram no radar competitivo dos gran- des. Blockbuster, a maior cadeia de aluguer de filmes do mundo (comparável a um Barcelona, um Real Madrid, um Manchester United ou à Juventus), en- trou em bancarrota pela aparição de um competidor pequeno mas ágil, inova- dor e com um novo modelo de negócios: Netflix. A revolução metodológica, ci- entífica e tática no futebol soviético surgiu de um treinador da terceira divisão: o Dnipro dirigido por Lobanovsky, que desenvolveu o futebol total mas do ou- tro lado da Cortina de Ferro. A inovação joga a favor e joga contra. Não é para covardes nem hesitan- tes. A favor porque, se verdadeiramente se quer marcar um caminho e deixar uma pegada distinta, é imprescindível recorrer a ela. Contra porque os treina- dores jogam cada partida com uma sensação constante de que o seu trabalho pode caducar, se os resultados não os acompanham. A urgência de resulta- dos conspira para a criação original. Por isso, há mais conservadores do que inovadores no futebol mundial. 17 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 19. Lição 10 A criatividade e a inovação são aplicáveis a cada âmbito do rendimento de uma equipa. Desde a tática à motivação, desde a preparação física às pales- tras pré-jogo, desde programar o estágio até à viagem em avião, desde uma conversa individual com um jogador até uma conferência de imprensa (como as conferências de Jürgen Klopp, que são incríveis), desde a renovação de um contrato até à apresentação com o plantel do primeiro dia de trabalho. Tudo pode receber a frescura que brinda a criatividade. O uso deste tipo de ferramentas também deveria funcionar como um “gatilho” para que o próprio treinador possa elaborar as suas; ou como um “despertador” que o ajude a pensar no impensado (sabe-se que 95% dos pensamentos de hoje serão iguais aos de ontem e aos de amanhã). O treinador é quem decide onde e quando deseja utilizá-las (se é que dese- ja utilizá-las ou arquivá-las). O que não é possível é não pensá-las. Seria qua- se como dizia Unamuno: “Que pensem eles” (os rivais). O produto da criativi- dade não será sempre de aplicação imediata. Pode ser rotineiro e persistente nas suas ideias táticas, mas criativo nas suas formas de comunicar. Ou vice- versa. Ou ambas as coisas. Sempre é melhor a sua disponibilidade e uso para todos os âmbitos, desejos e necessidades, mas ninguém tira a cada trei- nador o poder utilizar o produto da criatividade quando, para e onde queira. Uma grande definição de futebol é aquela que soube recolher as melhores ideias de muitos pensadores. Em 2005 Mas disse: “É uma habilidade aberta, relacionada fundamentalmente com a perceção (Knapp, 1963) e o conheci- mento (Bloom, 1965), que requer o domínio do próprio corpo e uma relação com os outros, (A.A.P.H.E.R.), com uma grande incerteza sócio-motriz implíci- ta no jogo, (Parlebas, 1998), que exige um terceiro nível de dificuldade, que implica a mobilidade constante do objeto e do sujeito, isto é, da bola e do fute- bolista (Fitts, 1965) e, para além disso, implica o domínio dos deslocamentos e o conhecimento do oponente”. 18 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 20. Lição 11 O futebol tem uma sucessão infinita de situações problema ao longo do jogo. Crer que o treinador tem todas as respostas é uma soberba própria do desco- nhecimento. Mas se num exercício de ilimitada imaginação este as tivera, ha- veria que ver se o jogador tem a capacidade de aprende-las todas e a motiva- ção para as absorver. É por isso que a capacidade de resolução imediata (o futebol não espera) e intuitiva (ninguém pode parar para pensar porque abriria caminho ao golo adversário) e a capacidade de “improvisar profissionalmen- te”, fazendo uso do conhecimento de forma veloz, são fundamentais para um jogador. “Primeiro a ideia e depois a jogada”, dizia o genial xadrezista Miguel Najdorf. Esta frase diferencia dois tempos, o qual é impossível fazer no fute- bol, exceto nas jogadas de bola parada e só antes de que o árbitro coloque tudo em movimento com o seu apito. O futebol é um “xadrez vivo”. O xadrez trabalha com as ideias de uma parte do cérebro chamada neocórtex; enquan- to que o futebolista necessita acomodar-se numa criatividade vinculada com o inconsciente. Quando Callois fez a sua classificação sociológica dos jogos, faz mais de 50 anos, quis diferenciar a cada um encerrando-o num compartimento. A clas- sificação constava de quatro categorias: Agon (jogos de competição, individu- ais, coletivos, por equipas); Alea (jogos de fortuna, de azar, de sorte); Mimicry (jogos de representação, de simulação, simbólicos); e Ilink (jogos que impli- cam um desejo de turbulência e instabilidade, acompanhados de sensações de desequilíbrio ou vertigem). A maioria dos jogos responde a uma categoria, uns poucos a duas. Mas se examinarmos detalhadamente o futebol, vemos que ele tem algo de todas. Razão que o torna imprevisível. Lição 12 O treinador inovador (bem sucedido) tende a ser copiado por todos sobre a base da crença que, copiando o método, os resultados chegarão com este. Quem copia às cegas não sabe que cada criação tática é única para cada equipa, que necessita adaptações individuais tanto como criações que a enri- queçam. Isso ocorreu com o Inter da Itália que após os títulos o seu modelo foi copiado até à exaustão, mas com escassos resultados. O seu difusor, Hele- 19 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 21. nio Herrera, soube dar as razões: “O Catenaccio foi copiado por todos, mas o fizeram mal. Só puseram em prática a sua defesa, esquecendo-se da sua ofensiva. Sem ela, nunca teríamos ganho”. É justo dizer que o verdadeiro in- ventor do catenaccio foi o treinador austríaco Karl Rappan no Servette, e mais tarde na Seleção Suiça, com o denominado ferrolho suiço. Nada do que se expõe neste livro deveria ser copiado por si só. O propósito é que, ao ser lido, funcione como inspiração para que cada treinador desenvolva o seu espí- rito inovador dia após dia. Helenio Herrera não foi só inovador nesse aspeto, também foi o inventor dos estágios. A sua esposa, Fiora Gandolfi, conta como apareceu a inspiração e o momento eureka: “Helenio partiu uma perna e teve que estar muito tempo em repouso. Gostava muito de ler, mas o único livro que se pode encontrar num hospital de Espanha é A Bíblia. En- controu uns textos de um monge que recomendava retiros espirituais, dias inteiros nos quais se limpava a mente, em busca de um estado de concentração absoluta. Helenio deu-se conta em seguida de que isto podia ser muito útil para mentalizar os jogadores antes de partidas importantes. Assim foi inventado o estágio”. A criatividade não provém só do pensar, mas do pensar interagindo. A Pa- blo Silva, técnico de gás registado e jornalista desportivo sem exercer, ocor- reu-lhe inventar o spray para fixar a distância das barreiras: “Eu sempre joguei futebol. Um dia fui disputar uma partida do centro de ex alunos do meu colégio. Íamos perdendo e, já perto do final, tivemos a possibilidade de empatar com um livre direto. Quando o fui executar, a barreira adiantou-se a menos de três me- tros e a bola bateu no estômago de um rival. O árbitro não repetiu o livre e armou-se uma confusão. Enquanto voltava a casa, muito irritado, comecei a maquinar uma ideia para evitar estas situações”. A compreensão criativa provém mais da vivência do que do pensamento. De algo que choca e provoca mais do que algo que se fundamenta. O cami- nho até à definição do projeto nem sempre é curto. Porque não é o mesmo ge- rir a criatividade do que gerir a inovação. O inventor diz: “Primeiro pensei num elástico. Algo que ficasse tenso e não pudesse ser superado pela barreira. De- pois imaginei um spray. Assim arrancou tudo”. A inovação causa surpresa. Na primeira aparição do spray nos campos, numa partida da Segunda Divisão da Argentina entre o Los Andes e o Chacari- 20 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 22. ta, os jogadores olharam para o solo assombrados quando o árbitro o utilizou pela primeira vez. A inovação requer tempo e superação de contratempos. Pa- blo Silva esperou seis anos para que o produto se utilizasse nos campos ar- gentinos, dez para que fosse aprovado pelo International Board, e doze para que se implementasse num Mundial. Quando alguém se dispõe a inovar numa partida, o maior risco não é per- der porque esta é uma condição inerente ao jogo. O risco é o ridículo e a críti- ca de quem está sentado comodamente no conhecido. Como disse o treina- dor espanhol Juanma Lillo: “Não arriscar é o mais arriscado, assim que, para evitar riscos, arriscarei”. Ou Guardiola: “Não há nada mais perigoso que não arriscar”. O maior erro não é o que se comete, mas o que se deixa de cometer por medo de cometê-lo. O erro maior é não permitir-se nenhum. Proibido perder: o instinto de sobrevivência As inovações no futebol para os medíocres têm só dois resultados: êxito e fra- casso. Essa qualificação nunca pode desprender-se do resultado do jogo: ga- nhar ou perder. Os pragmáticos valorizam os resultados. Os românticos, os processos. Os visionários, ambas as coisas. A derrota sempre se descreve com maior detalhe do que o triunfo. A culpa- bilidade do fracasso sempre é mais contundente do que a responsabilidade na vitória. Por um lado, exalta-se a cultura do êxito mas simultaneamente con- segue-se um efeito inesperado: a necessidade de não perder para não sofrer as críticas implacáveis da imprensa e dos adeptos. O treinador Bill Shankly, que orientou o Liverpool entre 1959-74, dizia: “Al- gumas pessoas pensam que o futebol é uma questão de vida ou de morte. De- ceciona-me essa atitude. É mais importante do que isso”. Porque razão então se põe tanto esforço no “não perder”? Porque é que as táticas defensivas abundam e as ofensivas escasseiam? Porque o nosso cére- bro, fisiológica e inconscientemente, está mais preparado para sobreviver do que para viver. Para conservar do que para expandir-se. Para não perder do que para ganhar. A mesma história da natureza humana. A mente trabalha na- turalmente mais a favor do “não perder-se” do que do ganhar-se. Presta-se 21 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 23. mais 80% de atenção às notícias más do que às boas porque no negativo en- contra-se a ameaça à sobrevivência. O positivo é um excedente para o cére- bro. Frans de Waal em Eu Primata - por que somos como somos diz: “O pre- cursor da depressão em outras espécies, a base biológica que logo dará lugar à depressão como a conhecemos, é a derrota. A derrota dá lugar a uma série de mudanças fisiológicas e emocionais muito similares às da depressão”. Segundo a Teoria Prospectiva de Kahneman e Tversky, as pessoas ten- dem a escolher uma alternativa segura antes do que uma provável, o qual se conhece como “efeito certeza”. Em termos futebolísticos, a maioria dos treina- dores prefere um empate seguro, antes que um triunfo provável. Os autores também descrevem o “efeito de reflexão” que basicamente diz que os huma- nos tendem ao risco quando todas as nossas opções são más. No futebol, a maioria dos treinadores correriam o risco de expor-se quando, por exemplo, necessitam de um triunfo de três ou mais golos para passar de fase. O mesmo ocorre no amor. Um psiquiatra relata que as pessoas aproximam-se para saber em que é que falharam e não repetir os erros no futuro. A consulta não é sobre de “como conquistar”, mas “como não ser abandonado”. Evolutiva- mente o objetivo de qualquer espécie é a sua conservação. A preservação e transmissão de genes à próxima geração. Por isso, os mecanismos de alerta estão mais ativos para as emoções negativas do que para as positivas. O alar- me está sempre preparado para detetar situações que ameaçam a sobrevivên- cia. As derrotas no futebol. A resposta maioritária (de se colocar mais ênfase na derrota do que na vitória), perante este alarme, desperta nos treinadores o seu mecanismo de defesa mais primitivo e inconsciente: procurar estratégias para não perder e ter a ameaça temporariamente afastada. Ás vezes, só uma semana e até à próxima partida. Ás mesmas conclusões se chegou sobre as equipas cotadas em bolsa. As pessoas têm mais tendência a evitar as perdas do que a obter lucros. Assim como as vitórias impulsionavam as ações para cima e as derrotas para baixo, o impacto negativo das derrotas era proporcionalmente o dobro que o das vitó- rias. Castellani, Pattitoni y Patuelli, professores da Universidade de Bolonha 22 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 24. que estudaram os casos, descobriram que o empate tende a desvalorizar as ações do mesmo modo que a vitória tende a valorizá-las. O não perder introduz-se inconscientemente inclusivamente nos âmbitos do ganhar. A inovação, por exemplo. Claramente inovar é uma aposta para se ganhar, uma ousadia, uma aventura, um risco que não tem nada de conserva- dorismo. No entanto, os últimos dados obtidos dos departamentos de I+D (In- vestigação e Desenvolvimento) demonstram o contrário: 58% do orçamento dedica-se a inovações incrementais ou menores, 28% a inovações substanci- ais e só 14% a inovações radicais ou disruptivas. Pior ainda, a proporção de novos produtos inovadores reduziu-se a metade nas últimas décadas. Isso si- gnifica que até nos âmbitos de inovar existe o medo para não perder. Inovação radical (ou disruptiva) frente a inovação incre- mental A inovação tende a incomodar os cenários de “suposta” estabilidade. A inova- ção altera, corrói e provoca tanto medo como rejeição ao princípio. A história reflete milhares de casos. Também no futebol. Quando se inventou o penálti, por volta de 1891, os Guarda-Redes em sinal de protesto ficavam parados ao lado do poste sem exercer oposição. Os adeptos ingleses demoraram anos a aceitar a regra. Impulsionar o êxito promove a inovação. Manter estável a derrota o acal- ma. A inovação radical é imprescindível para quebrar com as tradições e a ino- vação incremental, para as modernizar. Quando se perde, diz-se vulgarmente: “Há que continuar a trabalhar”, ou “trabalharemos mais duro”. As análises su- perficiais levam a propostas superficiais. Um olhar que enfatiza só o volume de trabalho (há que se trabalhar mais) como a intensidade (há que fazê-lo mais duro). Como o buraco de Edward de Bono, talvez não se trate de fazer o buraco mais profundo, mas sim um distinto. Ou como menciono no meu Pen- samento em montanha russa, aprofundar o buraco, fazer um novo e uni-los a ambos. Talvez se trate unicamente de trabalhar distintamente. Ao fim e ao cabo, é como diz Arrigo Sacchi: “O futebol é ainda um desporto muito atrativo 23 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 25. porque evolui todos os dias. Quem diz o contrário é porque não conseguiu compreendeu nada”. Lição 13 Em geral, os treinadores sabem muito de tática e estratégia mas nada de cria- tividade e inovação. Mas a estratégia sem criatividade não é outra coisa que um plano óbvio. Assim não é possível formar jogadores criativos nem equipas inovadoras. 24 Inovação radical Inovação incremental A inovação radical ou disruptiva produz-se quando se incorpora no mercado um produto ou serviço que é capaz por si mesmo de gerar uma categoria. Radical provém do latim radix (raíz). Trabalha-se sobre um conceito absolutamente novo. A inovação incremental produz-se quando de adiciona (ou tira, ou combina, ou subtrai, ou substitui) uma parte a um produto ou serviço. Trabalha-se sobre uma base conceptual. Na tecnologia Na tecnologia Invenção do automóvel. Incorporação do limpa para brisas. Incorporação do rádio. Invenção do telefone móvel. Incorporação da lanterna. Incorporação da câmara de fotos. No futebol No futebol Invenção do penálti. Mudanças na marca do penálti (no início existia uma linha). Mudança na distância do Guarda-Redes (no início podia-se adiantar). Invenção das chuteiras. Chuteiras com pitões modificáveis. Chuteiras sem cordões. Chuteiras estilo basquetebol. fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 26. Lição 14 Toda a estratégia sem criatividade na sua idealização torna-se previsível/aces- sível de bloquear/vencer. Sun Tzu é o autor de A Arte da Guerra, considerado o melhor livro de estratégia de todos os tempos. E apesar da data em que foi escrito (século VI-V a. C.), continua a ser um manual indispensável em aulas de estratégia de jogo e utilizado em prestigiadas universidades como o Institu- to de Tecnologias de Massachussets ou a Universidade de Columbia. Para além disso é a leitura de cabeceira de numerosos diretores de grandes multi- nacionais e treinadores desportivos de todos os setores e categorias. Diz Sun Tzu: “Os guerreiros vitoriosos primeiro vencem e depois vão à guerra. Os guer- reiros vencidos primeiro vão à guerra e depois tentam vencer”. A criatividade é um bom aliado da estratégia. Motivação e originalidade para os próprios. Sur- presa e imprevisibilidade para o adversário. Alguns treinadores não fazem demasiado uso da palavra criatividade nos seus discursos mas isso não é um problema, abunda-se em suas intenções e exigências. Um exemplo disto é Cruyff. Sem mencionar a palavra criativida- de, a exigia com toda a sua energia: “Há que saber romper a lógica da defesa quando não o esperam”. É óbvio que a lógica não se rompe com lógica, mas com imaginação e criatividade. Cruyff sabia gerar rompimentos com Koeman ou Guardiola. Em 1993 o jornalista Santiago Segurola escreveu um artigo no qual valori- zava as qualidades estético-criativas do jogo que impulsionava Cruyff: “Há algo nas suas equipas que as aparenta com uma visão pop da vida: o gosto pela diversão, a procura do brilho e um lado ingénuo, juvenil e despreocupa- do. As boas partidas do Barça sentem-se como as boas canções de Os Bea- tles ou Os Kinks: rápidas e diretas ao coração. E tudo isso porque Cruyff gos- tava da bola e dos futebolistas, e não andava preso à chatice que nos mata: sistema, sistema, sistema. Ainda que os seus discípulos tenham prestado atenção ao equilíbrio, à tensão defensiva e aos detalhes táticos, nenhum se esqueceu do estilo e da mensagem lúdica de Johan”. A criatividade pode romper a lógica porque a desestabiliza. A lógica não pode romper o produto da criatividade porque não tem um sentido que se pos- sa compreender ao instante. Toda a criação exige em tempo de interpretação. 25 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 27. Lição 15 O que não faz nada para evoluir está fazendo tudo para estagnar. E para não estagnar, é bom saber que criatividade não consiste só em fazer jogadas com boa habilidade técnica e inovação não se trata só de mecanismos tecnológi- cos que melhorem o rendimento. É infinitamente mais do que isso. É a ponta do iceberg do óbvio. As possíveis contribuições da criatividade e a inovação são todo o resto do iceberg que não se vê. A cópia e o ladrão de ideias Para que um treinador seja criativo e possa transmitir essa criatividade aos seus jogadores, necessita ter tanto uma formação multidimensional como a ca- pacidade para assimilar e conectar distintas informações, conhecimentos e ex- periências. Não é nenhuma vergonha tomar elementos de distintos treinado- res e uni-los segundo o gosto pessoal e as necessidades da equipa. Tito Ramallo, ex futebolista e treinador, definiu Guardiola como um “ladrão de ideias”. Isto poderia interpretar-se como uma grave acusação, se não fosse porque o mesmo Guardiola o admite como método criativo: “Eu agarrei de tudo. De Barcelona fui a Itália e agarrei coisas; e logo fui ao México e agarrei coisas: como saía com três La Volpe e como jogou com a Argentina no Mundial dominando o jogo, ainda que depois tenham perdido com um golo de Maxi. E dali fui para o Qatar, e bom, aí… melhorei o swing. Logo meti tudo numa trituradora, fiz o mix e as coisas ficaram na minha cabeça. E essas pertencem-me. Em Barcelona roubei, rou- bei e roubei; fui ao México e roubei, e se quiserem roubar de mim, roubem-me, porque ao final joga-se para os adeptos. O jogo é dos jogadores, os adeptos vão vê-los, não a nós. E roubei e roubei”. Guardiola é o Edison do futebol. Um criador que também se apoiou nas cri- ações de outros para obter as suas próprias. Edison foi reconhecido como uma pessoa com grande capacidade para comprar, adaptar e vender as inven- ções no mercado, já que muitas das suas milhares de patentes foram obras originais de outros (gira-discos, lâmpada elétrica, câmara de filmar, etc.). Tal- vez Guardiola se tenha inspirado em Picasso, que costumava dizer: “Os bons artistas copiam mas os grandes roubam”. 26 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 28. A neurociência comprovou que esse tipos de “roubos”, baseados em intan- gíveis, não ativa as regiões morais do cérebro. Mas Guardiola guarda seme- lhanças com os fenómenos da criatividade desde que o mundo é mundo. Eric Weiner disse sobre os atenienses que brilharam no século V a.C. (co- nhecido como o século de Péricles): “Era uma atitude, como sempre. É uma cultura. No caso de Atenas, era uma orientação para fora. Os atenienses eram grandes navegantes. De facto, eram um povo errante. Os gregos não in- ventaram tanto como pensamos. É famosa a frase de Platão: ‘O que os gre- gos tomam emprestado dos estrangeiros o aperfeiçoam’. Pedir emprestado é uma expressão generosa. Eles roubavam, mas logo o aperfeiçoavam’. Sem- pre foi assim. É o que se vê em Silicon Valley hoje em dia”. O professor José Patricio Saiz apresenta uma visão histórica: “Ao ato de cri- ar, une-se desde o princípio dos tempos a faculdade humana de copiar. Auto- res e imitadores são partes opostas de uma mesma equação. Todos, no fun- do, estamos fazendo isto. A criação é uma moeda de duas caras: a original e a cópia. Nos inspiramos, nos documentamos, começamos imitando obras que foram criadas antes”. Nesse sentido, o mundo vai em direção cada vez mais parecida ao futebol, onde o copyright de invenção tática ou metodológica não impede a aplicação universal imediata. Lição 16 Os inteligentes tomam de todos; os tolos só de si mesmos. Em criatividade e inovação não se trata do que se rouba, mas do que se faz com o que se rou- ba. O sistema de Guardiola no Barcelona teve antecedentes afastados do se- lecionador italiano Vittorio Pozzo na década de 30 e de Arrigo Sacchi no Mi- lan de finais dos anos 80. Ainda assim, ninguém pode dizer que Guardiola não é um inovador nato, porque a questão não é de quem ou quando tomas do resto, mas o que é que fazes com o que tomas. O jornalista e escritor Lluis Lainz disse: “Guardiola soube recolher os ensi- namentos de Michels (propôs o sistema e os automatismos), Cruyff (contribu- iu com a frescura da intuição e a simplicidade), Van Gaal (implementou o estu- do e o rigor) e Rijkaard (adicionou o trabalho de pressão em primeira linha e 27 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 29. uma imagem de amabilidade e respeito). E lhe acrescentou uma série de ino- vações que lhe permitiu engrandecer o modelo”. Um estudo realizado pela University College de Londres, e publicado na re- vista Current Biology, mostra que a memória e a imaginação estão intimamen- te ligadas no cérebro a nível celular. A memória permite-nos realizar viagens no tempo mental, recolhendo acontecimentos do passado e imaginando acon- tecimentos que ainda não ocorreram, para prever como poderiam desenvol- ver-se. Lição 17 Trata-se de ver a conexão de tudo o vivido, a favor da criação e a capacidade de combinar e ressignificar os conhecimentos antigos. Qualquer treinador tem a capacidade de transformar-se num profissional inovador e surpreendente. Se somámos as suas experiências como jogador (a maioria dos treinadores foram jogadores de futebol), a quantidade de treinadores que passaram pelo seu caminho, a formação formal ou autodidata, a quantidade de horas de ob- servação de futebol e de outros desportos e a sua experiência como treinador, podemos afirmar que, se um treinador não é inovador, não o é pelos seus co- nhecimentos, mas pela sua falta de predisposição a sê-lo. Uma questão mais de atitude que de biologia. Foi dito até ao infinito que a grande contribuição de Guardiola foi recupe- rar a técnica, quando se impunham a tática e o físico. Mas tal repetição não garante que seja verdade. O grande acerto de Guardiola foi realizar a união perfeita. Quem poderia falar mal do físico, se toma para as suas equipas o pressing de Arrigo Sacchi? Quem poderia criticar a tática, se inovou até jogar sem avançados e golear? Guardiola soube combinar, em perfeita harmonia, o físico e o tático, para que o técnico pudesse brillar. Neste ponto, há que menci- onar também o psicológico-grupal, pela maneira com que soube gerir os egos das suas super estrelas. E os seis títulos da sua primeira temporada não fo- ram um obstáculo para continuar a introduzir modificações significativas. Guar- diola elegeu “lançar as suas inovações ao mercado” nas condições mais arris- cadas e menos aconselháveis. Não se conformou com adversários de dimen- são menor, elegendo o Real Madrid e, no mesmíssimo Santiago Bernabéu, 28 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 30. modificou uma defesa de três ou deslocou Lionel Messi da linha para a posi- ção de um falso número nove. “Sem a capacidade de surpresa, estamos mor- tos”, também expressou. De onde nasce a surpresa? De evitar a rotina futebo- lística, que não deve confundir-se com sustentar os princípios nos quais se ba- seia o jogo. Não conheço outro caminho para gerar surpresa que desenvolver criatividade. Oscar Rojas Morillo definiu Guardiola como o último renascentista e ao Bar- celona como uma equipa tão marcada para o talento e a criatividade, que a inovação nasce sozinha. Exigir inovação sem passar pela criatividade é saltar- se passos inutilmente. A criatividade transbordante provoca inovação por si mesma, já que é impossível não enamorar-se de uma ideia e validá-la no cam- po. Lição 18 Como mencionei também no meu livro anterior O pensamento em montanha russa: “Se inovar implica ter uma vantagem temporal, que dure umas partidas ou toda uma temporada, justifica qualquer esforço. E uma vantagem temporal, traz outra vantagem temporal, justifica vantagens temporalmente ampliadas que roçam o definitivo. O processo de imitação é o início de um novo molde que pode terminar numa criação única. Porque a imitação é também o início de um caminho. Copiar eternamente e com exatidão é uma repressão do eu, do nós, inaceitável em qualquer psique. Mais tarde ou mais cedo, surgirá uma exteriorização do eu/nós com atributos próprios da nossa individualidade/cole- tividade”. Em 1980 Juan Mujica, ao comando do Nacional de Montevideu (Uruguai) e após o seu regresso como futebolista em França, copiou e adaptou marca- ções ao homem trazidas da Europa, algo impensado para o futebol uruguaio de então. E conseguiu ser campeão da liga local, da América e também do mundo. 29 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 31. PREVISÃO 1 É muito comum no mundo empresarial convocar desportistas e treinadores para palestras e conferências sobre duas capacidades bem determinadas: li- derança e motivação. Dentro de pouco, o futebol fará todo o contrário: copiará e adaptará criativamente as melhores experiências do mundo da empresa. Num futuro próximo, os treinadores dedicarão uma percentagem de tempo do total de treino (que pode converter-se num turno dedicado só a isso) a melho- rar as qualidades do futebolista, replicando de maneira adaptada iniciativas como as da Google ou 3M. A atenção das necessidades individuais e o com- promisso de planificação aumentam tanto a motivação como a pertença, pois qualquer jogador se sente importante, escutado e atendido. O técnico inovador Osvaldo Zubeldía nutriu-se do mundo da empresa, quando o seu ajudante na equipa técnica, Miguel Ignomiriello, lhe recomen- dou as sessões de duplo e triplo turno, logo depois de ler um livro acerca de como se organizava o trabalho nas fábricas. O fenómeno da cópia é saudável como início de um caminho mas doentio como início e fim. Copiar pode tanto originar como destruir a criatividade. O seu uso ou abuso determina a sua fertilidade ou a sua morte. Não se trata da fórmula “copie e cole”, mas de algo muito mais amplo e produtivo que consiste em copiar (combinar, criar, recriar, imaginar, sobrepor, eliminar, recombinar) para depois colar. A cópia como réplica total e absoluta diminui as potencialida- des. A cópia como método criativo as amplia. A primeira é moralmente ilegíti- ma. A segunda é moralmente aceitável e comercialmente viável”. Laureano Ruiz, inventor dos meínhos (essa forma de treinar com bola que utilizou o Barcelona) tinha razão, ao dizer: “Durante muitos anos se disse que estava tudo inventado. Mas este jogo é evolução e progresso. Antes para de- fender, ia-se para trás. Agora o Barça vai para a frente”. A combinação como método básico Tito Ramallo, treinador espanhol, declara: “A minha maneira de entender o treino recolhe muitos aspetos, principalmente da periodização tática, algo do microciclo estruturado e das experiências pessoais acumuladas como jogador 30 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 32. e treinador”. Não tem sentido não tomar os elementos disponíveis, para dar- lhes um significado pessoal, e construir a própria identidade com elementos do “outro”. E agrega: “Mais que uma metodologia própria, é uma maneira de interpretar o treino, porque transformo o prisma com o que quero olhar os ele- mentos que já estavam aí”. O conceito de intensidade tática, principal contribu- ição de Tito Ramallo, provém da combinação, pois nasceu da leitura de duas tendências: o que dizia Seirul-lo e o que dizia Frade. O grande Steve Jobs, fundador da Apple, dizia que criatividade consiste em combi- nar coisas. Os cartões vermelhos e amarelos, por exemplo, nasceram da necessidade de penalizar os jogadores e o seu inventor, um árbitro inglês, inspirou-se nos códigos dos semáforos: o amarelo = advertência e o vermelho = proibição. Todo o descobrimen- to apoia-se num anterior. Quando Wilhelm Röntgen descobriu os raios X, jamais imagi- nou a quantidade de aplicações médicas que derivariam deles. Criatividade é combinação. Todos os especialistas, com as suas nuances, coincidem nisso: A teoria da memória inteligente de Erik Kandel consiste numa combinação de histórias e conhecimentos que temos guardados. Arthur Koestler introduziu o conceito de bissociação como princípio básico para um eureka: o contato de duas ideias que antes não estavam vinculadas. Frans Johansson disse no O efeito Medici: “Quanto mais diferentes sejam as partes que se combinem, mais oportunidades de inovação haverá”. Arnold entende que na ação criativa se põem em jogo experiências anteriores que se combinam e transferem às novas estruturas. Kimberly Seltzer e Tom Bentley falam da criatividade como a “interdisciplinaridade ou capacidade de sobrepor distintos conhecimentos que correspondem a diferentes campos do saber”. Um treinador pode ser um inovador desde o específico até ao geral. A men- te aberta concentra-se e expande-se. O caráter avassalador concentra-se e diferencia-se. Dois exemplos disto são, por um lado, as contínuas inovações táticas de Guardiola, capaz de jogar com cinco médios na final do Mundial de Clubes (disposição tática que guarda com maior orgulho criador), ou com cin- co atacantes, quando o Bayern Munique enfrentou o Olympiacos da Grécia e antes o Colónia da Alemanha, num sistema em forma de WW. E pelo outro, Herbert Chapman, o inventor do sistema WM e o primeiro a equilibrar as li- nhas no futebol, com cinco defesas e cinco atacantes. O seu sistema populari- 31 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 33. zou-se no mundo inteiro. Mas nem todos sabem que Chapman foi o promotor da utilização dos dorsais e da luz artificial nos estádios para favorecer as parti- das noturnas. A inovação também é um processo cíclico (como a moda), onde o velho que é pouco estimado pode voltar a aparecer como algo novo com o correr do tempo. A inovação é atrevimento e corre-se o risco de ficar em ridículo se esta falha. Mas não necessariamente a proposta, e a interrupção abrupta que impli- ca, deveria ser um risco tormentoso que faça que, por medo, as ideias fiquem só em papel ou numa conversa de café. Em Itália, por exemplo, inventaram o conceito regulamentar do cartão ver- de. Este consiste em que um árbitro pode mostrar cartão verde aos jogadores para os premiar por alguma ação relacionada com o jogo limpo. A ideia é pre- miar os jogadores que tenham acumuladas uma maior quantidade de cartões no final da temporada. A inovação aqui permite atender vários detalhes para compreender o seu impacto desde a criatividade: a. Introduzir um cartão com uma nova cor. b. Sair do conceito punitivo (castigar com os cartões amarelo e verme- lho) para ingressar no campo do reconhecimento como conceito valorizador. Isto implica uma mudança de perspetiva. c. Os italianos primeiro experimentaram o cartão em categorias juvenis e logo no futebol profissional da segunda divisão. Lição 19 Pensar em termos opostos (neste caso estilo punitivo/estilo valorativo) favore- ce a criatividade por levar o pensamento justamente ao seu oposto (onde ge- ralmente pode haver lugares vazios de ideias); a cada ideia, na prática, pode atribuir-se o nível de risco que se deseja. Ter em conta esta diferença, entre o criar e o fazer, permite que as ideias possam ir da mente ao terreno e da teo- ria à prática mais rapidamente. 32 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 34. Um bom treinador que aspire à criatividade e à inovação, tanto para si mes- mo como para os seus dirigidos, tem a oportunidade de aprender das melho- res experiências e adaptá-las ao seu meio e possibilidades. Na Universidade de Stanford criou-se um programa de criatividade e inovação chamado d.school onde, segundo um dos seus fundadores: “A essência da escola é de- monstrar a todos os estudantes que eles também podem ser criativos, que essa qualidade não está reservada aos artistas. Uma vez que chegam, encon- tram-se com alunos das sete faculdades de Stanford e o desafio é que desen- volvam projetos através da fusão dos seus conhecimentos, pontos de vista e experiência”. Os treinadores deveriam promover esses intercâmbios para criar “apoiados na diversidade” (distintas posições, países de origem, idiomas, culturas, treina- dores anteriores e conquistas). A diversidade que compõe um plantel é o cam- po propicio para que as combinações das contribuições de cada jogador pos- sam beneficiar a criatividade geral e a inovação coletiva. A história o demons- tra. Isto é o que diz Eric Weiner, que poderia aplicar-se a um plantel de fute- bol: “Os lugares que produzem génios tendem a ter políticas mais abertas em relação aos imigrantes. Era o que se via na antiga Atenas e o mesmo que se vê hoje em Silicon Valley”. Pressinto para além disso um forte desconhecimento dos treinadores para as contribuições que possam vir desde o mundo da criatividade e a inovação para as suas táticas, seus métodos de treino, a comunicação com os jogado- res, a imprensa e os dirigentes, as suas palestras motivacionais e os seus mé- todos punitivos. Não existe área da qual o treinador não possa ver-se nutrido pelas ferramentas de criatividade e as experiências de inovação. Nos casos em que assim não tenha sido, os treinadores mostraram mais criatividade para inventar caminhos aos jogadores que perceção para tomar caminhos in- ventados por eles. Lição 20 Os treinadores tentam extrair dos seus futebolistas as máximas contribuições, tanto desde o ponto de vista físico como volitivo. Mas a nenhum lhe ocorre ex- trair as maiores contribuições desde a sua criatividade. Para os dois primeiros 33 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 35. pontos, existem treinos físicos que levam ao limite a capacidade de tolerar car- gas do desportista. Mas são quase inexistentes os treinos que explorem a cria- tividade em aspetos gerais e específicos adaptados ao jogo. Este é um peque- no extrato do que disseram o treinador argentino Ángel Cappa e o preparador do Barcelona Seirul.lo em relação da necessidade de treinar no futebol: Cappa: “… Há que treinar com criatividade. Não se deve prever tudo, falando desde o ponto de vista futebolístico. Depende também do dia, do que surja nesse instante. Mui- tas vezes mudava o que tinha previsto para a manhã”. Seirul.lo: “Eu aplico uns parâmetros mínimos e logo observo; se vejo que, a partir de umas séries realizadas, fazer mais não serve de nada, o deixo. Os jogadores perdem interesse, se há muita repetição. Dos treinadores que tive no Barça, os que melhor lida- ram com este aspeto foram os que tiveram melhores resultados”. Valdano costuma dizer que no futebol não há criatividade sem ordem. E numa equipa a ordem para a criatividade a entrega o treinador que crê nos va- lores desta e os promove. O treinador Xavier Azkargorta o entende como va- lor no Barcelona de Luis Enrique: “Deu organização dentro da liberdade. Não é uma contradição porque cada jogador tem uma missão, mas a desenvolve com liberdade e capacidade de tomar decisões”. Um treinador que sabe acei- tar os riscos e recolher os frutos. Cada vez mais vozes reclamam criatividade no futebol. O mesmíssimo Vi- tor Frade, pai da periodização tática, expressa-se desta forma: “A criatividade tem que suceder na vida. … Por isso eu falei de contextos e não de comporta- mentos! Se a periodização tática dá predominância ao jogo, a dá à confronta- ção, a qual tem sempre certa imprevisibilidade. As equipas não só se distin- guem pela sua grande capacidade de diversidade, mas também a qualidade do jogo traz sempre a necessidade de resolver as situações de uma maneira criativa”. Xavier Tamarit, autor de Periodización Táctica vs Periodización Táctica, dá o seu contributo sobre a criatividade no futebol: “A criatividade é um aspeto fundamental na espécie humana. E também o é no futebol, já que é um des- porto com muita imprevisibilidade. É por isso que o nosso jogo não deverá limi- tar esta criatividade; pelo contrário, este deverá promovê-la, respeitando sem- pre essas referências coletivas que nos levam à organização. Isto é, os princí- pios e subprincípios de jogo (desordem dentro da ordem). Quando nos referi- 34 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 36. mos à criatividade, incluimos tanto a criatividade de quem joga no setor ofensi- vo, como de quem o faz no setor defensivo e inclusivamente do Guarda-Re- des. Nos referimos a quando se tem a bola e também a quando não se tem. A uma criatividade na tomada de decisões, a uma originalidade nas soluções do jogador, mas sempre em função de uma intenção prévia (princípios e subprin- cípios de jogo)”. Lição 21 É mais fácil para um futebolista desfrutar uma partida, se dentro dela há lugar para o prazer criativo. Mas deixará de desfrutar quando a necessidade de con- quista aumente as demandas de planificação, exigência e mecanização. A me- lhor combinação é: mecanização e improvisação criativa, quando correspon- dam. Improvisação criativa não é libertinagem, mas confiança na capacidade de criar de um futebolista, em função das experiências acumuladas que leva numa mochila invisível. O nível de mecanização tem que permitir tanto prover soluções ao jogo em ocasiões, como criá-las quando suceda algo inesperado. Como dizia o treinador espanhol Juan Manuel Lillo, assinalando o quadro táti- co: “Cá está tudo, menos o que vai ocorrer”. Andrés Iniesta costuma dizer: “Há táticas, estratégias, mas o futebol é imprevisível porque tens de decidir em mi- lésimos de segundo”. John Lennon dizia que a vida é isso que ocorre enquan- to nos empenhamos em fazer outros planos. Quem sabe o futebol seja isso que ocorre enquanto nos empenhamos em fazer táticas e mais táticas, em busca de uma mecanização que sempre será incompleta ante as problemáti- cas que apresenta o jogo. É que uma tática tem que ser o suficientemente fle- xível para permitir a superioridade sobre o contrário. O imprevisível. Algum treinador tem na sua planificação uma derrota por 7 a 1 (como sofreu o Brasil no Mundial 2014 como organizador)? Ou a lesão de 10 jogadores titulares ao mesmo tempo? Ou a eliminação da Taça dos Liberta- dores da América porque um par de adeptos atiram “gás pimenta” na saída para o campo da equipa rival? Ou uma tragédia aérea como a que sofreram Manchester United (1958), Green Cross (1961), The Strongest (1969) ou Alian- ça Lima (1987)? 35 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 37. A maior ocorrência de um facto, menor sensibilidade frente ao inesperado. Daí nasce a metáfora cisne negro que Nassim Taleb toma de David Hume: “Se passarmos toda a vida no hemisfério norte, pensaremos que todos os cis- nes são brancos; no entanto, na Austrália existem cisnes negros”. Ninguém planifica esses cenários mas há que estar preparados para enfrentá-los. Estes acontecimentos não podem esperar que os envolvidos se sentem a desenvol- ver uma sessão de técnicas de criatividade, isto é, o “eureka mágico”. Necessi- ta-se a criatividade ao instante, porque é necessário tomar decisões sobre um cenário desconhecido. O cérebro deve encontrar as respostas no mesmo ins- tante em que se está vivendo o facto, que geralmente é um cenário confuso e/ ou caótico, sem recursos disponíveis e com implicações emocionais muito for- tes. O cérebro já não necessita responder rápido, mas “originalmente rápido”. Só uma mente criativa pode improvisar com a originalidade necessária para sair de um problema repentino. Treinar-se para a “improvisação criativa” é planificar como preparar-se para um futuro cada vez mais incerto. A criativi- dade é a única que sabe de memória o manual de procedimentos ante emer- gências inesperadas. Não é fácil saber como resolver os desafios da crescen- te complexidade, mas uma maneira de NÃO resolvê-los é ignorando a criativi- dade. Lição 22 O novo mundo requer de velozes interpretações que conduzam a soluções. Toda a certeza que não é revista periodicamente tende a repetir condutas, mas não sempre resultados. Toda a conclusão que pretendamos considerar como definitiva é sempre momentânea. São tempos de certezas duvidosas que requerem pensar criativamente, antes que aceitar sem julgar. A habilidade criativa é a habilidade das habilidades. A competência do futuro é a criativida- de porque, através dela, chegamos a este presente e também escaparemos dele. 36 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 38. Lição 23 Se deixa de desfrutar quando se associa a criatividade exclusivamente a tare- fas ofensivas e com bola, o qual é um mito escandalosamente extendido. Um jogador cuja tarefa é principalmente defensiva também pode ser criativo. Tirar uma bola sem faltas é de artistas. Esta motivação deve chegar também a quem tem prevalência de tarefas defensivas sobre as ofensivas (ainda que to- dos os jogadores devam ter tanto tarefas defensivas como ofensivas). Lição 24 O treinador, os jogadores e os dirigentes devem ser conscientes do valor da criatividade. Sem consciência, é muito difícil aceitar a criatividade dentro da planificação da equipa porque o jogador poderia vê-la como uma ferramenta desnecessária e excêntrica. Clubes inovadores A inovação deve ser um valor que compromete a instituição a pôr em jogo e valorizar ao longo do tempo. O Milan de Itália sempre foi reconhecido por isso e, quando os sinais se debilitaram, velhas glórias se encarregaram de de- nuncia-lo. Pouco antes do ano 2010 Arrigo Sacchi pediu ao proprietário do clube, Silvio Berlusconi, que voltasse a ser o “grande inovador” que era. As instituições que se destacam por inovar e gozam de um passado inovador sempre encontrarão pessoas que alertem sobre estados de comodidade, es- tancamento, aburguesamento ou miopia. Um são exercício que não lhe permi- ta abandonar os seus princípios e a sua visão. É necessário que cada institui- ção inovadora tenha o seu “Arrigo Sacchi”, para que a chama da criatividade e a inovação nunca se apague. Parece que o Milan entendeu o seu compromis- so com a inovação já que, ao momento de escrever este livro, projetavam construir o estádio mais inovador do mundo. 37 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 39. Lição 25 Como saber se uma instituição é inovadora? Pelos produtos que exibe e o cli- ma organizacional para a criatividade que se vive. Todos compartilham o valor da inovação. Desde o presidente da instituição, até os encarregados da cafeta- ria; desde a equipa técnica da equipa da primeira divisão, até aos encarrega- dos da segurança. Cada um aprecia o valor das novas ideias (necessitam-se pelo menos 300 para encontrar uma com êxito) e contribui com o seu capital intelectual. Algo que se conhece como bridge building e consiste em que o pessoal dos distintos departamentos se relacione, para aproveitar o potencial que possa surgir dessas sinergias. O Barcelona de Espanha, por exemplo, re- aliza workshops de cocriação com os seus empregados, um ponto cardeal na estratégia que se propôs a comissão diretiva ao longo do seu mandato. Tão imbuído está o Barcelona em temas de inovação e tão claro tem o ob- jetivo de ser líder nesse campo que em 2017 abriu o “Barcelona Innovation Hub” (uma inovação em si mesmo já que é o primeiro do seu tipo). Reconhe- cem a necessidade de “estar atualizados de tudo”. Com este projeto o clube persegue quatro premissas: procurar o conhecimento por fora da sua institui- ção, gerá-lo, compartilhá-lo e o poder monetizar e, por último, transferi-lo. O clube quer ser emissor e ao mesmo tempo recetor de inovação num ecossiste- ma que terá maior impacto, se conta com agentes externos abrindo as suas portas de par em par a agentes de financiamento, indústria desportiva, univer- sidades, centros de investigação e outros patrocinadores sabedores de que um e um somam mais de dois. Por isso é um Innovation Hub e não uma uni- versidade ou centro tecnológico. Em 1961, Mel Rodhes estabeleceu os quatro P’s da criatividade (no Barce- lona institucionalizam dois deles): 1. Press (meio ambiente). 2. Processo (criam-se espaços e institucionalizam-se processos para fa- vorecer a criatividade). 3. Personalidade. 4. Produto. 38 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 40. Para eles, o futuro e a competência não são uma carga, mas um desafio. Segundo Stephen Shapiro, especialista em inovação, existem três níveis nas organizações inovadoras: 1. Inovação por atividades: concursos, workshops de criatividade, ape- los, open calls, etc. 2. Inovação por capacidade: estruturas definidas, tanto para a ideação como para a implementação de novas ideias. 3. Inovação por sistema: a criatividade e a inovação penetraram ao pon- to de transformar-se no ADN da instituição. Todos se sentem comprometidos e felizes de participar na missão inovadora. Lição 26 É um grave erro associar a criatividade com exclusividade à técnica. Apesar de Valdano ter razão, ao dizer: “A criatividade está enamorada da técnica. O toque subtil, o calcanhar impossível. O futebol sul americano em estado puro”. Um erro no qual costumam cair os treinadores, dirigentes, jornalistas desporti- vos e jogadores. A criatividade deve nascer da capacidade dos treinadores ge- rirem a tática, a favor de cenários onde a capacidade de execução técnica, ou de bloquear o adversário, produza em benefício próprio. A criatividade é um elemento que diferencia o treinador, o preparador físico, o jogador e inclusiva- mente o árbitro. Porque todos eles estão submetidos a situações nas quais o “manual do óbvio” se esgota. Os treinadores transformaram-se em verdadeiros condutores das suas equipas de trabalho, compostas em muitos casos por, pelo menos, vinte pes- soas entre treinadores, ajudantes, preparadores físicos, treinadores de Guar- da-Redes, psicólogos, massagistas, médicos, nutricionistas, etc. Em palavras de Van Gaal: “Sou de uma época em que o treinador fazia tudo. Agora sou o gestor e tenho um departamento de ciências do desporto, outro de scouting e outro médico, um chefe de assistentes e treinadores assistentes. Eu não faço nada… nada! Delego e ganho muito dinheiro”. 39 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 41. Lição 27 Entre a equipa técnica (9) e a equipa médica (9), o Paris SG da França exibe um plantel de 18 profissionais. Entre a equipa técnica (10) e a equipa médica (10), a cifra do Vélez Sarsfield da Argentina ascende a 20 profissionais. Para mencionar só dois casos de 2016. As equipas não dispõem de um treinador de criatividade, um “think manager”, alguém que tenha a gestão eficiente do capital intelectual do grupo de trabalho. Perante esta situação, um treinador tem a obrigação de solicitar, gerir e aplicar as ideias da sua equipa de colabo- radores. Nas reuniões deve saber manejar (ou delegar) o processo criativo conjunto dessa soma de cérebros. Uma equipa técnica que sabe gerir a capa- cidade criativa dos seus componentes eleva-se a si mesmo em relação àque- les que não dispõem de um tratamento profissional para a gestão da criativida- de. Walter Di Salvo é diretor de desenvolvimento científico da Academia Aspi- re do Qatar, uma espécie de guru em matéria de inovação em preparação físi- ca (Real Madrid, Manchester United, Lazio). É o criador do projeto Aspire in the World Fellows, uma associação de 50 clubes (40 equipas e 10 seleções) de 28 países dos cinco continentes, para promover o desenvolvimento do ta- lento no futebol a partir de critérios inovadores. Uma palavra autorizada para falar de inovação no futebol: “O mundo do futebol é fechado, reticente às ino- vações, e não compartilha os seus conhecimentos. Os clubes têm medo de abrir-se e não aceitam as críticas. Mas a sociedade vai numa linha clara de abertura; o vemos nos jovens que partilham tudo nas redes sociais. Partilhar informação nos ajuda a ser melhores. No futebol, até agora, a gente só parti- lhava informação ao final da sua carreira”. Lição 28 A aprendizagem da criatividade deveria ser sempre prática, evitando teoriza- ções que aborreçam o jogador. Os humanos aprendem 10% do que leem, 20% do que escutam, 30% do que veem, 50% do que veem e ouvem, 70% do que debatem com outros e mais de 80% do que fazem. 40 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 42. Quando há desejo de fazer, a criatividade não se fixa no orçamento. Quan- do não há recursos, a criatividade é o único recurso. Contam que, como não havia recursos, o Rosario Central da Argentina fundou a sua sede social num vagão de comboios em desuso, que para além disso era usado como balneá- rio! A escassez é motivo de provocação criativa. O treinador espanhol Joaquín Caparrós, antes de chegar à elite do futebol de Espanha, trabalhou em clubes muito modestos e crê que “a modéstia no fu- tebol faz com que um treinador sem meios tenha uma grande criatividade”. As vivências de Caparrós guardam semelhança com as descobertas de Uri Ne- ren e seus colegas, que encontraram na escassez de recursos o denominador comum das melhores inovações, produtos e patentes. Já o dizia Platão em A República: “A necessidade é a mãe da invenção”. Neren e um grupo de cole- gas desenharam a experiência The World Database of Innovation com a qual recolheram informação sobre mais de 500.000 patentes e inovações. O seu denominador comum foram as limitações, externas ou internas, impostas a cada projeto. Lição 29 A sabedoria dos treinadores de elite será alternar adequadamente, em quanto ao tempo e ao lugar, a abundância natural desses ambientes com as restri- ções intencionais, em busca de criatividade, inovação, surpresa, motivação e “sacudidelas” da zona de conforto. Os clubes que têm poucos recursos económicos devem ter engenho para sustentar-se e crescer. A criatividade converte-se no seu principal aliado. Em 2002 o clube Floey comprou ao Vindbjart o atacante Kenneth Kristensen por 75 kilos de camarões. O comprador não dispunha de fundos e o vendedor não queria desiludir o atacante, que desejava ser transferido. Vidar Ulstein, presi- dente do Vindbjart, solicitou o peso do jogador em camarões e assim ficou fe- chada uma das transferências mais insólitas e criativas do futebol mundial. Outro caso de criatividade é o do clube inglês Halifax que, devido aos inten- sos nevões de 1963, habilitou o seu campo como pista de patinagem para ob- ter ingressos. 41 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 43. Dirigentes, jogadores e treinadores devem ser criativos. Em 2003 o presi- dente do Cruz Azul do México, Billy Álvarez, depois de nove jornadas sem tri- unfos, despediu a equipa técnica e todo o plantel de jogadores. O seu objetivo foi rescindir o contrato vigente e oferecer uma remuneração por objetivos. Só cobrariam se obtivessem pontos. A maioria do plantel aceitou. Entre eles, os futebolistas mais jovens e alguns consagrados, como o Guarda-Redes Oscar Pérez e o atacante Juan Francisco Palencia. Outros, como o atacante Sebas- tián Abreu, decidiram sair. É muito bom que o engenho acompanhe a quem dispõe de maiores recur- sos. O AS Monaco, por exemplo, desenhou treinos para os Guarda-Redes com uma cerca de construção inclinada no solo. Isto dá à bola uma nova dire- ção logo depois de passar sobre ela. O futebol costuma ser permissivo com os ganhadores e lapidar com os per- dedores, mesmo quando a posição alcançada seja a de vice-campeão. No en- tanto, há segundos classificados que foram mais recordados e determinantes que os primeiros na história deste desporto. O seu legado inovador transcen- deu a anedota do resultado e inspirou muitos dos treinadores que vieram de- pois: a Hungria de Gusztáv Sebes de 1954 ou a Holanda de 1974 com o seu futebol total (definição dos jornalistas à de Michels: futebol de pressão). PREVISÃO 2 No futuro, o futebol total será aquele que desloque o jogador por qualquer po- sição, transitando com a destreza específica do jogo. Não será um Defesa La- teral que defenda forte, se projete e chegue à área (o que já existe), mas aque- le jogador capaz de anular a sua marcação na fase defensiva, de passar a bola como um Médio Ofensivo no seu trânsito pela metade do campo e de en- viar um cruzamento como um Extremo ou de definir na área como um Ponta de Lança. E assim, com cada uma das posições. Em função disso, mudarão todas as formas de treino no futebol de elite. 42 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 44. PREVISÃO 3 Cruyff confessou que aprendeu a ver o futebol desde a posição de Guarda- Redes, que tanto lhe gostava praticar em treinos ou equipas alternativas. O fu- tebol infanto-juvenil modificará os seus conceitos de formação tanto no geral como no específico. O conceito do geral será o específico e o específico ten- derá a desaparecer. A muitos lhes surpreende o poder de golo de Gabriel Mer- cado, o marcador de ponta da Seleção Argentina. Eles ignoram que Mercado, em criança, jogava tanto a Médio Ofensivo como a Ponta de Lança. Lição 30 A tendência a rever estratégias de treino e ensino é irreversível. Também a compreensão de novas formas de explorar o potencial do cérebro. Esta é a opinião sobre o tema de Juan Sebastián Verón, ex-jogador do Manchester United e da Seleção da Argentina e atual presidente do Club Estudiantes de La Plata da Argentina: “A contribuição das neurociências ao futebol é muito im- portante. Hoje temos a necessidade de formar “jogadores inteligentes”, que se- jam eficientes para tomar decisões. Isso leva-nos a repensar os processos for- mativos dos futebolistas, que adotaram um caráter mecanicista e robotizado, estigmatizando o erro no processo de ensino-aprendizagem e coartando o desenvolvimento da perceção e a criatividade”. A personalidade inovadora Os inovadores foram sempre um motivo de admiração. Christine MacLeod, professora de História na Universidade de Bristol, destaca que no século XIX Isaac Newton chegou a competir com William Shakespeare, como o máxi- mo herói cultural da nação; e James Watt, o inventor da máquina a vapor, con- verteu-se num mito. 43 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 45. • Os inovadores são apaixonados O grande campeão mundial de xadrez Bobby Fischer jogava até no chuvei- ro. Contam que um dia Guardiola, antes de dirigir o Barcelona, veio à Argenti- na para aprender de Bielsa e Menotti. Na sua paixão, Bielsa não deixava de passar os seus conhecimentos, chegando às onze horas de conversa, pelo que Guardiola viu-se obrigado a concluir o encontro. Benni McCarthy foi com- panheiro de Frank de Boer no Ajax e disse dele: “Tinha um treinador dentro, sempre se preocupava pelos meus movimentos no campo e os analisava para ganhar vantagem sobre os rivais. Isso sim, se se punha a falar de futebol, não parava até que o calassem!”. • Os inovadores bebem de qualquer fonte para ter os melhores resulta- dos Encontram contribuições que engrandecem os seus pontos fortes e minimi- zam os débeis. O treinador espanhol Luis Enrique realiza trabalhos de coa- ching mas só a nível pessoal, um psicólogo que o acompanha para onde vá. • Os inovadores não podem ser contidos pelas estruturas nem pelas expetativas René Higuita foi um Guarda-Redes que jamais foi escravo do que esperavam dele. Os três postes e a pequena área representavam uma prisão para ele. Jo- gou sempre com os pés, saía para longe da baliza e ganhou fama mundial p e l a i n v e n ç ã o d o “ e s c o r p i ã o ” (https://www.youtube.com/watch?v=TRj3dKKp9tI). • Os inovadores não temem o ridículo Albert Batteux é considerado o melhor treinador da história da França, inspi- rador do futebol ofensivo e defensor do drible por considerar que as superiori- dades numéricas se obtêm ao desequilibrar um defensor numa situação de 1x1. A estrela do Reims dos anos 50, Raymond Kopa, era acusado de driblar 44 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 46. em excesso. Batteux dizia-lhe: “No dia que não dribles mais tiro-te”. Outro trei- nador lhe teria aconselhado a driblar menos até que as queixas terminassem. Um inovador dobra a aposta e arrisca-se. Em cada jogador encontraremos a qualidade pela qual expressa melhor a sua criatividade, isso que o distingue do resto. • Os inovadores têm as expetativas muito altas e aspiram a ser únicos O treinador Jürgen Klopp referiu: “Os adeptos não só têm que reconhecer- nos pelas nossas camisolas em amarelo e negro. Ainda que joguemos de cor vermelha, todos têm que pensar: Essa equipa só pode ser o Borussia Dortmund”. • Os inovadores estão convencidos das suas ideias e não lhes importa se elas provocam antipatias A sua convicção está muito por cima do “que dirão?”. O que hoje é moeda co- mum no seu momento foi uma medida antipopular. Sir Alex Ferguson proibiu na sua chegada ao Manchester United a presença de qualquer estranho no campo de jogo enquanto os seus jogadores se treinavam. “Ninguém pode en- trar no treino, é algo privado. Os jogadores vêm relaxados e se divertem por- que ninguém os observa com lupa”. • Os inovadores levam as suas ideias até ao extremo desconhecendo toda a crítica Batteux inventou o canto “à la rémoise” (à maneira do Reims) que chegou a ser ridicularizado. Na sua equipa os pontapés de canto à área não eram ca- suais. O Reims saía com um passe curto para elaborar uma sequência de jogo baseada em passes e ações de 1x1, como base ao desequilíbrio da técni- ca. A renuncia a lançar um cruzamento à área é uma expressão de criativida- de e inovação. Alguns especialistas consideram a seleção da França de Bat- teux (terceira no Mundial de 1958) de melhor qualidade que a campeã mundi- al de 1998. 45 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 47. • Os inovadores o são nas suas ideias e na forma de as comunicar Por exemplo, a motivação. Num diálogo entre Marcelo Bielsa e um futebolis- ta, antes de um clássico entre Newell’s e Central, o treinador perguntou ao jo- gador o que ele estaria disposto a oferecer, se lhe garantissem o triunfo. A res- posta é que chegaria a travar a bola com a cabeça. Bielsa pede mais e respon- de: “Se me asseguram ganhar, deixo cortar este dedo”. • Os inovadores são emocionais. Um bom treinador inovador pode en- volver-se emocionalmente com o jogador Guardiola disse: “Há outra maneira: não envolver-se emocionalmente. Ter o treino e a formação e ir para casa. Mas os seres humanos necessitam proximi- dade, em bons e maus momentos. Eu necessito a pele, o abraço, a explica- ção. Não há coisa mais maravilhosa que tentar meter as tuas ideias nas cabe- ças dos teus jogadores”. Quem sabe Guardiola conheça os múltiplos benefícios do abraço: biológi- cos, psicológicos e sociais. Estes incluem: segregar oxitocina, serotonina e do- pamina (sensação de bem estar), elevar a autoestima, favorecer o altruismo, relaxar-se (especialmente a parte pré-frontal do cérebro), melhorar o sistema imunológico e a tensão arterial, reduzir a produção de cortisol (hormona res- ponsável pelo stress) e estimular condutas de generosidade. Tudo isso num abraço de seis segundos. Talvez Guardiola saiba que a nossa primeira forma de vinculação não foi a palavra, mas sim o contato. Em 2009 o psicólogo Matther Hertenstein demonstrou num estudo que, com o contato físico, comu- nicam-se emoções como a simpatia, a felicidade e a gratidão com uma eficá- cia de 78%. Não é casualidade que o córtex insular seja uma zona cerebral que se ativa durante o contato e quando se experimenta confiança. Numa soci- edade com fobia ao contato, o abraço resulta inovador. Guardiola o sabe, ou o intui. 46 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 48. • Os inovadores são idealistas e têm a capacidade natural de provocar para gerar expetativas Se os dirigentes aspiram a realizar algo revolucionário, só podem nutrir-se des- te tipo de treinadores. Na primeira partida de Marcelo Bielsa no Olympique de Marselha, havia uma bandeira com a legenda: “Louco. Faz-nos sonhar”. Só este tipo de personalidades possui uma aura distinta que ilumina tudo. E já não importa tanto o resultado final (Bielsa não terminou com um título para a equipa francesa), mas a sua capacidade para iluminar processos e deixar mar- cas para sempre. • Os inovadores são obsessivos Oriol Tort, criador de La Masía barcelonista onde se formaram os grandes ta- lentos futebolísticos da equipa blaugrana, passava horas observando partidas de crianças na sua função de scouting. Assim foi como descobriu Guardiola, Iniesta e Xavi, entre muito outros. Uma vez que finalizava o seu trabalho como representante de produtos farmacêuticos, dedicava o seu fim de sema- na à observação de crianças. Sam Walton, fundador da famosa cadeia de su- permercados Wal-Mart, costumava ir trabalhar às 4:00 da manhã para rever os relatórios de venda do dia anterior e pensar um pouco antes que chegas- sem os outros. • Os inovadores vivem para criar o que ninguém tinha proposto antes O treinador russo Valeri Lovanovsky aspirava a uma automatização extrema dos movimentos dos seus jogadores. Para provar que os haviam incorporado, os fazia jogar partidas reduzidas de cinco contra cinco… com os olhos venda- dos! • Os inovadores encontram inspiração em qualquer momento e lugar Não dependem de nenhuma ferramenta para forçar o pensamento criativo. Jürgen Klopp inspirou-se nos métodos dos bateristas para desenhar os trei- 47 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 49. nos de repetições de técnicas. Não é casualidade que o dispositivo de melho- ramento da técnica, Footnaut, tenha nascido no Borussia Dortmund. • Os inovadores adiantam-se no tempo No futebol atual um bom Guarda-Redes deve saber jogar com os pés. Em 1974 isso era pouco menos do que uma excentricidade. Rinus Michels na sua “Laranja Mecânica” fez isto e muito mais com a figura de Jan Jongbloed, que tinha aí 33 anos, uma carreira normal e só quatro minutos jogados com a seleção holandesa. Jongbloed defendia sem luvas, jogava como um líbero e jogava com naturalidade com a bola nos pés. Pouca informação para um espí- rito normal. Suficiente para um inovador. Os inovadores adiantam-se no tem- po. Valeri Lovanovsky preocupava-se em 1970 pelas reações dos jogadores criativos no cortéx cerebral. • Os inovadores não temem o ridículo O treinador argentino Carlos Bilardo foi um inovador tático, não só pelo seu 1-3-5-2, mas também pela forma de transmitir compromisso e paixão aos seus jogadores. Numa festa pediu ao atacante argentino Ricardo Gareca que se pusesse próximo de um jogador italiano em pleno baile, para ver se podia emparelhar-se com ele nas bolas paradas. Encontrou-se com o jogador Julio Olarticoechea em plena rota para explicar-lhe numa parede da rua (como quadro negro) e com um pedaço de tijolo (como giz) quais eram as suas pre- tensões táticas para o Mundial ’86. Despertou o defensor Oscar Ruggeri em plena noite para perguntar-lhe a quem deveria marcar na final. E convocou o Guarda-Redes Sergio Goycoechea numa praça de noite, iluminando o setor com automóveis, só para saber se era capaz de defender de noite. • Os inovadores são detalhistas A comunicação não verbal é cada dia mais valorizada e inclui o olhar como motivo de dominância ou hierarquia. A criatividade também consiste em inven- tar detalhes, onde o simbolismo do pequeno no todo nunca é proporcional ao 48 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 50. seu tamanho. Arrigo Sacchi, no Milan, fazia sair ao campo primeiro Ruud Gullit, com o objetivo de impor-se visualmente aos rivais, aproveitando o tama- nho do seu corpo. Gullit saudava o rival com o olhar fixo nos olhos. Numa meia-final com o Real Madrid, Sacchi perguntou a Gullit quantos haviam baixa- do a cabeça, ao que o holandês respondeu: “Todos menos um” (esse era Hu- go Sánchez). O Milan de Sacchi era uma máquina demolidora de bom jogo e não necessitava desses “detalhes” para impor-se. Mas um apaixonado como Sacchi não deixava nenhum detalhe ao acaso. • Os inovadores são multifacetados, tanto na sua personalidade como nas suas capacidades Pela sua formação curiosa, o inovador atravessa todos os temas. Daí nasce a sua criatividade. Lewis Carroll foi um grande escritor mas também um inventor de triciclos para adultos e jogos de mesa. Tal como Franz Kafka, que populari- zou o primeiro capacete de uso civil e Herbert Wells, que inventou o primeiro jogo bélico com soldadinhos. No futebol, o treinador francês Arsène Wenger dirigiu o Arsenal de Inglaterra por mais de 20 anos. Fala seis idiomas e for- mou-se como economista na Universidade de Cambridge. Participou do dese- nho do Emirates Stadium, a elaboração de uma dieta para os seus jogadores e a criação de um teste psicológico para os seus jogadores com 117 pergun- tas, para medir a resistência psicológica, o stress e o autocontrolo. Para além disso demonstrou ter um talento especial para descobrir diamantes em bruto, em especial a George Weah, a quem resgatou de uma equipa humilde do seu país e o levou a ser eleito Bola de Ouro e FIFA World Player. • Os inovadores são perseverantes O jogador russo Belanov contou que o famoso e inovador treinador soviético Valery Lobanovsky chegou a treinar até seis horas, ensaiando somente o modo como o Lateral começava uma jogada pela direita que era finalizada pelo Extremo Esquerdo. 49 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 51. • Os inovadores costumam ser incompreendidos A personalidade inovadora costuma ser interrogada sobre as suas caraterísti- cas. Ao treinador argentino Marcelo Bielsa, os jornalistas o interrogam tanto pelas suas táticas como pelo seu estilo. Ele costuma contestar (como o fez na sua chegada ao Olympique de Marselha, quando o consultaram porque o di- zem “louco”) mais ou menos assim: “Algumas das respostas que elejo não co- incidem com as que se elegem normalmente”. Quem sabe o treinador Arsène Wenger, a quem também costumam apelidar de louco, tenha razão: “Se não fosse pelos loucos, o mundo seria um lugar mais estúpido para se viver”. E eu agrego: aborrecido, rotineiro, regular… • Os inovadores costumam ser incompreendidos A capacidade de desnivelar do inovador alimenta-se da sua sensibilidade para ver o que ninguém vê. Um ex-treinador das divisões inferiores do Barcelona explica a qualidade visionária de Oriol Tort nesta história: “Tinha as pernas pequenas e finas, como dois arames. Era pequeno e, francamente, não lhe vi nada relevante a nível futebolístico: nem remate, nem drible, nem chegada, nem desequilíbrio. Não sei o que tem a criança. Eu só lhe vejo cabeça” (Pep Guardiola tinha uma enorme cabeça em relação ao seu pequeno corpo). Tort respondeu: “Justamente, o segredo da criança está na sua cabeça. Nunca ti- nha visto uma criança que se antecipe tão rápido à jogada, que pense um se- gundo antes que os outros e tenha melhor visão periférica”. • Os inovadores são as “ovelhas negras” de um rebanho manso As “ovelhas negras” terminam sendo, em muitos casos, “ovelhas doura- das”. Stan Cullis foi uma personalidade distinta no mundo do futebol. Como jogador destacou-se por duas grandes rebeldias. A primeira, ser o único joga- dor da sua equipa que não levantou o seu braço para reverenciar Hitler e se manteve fiel aos seus princípios, pelo que foi removido da partida. A segunda, o seu espírito desportivo e cavalheirismo no jogo. Perdeu uma final por não co- meter uma falta intencional, o qual estava punido pelo regulamento. 50 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 52. Como treinador ignorou todas as vozes contra si pela tendência dos Wol- ves jogarem bolas longas para as costas dos defensores contrários. Desafiou os imbatíveis Honved Budapeste da Hungria e ganhou-lhes numa partida ami- gável em 1954. Esta gerou tanta expetativa, que a BBC ofereceu transmitir o jogo (algo pouco comum para a época). Depois dessa partida, auto-proclamou a sua equipa como a melhor do mundo, motivo que inspirou uma competição para medir as melhores da Europa entre si. Uma proposta do periódico fran- cês L’Equip, que desconhecia a afirmação de Cullis. Tinha nascido o que hoje conhecemos como a Champions League. O público fez-lhe saber a sua admiração quando o despediram, como a to- das pessoas distintas: enviaram milhares de cartas aos dirigentes e deixaram de acudir ao campo. Wolverhampton desceu à segunda divisão. Uma das tri- bunas do estádio Molineux recebeu o nome de “The Stan Cullis Stand” e em 2003 entrou no Hall da Fama do futebol inglês. Espírito criativo? O treinador argentino Diego Simeone jogava a desenhar táticas em cada uma das refeições da Seleção Argentina, na sua época de jogador com Ger- mán Burgos (que devia apressar-se a tomar os talheres que eram utilizados por Simeone, para além de copos, saleiros e todos os elementos que estives- sem à mão). Assim pensava movimentos e sistemas táticos. Quando o Milan comia pizza, Sacchi estava de parabéns. Usava as azeito- nas para representar os movimentos táticos dos futebolistas. Mas não só, se- gundo Chema Bravo, mais de uma vez no estacionamento de Milanello elabo- rou algum detalhe tático desenhando sobre o vapor das janelas de um carro. Beethoven costumava ir pela rua gritando as melodias que lhe ocorriam, enquanto as ia anotando num papel. Cada treinador deveria seguir um pouco o exemplo de Beethoven. 51 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
  • 53. Lição 31 Tal como fazia o grande músico, é muito importante levar um registo das idei- as que vão aparecendo. O registo, ainda que seja só umas poucas palavras ou um esboço, deveria estar presente em todos os momentos e em todos os lugares por uma simples razão: nunca se sabe se a ideia voltará novamente à cabeça. Um caderno de ideias, papéis soltos, aplicações no telemóvel e qua- dros são todos suportes que, dependendo do âmbito, não devem faltar a al- guém que valoriza o produto da criatividade. Em síntese, a melhor descrição de uma personalidade criativa e inovadora que encontrei pertence a Mihály Csákszentmihályi, uma das pessoas que maior influência teve na minha for- mação sobre estes temas: “Se tivesse que expressar com uma só palavra o que faz as suas personalidades diferentes das outras, esta seria complexida- de. Com isto quero dizer que mostram tendências de pensamento e atuação que na maioria das pessoas não se dão juntas. Contêm extremos contraditóri- os. Em vez de serem ‘indivíduos’, cada um deles é uma ‘multidão’. Eles ten- dem a reunir o leque inteiro das possibilidades humanas dentro de si mesmos. Estas qualidades estão presentes em todos nós mas habitualmente somos educados para desenvolver só um polo. Poderíamos crescer cultivando o lado agressivo, competitivo, da nossa natureza, e desprezando ou reprimindo o lado protetor, cooperativo. Um indivíduo criativo poderia ser ao mesmo tempo agressivo e cooperativo, ou em momentos diferentes, dependendo da situa- ção. Ter uma personalidade complexa significa ser capaz de expressar a totali- dade do leque de traços que estão potencialmente presentes em cada huma- no, mas que habitualmente atrofiam-se porque pensamos que um dos extre- mos é ‘bom’, enquanto o outro é ‘mau’. Uma personalidade complexa não su- põe neutralidade, nem o termo médio. Supõe sim a capacidade de passar de um extremo ao outro quando a ocasião o requer”. Comparemos a anterior definição com a que oferece o jornalista Martí Pe- rarnau sobre Guardiola no livro Herr Pep: “Pep é obsessivo. E competitivo. É perfecionista, pedagógico e apaixonado. É enérgico e curioso. Prepara-se e está preparado. É próximo e distante, inovador, frio e caloroso. Extremamente exigente. Autocrítico, insatisfeito. Resultadista, pragmático, simples, irritável. Pep é vulcânico. Persistente, esforçado e trabalhador. É entusiasta e senti- mental até à última lágrima. Inconformista. É impulsivo e reflexivo ao mesmo 52 fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018