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EDILTON MEIRELES
Organizador
Trabalho, reformas e tecnologia
Salvador – Bahia
CMP
2020
Trabalho, reformas e tecnologia
Os autores desta obra gozam da mais ampla liberdade de opinião e de crítica, cabendo-lhes a
responsabilidade das ideias e conceitos emitidos em seu trabalho.
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio
ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos,
fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como
a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas
proibições aplicam-se também às características gráficas de obra e à sua editoração. A violação
dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código 110 da Lei 9.610, de
19.02.1998, Lei dos Diretos Autorais).
ISBN 978-65-992752-0-3
SUMÁRIO
1. A desproteção empregatícia inconstitucional. O caso dos
trabalhadores eleitorais, em atividade partidária e do
transportador de carga.
Edilton Meireles__________________________________________________________ 07
2. A natureza da relação jurídica “Uberista”
Edilton Meireles e Everton Caldas Silveira____________________________________ 32
3. Autonomia na subordinação: a relação de emprego entre os
motoristas e a UBER
Camila dos Santos Reis e Edilton Meireles_____________________________________ 54
4. Norma constitucional de caráter social inútil e/ou parcialmente
programática por decisão do STF. O caso das contribuições
sindicais
Edilton Meireles____________________________________________________________ 86
5. O acordo individual firmado por empregado hipersuficiente e o
direito fundamental à negociação coletiva
Edilton Meireles e Kaique Martine Caldas de Lima_______________________________ 107
6. Trabalhador brasileiro: um refém do artigo 2° da MP n. 927
Edilton Meireles e Everton Caldas Silveira______________________________________ 127
7. O direito do trabalho e a uberização: primeiras linhas analíticas
Cláudio Jannotti da Rocha e Edilton Meireles___________________________________ 144
8. O trabalho nas plataformas digitais de entrega delivery
Camila dos Santos Reis e Edilton Meireles_____________________________________ 179
APRESENTAÇÃO
O presente livro reúne alguns artigos produzidos pelo Grupo de Pesquisa RELAÇÕES DE
TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE, vinculado ao Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBa), integrante da Rede de
Grupos de Pesquisas em Direito e Processo do Trabalho– RETRABALHO.
Alguns artigos foram produzidos em coautoria, incluindo estudante de graduação em
programa de pesquisa em iniciação científica, mestrando e pós-doutorando.
As pesquisas foram realizadas ao longo dos anos de 2018 a 2020, reunidos neste livro para
sua melhor divulgação por meio de livro digital.
Selecionou-se artigos que tratam do direito do trabalho e as novas tecnologias, assim
como aqueles que tratam de novas questões decorrentes das reformas implantadas nos
últimos três anos, apreciando-se, em especial, as decisões proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) mais recentemente.
Edilton Meireles
AUTORES
CAMILA DOS SANTOS REIS
Graduada em Letras pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB e graduanda em
Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBa. Bolsista de Iniciação Científica
(PIBIC/UFBA).
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA
Professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-Doutorando em
Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor e Mestre em Direito e Processo
do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS).
Advogado.
EDILTON MEIRELES.
Pós-doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor de Direito
Processual Civil na Universidade Federal da Bahia (UFBa). Professor de Direito na
Universidade Católica do Salvador (UCSal). Desembargador do Trabalho na Bahia (TRT
5ª Região).
EVERTON CALDAS SILVEIRA
Graduando em Direito pela Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Direito.
Membro do Núcleo de Competições Internacionais da UFBA. Conselheiro da Sociedade
de Debates da UFBA. Ex-membro do corpo editorial da Revista da FDUFBA. Estagiário do
Juizado Especial Federal – 1ª Região. Seção Bahia. Bolsista de Iniciação Científica
(PIBIC/UFBA)
KAIQUE MARTINE CALDAS DE LIMA
Mestrando em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Advogado.
Trabalho, reformas e tecnologia
7
A desproteção empregatícia inconstitucional. O
caso dos trabalhadores eleitorais, em atividade
partidária e do transportador de carga.
Edilton Meireles1
Resumo. O presente trabalho é fruto da pesquisa quanto a constitucionalidade de
dispositivos infraconstitucionais que estabelecem que, em determinadas relações
jurídicas, os contratantes não mantêm relação de emprego. A pesquisa se justifica
em face das hipóteses nas quais o legislador infraconstitucional afasta a incidência
das normas constitucionais trabalhistas ao estabelecer que as partes envolvidas
numa relação de trabalho não mantêm relação de emprego. Fixou-se a premissa de
que a Constituição protege o trabalhador subordinado de modo que, sem uma
justificativa razoável, descabe impor regra que, ainda que de forma indireta, afasta a
incidência das normas trabalhistas de natureza constitucional-fundamentais. A
partir dessa premissa, apontou-se as hipóteses nas quais a lei se revela
inconstitucional ao negar a existência da relação de emprego mesmo quando diante
do trabalho subordinado. Na pesquisa foi utilizado o método dedutivo, com revisão
da literatura, interpretação de textos normativos e análise da jurisprudência.
Palavras-chaves: Trabalho subordinado. Constituição. Desproteção empregatícia.
The unconstitutional employment unprotection. The case of electoral workers in
partisan activity and the cargo carrier.
Abstract. The present work is the result of research on the constitutionality of
infraconstitutional provisions that establish that, in certain legal relationships,
contractors do not maintain employment relationship. The research is justified in
view of the hypotheses in which the infraconstitutional legislator dismisses the
incidence of constitutional labor rules by establishing that the parties involved in an
employment relationship do not maintain employment relationships. The premise
was established that the Constitution protects the subordinate worker so that,
without reasonable justification, it is impossible to impose a rule that, although
indirectly, rules out the incidence of constitutional-fundamental labor standards.
From this premise, it was pointed out the hypotheses in which the law is
unconstitutional in denying the existence of employment relationship even when
facing subordinate work. In the research was used the deductive method, with
literature review, interpretation of normative texts and analysis of jurisprudence.
Keywords: Subordinate work. Constitution. Unprotected employment.
Sumário. 1. Introdução. 2. Proteção contra desproteção empregatícia. 3.
Trabalhadores subordinados sem emprego por força de lei. 3.1. Atleta não-
profissional. 3.2. Estagiário, aprendiz e médico residente. 3.3. Trabalhadores
1
Pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Desembargador do
trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, professor adjunto da Universidade
Católica do Salvador (UCSal) e professor associado da Faculdade de Direito da Universidade
Federal da Bahia (UFBa).
Trabalho, reformas e tecnologia
8
em transporte de carga. 3.4. Franquia. 3.5. Trabalhadores em campanhas
eleitorais (cabos eleitorais). 3.6. Trabalhadores em órgãos partidários. 4.
Conclusões. Referências
1. Introdução
A Constituição estabelece alguns direitos reservados aos trabalhadores
subordinados urbanos e rurais. Logo, por força dos dispositivos
constitucionais, os referidos trabalhadores são destinatários de direitos
fundamentais.
Daí se tem que, em regra, o legislador infraconstitucional não pode dispor, a
princípio, de modo a afastar, ainda que de forma indireta, a incidência das
normas fundamentais trabalhistas em relação aos trabalhadores destinatários
da norma constitucional.
Isso não impede, todavia, que por razões plenamente plausíveis, razoáveis e
justificáveis, que o legislador infraconstitucional disponha de modo a afastar
a incidência dessas normas constitucionais, ainda que de forma indireta. E
nossa legislação infraconstitucional estabelece algumas hipóteses nas quais,
mesmo diante do labor subordinado, não se reconhece a relação de emprego
mantida entre os contratantes.
O presente trabalho, no entanto, procura analisar essas hipóteses, apontando
a eventual inconstitucionalidade desses dispositivos.
Nesta pesquisa se adotou o método dedutivo, com revisão da literatura,
interpretação de textos normativos e análise da jurisprudência.
2. Proteção contra desproteção empregatícia.
Quando se fala de direito ao trabalho, por certo, podemos pensar, de forma
ampliativa, que o constituinte não quis apenas se referir ao trabalho
Trabalho, reformas e tecnologia
9
subordinado ao fazer menção ao labor nos arts. 6º e 7º da Constituição
Federal.
E é certo que, numa interpretação ampliativa, de fato, o constituinte não quis
se referir somente ao trabalho subordinado, mas a toda espécie de trabalho
como expressão da liberdade de ofício.
Contudo, é inegável que o constituinte quis se referir, enquanto regra geral,
ao trabalho subordinado ao delinear os direitos elencados no art. 7º da CF,
sem exclusão, por óbvio, de sua aplicação em favor de outros trabalhadores
por exceção. E, a partir do conjunto de regras constitucionais se pode pensar,
então, no subprincípio da proteção contra a desproteção empregatícia.
A Constituição brasileira, dentre outros fundamentos, dá destaque ao valor
social do trabalho (inciso IV do art. 1º da CF), fundando-se a ordem
econômica nacional na valorização do trabalho humano, tendo “por fim
assegurar a todos existência digna” (caput do art. 170 da CF), em especial,
através da “busca do pleno emprego” (inciso VIII do art. 170 da CF).
A partir desses dispositivos constitucionais, pode-se afirmar, ainda, com
tranquilidade, que o legislador constitucional fez uma opção pelo trabalho
subordinado como meio ou instrumento, preferencial, para atingir a
dignidade humana através do labor. Tanto que, não só a ordem econômica
tem como princípio à busca do pleno emprego, como se deu real destaque
aos direitos dos empregados, ao se elencar, no art. 7º da Constituição Federal,
o rol das suas garantias fundamentais.
É certo, porém, que o legislador constitucional não conceituou o que é a
figura do empregado. Essa é uma matéria, aliás, extrajurídica. Isso porque,
antes de ser uma opção legislativa, é fruto de uma realidade, tanto que,
universalmente, tem-se como empregado o trabalhador subordinado. Esse
conceito, portanto, antes de ser meramente jurídico, é fruto de uma realidade
social, a partir do que, universalmente, é aceito.
Daí porque, o professor Antonio Baylos ensina, em comentários à
Constituição espanhola, que se assemelha, nesta questão, à Carta Magna
Trabalho, reformas e tecnologia
10
brasileira, que “embora o conceito de trabalhador por conta alheia não
apareça expressamente definido na Constituição e não se acha, portanto,
constitucionalizado, isto não significa que o legislador tenha liberdade plena
para declarar não trabalhista uma prestação de serviços determinada, mas
que esta ação, que deve ser levada a cabo pelo legislador, está vinculada pelas
notas caracterizadoras da relação trabalhista e a comparação com as
categorias ou hipóteses incluídas e excluídas da tutela que presta o
ordenamento jurídico-trabalhista. Desse modo, evita-se que se possa levar a
cabo uma restrição constitucionalmente ilegítima dos trabalhadores como
setor social, conceito, portanto, jurídico-político do qual se deriva o gozo de
importantes direitos fundamentais...”2.
Daí se tem então, que, conforme decisão da Corte Constitucional italiana,
“não seria comumente consentido ao legislador negar a qualificação jurídica
da relação de trabalho subordinado a relação que objetivamente tem tal
natureza, pois isto resultaria na inaplicabilidade da norma inderrogável
prevista no ordenamento de dar atuação aos princípios, as garantias e aos
direitos detalhados na Constituição à tutela do trabalho subordinado”3
.
Ou seja, não se pode permitir que o legislador infraconstitucional afaste a
qualificação jurídica da relação de trabalho subordinado à relação que
objetiva e de forma concreta se apresenta, no mundo real, com essa natureza.
Do contrário, isto permitiria que o legislador infraconstitucional pudesse
2
Antonio Baylos Grau, Proteção de direitos fundamentais na ordem social. O direito do
trabalho como direito constitucional, p. 31.
3
ITÁLIA. Corte Costituzionale. Sentenza n. 115 (ECLI:IT:COST:1994:115), 23-31 marzo 1994.
Pubblicazione in G. U. 13/04/1994 n. 16. Disponível em:
http://www.cortecostituzionale.it/actionPronuncia.do#. Acesso em: 18 out. 2017, tradução
nossa. Cf. Massino D’Antona, Limiti costituzionalli alla disponibilità del tipo contrattuale nel
diritto del lavoro, p. 64. Cf., ainda, Raffaele De Luca Tamajo, Il limite alla discrezionalità
qualificatoria del legislatore, p. 35-42, e Giuseppe Santoro-Passarelli, A proposito della
considetta disponibilità del tipo lavoro subordinado da parte del legislatore, p. 279-286.
Trabalho, reformas e tecnologia
11
tornar inaplicável a norma constitucional que busca tutelar o trabalho
subordinado4
.
E, por óbvio, que essa mesma possibilidade faltaria aos particulares no uso de
sua autonomia privada5
ou coletiva, pois, não se “encontra na disponibilidade
do legislador ou das partes a exclusão da natureza subordinada da relação de
trabalho quando ocorram em concreto os requisitos da subordinação”6
. Daí
porque, “quando do comportamento efetivo mantido pelas partes na relação
de trabalho se possa deduzir a sujeição da prestação ao poder diretivo do
empregador, a relação deve ser qualificada como relação de trabalho
subordinado”7
.
Essa afirmação decorre do fato de que o trabalho subordinado e, por
consequência, a qualificação jurídica do contrato, extrai-se a partir dos fatos
ocorridos na relação fático-jurídica mantida entre as partes e não por força
do que foi pactuado quando da contratação do trabalhador8
. Em suma, seria
indisponível o tipo contratual do trabalho subordinado, pois ao legislador e
às partes contratantes não se assegura a possibilidade de excluir a natureza
subordinada da relação de trabalho, sob pena de privar, aprioristicamente, o
trabalhador da proteção prevista nas normas constitucionais9
.
Vale destacar, ainda, que o Tribunal de Justiça Europeia, ao apreciar a
compatibilidade da regra do art. L762-1 (atual art. L7121-3) do Código do
4
Massino D’Antona, Limiti costituzionalli alla disponibilità del tipo contrattuale nel diritto
del lavoro, in ADL – Argomenti di Diritto del Lavoro, n. 1, Padova, CEDAM, 1995, p. 63-90, p.
64.
5
Raffaele De Luca Tamajo, ob. cit., p. 35.
6
ITÁLIA. Corte di Cassazione. Sez. Lavoro. Sentenza n. 9.722, 7 ottobre 1997, in Rivista
Italiana di Diritto del Lavoro, ano XVII, n. 4, p. 659-662, Milão, 1998.
7
ITÁLIA. Corte di Cassazione. Sez. Lavoro. Sentenza n. 166, 9 gennaio 2004, in Rivista
Italiana di Diritto del Lavoro, ano XXIII, n. 4, p. 739-747, Milão, 2004.
8
SCOGNAMIGLIO, Renato. La disponibilità del raporto di lavoro subordinato. Rivista
Italiana di Diritto del Lavoro, ano XX, n. 2, p. 95-121, Milão, 2001, p. 112.
9
AVONDOLA, Arianna. L´idisponibilità del tipo contrattuale in spede legislativa nella
mostra giurisprudenza costituzionale e in quela comunitaria. Rivista Italiana di Diritto del
Lavoro, ano XXVI, n. 2, p. 242-248, Milão, 2007, p. 246.
Trabalho, reformas e tecnologia
12
Trabalho Francês10
, que dispõe que se presume a relação de emprego quando
da prestação de serviços por parte dos artistas, com o art. 49 do Tratado sobre
o Funcionamento da União Europeia (TFUE)11
, que assegura a liberdade de
estabelecimento, concluiu que a norma francesa atenta contra a liberdade de
ofício12
. Logo, também não pode o legislador dispor aprioristicamente quanto
a presunção da relação de emprego, ainda que esta se trate de uma disposição
de natureza processual.
É certo que o legislador infraconstitucional é livre para definir quem é
empregado, mas, por óbvio, não pode se afastar do conceito que se extrai dos
valores sociais que são aceitos universalmente. Daí porque é inexorável que é
empregado o trabalhador subordinado ou, em outra conceituação, aquele
que presta serviço por conta alheia (art. 3º da CLT).
Não pode, assim, o legislador, aprioristicamente, excluir determinadas
categorias de trabalhadores subordinados do campo de incidência das regras
de proteção dos empregados, sob pena de violação de direitos fundamentais
assegurados constitucionalmente estes. Além disso, a exclusão pode mascarar
um atentado ao princípio da igualdade, ao declarar que inexiste a relação de
emprego em situação na qual o trabalhador se encontra na mesma condição
de outros prestadores de serviço subordinado13
, dando-lhe tratamento
diversos sem uma razoável justificativa.
10
FRANÇA. Code du Travail. Ordonnance n° 2007-329 du 12 mars 2007 relative au code du
travail (partie législative). 2007. Disponível em:
https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006072050. Acesso
em: 17 jan. 2020.
11
UNIÃO EUROPEIA. Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia. 2012/C 326/01. Jornal Oficial nº C 326 de 26/10/2012 p. 0001 – 0390.
Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:12012E/TXTfrom=EN. Acesso em: 17 jan. 2020.
12
UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Primeira Secção. 15 de junho de 2006. Processo
C‑255/04. ECLI:EU:C:2006:401. Disponível em:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=presun%25C3%25A7%25C3%25A
3o%2Bsubordinado%2Bfran%25C3%25A7a%2Bartistasdocid=55357pageIndex=0doclan
g=PTmode=reqdir=occ=firstpart=1cid=813985#ctx1. Acesso em: 17 jan. 2020.
13
SILVA, Luís de Pinho Pedreira da. A disponibilidade pelo legislador do tipo contratual no
direito do trabalho. Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. v. 23, n. 30, p. 79–86,
jan./jun., 2007. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras Jurídicas, p. 85.
Trabalho, reformas e tecnologia
13
Ademais, não se pode perder de vista que “o trabalho é a base para o exercício
dos direitos do cidadão, e reconhecê-lo implica, consequentemente,
interligar o sujeito à sua dignidade como pessoa e ao seu projeto igualitário...
Trabalhar é a condição de exercício de importantes prerrogativas de
cidadania e a privação dessa qualidade, de maneira incorreta ou injustificada,
não só implica a vulneração do direito do trabalho, mas a dificuldade de
exercício de outros importantes direitos fundamentais reconhecidos
constitucionalmente ao trabalhador”14
.
Em suma, o legislador é livre para dispor sobre o conceito de empregado,
incluindo no rol dos protegidos pela legislação trabalhista diversas categorias
de trabalhadores. Contudo, sua liberdade não é tão ampla de modo a poder
excluir, discriminadamente, determinadas categorias de trabalhadores
subordinados dessa proteção, sem uma razoável justificativa, sob pena de
violar o princípio da igualdade e o da razoabilidade, tornando ineficazes os
direitos fundamentais assegurados constitucionalmente aos empregados,
enquanto trabalhadores subordinados.
Fosse livre totalmente o legislador infraconstitucional, ele poderia, por
exemplo, declarar que nenhum trabalhador era empregado e, portanto,
tornar tábua rasa o elenco de direitos fundamentais arrolados no art. 7º da
CF.
Assim, a partir das opções constitucionais brasileiras, o legislador
infraconstitucional somente pode excluir os trabalhadores subordinados da
proteção trabalhista desde que tenha uma razoável justificativa para tanto e
não viole o princípio da igualdade.
Desse modo, temos que, do princípio do direito ao trabalho ou do pleno
emprego se extrai o subprincípio que veda a desproteção empregatícia (ou
princípio da igualdade de tratamento legislativo ao trabalhador
subordinado), isto é, que veda qualquer ato tendente a afastar a incidência
14
Antonio Baylos Grau, Proteção de direitos fundamentais na ordem social. O direito do
trabalho como direito constitucional, p. 31.
Trabalho, reformas e tecnologia
14
das regras constitucionais trabalhistas ao trabalho subordinado, sob pena de
violação ao disposto no art. 7º da CF.
3. Trabalhadores subordinados sem emprego por força de lei
É certo, outrossim, que o legislador brasileiro sempre dispôs, por exceção,
que determinados trabalhadores, ainda que prestando serviços subordinados,
não se vinculam ao tomador dos serviços pelo contrato de emprego. Em
resumo, em diversas situações, determinados trabalhadores subordinados,
por opção legislativa, não são considerados empregados, ficando sujeitos a
legislação mais especial, em regra.
Como exemplos mais distantes pode-se citar o estagiário (art. 3º da Lei n.
11.788/08, em sucessão à Lei n. 6.494/77), o cabo eleitoral (art. 100 da Lei n.
9.504/97, com nova redação dada pela Lei n. 13.165/15), o médico residente
(Lei n. 6.932/81) e o atleta não-profissional (inciso II do parágrafo único do
art. 3º da Lei n. 9.615/98) que podem servir de estudo a partir das premissas
anteriormente postas.
A legislação mais recente, porém, acrescentou a este rol dos trabalhadores
não considerados como empregados o auxiliar e o embargador do
transportador autônomo de cargas (§ 5º do art. 4º da Lei n. 11.442/07, com
redação dada pela Lei n. 13.103/15) e o transportador de carga em relação ao
serviço prestado em favor da empresa de transporte rodoviário de cargas (art.
5º da Lei n. 11.442/07). Além disso, a Lei n. 13.966/19 estabeleceu que não
caracteriza o vínculo empregatício relação entre franqueador e franqueado
ou a seus empregados, “ainda que durante o período de treinamento” (art. 1º).
Já na área político-partidária, o art. 44-A da Lei n. 9.096/95, com redação dada
pela Lei n. 13.877/19, estabeleceu que “As atividades de direção exercidas nos
órgãos partidários e em suas fundações e institutos, bem como as de
assessoramento e as de apoio político-partidário, assim definidas em normas
internas de organização, não geram vínculo de emprego, não sendo aplicável
o regime jurídico previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada
Trabalho, reformas e tecnologia
15
pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, quando remuneradas com
valor mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo do benefício
do Regime Geral de Previdência Social”.
A partir dessas hipóteses se faz uma análise da constitucionalidade dos
dispositivos legais pertinentes, em especial aqueles relacionados aos
trabalhadores eleitorais e partidários.
3.1. Atleta não-profissional
A Lei n. 9.615/98, no parágrafo único do seu art. 3º, ao dispor sobre o desporto,
estabeleceu que este pode ser praticado de modo profissional e não-
profissional. Na primeira hipótese, o atleta-trabalhador firma contrato de
emprego (inciso I). Já na segunda hipótese, o legislador estabelece que a
prática do desporto ocorre sem que seja pactuado um contrato de trabalho
(inciso II - “...inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o
recebimento de incentivos materiais e de patrocínio”)
Em ambas as situações, porém, estar-se diante da prestação de serviços
subordinados, pois mesmo o atleta não-profissional assume a obrigação
trabalhar em favor da entidade desportiva, recebendo ordens.
Cabe, então, a pergunta: justifica-se a discriminação?
A resposta há de ser afirmativa. Primeiro, porque a própria Constituição
estabeleceu que o legislador infraconstitucional deva dar “tratamento
diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional” (inciso III do
art. 217).
Não fosse isso, é razoável a discriminação a partir de nossa realidade.
Ora, é sabido que, enquanto o desporto profissional desperta grande
interesse, atraindo verbas, patrocinadores e público consumidor aos
espetáculos oferecidos, o não-profissional vive à míngua. Sustenta-se, muito
mais, em razão dos abnegados, do que da exploração econômica dessa
atividade. Pode-se afirmar que, em regra, o desporto profissional, tornou-se
Trabalho, reformas e tecnologia
16
uma atividade econômica lucrativa, enquanto o desporto não-profissional
ainda vive uma fase de voluntarismo. Somente existe por vontade de seus
praticantes e não, em face da exploração dessa atividade econômica.
Só essa realidade social, por si só, já justifica a discriminação, com exclusão
dos atletas não-profissionais da proteção trabalhista.
Não fosse isso, é preciso lembrar que cabe ao Estado fomentar as práticas
desportivas formais e não-formais (caput do art. 217 da CF). Ora, submeter
esses atletas não-profissionais às regras do direito do trabalho seria, em nossa
realidade, negar a própria prática desportiva amadora. Ao invés de fomentar,
o Estado estaria desestimulando a prática desportiva, em nosso estágio de
desenvolvimento econômico-social.
Essa assertiva, no entanto, não retira a possibilidade de, diante de outras
condições socioeconômicas, concluir-se de modo diverso.
Pode-se afirmar, no entanto, que o disposto no inciso II do parágrafo único
do art. 3e da Lei n. 9.615/98 é constitucional.
3.2. Estagiário, aprendiz e médico residente
Uma outra hipótese merece maior reflexão. Trata-se da situação do
estagiário.
Conforme Lei n. 11.788/08, em seu art. 4º, “o estágio... não cria vínculo
empregatício de qualquer natureza”.
A primeira questão a ser respondida é se essa opção do legislador
infraconstitucional é razoável? Há alguma justificativa para essa
discriminação para com os estagiários, de modo a afastá-los dos direitos
assegurados na Carta da República aos trabalhadores subordinados?
Pode-se afirmar, a princípio, que sim. Isso porque, ao contrário do
trabalhador empregado, a empresa ao contratar o estagiário não tem em vista
os seus conhecimentos profissionais. Em verdade, a empresa oferece uma
complementação ao ensino e aprendizagem teóricos oferecidos pelas
Trabalho, reformas e tecnologia
17
entidades de educação. Tem assim, essa contratação, um caráter educacional,
profissionalizante, ainda que em atividades de extensão quando previstas no
projeto pedagógico do curso (art. 1º, § 2º c/c art. 2º, § 3º, da Lei n. 11.788/08).
É certo que a empresa se beneficia do labor, que é subordinado, prestado pelo
estagiário, e nisto se aproxima do empregado. Mas deste último o estagiário
se distancia quando é beneficiado pela complementação do ensino.
Como dito pelo Min. Luiz Fux, enquanto Relator da ADI n. 5.752, “Noutras
palavras, o estagiário, diferentemente do empregado, tem como objetivo
fundamental da sua jornada – seja perante entidade privada, seja em meio ao
serviço público – agregar conhecimentos e desenvolver capacidades
essenciais à sua inserção e progresso no mercado de trabalho e não
contribuir, primordialmente, para o incremento de produtividade ou
lucratividade/eficiência da instituição em que estagia”15
.
No caso, nesta mesma decisão, ficou esclarecido que “Ainda que o estagiário,
como sói ocorrer em todos os mercados profissionais, exerça atividades que
guardam semelhança com aquelas desempenhadas pelos trabalhadores e/ou
servidores do mesmo meio, ele o faz sob a responsabilidade e avaliação de um
profissional qualificado e a título de aprendizagem, porquanto é apenas ao
observar os afazeres e o cotidiano de uma dada profissão que o estudante será
capaz de (i) compreender efetivamente o escopo e responsabilidades
desenvolvidas num dado segmento profissional; e (ii) obter o treinamento e
a eventual correção de equívocos que o tornarão um profissional
competente”.
Assim, a princípio, a partir dessas premissas, seria constitucional essa
disparidade de tratamento.
15
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.752. Rel.
Ministro Luiz Fux. Julgado em 18/10/2019. DJe-238 de 30-10-2019. Publicado em 04-11-2019.
Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TPdocID=751285609. Acesso
em: 17 dez. 2019.
Trabalho, reformas e tecnologia
18
Contudo, por outras razões, vinculadas ao princípio da igualdade no
tratamento, pode-se concluir de forma contrária. Diga-se, ainda, que no
julgamento da ADI n. 5.752 o STF não apreciou a constitucionalidade desta
regra da lei do estágio à luz do princípio da igualdade.
É que nosso legislador, em situação semelhante, optou por proteger o
trabalhador, dando-lhe as garantias asseguradas ao empregado quando se
trata de trabalhador aprendiz.
Como se sabe, o trabalhador aprendiz é admitido como empregado (art. 428
da CLT) para prestar serviços em atividades que lhe ofereça “formação
técnico-profissional metódica, compatível com seu desenvolvimento...” (art.
428 da CLT).
Aliás, neste aspecto profissionalizante, cabe destacar que o aprendiz se
encontra numa posição até inferior ao do estagiário, já que este último, no
estágio, tendo o conhecimento teórico adquirido na entidade educacional,
busca a complementação profissionalizante, enquanto aquele irá obter a
própria formação profissional, teórica e prática (§ 4º do art. 428 da CLT).
Ora, a partir de dessas premissas, pode-se concluir que o legislador
infraconstitucional tratou desigualmente trabalhadores em situações
semelhantes. Se ele optou por ter o aprendiz como empregado, não parece
razoável, tendo em vista o princípio da igualdade, ter como não-empregado
o estagiário.
É certo que haveria justificativa para o legislador tratar o aprendiz como não-
empregado, dadas às mesmas razões que considerou para retirar do estagiário
essa proteção laboral. Contudo, ao tratar aquele (o aprendiz) como
empregado, acabou por discriminar este outro (o estagiário), pois não
utilizou os mesmos critérios. Cabe destacar, inclusive, que haveria mais
razões para tratar o aprendiz como não-empregado do que o estagiário, já
que este, bem ou mal, possui conhecimento profissional teóricos a serem
aproveitados pela empresa quando da prestação de serviços, ao contrário
daquele outro (aprendiz), que busca a própria formação profissionalizante,
Trabalho, reformas e tecnologia
19
não tendo o que transmitir, a título de conhecimento teórico, ao tomador dos
serviços.
Pode-se dizer que no estágio há uma troca do conhecimento teórico do
estudante pelo conhecimento prático passado pela empresa. Já no contrato
de aprendizagem, o aprendiz não transmite qualquer conhecimento, mas é
receptor dos conhecimentos teóricos e práticos oferecidos pela empresa.
Assim, em face do tratamento diferenciado dado ao estagiário tendo em vista
aquele dispensado ao aprendiz, pode-se concluir pela inconstitucionalidade
do disposto no art. 3º da Lei n. 11.788/08 (na parte em que estabelece que o
estagiário não celebra contrato de emprego com o tomador de seus serviços).
Cabe acrescentar que em situação mista, semelhante ao do aprendiz e ao do
estagiário, encontra-se o médico-residente, cuja prestação de serviço está
regulada na Lei n. 6.932/81. Neste caso, “A Residência Médica constitui
modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma
de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço,
funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias
ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação
ética e profissional” (art. 1º).
Nesta hipótese, o médico residente, ao mesmo tempo em que se insere num
programa de estudo, em grau de especialização, presta serviços em
treinamento. Atua num misto de estagiário (já que detém o conhecimento
fruto dos estudos) e aprendiz, ao prestar serviços ao mesmo tempo em que
recebe treinamento prático, “sob a orientação de profissionais médicos de
elevada qualificação ética e profissional”.
Ao médico residente, no entanto, não se reconhece a relação de emprego,
aproximando-se do estagiário neste ponto, mas não deixa de ser um
“aprendiz”, pois submetido a “treinamento em serviço”.
A hipótese, portanto, seria ao de equipará-lo ao aprendiz.
Trabalho, reformas e tecnologia
20
3.3. Trabalhadores em transporte de carga
O legislador infraconstitucional, outrossim, além das tradicionais hipóteses
mencionadas acima (atleta não-profissional e estagiário), estabeleceu mais
três hipóteses nas quais, mesmo diante de trabalho subordinado, por lei, o
trabalhador não deve ser considerado empregado.
A primeira hipótese seria da do trabalhador auxiliar que presta serviços ao
transportador autônomo de cargas (§ 5º do art. 4º da Lei n. 11.442/07, com
redação dada pela Lei n. 13.103/15). Já a segunda é a do transportador de carga
que presta serviços ao embarcador (pessoa responsável pelo embargue da
mercadoria, geralmente seu proprietário).
Para essas duas hipóteses, a lei estabelece que “As relações decorrentes do
contrato estabelecido entre o Transportador Autônomo de Cargas e seu
Auxiliar ou entre o transportador autônomo e o embarcador não
caracterizarão vínculo de emprego” (§ 5º do art. 4º da Lei n. 11.442/07, com
redação dada pela Lei n. 13.103/15).
Já o art. 5º desta mesma lei estabelece que “As relações decorrentes do
contrato de transporte de cargas” firmados entre o transportador de cargas e
a empresa de transporte rodoviário de cargas “são sempre de natureza
comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo
de emprego” (art. 5º da Lei n. 11.442/07)16
.
Seriam, assim, três hipóteses que não configurariam a relação de emprego: o
auxiliar do transportador autônomo de cargas; o trabalhador transportador
de cargas em relação ao serviço prestado em favor do embarcador; e o
trabalhador transportador de cargas em relação ao serviço prestado em favor
da empresa de transporte rodoviário de cargas.
Pois bem. Nenhuma delas, no entanto, oferece uma motivação razoável para
justificar a desproteção empregatícia.
16
Este dispositivo é objeto de questionamento perante o STF quanto a sua
constitucionalidade na ADC 48 e na ADI 3.961.
Trabalho, reformas e tecnologia
21
Quanto a primeira hipótese, o trabalhador auxiliar do transportador
autônomo de cargas não se diferencia de qualquer outro trabalhador auxiliar
de outros trabalhadores autônomos, a exemplo dos empregados dos
profissionais liberais (advogados, médicos, contadores, etc).
Não há nenhuma justificativa para estabelecer que o trabalhador que auxilia
o transportador autônomo de cargas não é empregado deste quando diante
da prestação de serviço subordinado. Óbvio, porém, que não será empregado
se não presta serviço subordinado ou em caráter eventual. Mas,
aprioristicamente, não se pode dispor que todo e qualquer auxiliar do
transportador autônomo de cargas não seja empregado.
O mesmo se diga em relação ao trabalhador transportador de cargas em
relação ao serviço prestado em favor do embarcador. No caso, se o labor
daquele se desenvolve subordinado à atividade do embarcador (responsável
pela carga; quem determina ou contrata o transporte), por certo que ficará
configurada a relação de emprego entres prestador dos serviços e seu
tomador.
Nesta hipótese também não há uma justifica sequer para que se possa
concluir como razoável o dispositivo infraconstitucional que excluir da
proteção empregatícia o trabalhador de carga.
Por fim, também não há uma justifica razoável para se ter como
constitucional a regra que estabelece que “As relações decorrentes do
contrato de transporte de cargas” firmados entre o transportador de cargas e
a empresa de transporte rodoviário de cargas “são sempre de natureza
comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo
de emprego”.
É certo que se pode afirmar que essa regra permite a terceirização da
atividade desenvolvida pela empresa de transporte rodoviário de cargas,
autorizando a contratação de pessoas não empregadas desta para prestar os
serviços de transporte, ainda que este seja o objeto principal da tomadora dos
serviços.
Trabalho, reformas e tecnologia
22
Contudo, como se expressou o Min. Luiz Edson Fachin, em voto divergente
lançado na ADC n. 4 e ADI 3.961, “ regulamentação infraconstitucional não
pode, sem afrontar a CF, fazer de forma apriorística e generalizada a definição
da natureza comercial do vínculo decorrente de contrato de transporte
rodoviário de cargas”.
Na oportunidade o Min. Fachin apontou que “a dignidade dos trabalhadores
que atuam no mercado de transporte rodoviário de cargos merece ser
prestigiada em sua máxima potencialidade, especialmente quando se tratar
de reconhecer-se-lhes direitos fundamentais decorrentes de uma relação para
o qual a CF estabeleceu regime específico e regras próprias”17
.
Sustentou que, considerando o princípio da primazia da realidade, impõe-se
“a declaração de inconstitucionalidade das normas impugnadas no que
afirmam peremptoriamente e de forma apriorística que o vínculo será sempre
de natureza comercial”.
E essa posição se revela correta, pois, de antemão, de forma apriorística, o
legislador não pode estabelecer que, neste caso, “sempre” será “de natureza
comercial” a relação mantida entre o transportador de cargas e a empresa de
transporte rodoviário de cargas, não se admitindo, “em nenhuma hipótese, a
caracterização de vínculo de emprego”.
A inconstitucionalidade está no fato de se afastar o reconhecimento da
relação de emprego, aprioristicamente, ainda que o trabalhador
transportador de cargas preste serviços subordinados em favor da empresa
de transporte rodoviário de cargas, sem qualquer motivo razoável a justificar
a desproteção empregatícia. No caso, afasta-se, pela via infraconstitucional, a
incidência dos direitos constitucionais trabalhistas sociais fundamentais
17
MIGALHAS. STF analisa lei sobre natureza comercial da relação de transporte de carga
autônomo. 05 de setembro de 2019. Disponível em: 
https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI310383,91041-
STF+analisa+lei+sobre+natureza+comercial+da+relacao+de+transporte+de. Acesso em 17
dez. 2019.
Trabalho, reformas e tecnologia
23
assegurados ao conjunto dos trabalhadores subordinados, sem qualquer
razoabilidade.
Aqui prevaleceu a intenção arbitrária do legislador infraconstitucional ao
dispor, em lei, dessa forma. O que redunda em reconhecer a
inconstitucionalidade destes dispositivos.
Diga-se, porém, que o STF, seguindo sua tendência contrária aos direitos
trabalhistas, ao concluir o julgamento da ADI 3.961 decidiu, por maioria de 7
(sete) votos a favor e 3 (três) contra, pela constitucionalidade do referido
dispositivo18
.
3.4. Franquia
A Lei n. 13.966/19 estabeleceu que a relação formada pelo franqueador com o
franqueado não caracterizar “vínculo empregatício em relação ao franqueado
ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento”.
Aqui a lei, numa situação semelhante ao do transportador de carga, de forma
prévia e sem se ater a realidade dos fatos, estabeleceu que da relação
contratual firmada entre franqueador e franqueado não decorre a relação de
emprego.
Fixou, ainda, a regra que também não se extrai o contrato de emprego a partir
da relação mantida entre franqueador e os empregados do franqueado.
Contudo, mais uma vez, o legislador incorreu em equívoco em estabelecer, a
priori, que dessas relações jurídicas (entre franqueador e franqueado e entre
aquele e os empregados deste) não podem se caracterizar a relação de
emprego entre as partes envolvidas. Isso porque, na mesma linha expressada
pelo Min. Luiz Edson Fachin, em voto lançado na ADC n. 4 e ADI 3.961, a lei
infraconstitucional não pode, sem violar a Constituição, estabelecer, de forma
18
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.961. Rel.
Ministro Roberto Barros. Tribunal Pleno. Julgado em 14 de abril de 2020. Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2559843. Acesso em: 15 abr. 2020.
Trabalho, reformas e tecnologia
24
apriorística e generalizada, que, das relações mantidas entre franqueador e
franqueado e com os empregados deste, não se pode extrair a relação de
emprego.
Isso porque, primeiro, a relação de emprego decorre dos fatos, tal como ele
se apresenta no mundo da realidade. Logo, ainda que firmado o contrato de
franquia, mas demonstrado que, na realidade, o franqueado atua como
empregado do franqueador (prestar serviços subordinado a este), é de se
reconhecer a relação de emprego entre as partes, por força da aplicação do
art. 2º da CLT. E o mesmo se diga em relação ao franqueador e os empregados
do franqueado.
Segundo, porque a lei infraconstitucional não pode, sem razoável
justificativa, afastar a possibilidade de reconhecimento da relação de
emprego, quando presentes suas características no mundo real, sob pena de
negar aplicação ao disposto no art. 7º da Carta Magna em relação aos
trabalhadores subordinados.
E, no caso, inexiste um motivo razoável a justificar o afastamento da
incidência do art. 7º da CF quando presentes os elementos caracterizadores
da relação de emprego nas relações mantidas entre franqueador e franqueado
e entre aquele e os empregados deste. No caso, o contrato de franquia atuaria
apenas para fraudar a incidência das normas constitucionais e
infraconstitucionais trabalhistas.
Esta situação, pois, difere, por exemplo, da do atleta não-profissional, já que
neste caso, ainda que haja a prestação de serviços subordinado por parte do
atleta, há uma justificativa para não se caracterizar a relação de emprego
nesta hipótese. Essa justificativa, no entanto, inexiste na relação
(fraudulenta) de franquia.
Trabalho, reformas e tecnologia
25
3.5. Trabalhadores em campanhas eleitorais (cabos
eleitorais)
Dispõe o art. 100 da Lei n. 9.504/97, com nova redação dada pela Lei n.
13.165/15 que “A contratação de pessoal para prestação de serviços nas
campanhas eleitorais não gera vínculo empregatício com o candidato ou
partido contratantes, aplicando-se à pessoa física contratada o disposto na
alínea h do inciso V do art. 12 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991”.
Claramente este dispositivo legal exclui os referidos trabalhadores da
proteção trabalhista e, em regra geral, dos direitos fundamentais dos
empregados elencados no art. 7º da Constituição, ainda que haja a prestação
de trabalho humano de modo subordinado.
Mais uma vez pergunta-se, agora diante dessa hipótese: justifica-se a
discriminação?
Aqui a resposta há de ser negativa. Isso porque não há uma única sequer,
plausível e razoável, justificativa a respaldar essa discriminação para com os
trabalhadores subordinados contratados para prestação de serviços nas
campanhas eleitorais. Somente razões casuísticas, e torpes, de proteção aos
interesses dos candidatos e dos partidos políticos, justificam esse dispositivo
legal.
Esse dispositivo legal, portanto, viola o texto constitucional ao pretender, de
forma não-razoável e em clara violação ao princípio da igualdade, afastar da
proteção trabalhista constitucional uma categoria de trabalhadores
subordinados, negando-lhes, no mínimo, os direitos fundamentais arrolados
no art. 7º da CF/88.
Esses trabalhadores, portanto, quando prestadores de serviços subordinados,
devem ser tratados como empregados para todos os fins legais e
constitucionais.
Trabalho, reformas e tecnologia
26
3.6. Trabalhadores em órgãos partidários
Mais recentemente, no entanto, ampliando a hipótese anterior, a Lei n.
13.877/19 introduziu novo dispositivo na Lei n. 9.096/95, que dispõe sobre os
partidos políticos, para estabelecer, em sal art. 44-A que os trabalhadores em
“atividades de direção exercidas nos órgãos partidários e em suas fundações
e institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio político-partidário,
assim definidas em normas internas de organização” não mantém vínculo de
emprego com os tomadores dos serviços “quando remuneradas com valor
mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do
Regime Geral de Previdência Social”.
Aqui se está diante de outra flagrante regra inconstitucional ao afastar, sem
qualquer motivo razoável, a incidência dos direitos fundamentais trabalhistas
em prol desse grupo de trabalhadores, além de clara violação ao princípio da
igualdade, ao tratá-los de forma desigual em relação aos trabalhadores que
executam as mesmas atividades, mas percebem remuneração mensal inferior
ao equivalente a “2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do Regime
Geral de Previdência Social”.
Vejam que aqui há duas inconstitucionalidades. A primeira, a exemplo dos
casos anteriormente comentado, em face da desproteção empregatícia sem
uma justificativa razoável. Ou seja, qual é a justificativa para estabelecer que
os trabalhadores que prestam serviços subordinados em “atividades de
direção exercidas nos órgãos partidários e em suas fundações e institutos,
bem como as de assessoramento e as de apoio político-partidário, assim
definidas em normas internas de organização”, e que percebam remuneração
“mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do
Regime Geral de Previdência Social”, não possam ser destinatários das
normas fundamentais trabalhistas asseguradas ao conjunto dos empregados
(trabalhadores subordinados)?
Trabalho, reformas e tecnologia
27
A resposta somente pode ser a vontade arbitrária do legislador, que quis
proteger os partidos políticos em detrimento dos direitos fundamentais dos
trabalhadores subordinados.
A segunda inconstitucionalidade está no fato desse dispositivo tratar
desigualmente trabalhadores que executam a mesma atividade subordinada,
mas que são tratados diferentemente em decorrência da remuneração
eventualmente paga ao trabalhador. O que a lei dispõe é que, quem trabalha
em “atividades de direção exercidas nos órgãos partidários e em suas
fundações e institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio político-
partidário, assim definidas em normas internas de organização” e que faz jus
a remuneração igual ou superior a “2 (duas) vezes o limite máximo do
benefício do Regime Geral de Previdência Social” não é empregado, mas se
perceber remuneração inferior, será empregado, e, portanto, destinatário dos
direitos trabalhistas fundamentais.
O discrímen aqui adotado pelo legislador (valor da remuneração) não se
revela razoável para tratar desigualmente membros de uma mesma categoria
de trabalhadores, em execução das mesmas atividades, especialmente
quando se tem que todos os demais trabalhadores subordinados que
percebem remuneração superior a “2 (duas) vezes o limite máximo do
benefício do Regime Geral de Previdência Social” não são destinatário de
qualquer norma que dispõe que eles não mantêm relação de emprego com os
seus respectivos tomadores de serviço.
Assim, aqui se está, mais uma vez, diante de uma regra claramente
inconstitucional ao afastar a incidência dos direitos trabalhistas reservada aos
trabalhadores subordinados sem uma razoável justificativa.
4. Conclusões
Desse modo, em síntese apertada, pode-se concluir que:
Trabalho, reformas e tecnologia
28
a) o constituinte, ao pretender valorizar o trabalho humano, fez uma
opção pelo trabalho subordinado como meio ou instrumento,
preferencial, para atingir a dignidade humana através do labor;
b) em cumprimento a este seu desiderato, o constituinte deu real
destaque aos direitos dos empregados, ao elencar, no art. 7º da CF, o
rol dos seus direitos fundamentais;
c) o conceito de empregado é universal, tendo-se como tal o trabalhador
que presta serviço subordinado;
d) o labor subordinado é uma questão de fato que não se alterar por
dispositivo legal;
e) o legislador infraconstitucional não é livre para, sem qualquer critério
razoável ou em violação ao princípio da igualdade, estabelecer as
situações nas quais o trabalhador subordinado não é destinatário dos
direitos fundamentais dos empregados;
f) é constitucional a regra que afasta da proteção empregatícia o atleta
não-profissional (inciso II do parágrafo único do art. 3º da Lei n.
9.615/98) dada as características do esporte amador no Brasil;
g) existem razões para o legislador infraconstitucional afastar da
proteção empregatícia, tanto o estagiário, como do aprendiz, já que
estes, ao invés de simplesmente prestar serviços em favor da empresa,
também buscam a sua formação ou a complementação
profissionalizante;
h) ao tratar o aprendiz como empregado e o estagiário como não-
empregado, no entanto, o legislador infraconstitucional discriminou
este último, já que não há um motivo razoável para essa disparidade
de tratamento;
i) é inconstitucional, portanto o disposto na primeira parte do art. 3º da
Lei n. 11.788/08, na parte que dispõe que o estágio não gera vínculo de
emprego entre o estagiário e o tomador dos seus serviços;
Trabalho, reformas e tecnologia
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j) em situação idêntica ao do estagiário se encontra o médico residente,
sendo questionável a constitucionalidade da Lei n. 6.932/81 ao não
caracterizar como de emprego a relação firmada entre aquele e a
entidade tomadora dos serviços;
k) também é inconstitucional o disposto no § 5º do art. 4º da Lei n.
11.442/07, com redação dada pela Lei n. 13.103/15, e no art. 5º da Lei n.
11.442/07, no ponto que que estes dispositivos afastam,
aprioristicamente, o reconhecimento da relação de emprego entre o
auxiliar e o transportador autônomo de cargas, entre o trabalhador
transportador de cargas e o embarcador e entre o trabalhador
transportador de cargas e a empresa de transporte rodoviário de
cargas;
l) da mesma forma, não cabe, de forma apriorística, negar a
possibilidade de caracterização do contrato de emprego a partir da
relação firmada entre franqueador e franqueado e entre aquele e os
empregados deste outro;
m) é inconstitucional o art. 100 da Lei n. 9.504/97 ao dispor que o “cabo
eleitoral”, mesmo prestando serviços subordinados, não mantém
vínculo de emprego, já que não há qualquer motivo razoável para essa
discriminação;
n) da mesma forma, é inconstitucional o art. 44-A da Lei n. 9+096/95,
com a redação dada pela Lei n. 13.877/19, quando dispõe que os
trabalhadores que prestam serviços subordinados em “atividades de
direção exercidas nos órgãos partidários e em suas fundações e
institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio político-
partidário, assim definidas em normas internas de organização” não
mantém vínculo de emprego com os tomadores dos serviços “quando
remuneradas com valor mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o
limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social”.
Trabalho, reformas e tecnologia
30
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Trabalho, reformas e tecnologia
32
A natureza da relação jurídica “Uberista”
Edilton Meireles1
Everton Caldas Silveira2
RESUMO: O presente artigo é fruto da pesquisa sobre a natureza da relação
jurídica firmada entre a UBER e o motorista. A metodologia utilizada foi a
revisão bibliográfica nacional e estrangeira de legislações, jurisprudências,
doutrinas e trabalhos científicos relacionados ao tema. Inicialmente,
apresentou-se a estrutura da relação mantida pelo trabalhador “UBERISTA”.
Adiante, delineou-se os aspectos da natureza da relação jurídica sob a égide
legal, jurisprudencial e do direito comparado. Por último, concluiu-se que
diante da análise dos requisitos caracterizadores da relação de emprego e do
principio da primazia da realidade fática a relação firmada entre UBER e
Motorista é considerada empregatícia.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Trabalhista. UBER. Motorista. Relação Jurídica.
ABSTRACT: This article is the result of research on the nature of the legal
relationship established between UBER and the driver. The methodology used
was the national and foreign literature review of laws, jurisprudence, doctrines
and scientific works related to the theme. Initially, the structure of the
relationship maintained by the worker “UBERIST” was presented. Ahead, the
aspects of the nature of the legal relationship under the aegis of law,
jurisprudence and comparative law were outlined. Finally, it was concluded
that considering the requirements that characterize the employment
relationship and the principle of the primacy of factual reality, the relationship
established between UBER and Driver is considered to be employment.
KEYWORDS: Labor Law. UBER. Driver. Legal Relationship.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Estrutura da Relação Mantida pelo Trabalhador
“UBERISTA”. 2.1. Caracterização. 2.2. Conceito. 3. Natureza da Relação
Jurídica. 3.1 Requisitos da Relação Empregatícia 3.1.1. Relação Uberista no
Contexto da Relação Empregatícia. 3.2. Jurisprudência Brasileira. 3.3. Direito
estrangeiro no caminho da definição. 4. Conclusão. Referências.
1. Introdução
1
Pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Desembargador do
trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, professor adjunto da
Universidade Católica do Salvador (UCSal) e professor associado da Faculdade de
Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBa). edilton_meireles@uol.com.br.
2
Graduando em Direito pela Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Direito.
Membro do Núcleo de Competições Internacionais da UFBA. Conselheiro da
Sociedade de Debates da UFBA. Ex-membro do corpo editorial da Revista da FDUFBA.
Estagiário do Juizado Especial Federal – 1ª Região. Seção Bahia. Bolsista de Iniciação
Científica (PIBIC/UFBA). evertoncsilveira@gmail.com.
Trabalho, reformas e tecnologia
33
Atualmente, é notável o impacto da tecnologia na área jurídica,
sobretudo no direito de trabalho, com a insurgência de novas formas
laborais3
. Diante disso, faz-se necessário que os intérpretes do direito
busquem construir uma hermenêutica que acompanhe a evolução
social, sem perder de vista os direitos e garantias conquistadas ao longo
dos anos.
Neste cenário, este artigo busca compreender a natureza da relação
jurídica estabelecida entre a UBER e seus motoristas, relação esta objeto
de bastante controvérsia no campo jurídico.
Registre-se que não se pretende aqui analisar a legalidade do serviço
prestado pelo aplicativo, mas sim a relação firmada pelo aplicativo
envolvendo o prestador de serviços.
Para tanto, procura-se apresentar a estrutura de funcionamento da
UBER, o seu papel e o do parceiro na atividade realizada, analisando as
características do serviço de modo a se apurar a sua natureza jurídica.
Nessa toada, deve-se trilhar uma análise legal, doutrinária e
jurisprudencial a fim de depreender a natureza da relação jurídica
estabelecida pela UBER e seus motoristas, utilizando-se do método
dedutivo com de revisão da literatura, interpretação de textos
normativos e análise de decisões jurisprudenciais nacionais e
estrangeiras.
2. Estrutura da relação mantida pelo trabalhador “Uberista”
Funcionando no Brasil desde 2014, a UBER é uma empresa americana
que tem como característica providenciar e programar, via aplicativo de
smartphone, a prestação de serviços “de transporte e/ou logística e/ou
compra de certos bens com terceiros provedores independentes desses
3
COUNTOURIS, Nicola. La gouvernance par les algorithmes et le récit alternatif du
travail. In; SUPIOT, Alain (dir.). Le travail au XXIº siècle. Ivry-sur-Seine: L’Atelie, 2019,
p. 87-101.
Trabalho, reformas e tecnologia
34
Serviços, inclusive terceiros fornecedores independentes de transporte,
terceiros fornecedores independentes de logística e terceiros
fornecedores independentes de bens, mediante contrato com a Uber ou
determinadas Afiliadas da Uber (“Prestadores Terceiros”)”4
.
Esses serviços são divididos em categorias, que podem ser escolhidas
pelos usuários conforme suas necessidades e desejos, quais sejam: UBER
BLACK (serviço de transporte privado de luxo da UBER, que possuem
carros SUV e sedan de 5 lugares com ar condicionado e bancos em
couro, motoristas vestido com traje social, e água gelada e doces
disponíveis para o passageiro), UBERX (serviço de transporte privado
comum da UBER, que possuem carros a partir de 2008 com ar
condicionado), UBERBAG (serviço de transporte privado para clientes
que queiram transportar grande quantidade de coisas ou bagagens),
UBEREATS (o serviço de delivery de comida e compras da UBER),
dentre outros5
.
Segundo os termos e condições publicados no sítio oficial da UBER, em
sua visão os serviços são disponibilizados para uso pessoal e não
comercial. Dessa forma, a UBER reitera que não fornece bens, não
presta serviços de logística ou transporte, apenas fornece plataforma
tecnológica para que terceiros independentes e não representantes da
UBER o façam. Por conseguinte, a UBER sustenta que não possui
relação de trabalho com os motoristas parceiros do aplicativo, mas que
haveria uma prestação de serviço por parte dela aos motoristas, que se
utilizam de sua plataforma tecnológica para alcançar clientes para os
serviços prestados a terceiros6
. Nessa visão, a empresa UBER prestaria
4
UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. TERMOS E CONDIÇÕES. Disponível em:
https://www.uber.com/pt-BR/legal/terms/br/ Acesso em: 15 set. 2019.
5
UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. CATEGORIAS DA UBER. Disponível em:
https://www.uber.com/pt-BR/blog/categorias-da-uber/ Acesso em: 15 set. 2019.
6
UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. TERMOS E CONDIÇÕES. Disponível em:
https://www.uber.com/pt-BR/legal/terms/br/ Acesso em: 15 set. 2019.
Trabalho, reformas e tecnologia
35
um serviço aos motoristas parceiros de modo que estes pudessem
executar suas atividades em favor de terceiros (os clientes).
Ressalte-se, no entanto, que a UBER impõe aos parceiros um código de
conduta, ainda que assegurando liberdade quanto a jornada de trabalho
a ser executada. Deve-se registrar, ainda, que é a UBER que fixa o preço
do serviço a ser prestado pelo parceiro, não tendo este qualquer
ingerência sobre ele e só o conhecendo ao final da corrida, quando
também há avaliação do parceiro pelo usuário. Por fim, tem-se que o
valor pago a UBER pelos parceiros é descontado dos serviços de
transporte e não pagos à titulo de mensalidade pela utilização da
plataforma7
.
Outrossim, para tornar-se parceiro da UBER é necessário que o
motorista tenha habilitação especial para exercer atividade remunerada
como motorista (conhecido como registro EAR - “Exerce Atividade
Remunerada”).
Além disso, para se tornar parceiro é imprescindível o cadastro no site
da UBER. Esse cadastro exige o fornecimento pelo postulante de seu
nome, sobrenome, e-mail, número de telefone, senha de acesso, local
de trabalho (cidade e estado) e código de identificação. Municiada com
esses dados, a UBER verificará os antecedentes criminais do candidato
a parceiro. Em sendo aprovado, a UBER enquadra o veículo do parceiro
na categoria adequada e dar-lhe instruções de uso8
.
Conforme a análise do professor Rodrigo Carelli, depois de feito o
cadastro, prepondera como perfil de cadastrado: o do sexo masculino,
7
DELATE, Raiza Moreira. A dignidade do trabalhador e as novas formas de exploração
do trabalho humano: A relação Uber X Motorista. Revista Eletrônica da Ordem dos
Advogados Brasileiros – Rio de Janeiro. Set. 2017. Disponível
em:http://revistaeletronica.oabrj.org.br/wp-content/uploads/2017/09/Artigo-
Revista Eletronica-OABRJ-RAIZA-MOREIRA-DELATE.pdf Acesso em: 15 set. 2019.
8
UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. Veja como se cadastrar na Uber. Disponível
em:  https://www.uber.com/pt-BR/blog/como-se-cadastrar-no-uber/ Acesso em: 15
set. 2019.
Trabalho, reformas e tecnologia
36
com idade de 31 a 40 anos, que possui ensino médio completo e trabalha
de 45 a 60 horas por semana. Além disso, percebe-se que, entre a grande
maioria dos cadastrados, a UBER foi escolhida para complemento de
renda de alguns, como “bico” ou ganha-pão, haja visto o cenário de
desemprego estrutural e de crise econômica9
. Típico labor da gig
economy (economia de bico) ou freelance economy10
.
Para alguns, com esta relação e outras assemelhadas, surge uma nova
categoria de trabalhadores: a dos independentes, mas, que, na
realidade, seriam de trabalhadores autônomos, mas dependentes
economicamente (dependente contractor)11
, o que atrairia uma
legislação que lhes assegurassem algumas proteções e benefícios, ainda
que não aqueles reservados aos empregados12
.
2.1. Caracterização
A estrutura da relação mantida pelo trabalhador uberista é extenuante
e precarizada. No entanto, é comum que o primeiro contato com a
UBER seja avaliado positivamente pelos parceiros. Isto se deve ao fato
de que, na maioria das vezes, o ingresso na empresa vem após período
de desemprego e, por conseguinte, de endividamento. Além disso,
9
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Caso Uber e o Controle por Programação: de carona
para o século XXI. In: LEME, Ana Carolina Reis Paes; RODRIGUES, Bruno Alves;
CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a
exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das
plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017. p. 132.
10
BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis. Gig economy e contrato de emprego.
Aplicabilidade da legislação trabalhista aos vínculos de trabalho da nova economia.
São Paulo: LTr, 2019, p. 25.
11
TAYLOR, Matthew. Good work: the Taylor review of modern working practices. 2017.
Disponível em:
https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attach
ment_data/file/627671/good-work-taylor-review-modern-working-practices-rg.pdf.
Acesso em: 28 out. 2019, p. 9.
12
HARRIS, Seth D. KRUEGER, Alan B. A proposal for modernizing labor laws for
twenty-first-century work: the “independente worker”. Disponível em:
https://www.hamiltonproject.org/assets/files/modernizing_labor_laws_for_twenty_f
irst_century_work_krueger_harris.pdf. Acesso em 28 out. 2019.
Trabalho, reformas e tecnologia
37
inicialmente, a UBER é encarada como uma atividade temporária, um
bico, só então depois de um tempo passando a ser a fonte principal de
renda do parceiro13
.
Quanto aos rendimentos obtidos, é bastante controverso, haja visto que
além do ganho bruto diário, há gastos com manutenção do carro
(manutenção ou aluguel, desgaste, IPVA, combustível, seguro, etc),
pacote de dados de internet para acessar o aplicativo e recolhimentos
previdenciários14
.
No que atine ao teor do trabalho, em que pese a UBER afirme não haver
exclusividade dos motoristas, estes são impedidos de captar usuários da
UBER durante a viagem e lhes oferecer serviços particulares fora do
aplicativo, o que gera a aparência de exclusividade15
.
2.2. Conceito
Ludmila Costchek Abílio assevera que a uberização remete a uma nova
fase de exploração do trabalho, que propugna mudanças qualitativas ao
estatuto do trabalho, à configuração das empresas, assim como às
formas de controle, gerenciamento e expropriação do trabalho16
.
De outro modo, segundo Aimée Oliveira, há quem se posicione no
sentido de que se trata de passo nas terceirizações que transforma o
trabalhador em um empreendedor disponível ao trabalho, retirando-lhe
13
RAMER, Josiane, A economia compartilhada e a uberização do trabalho: utopias do
nosso tempo? 2017. 129 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal
do Paraná, Paraná, 2017.
14
SILVA, Aimée de Oliveira. O motorista da Uber e a configuração da relação de
emprego. Monografia de Conclusão de Curso, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Centro de Ciências Jurídicas e Econômica. Faculdade de Direito. Janeiro de 2017.
Disponível em:  https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/6386. Acesso em: 04 de ago.
2019.
15
Ibidem
16
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Rio
de Janeiro. 2017. Disponível em: http://www.passapalavra.info/2017/02/110685.
Acesso em 15 set. 2019.
Trabalho, reformas e tecnologia
38
garantias constitucionais e mantendo-lhe subordinado sob uma nova
lógica, a por meio de algoritmos17
.
A estrutura da relação mantida pelo trabalhador uberista nos leva a uma
ilusão de trabalho colaborativo desprovido de vínculo empregatício,
como também, nos martela a ideia de uma oportunidade de sair da crise
financeira e do desemprego pela economia compartilhada. Aliás é o que
evidencia o próprio site da UBER, com o chamariz do
empreendedorismo e a possibilidade de flexibilidade de horário de
trabalho de vultuosos ganhos na UBER18
.
Em um cenário econômico e de desemprego desolador, a UBER se firma
como elo entre consumidor e trabalhador, ao mesmo tempo em que,
dita as regras dos serviços do trabalhador, o percentual sobre o valor
pago pelos clientes que deve ser repassado e em qual categoria deve se
enquadrar o parceiro19
.
3. Natureza da relação jurídica
A natureza da relação jurídica constituída entre o parceiro e a UBER
torna-se questão controversa. Dessa forma, para analisá-la é necessário,
inicialmente se aventurar pelos requisitos caracterizadores da relação
de emprego.
17
SILVA, Aimée de Oliveira. O motorista da Uber e a configuração da relação de
emprego. Monografia de Conclusão de Curso, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Centro de Ciências Jurídicas e Econômica. Faculdade de Direito. Janeiro de 2017.
Disponível em:  https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/6386. Acesso em: 04 de ago.
2019.
18
Ibidem
19
Ibidem
Trabalho, reformas e tecnologia
39
3.1 Requisitos da Relação Empregatícia
O Art. 442 da CLT assevera que o “contrato individual de trabalho é o
acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. Dessa
forma, conforme a teoria contratualista, temos que a relação de
emprego possui natureza de contrato, isto é, de instrumento formado
pela vontade de pactuar das partes. Deve-se dizer que para tanto, é
necessário que se cumpra os requisitos que caracterizam a relação de
emprego, quais sejam: pessoalidade, pessoa física, onerosidade e
subordinação20
.
Inicialmente, na lição de Carlos Henrique Bezerra Leite, o contrato de
trabalho é intuitu personae e esta (pessoalidade) é conceituada pelo
dever do empregado de prestar pessoalmente o trabalho, podendo,
excepcionalmente, diante do consentimento tácito ou expresso do
empregador, ser substituído por outro empregado. Além disso, registra
Carlos Henrique Bezerra Leite que não há pessoalidade em relação ao
empregador21
.
Outro requisito essencial é a chamada não eventualidade, que para
Luciano Martinez pode ser vista como previsibilidade de repetição da
atividade laboral pelo trabalhador. Assevera ainda este Autor que a
realização de serviços em dias predeterminados da semana não ilide ao
preenchimento do requisito de não eventualidade, isto porque nestas
situações pode haver a previsibilidade da repetição22
. No mesmo
caminho discorre Mauricio Godinho Delgado que entende como
20
DELATE, Raiza Moreira. A dignidade do trabalhador e as novas formas de
exploração do trabalho humano: A relação Uber X Motorista. Revista Eletrônica da
Ordem dos Advogados Brasileiros – Rio de Janeiro. Set. 2017. Disponível
em:http://revistaeletronica.oabrj.org.br/wp-content/uploads/2017/09/Artigo-
Revista Eletronica-OABRJ-RAIZA-MOREIRA-DELATE.pdf Acesso em: 15 set. 2019.
21
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho,11. ed. – São Paulo:
Saraiva Educação, 2019.
22
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e
coletivas do trabalho, 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
Trabalho, reformas e tecnologia
40
trabalhador não eventual aquele que trabalha de forma repetida, nas
atividades permanentes do tomador e a este fixado juridicamente23
.
Já por onerosidade se deve entender que o serviço é prestado com
contraprestação, isto é, o trabalhador se obriga a trabalhar e o
empregador se obriga a remunerá-lo.
Por fim, a subordinação, considerada o elemento mais marcante para
configuração da relação de emprego, na dicção de Carla Tereza Romar
“é a sujeição do empregado às ordens do empregador, é o estado de
dependência do trabalhador em relação ao seu empregador”. Afirma
ainda que a subordinação é inerente a estrutura da relação jurídica de
emprego na medida em que esta se baseia na transferência pelo
emprego do poder de direcionamento do seu trabalho para o
empregador24
.
Alice Monteiro de Barros acrescenta que este poder de comando
empregador não precisa ser constante, nem se exige vigilância técnica
continua dos trabalhos realizados. O importante é que haja a
possibilidade de o empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar
a atividade de seu empregado25
.
3.1.1 Relação Uberista no Contexto da Relação Empregatícia.
Maurício Nanartonis sustenta que a UBER preenche requisitos de uma
relação empregatícia, como pessoalidade e subordinação26
. Indo ao
encontro do entendimento esposado, José Eduardo Chaves acrescenta
23
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr,
2010, p. 273.
24
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho Esquematizado. 5. ed. – São
Paulo: Saraiva Educação, 2018.
25
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: LTr,
2016p. 268.
26
KOURA, Kalleo. Uber enfrenta primeiros processos trabalhistas no Brasil. JOTA.
2016. Disponível em: http://jota.info/o-uber-e-lei-motoristas-vao-justica-para-
pleitear-vinculo-empregaticio. Acesso em: 15 set. 2019.19.
Trabalho, reformas e tecnologia
41
que a direção do trabalho, pela definição de preços, padrão de
atendimento, forma de pagamento, recebimento e repasse de
pagamento e centralização do acionante do colaborador para prestar
serviços, como também, a aplicação de penalidades nas hipóteses de
violação do código de conduta da UBER, ratificam a relação
empregatícia UBER X PARCEIRO27
.
Noutra quadra, avalia que a total liberdade do motorista quanto a sua
jornada de trabalho, que é extremamente flexível, pode ser um traço de
trabalho autônomo, assim como, o fato dos meios de produção (veículo
e o celular), pertencerem ao parceiro e não a empresa28
.
Dario Rabay refuta a possibilidade de configuração do vinculo
empregatício. Para este Autor sendo o motorista o proprietário do
automóvel, arcando com manutenção e despesas provenientes do
transporte, aliado a assunção de riscos do próprio negócio, não há que
se falar em relação de emprego29
. Já Vólia Bonfim Cassar, tergiversando
os entendimentos supra, diz que há grande controvérsia a respeito dos
vínculos firmados entre a UBER e seus parceiros30
.
No entanto, Rodrigo de Lacerda Carelli, a partir de larga pesquisa
empírica, entende que ao mesmo tempo em que entrega autonomia ao
trabalhador, a UBER impede essa liberdade pela programação. Isto pode
ser constatado a partir das entrevistas realizadas junto ao parceiros-
trabalhadores, que revelam que, em que pese estes se considerem
autônomos, a UBER exercem sobre eles controle indireto sobre a
27
CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende. Motorista do Uber poderá ser
considerado empregador no Brasil. Migalhas. 2016. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI237918,41046-
Motorista+do+Uber+podera+ser+considerado+empregado+no+Brasil. Acesso em: 12
set. 2019.
28
Ibidem
29
RABAY, Dario. MARTINEZ, Aldo Augusto Martinez. Motoristas do Uber:
empregados ou autônomos? Estado de S. Paulo. 2015. Disponível em:
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/motoristas-do-uber-
empregados-ou-autonomos/. Acesso em: 12 set. 2019.
30
CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
Trabalho, reformas e tecnologia
42
quantidade de horas que devem realizar, fornece sugestões de vestuário,
trato com o cliente e normas de conduta, bem como exerce o
monitoramento dos serviços, via GPS, do tipo de direção exercida pelo
motorista, quer dizer, se agressiva ou defensiva, sem esquecer o
controle sobre os serviços prestados através das notas atribuídas pelos
usuários do aplicativo. Rodrigo de Lacerda Carelli ainda destaca que
caso os parceiros não consiga um número mínimo de corridas ou realize
determinado número de cancelamento, é excluído da plataforma de
serviço, o que enrobustece o caráter controlador do serviço pela UBER31
.
Ademais, ele ressalta que a maioria dos parceiros, em que pese tenha
flexibilidade na jornada, a cumprem de modo determinado e extenso,
pouco havendo folga. Na mesma linha, Alice Monteiro de Barros,
entende que na medida em que o aplicativo possibilita o registro da
jornada de trabalho, como controla a execução da prestação de serviços
cerceia a livre iniciativa do empregado/parceiro32
.
3.2. Jurisprudência Brasileira
Essa questão, como era previsível, já alcançou os tribunais trabalhistas
brasileiro. Algumas decisões podem ser mencionadas.
Assim, por exemplo, nos autos do processo n. 0011863-62.2016.5.03.0137
se conclui que não há relação empregatícia entre a empresa UBER e os
trabalhadores. Isto porque, segundo o julgador, utilizando-se das lições
de Mauricio Godinho Delgado, na UBER, o empregado se compromete
a assumir o poder de direção empresarial na forma de realização de seus
31
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Caso Uber e o Controle por Programação: de carona
para o século XXI. In: LEME, Ana Carolina Reis Paes; RODRIGUES, Bruno Alves;
CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a
exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das
plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017. p. 130-
146.
32
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr,
2016.
Trabalho, reformas e tecnologia
43
serviços, inclusive podendo exercer férias sem prévia comunicação a
empresa, o que no seu entendimento ilide a subordinação. Além disso,
prelecionou que o sistema de avaliação funcionava sem intervenção da
UBER, ratificando a não subordinação do parceiro à UBER. Em reforço
de argumento, ainda asseverou que o objeto social da UBER é de
serviços de tecnologia e que não existe subordinação na relação entre as
partes, porque o parceiro não integra a dinâmica do funcionamento da
UBER33
.
É esse o entendimento compartilhado pela 10ª Câmara do TRT-15, que
afasta a caracterização da relação empregatícia, ante a ausência de
imposição de normas de conduta e pela liberdade de recusa de
viagens34
.
Ademais, ainda endossa o entendimento supra, o TRT DA 10ª Região,
que nos autos do processo de nº 0001995-46-2016-5-10-0111, declarou que
o parceiro goza de total liberdade para exercer seu trabalho, sem que
haja nenhum controle de horários ou ingerência da UBER, não havendo,
portanto, subordinação entre as partes. Além disso, interpretou as
informações enviadas pela UBER como meras sugestões de caráter
informativo no interesse do próprio parceiro35
.
33
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 37ª Vara do Trabalho do
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo nº 0011863-62.2016.5.03.0137.
Reclamante: Artur Soares Neto. Reclamadas: Uber Do Brasil Tecnologia Ltda., Uber
International B.V. e Uber International Holding B.V. Sentença. Juiz: Filipe de Souza
Sickert. Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2017. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/justica-trabalho-fixa-motorista-uber.pdf . Acesso em:
15 out. 2019.
34
CONJUR. Motorista não tem vínculo de emprego com Uber, afirma TRT-15. Revista
Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2019. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-jan-19/motorista-nao-vinculo-emprego-uber-
afirma-trt-15. Acesso em: 15/09/2019.
35
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Vara do Trabalho de Gama
do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Processo nº 0001995- 46-2016-5-10-
0111. Reclamante: William Miranda da Costa. Reclamadas: Uber do Brasil Tecnologia
Ltda. Sentença: Tamara Gil Kemp. Gama, 18 de abril de 2017. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/uber-decisao.pdf . Acesso em: 15 out. 2019
Trabalho, reformas e tecnologia
44
Por outro lado, a 15ª turma do TRT-2, nos autos do processo 1000123-
89.2017.5.02.0038, reconheceu a existência de vinculo de empregado
entre UBER e o parceiro/motorista. Para Desembargadora Relatora há
controle da concretização do serviço de transporte prestado pelo
motorista, para ela a UBER se vale de meios indiretos para obter a
disponibilidade máxima do motorista aos usuários, utilizando-se de
incentivo para eles. Ademais, assevera que não há provas de que a UBER
não imponha regras de conduta aos motoristas, como também a própria
empresa revela que as avaliações realizadas pelos usuários são
preponderantes para manutenção do cadastro do parceiro, pelo que ela
entende conformada a relação empregatícia36.
Na mesma Região, nos autos do processo nº 1001492-33.2016.5.02.0013,
reconheceu-se o vínculo empregatício na UBER. Segundo o magistrado
sentenciante, o requisito de pessoa física é preenchido na medida em
que não há possibilidade de prestação do serviço por pessoa jurídica.
Indo além, afirma que o trabalho do motorista é indubitavelmente de
natureza pessoal, haja visto que a substituição de um trabalhador por
outro, de forma indistinta, é vedada. Quanto a não eventualidade
asseverou o juiz que deve ser analisada no caso concreto. Na análise da
onerosidade, ponderou o juiz que não há mensalidade paga pelo
parceiro a empresa, mas sim há um controle financeiro pela empresa e
o repasse de valores ao parceiro/motorista pelo trabalhado
desenvolvido na atividade econômica da UBER. Por fim, quanto a
subordinação o julgador pontua que “[...] a mão de obra do motorista é
fator de produção na geração da mercadoria (serviço de transporte),
cuja circulação propicia o excedente econômico à ré. Além disso, o
36
CONJUR. TRT de São Paulo reconhece vínculo de emprego entre Uber e motorista.
In: Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2018. Disponível em: 
https://www.conjur.com.br/2018-ago-27/trt-sao-paulo-reconhece-vinculo-emprego-
entre-uber-motorista. Acesso em: 15 set. 2019..conjur.com.br/2018-ago-27/trt-sao-
paulo-reconhece-vinculo-emprego-entre-uber-motorista. Acesso em: 15/09/2019
Trabalho, reformas e tecnologia
45
preço do serviço final é estabelecido unilateralmente pela ré, cabendo
ao motorista apenas a ciência do percentual que lhe caberá quando
concluir a viagem que aceitar. Parece evidente que o empreendimento
como um todo é da empresa ré, e não do negócio motorista”. Ressalta
ainda que a taxa de cancelamento explana o caráter subordinado da
relação37
.
Em consonância, também seguiu o entendimento favorável a
caracterização da relação empregatícia na UBER o julgado 0010570-
88.2017.5.03.0180 da 42ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. No que
atine a pessoalidade, segundo o juiz, restou preenchida pela vedação do
dono do veículo de ser substituído ou contratar terceiro para realizar o
trabalho. Quanto a não eventualidade, decidiu pela presença no caso
concreto, haja visto que o autor se mantinha ativo continuamente.
Ademais, ilidiu a condição de autônomo na medida em que esse mesmo
diante da insatisfação de algum cliente pode continuar a exercer seu
labor em relação ao demais, o que não acontece na UBER quando o
parceiro/motorista é mal avaliado. Propugnou ainda que o
parceiro/motorista da UBER não possui clientes próprios, sendo, em
verdade, todos clientes da reclamada, pelo que reputou preenchida a
subordinação do parceiro à UBER38
.
Cabe, ainda, acrescer que o controle e subordinação do motorista resta
caracterizado quando se constata que este, salvo em percentual
37
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. 13ª Vara do Trabalho de São
Paulo, TRT-2. Processo nº 1001492-33-2016-5-02-0013. Reclamante: FERNANDO DOS
SANTOS TEODORO. Reclamadas: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, 2. UBER
INTERNATIONAL BV e 3. UBER INTERNATIONAL HOLDING BV. Sentença:
EDUARDO ROCKENBACH PIRES. São Paulo, 11 de abril de 2017. Disponível em:
https://www.jota.info/wp-content/uploads/2017/04/Sentenc%CC%A7a-Uber.SP-
V%C3%ADnculo.pdf . Acesso em: 15 out. 2019.
38
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 42ª Vara do Trabalho do
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Reclamação Trabalhista nº 0010570-
88.2017.5.03.0180. Reclamante: Herbert Paula Martins. Reclamado: Uber International
B.V., Uber do Brasil Tecnologia Ltda. e Uber International Holding B.V. Juiz: Vitor
Martins Pombo. Belo Horizonte, 12 de junho de 2017. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/processos/151368610/processo-n-0010570-
8820175030180-do-trt-3 . Acesso em: 15 out. 2019..
Trabalho, reformas e tecnologia
46
reduzido, não pode deixar de aceitar o serviço quando lhe é ofertado
pelo aplicativo, sob pena de ser excluído da plataforma (despedido). É
certo que há uma certa margem para o motorista não aceitar o serviço,
a exemplo dos casos em que o motorista não tem segurança quanto ao
local de partida ou quando o passageiro não ser bem avaliado. Essas
hipóteses, no entanto, por si sós, enquanto exceções e por força do
contratado, não desmentem a regra do controle.
Da mesma forma, é dado o direito do motorista, em determinado
percentual, cancelar o serviço após sua aceitação, sob pena de ser
excluído da plataforma (despedido) quando ultrapassado esse limite. A
empresa, na verdade, tolera esse cancelamento em face de diversas
situações correntes, a exemplo do motorista não ter encontrado o local
de partida, não ter encontrado o cliente, não ter segurança quanto ao
passageiro após avistá-lo no local de partida, estar o passageiro
acompanhado de animais, o passageiro não estar adequadamente
trajado (com roupas molhadas, etc), o cliente se encontrar embriagado,
drogado, etc.
O direito do motorista, portanto, em poder cancelar o serviço, após sua
aceitação, não afasta a regra geral da obrigação de executar o serviço.
E é certo que nessas duas situações nas quais o trabalhador tem uma
certa margem de liberdade (não aceitar o serviço ou aceitá-lo e depois
cancelá-lo), ainda que ele possa exercê-la a seu bel prazer (não aceitar
sem qualquer razão ou cancelar sem qualquer motivo), já que o
aplicativo não exige motivação para a não aceitação ou cancelamento,
dessa peculiaridade contratual não desmente a regra da subordinação e
controle por parte da empresa. Cuida-se, na realidade, de uma mera
cláusula contratual firmada, na qual se concede ao trabalhador uma
certa liberdade em seu agir, diante das circunstâncias sob as quais o
serviço é executado, tendo em conta a necessidade de uma maior
agilidade e flexibilidade em seu agir. E tanto é assim que a empresa não
procura investigar os motivos da não aceitação ou do cancelamento.
Trabalho, reformas e tecnologia
47
No caso, a burocratização acabaria por encarecer o serviço. E, na lógica
do trabalho ágil, disruptivo, descaberia o controle rígido, daí porque a
concessão de uma certa margem de autonomia ao trabalhador, o que,
aliás, é comum entre os altos empregados, empregados integrantes das
profissões liberais (médicos, advogados, etc), artistas, músicos, etc.
3.3. Direito estrangeiro no caminho da definição
Visitando o direito estrangeiro, considerando as controvérsias
jurisprudenciais, doutrinárias e legais brasileiras, o primeiro caso a se
analisar é o CV13-3826, apreciado pela Corte do Distrito Norte da
Califórnia. O juiz entendeu que os parceiros da UBER, em verdade, não
são autônomos como alega a empresa. Para ele, a UBER criou uma
plataforma tecnológica, porém é imprescindível a mão de obra humana
para obter lucro. Segundo o magistrado a UBER não é só uma empresa
de tecnologia, mas se trata de verdadeira empresa de transporte
tecnologicamente sofisticada que conecta motoristas parceiros a
usuários cadastrados. Deve-se registrar que a UBER recorreu da decisão
causando grande impasse na resolução da demanda39
.
Frise-se que na Califórnia foi sancionada uma lei40
que reconhece a
relação de emprego mantida com a empresa UBER, salvo se a empresa
demonstrar a concomitância de três requisitos a caracterizar a relação
39
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Califórnia. District Court for the Northern
District of California. 2015. Disponível em:
https://assets.documentcloud.org/documents/2328122/uber-class-action-chen-
ruling.pdf. Acesso em: 14 set. 2019.
40
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Califórnia. Assembly Bill No. 5. CHAPTER 296.
An act to amend Section 3351 of, and to add Section 2750.3 to, the Labor Code, and to
amend Sections 606.5 and 621 of the Unemployment Insurance Code, relating to
employment, and making an appropriation therefor. Approved by Governor
September 18, 2019. Filed with Secretary of State September 18, 2019. Disponível em:
https://leginfo.legislature.ca.gov/faces/billTextClient.xhtml?bill_id=201920200AB5.
Acesso em: 15 out. 2019.
Trabalho, reformas e tecnologia
48
autônoma41
, quais sejam: (a) a liberdade do trabalhador do controle e
direção da empresa contratante, incluindo modo de execução do
trabalho; (b) não relação dos serviços prestados com a atividade
principal da empresa e (c) o trabalhador deve estar ordinariamente
integrado em outra e independente ocupação, comércio ou negócio de
mesma natureza do trabalho realizado42
. Registre-se que, especialistas
afirmam que essa legislação irá se espalhar por outros estados
americanos43
.
Noutra quadra, deve-se revelar o grande amadurecimento da Inglaterra
na questão. O Employment Tribunal reconheceu, em outro de 2016, que
motoristas da UBER podem ser considerados empregados, tendo sido
sua decisão confirmada, em novembro de 2017, pela Court Of Appeal44
.
As decisões congregam o entendimento de que a UBER tem como
principal função ofertar serviços de transportes e, para tal, realiza
vinculo de emprego com motorista. Ademais, asseveram que os
parceiros não possuem poder de negociação de preço com os usuários
da UBER, mas apenas com a própria UBER45
.
41
EXAME. Califórnia sanciona lei que considera motorista de uber como funcionário.
Disponível em: https://exame.abril.com.br/negocios/california-sanciona-lei-que-
considera-motorista-de-uber-como-funcionario/. Acesso em: 26 de setembro de 2019
42
REVISÃO TRABALHISTA. Lei da California reconhece motoristas de aplicativos
como empregados. Disponível em: http://revisaotrabalhista.net.br/2019/06/02/lei-da-
california-reconhece-motoristas-de-aplicativos-como-empregados/. Acesso em: 15 de
outubro de 2019
43
CONJUR. Califórnia cria vínculos empregatícios para motoristas de aplicativos.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-13/california-cria-vinculo-
empregaticio-motoristas-aplicativos. Acesso em: 13 de setembro de 2019
44
REINO UNIDO. Employment Appeal Tribunal. BAILII case number: [2017] UKEAT
0056_17_1011 Appeal No. UKEAT/0056/17. At the Tribunal On 27  28 September 2017
Judgment delivered on 10 November 2017. Disponível em:
http://www.bailii.org/uk/cases/UKEAT/2017/0056_17_1011.html. Acesso em: 15 out.
2019.
45
BORGES, Liliana. Tribunal de Londres diz que motoristas do Uber são funcionários
da empresa. Estadão, São Paulo, 10 nov. 2017. Disponível em:
http://link.estadao.com.br/noticias/empresas,tribunal-de-londres-diz-
quemotoristas- do-uber-sao-funcionarios-da-empresa,70002079800. Acesso em 10
set. 2019
Trabalho, reformas e tecnologia
49
De mais a mais, analisando tal decisum, Ana Frazão explana os aspectos
utilizados pelo tribunal para justificar o vinculo de emprego entre a
UBER e seus parceiros, são os seguintes:
“(i) o fato de a Uber entrevistar e recrutar motoristas; (ii) o fato de a Uber
controlar as informações essenciais (especialmente o sobrenome do
passageiro, informações de contato e destinação pretendida), excluindo o
motorista destas informações; (iii) o fato de a Uber exigir que motoristas
aceitem viagens e/ou não cancelem viagens, assegurando a eficácia desta
exigência por meio da desconexão dos motoristas que violarem tais
obrigações; (iv) o fato de a Uber determinar a rota padrão; (v) o fato de a Uber
fixar a tarifa e o motorista não poder negociar um valor maior com o
passageiro; (vi) o fato de a Uber impor inúmeras condições aos motoristas
(como escolha limitada de veículos aceitáveis), assim como instruir
motoristas sobre como fazer o seu trabalho e, de diversas maneiras, controlá-
los na execução dos seus deveres; (vii) o fato de a Uber sujeitar motoristas,
por meio do sistema de rating, a determinados parâmetros que ensejarão
procedimentos gerenciais ou disciplinares; (viii) o fato de a Uber determinar
questões sobre descontos, muitas vezes sem sequer envolver o motorista cuja
remuneração será afetada; (ix) o fato de a Uber aceitar o risco da perda; (x) o
fato de a Uber deter as queixas dos motoristas e dos passageiros; e (xi) o fato
de a Uber se reservar ao poder de alterar unilateralmente os termos
contratuais em relação aos motoristas”.
A partir disso, segundo Ana Frazão, concluiu o tribunal que o contrato
firmado entre a UBER e seus parceiros não correspondiam a realidade,
haja visto que a relação entre as partes seria de emprego, tratando-se
de verdadeira violação a primazia da realidade46
.
4. Conclusão
Diante do que foi exposto acima, buscou-se perquirir a existência ou
não do vínculo empregatício entre os parceiros/motoristas e a empresa
UBER através da análise dos pressupostos da Consolidação das Leis
Trabalhistas, da fundamentação de decisões exaradas no Judiciário
brasileiro e da visitação ao direito comparado.
46
FRAZÃO, Ana. A decisão do Reino Unido sobre os motoristas da Uber: o que ela
ensina? Disponível em: https://espaco-vital.jusbrasil.com.br/noticias/401712481/a-
decisao-do-reino-unido-sobre-os-motoristas-da-uber-o-que-ela-ensina. Acesso em:
23 de agosto de 2019.
Trabalho, reformas e tecnologia
50
Nessa toada, pode-se depreender que em que pese haja ainda muita
divergência doutrinária e jurisprudencial, o melhor a se fazer é
congregar o entendimento firmado pela Corte Inglesa e do TRT-2, que
reconheceram o vínculo empregatício na UBER. Isto porque, essas
decisões conseguem delinear com precisão o preenchimento dos
requisitos da relação de emprego na relação UBER e motorista, quais
sejam: subordinação, pessoa física, pessoalidade e não eventualidade.
Ademais, conseguem observar que, em que pese a UBER tente se afastar
da caracterização da relação de emprego, via contrato de parceria, a
realidade fática vai de encontro a isso, visto que a aquela exerce controle
quase total sobre a atividade laboral desenvolvida pelo motorista.
Pode-se, então, concluir que, diante do quadro fático da relação entre
motorista/parceiros e a UBER, sem dúvida, resta presente o vínculo
empregatício. E uma coisa é certa: o trabalho não desaparece. Pode ter
novos contornos, mas não desaparece, pois ele está intrinsecamente
vinculado à condição humana de agir para mudar ou transformar o
mundo que lhe rodeia.
Referências
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização do trabalho: subsunção real da viração.
Rio de Janeiro. 2017. Disponível em:
http://www.passapalavra.info/2017/02/110685. Acesso em: 15 set. 2019.
BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis. Gig economy e contrato de emprego.
Aplicabilidade da legislação trabalhista aos vínculos de trabalho da nova
economia. São Paulo: LTr, 2019.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo:
LTr, 2016.
BORGES, Liliana. Tribunal de Londres diz que motoristas do Uber são
funcionários da empresa. Estadão, São Paulo, 10 nov. 2017. Disponível em:
http://link.estadao.com.br/noticias/empresas,tribunal-de-londres-diz-
quemotoristas- do-uber-sao-funcionarios-da-empresa,70002079800. Acesso
em: 10 set. 2019.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Vara do Trabalho de
Gama do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Processo nº 0001995-
46-2016-5-10-0111. Reclamante: William Miranda da Costa. Reclamadas: Uber
do Brasil Tecnologia Ltda. Sentença: Tamara Gil Kemp. Gama, 18 de abril de
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  • 1. 75$%$/+2 5()250$6( 7(12/2*,$ ( ' , / 7 2 1 0 ( , 5 ( / ( 6 2 5 *
  • 2.
  • 3. EDILTON MEIRELES Organizador Trabalho, reformas e tecnologia Salvador – Bahia CMP 2020
  • 4. Trabalho, reformas e tecnologia Os autores desta obra gozam da mais ampla liberdade de opinião e de crítica, cabendo-lhes a responsabilidade das ideias e conceitos emitidos em seu trabalho. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas de obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Diretos Autorais). ISBN 978-65-992752-0-3
  • 5. SUMÁRIO 1. A desproteção empregatícia inconstitucional. O caso dos trabalhadores eleitorais, em atividade partidária e do transportador de carga. Edilton Meireles__________________________________________________________ 07 2. A natureza da relação jurídica “Uberista” Edilton Meireles e Everton Caldas Silveira____________________________________ 32 3. Autonomia na subordinação: a relação de emprego entre os motoristas e a UBER Camila dos Santos Reis e Edilton Meireles_____________________________________ 54 4. Norma constitucional de caráter social inútil e/ou parcialmente programática por decisão do STF. O caso das contribuições sindicais Edilton Meireles____________________________________________________________ 86 5. O acordo individual firmado por empregado hipersuficiente e o direito fundamental à negociação coletiva Edilton Meireles e Kaique Martine Caldas de Lima_______________________________ 107 6. Trabalhador brasileiro: um refém do artigo 2° da MP n. 927 Edilton Meireles e Everton Caldas Silveira______________________________________ 127 7. O direito do trabalho e a uberização: primeiras linhas analíticas Cláudio Jannotti da Rocha e Edilton Meireles___________________________________ 144 8. O trabalho nas plataformas digitais de entrega delivery Camila dos Santos Reis e Edilton Meireles_____________________________________ 179
  • 6. APRESENTAÇÃO O presente livro reúne alguns artigos produzidos pelo Grupo de Pesquisa RELAÇÕES DE TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE, vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBa), integrante da Rede de Grupos de Pesquisas em Direito e Processo do Trabalho– RETRABALHO. Alguns artigos foram produzidos em coautoria, incluindo estudante de graduação em programa de pesquisa em iniciação científica, mestrando e pós-doutorando. As pesquisas foram realizadas ao longo dos anos de 2018 a 2020, reunidos neste livro para sua melhor divulgação por meio de livro digital. Selecionou-se artigos que tratam do direito do trabalho e as novas tecnologias, assim como aqueles que tratam de novas questões decorrentes das reformas implantadas nos últimos três anos, apreciando-se, em especial, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mais recentemente. Edilton Meireles
  • 7. AUTORES CAMILA DOS SANTOS REIS Graduada em Letras pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB e graduanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBa. Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/UFBA). CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA Professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-Doutorando em Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor e Mestre em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Advogado. EDILTON MEIRELES. Pós-doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor de Direito Processual Civil na Universidade Federal da Bahia (UFBa). Professor de Direito na Universidade Católica do Salvador (UCSal). Desembargador do Trabalho na Bahia (TRT 5ª Região). EVERTON CALDAS SILVEIRA Graduando em Direito pela Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Direito. Membro do Núcleo de Competições Internacionais da UFBA. Conselheiro da Sociedade de Debates da UFBA. Ex-membro do corpo editorial da Revista da FDUFBA. Estagiário do Juizado Especial Federal – 1ª Região. Seção Bahia. Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/UFBA) KAIQUE MARTINE CALDAS DE LIMA Mestrando em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Advogado.
  • 8. Trabalho, reformas e tecnologia 7 A desproteção empregatícia inconstitucional. O caso dos trabalhadores eleitorais, em atividade partidária e do transportador de carga. Edilton Meireles1 Resumo. O presente trabalho é fruto da pesquisa quanto a constitucionalidade de dispositivos infraconstitucionais que estabelecem que, em determinadas relações jurídicas, os contratantes não mantêm relação de emprego. A pesquisa se justifica em face das hipóteses nas quais o legislador infraconstitucional afasta a incidência das normas constitucionais trabalhistas ao estabelecer que as partes envolvidas numa relação de trabalho não mantêm relação de emprego. Fixou-se a premissa de que a Constituição protege o trabalhador subordinado de modo que, sem uma justificativa razoável, descabe impor regra que, ainda que de forma indireta, afasta a incidência das normas trabalhistas de natureza constitucional-fundamentais. A partir dessa premissa, apontou-se as hipóteses nas quais a lei se revela inconstitucional ao negar a existência da relação de emprego mesmo quando diante do trabalho subordinado. Na pesquisa foi utilizado o método dedutivo, com revisão da literatura, interpretação de textos normativos e análise da jurisprudência. Palavras-chaves: Trabalho subordinado. Constituição. Desproteção empregatícia. The unconstitutional employment unprotection. The case of electoral workers in partisan activity and the cargo carrier. Abstract. The present work is the result of research on the constitutionality of infraconstitutional provisions that establish that, in certain legal relationships, contractors do not maintain employment relationship. The research is justified in view of the hypotheses in which the infraconstitutional legislator dismisses the incidence of constitutional labor rules by establishing that the parties involved in an employment relationship do not maintain employment relationships. The premise was established that the Constitution protects the subordinate worker so that, without reasonable justification, it is impossible to impose a rule that, although indirectly, rules out the incidence of constitutional-fundamental labor standards. From this premise, it was pointed out the hypotheses in which the law is unconstitutional in denying the existence of employment relationship even when facing subordinate work. In the research was used the deductive method, with literature review, interpretation of normative texts and analysis of jurisprudence. Keywords: Subordinate work. Constitution. Unprotected employment. Sumário. 1. Introdução. 2. Proteção contra desproteção empregatícia. 3. Trabalhadores subordinados sem emprego por força de lei. 3.1. Atleta não- profissional. 3.2. Estagiário, aprendiz e médico residente. 3.3. Trabalhadores 1 Pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Desembargador do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, professor adjunto da Universidade Católica do Salvador (UCSal) e professor associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBa).
  • 9. Trabalho, reformas e tecnologia 8 em transporte de carga. 3.4. Franquia. 3.5. Trabalhadores em campanhas eleitorais (cabos eleitorais). 3.6. Trabalhadores em órgãos partidários. 4. Conclusões. Referências 1. Introdução A Constituição estabelece alguns direitos reservados aos trabalhadores subordinados urbanos e rurais. Logo, por força dos dispositivos constitucionais, os referidos trabalhadores são destinatários de direitos fundamentais. Daí se tem que, em regra, o legislador infraconstitucional não pode dispor, a princípio, de modo a afastar, ainda que de forma indireta, a incidência das normas fundamentais trabalhistas em relação aos trabalhadores destinatários da norma constitucional. Isso não impede, todavia, que por razões plenamente plausíveis, razoáveis e justificáveis, que o legislador infraconstitucional disponha de modo a afastar a incidência dessas normas constitucionais, ainda que de forma indireta. E nossa legislação infraconstitucional estabelece algumas hipóteses nas quais, mesmo diante do labor subordinado, não se reconhece a relação de emprego mantida entre os contratantes. O presente trabalho, no entanto, procura analisar essas hipóteses, apontando a eventual inconstitucionalidade desses dispositivos. Nesta pesquisa se adotou o método dedutivo, com revisão da literatura, interpretação de textos normativos e análise da jurisprudência. 2. Proteção contra desproteção empregatícia. Quando se fala de direito ao trabalho, por certo, podemos pensar, de forma ampliativa, que o constituinte não quis apenas se referir ao trabalho
  • 10. Trabalho, reformas e tecnologia 9 subordinado ao fazer menção ao labor nos arts. 6º e 7º da Constituição Federal. E é certo que, numa interpretação ampliativa, de fato, o constituinte não quis se referir somente ao trabalho subordinado, mas a toda espécie de trabalho como expressão da liberdade de ofício. Contudo, é inegável que o constituinte quis se referir, enquanto regra geral, ao trabalho subordinado ao delinear os direitos elencados no art. 7º da CF, sem exclusão, por óbvio, de sua aplicação em favor de outros trabalhadores por exceção. E, a partir do conjunto de regras constitucionais se pode pensar, então, no subprincípio da proteção contra a desproteção empregatícia. A Constituição brasileira, dentre outros fundamentos, dá destaque ao valor social do trabalho (inciso IV do art. 1º da CF), fundando-se a ordem econômica nacional na valorização do trabalho humano, tendo “por fim assegurar a todos existência digna” (caput do art. 170 da CF), em especial, através da “busca do pleno emprego” (inciso VIII do art. 170 da CF). A partir desses dispositivos constitucionais, pode-se afirmar, ainda, com tranquilidade, que o legislador constitucional fez uma opção pelo trabalho subordinado como meio ou instrumento, preferencial, para atingir a dignidade humana através do labor. Tanto que, não só a ordem econômica tem como princípio à busca do pleno emprego, como se deu real destaque aos direitos dos empregados, ao se elencar, no art. 7º da Constituição Federal, o rol das suas garantias fundamentais. É certo, porém, que o legislador constitucional não conceituou o que é a figura do empregado. Essa é uma matéria, aliás, extrajurídica. Isso porque, antes de ser uma opção legislativa, é fruto de uma realidade, tanto que, universalmente, tem-se como empregado o trabalhador subordinado. Esse conceito, portanto, antes de ser meramente jurídico, é fruto de uma realidade social, a partir do que, universalmente, é aceito. Daí porque, o professor Antonio Baylos ensina, em comentários à Constituição espanhola, que se assemelha, nesta questão, à Carta Magna
  • 11. Trabalho, reformas e tecnologia 10 brasileira, que “embora o conceito de trabalhador por conta alheia não apareça expressamente definido na Constituição e não se acha, portanto, constitucionalizado, isto não significa que o legislador tenha liberdade plena para declarar não trabalhista uma prestação de serviços determinada, mas que esta ação, que deve ser levada a cabo pelo legislador, está vinculada pelas notas caracterizadoras da relação trabalhista e a comparação com as categorias ou hipóteses incluídas e excluídas da tutela que presta o ordenamento jurídico-trabalhista. Desse modo, evita-se que se possa levar a cabo uma restrição constitucionalmente ilegítima dos trabalhadores como setor social, conceito, portanto, jurídico-político do qual se deriva o gozo de importantes direitos fundamentais...”2. Daí se tem então, que, conforme decisão da Corte Constitucional italiana, “não seria comumente consentido ao legislador negar a qualificação jurídica da relação de trabalho subordinado a relação que objetivamente tem tal natureza, pois isto resultaria na inaplicabilidade da norma inderrogável prevista no ordenamento de dar atuação aos princípios, as garantias e aos direitos detalhados na Constituição à tutela do trabalho subordinado”3 . Ou seja, não se pode permitir que o legislador infraconstitucional afaste a qualificação jurídica da relação de trabalho subordinado à relação que objetiva e de forma concreta se apresenta, no mundo real, com essa natureza. Do contrário, isto permitiria que o legislador infraconstitucional pudesse 2 Antonio Baylos Grau, Proteção de direitos fundamentais na ordem social. O direito do trabalho como direito constitucional, p. 31. 3 ITÁLIA. Corte Costituzionale. Sentenza n. 115 (ECLI:IT:COST:1994:115), 23-31 marzo 1994. Pubblicazione in G. U. 13/04/1994 n. 16. Disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/actionPronuncia.do#. Acesso em: 18 out. 2017, tradução nossa. Cf. Massino D’Antona, Limiti costituzionalli alla disponibilità del tipo contrattuale nel diritto del lavoro, p. 64. Cf., ainda, Raffaele De Luca Tamajo, Il limite alla discrezionalità qualificatoria del legislatore, p. 35-42, e Giuseppe Santoro-Passarelli, A proposito della considetta disponibilità del tipo lavoro subordinado da parte del legislatore, p. 279-286.
  • 12. Trabalho, reformas e tecnologia 11 tornar inaplicável a norma constitucional que busca tutelar o trabalho subordinado4 . E, por óbvio, que essa mesma possibilidade faltaria aos particulares no uso de sua autonomia privada5 ou coletiva, pois, não se “encontra na disponibilidade do legislador ou das partes a exclusão da natureza subordinada da relação de trabalho quando ocorram em concreto os requisitos da subordinação”6 . Daí porque, “quando do comportamento efetivo mantido pelas partes na relação de trabalho se possa deduzir a sujeição da prestação ao poder diretivo do empregador, a relação deve ser qualificada como relação de trabalho subordinado”7 . Essa afirmação decorre do fato de que o trabalho subordinado e, por consequência, a qualificação jurídica do contrato, extrai-se a partir dos fatos ocorridos na relação fático-jurídica mantida entre as partes e não por força do que foi pactuado quando da contratação do trabalhador8 . Em suma, seria indisponível o tipo contratual do trabalho subordinado, pois ao legislador e às partes contratantes não se assegura a possibilidade de excluir a natureza subordinada da relação de trabalho, sob pena de privar, aprioristicamente, o trabalhador da proteção prevista nas normas constitucionais9 . Vale destacar, ainda, que o Tribunal de Justiça Europeia, ao apreciar a compatibilidade da regra do art. L762-1 (atual art. L7121-3) do Código do 4 Massino D’Antona, Limiti costituzionalli alla disponibilità del tipo contrattuale nel diritto del lavoro, in ADL – Argomenti di Diritto del Lavoro, n. 1, Padova, CEDAM, 1995, p. 63-90, p. 64. 5 Raffaele De Luca Tamajo, ob. cit., p. 35. 6 ITÁLIA. Corte di Cassazione. Sez. Lavoro. Sentenza n. 9.722, 7 ottobre 1997, in Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano XVII, n. 4, p. 659-662, Milão, 1998. 7 ITÁLIA. Corte di Cassazione. Sez. Lavoro. Sentenza n. 166, 9 gennaio 2004, in Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano XXIII, n. 4, p. 739-747, Milão, 2004. 8 SCOGNAMIGLIO, Renato. La disponibilità del raporto di lavoro subordinato. Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano XX, n. 2, p. 95-121, Milão, 2001, p. 112. 9 AVONDOLA, Arianna. L´idisponibilità del tipo contrattuale in spede legislativa nella mostra giurisprudenza costituzionale e in quela comunitaria. Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano XXVI, n. 2, p. 242-248, Milão, 2007, p. 246.
  • 13. Trabalho, reformas e tecnologia 12 Trabalho Francês10 , que dispõe que se presume a relação de emprego quando da prestação de serviços por parte dos artistas, com o art. 49 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)11 , que assegura a liberdade de estabelecimento, concluiu que a norma francesa atenta contra a liberdade de ofício12 . Logo, também não pode o legislador dispor aprioristicamente quanto a presunção da relação de emprego, ainda que esta se trate de uma disposição de natureza processual. É certo que o legislador infraconstitucional é livre para definir quem é empregado, mas, por óbvio, não pode se afastar do conceito que se extrai dos valores sociais que são aceitos universalmente. Daí porque é inexorável que é empregado o trabalhador subordinado ou, em outra conceituação, aquele que presta serviço por conta alheia (art. 3º da CLT). Não pode, assim, o legislador, aprioristicamente, excluir determinadas categorias de trabalhadores subordinados do campo de incidência das regras de proteção dos empregados, sob pena de violação de direitos fundamentais assegurados constitucionalmente estes. Além disso, a exclusão pode mascarar um atentado ao princípio da igualdade, ao declarar que inexiste a relação de emprego em situação na qual o trabalhador se encontra na mesma condição de outros prestadores de serviço subordinado13 , dando-lhe tratamento diversos sem uma razoável justificativa. 10 FRANÇA. Code du Travail. Ordonnance n° 2007-329 du 12 mars 2007 relative au code du travail (partie législative). 2007. Disponível em: https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006072050. Acesso em: 17 jan. 2020. 11 UNIÃO EUROPEIA. Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 2012/C 326/01. Jornal Oficial nº C 326 de 26/10/2012 p. 0001 – 0390. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:12012E/TXTfrom=EN. Acesso em: 17 jan. 2020. 12 UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Primeira Secção. 15 de junho de 2006. Processo C‑255/04. ECLI:EU:C:2006:401. Disponível em: http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=presun%25C3%25A7%25C3%25A 3o%2Bsubordinado%2Bfran%25C3%25A7a%2Bartistasdocid=55357pageIndex=0doclan g=PTmode=reqdir=occ=firstpart=1cid=813985#ctx1. Acesso em: 17 jan. 2020. 13 SILVA, Luís de Pinho Pedreira da. A disponibilidade pelo legislador do tipo contratual no direito do trabalho. Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. v. 23, n. 30, p. 79–86, jan./jun., 2007. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras Jurídicas, p. 85.
  • 14. Trabalho, reformas e tecnologia 13 Ademais, não se pode perder de vista que “o trabalho é a base para o exercício dos direitos do cidadão, e reconhecê-lo implica, consequentemente, interligar o sujeito à sua dignidade como pessoa e ao seu projeto igualitário... Trabalhar é a condição de exercício de importantes prerrogativas de cidadania e a privação dessa qualidade, de maneira incorreta ou injustificada, não só implica a vulneração do direito do trabalho, mas a dificuldade de exercício de outros importantes direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente ao trabalhador”14 . Em suma, o legislador é livre para dispor sobre o conceito de empregado, incluindo no rol dos protegidos pela legislação trabalhista diversas categorias de trabalhadores. Contudo, sua liberdade não é tão ampla de modo a poder excluir, discriminadamente, determinadas categorias de trabalhadores subordinados dessa proteção, sem uma razoável justificativa, sob pena de violar o princípio da igualdade e o da razoabilidade, tornando ineficazes os direitos fundamentais assegurados constitucionalmente aos empregados, enquanto trabalhadores subordinados. Fosse livre totalmente o legislador infraconstitucional, ele poderia, por exemplo, declarar que nenhum trabalhador era empregado e, portanto, tornar tábua rasa o elenco de direitos fundamentais arrolados no art. 7º da CF. Assim, a partir das opções constitucionais brasileiras, o legislador infraconstitucional somente pode excluir os trabalhadores subordinados da proteção trabalhista desde que tenha uma razoável justificativa para tanto e não viole o princípio da igualdade. Desse modo, temos que, do princípio do direito ao trabalho ou do pleno emprego se extrai o subprincípio que veda a desproteção empregatícia (ou princípio da igualdade de tratamento legislativo ao trabalhador subordinado), isto é, que veda qualquer ato tendente a afastar a incidência 14 Antonio Baylos Grau, Proteção de direitos fundamentais na ordem social. O direito do trabalho como direito constitucional, p. 31.
  • 15. Trabalho, reformas e tecnologia 14 das regras constitucionais trabalhistas ao trabalho subordinado, sob pena de violação ao disposto no art. 7º da CF. 3. Trabalhadores subordinados sem emprego por força de lei É certo, outrossim, que o legislador brasileiro sempre dispôs, por exceção, que determinados trabalhadores, ainda que prestando serviços subordinados, não se vinculam ao tomador dos serviços pelo contrato de emprego. Em resumo, em diversas situações, determinados trabalhadores subordinados, por opção legislativa, não são considerados empregados, ficando sujeitos a legislação mais especial, em regra. Como exemplos mais distantes pode-se citar o estagiário (art. 3º da Lei n. 11.788/08, em sucessão à Lei n. 6.494/77), o cabo eleitoral (art. 100 da Lei n. 9.504/97, com nova redação dada pela Lei n. 13.165/15), o médico residente (Lei n. 6.932/81) e o atleta não-profissional (inciso II do parágrafo único do art. 3º da Lei n. 9.615/98) que podem servir de estudo a partir das premissas anteriormente postas. A legislação mais recente, porém, acrescentou a este rol dos trabalhadores não considerados como empregados o auxiliar e o embargador do transportador autônomo de cargas (§ 5º do art. 4º da Lei n. 11.442/07, com redação dada pela Lei n. 13.103/15) e o transportador de carga em relação ao serviço prestado em favor da empresa de transporte rodoviário de cargas (art. 5º da Lei n. 11.442/07). Além disso, a Lei n. 13.966/19 estabeleceu que não caracteriza o vínculo empregatício relação entre franqueador e franqueado ou a seus empregados, “ainda que durante o período de treinamento” (art. 1º). Já na área político-partidária, o art. 44-A da Lei n. 9.096/95, com redação dada pela Lei n. 13.877/19, estabeleceu que “As atividades de direção exercidas nos órgãos partidários e em suas fundações e institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio político-partidário, assim definidas em normas internas de organização, não geram vínculo de emprego, não sendo aplicável o regime jurídico previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada
  • 16. Trabalho, reformas e tecnologia 15 pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, quando remuneradas com valor mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social”. A partir dessas hipóteses se faz uma análise da constitucionalidade dos dispositivos legais pertinentes, em especial aqueles relacionados aos trabalhadores eleitorais e partidários. 3.1. Atleta não-profissional A Lei n. 9.615/98, no parágrafo único do seu art. 3º, ao dispor sobre o desporto, estabeleceu que este pode ser praticado de modo profissional e não- profissional. Na primeira hipótese, o atleta-trabalhador firma contrato de emprego (inciso I). Já na segunda hipótese, o legislador estabelece que a prática do desporto ocorre sem que seja pactuado um contrato de trabalho (inciso II - “...inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio”) Em ambas as situações, porém, estar-se diante da prestação de serviços subordinados, pois mesmo o atleta não-profissional assume a obrigação trabalhar em favor da entidade desportiva, recebendo ordens. Cabe, então, a pergunta: justifica-se a discriminação? A resposta há de ser afirmativa. Primeiro, porque a própria Constituição estabeleceu que o legislador infraconstitucional deva dar “tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional” (inciso III do art. 217). Não fosse isso, é razoável a discriminação a partir de nossa realidade. Ora, é sabido que, enquanto o desporto profissional desperta grande interesse, atraindo verbas, patrocinadores e público consumidor aos espetáculos oferecidos, o não-profissional vive à míngua. Sustenta-se, muito mais, em razão dos abnegados, do que da exploração econômica dessa atividade. Pode-se afirmar que, em regra, o desporto profissional, tornou-se
  • 17. Trabalho, reformas e tecnologia 16 uma atividade econômica lucrativa, enquanto o desporto não-profissional ainda vive uma fase de voluntarismo. Somente existe por vontade de seus praticantes e não, em face da exploração dessa atividade econômica. Só essa realidade social, por si só, já justifica a discriminação, com exclusão dos atletas não-profissionais da proteção trabalhista. Não fosse isso, é preciso lembrar que cabe ao Estado fomentar as práticas desportivas formais e não-formais (caput do art. 217 da CF). Ora, submeter esses atletas não-profissionais às regras do direito do trabalho seria, em nossa realidade, negar a própria prática desportiva amadora. Ao invés de fomentar, o Estado estaria desestimulando a prática desportiva, em nosso estágio de desenvolvimento econômico-social. Essa assertiva, no entanto, não retira a possibilidade de, diante de outras condições socioeconômicas, concluir-se de modo diverso. Pode-se afirmar, no entanto, que o disposto no inciso II do parágrafo único do art. 3e da Lei n. 9.615/98 é constitucional. 3.2. Estagiário, aprendiz e médico residente Uma outra hipótese merece maior reflexão. Trata-se da situação do estagiário. Conforme Lei n. 11.788/08, em seu art. 4º, “o estágio... não cria vínculo empregatício de qualquer natureza”. A primeira questão a ser respondida é se essa opção do legislador infraconstitucional é razoável? Há alguma justificativa para essa discriminação para com os estagiários, de modo a afastá-los dos direitos assegurados na Carta da República aos trabalhadores subordinados? Pode-se afirmar, a princípio, que sim. Isso porque, ao contrário do trabalhador empregado, a empresa ao contratar o estagiário não tem em vista os seus conhecimentos profissionais. Em verdade, a empresa oferece uma complementação ao ensino e aprendizagem teóricos oferecidos pelas
  • 18. Trabalho, reformas e tecnologia 17 entidades de educação. Tem assim, essa contratação, um caráter educacional, profissionalizante, ainda que em atividades de extensão quando previstas no projeto pedagógico do curso (art. 1º, § 2º c/c art. 2º, § 3º, da Lei n. 11.788/08). É certo que a empresa se beneficia do labor, que é subordinado, prestado pelo estagiário, e nisto se aproxima do empregado. Mas deste último o estagiário se distancia quando é beneficiado pela complementação do ensino. Como dito pelo Min. Luiz Fux, enquanto Relator da ADI n. 5.752, “Noutras palavras, o estagiário, diferentemente do empregado, tem como objetivo fundamental da sua jornada – seja perante entidade privada, seja em meio ao serviço público – agregar conhecimentos e desenvolver capacidades essenciais à sua inserção e progresso no mercado de trabalho e não contribuir, primordialmente, para o incremento de produtividade ou lucratividade/eficiência da instituição em que estagia”15 . No caso, nesta mesma decisão, ficou esclarecido que “Ainda que o estagiário, como sói ocorrer em todos os mercados profissionais, exerça atividades que guardam semelhança com aquelas desempenhadas pelos trabalhadores e/ou servidores do mesmo meio, ele o faz sob a responsabilidade e avaliação de um profissional qualificado e a título de aprendizagem, porquanto é apenas ao observar os afazeres e o cotidiano de uma dada profissão que o estudante será capaz de (i) compreender efetivamente o escopo e responsabilidades desenvolvidas num dado segmento profissional; e (ii) obter o treinamento e a eventual correção de equívocos que o tornarão um profissional competente”. Assim, a princípio, a partir dessas premissas, seria constitucional essa disparidade de tratamento. 15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.752. Rel. Ministro Luiz Fux. Julgado em 18/10/2019. DJe-238 de 30-10-2019. Publicado em 04-11-2019. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TPdocID=751285609. Acesso em: 17 dez. 2019.
  • 19. Trabalho, reformas e tecnologia 18 Contudo, por outras razões, vinculadas ao princípio da igualdade no tratamento, pode-se concluir de forma contrária. Diga-se, ainda, que no julgamento da ADI n. 5.752 o STF não apreciou a constitucionalidade desta regra da lei do estágio à luz do princípio da igualdade. É que nosso legislador, em situação semelhante, optou por proteger o trabalhador, dando-lhe as garantias asseguradas ao empregado quando se trata de trabalhador aprendiz. Como se sabe, o trabalhador aprendiz é admitido como empregado (art. 428 da CLT) para prestar serviços em atividades que lhe ofereça “formação técnico-profissional metódica, compatível com seu desenvolvimento...” (art. 428 da CLT). Aliás, neste aspecto profissionalizante, cabe destacar que o aprendiz se encontra numa posição até inferior ao do estagiário, já que este último, no estágio, tendo o conhecimento teórico adquirido na entidade educacional, busca a complementação profissionalizante, enquanto aquele irá obter a própria formação profissional, teórica e prática (§ 4º do art. 428 da CLT). Ora, a partir de dessas premissas, pode-se concluir que o legislador infraconstitucional tratou desigualmente trabalhadores em situações semelhantes. Se ele optou por ter o aprendiz como empregado, não parece razoável, tendo em vista o princípio da igualdade, ter como não-empregado o estagiário. É certo que haveria justificativa para o legislador tratar o aprendiz como não- empregado, dadas às mesmas razões que considerou para retirar do estagiário essa proteção laboral. Contudo, ao tratar aquele (o aprendiz) como empregado, acabou por discriminar este outro (o estagiário), pois não utilizou os mesmos critérios. Cabe destacar, inclusive, que haveria mais razões para tratar o aprendiz como não-empregado do que o estagiário, já que este, bem ou mal, possui conhecimento profissional teóricos a serem aproveitados pela empresa quando da prestação de serviços, ao contrário daquele outro (aprendiz), que busca a própria formação profissionalizante,
  • 20. Trabalho, reformas e tecnologia 19 não tendo o que transmitir, a título de conhecimento teórico, ao tomador dos serviços. Pode-se dizer que no estágio há uma troca do conhecimento teórico do estudante pelo conhecimento prático passado pela empresa. Já no contrato de aprendizagem, o aprendiz não transmite qualquer conhecimento, mas é receptor dos conhecimentos teóricos e práticos oferecidos pela empresa. Assim, em face do tratamento diferenciado dado ao estagiário tendo em vista aquele dispensado ao aprendiz, pode-se concluir pela inconstitucionalidade do disposto no art. 3º da Lei n. 11.788/08 (na parte em que estabelece que o estagiário não celebra contrato de emprego com o tomador de seus serviços). Cabe acrescentar que em situação mista, semelhante ao do aprendiz e ao do estagiário, encontra-se o médico-residente, cuja prestação de serviço está regulada na Lei n. 6.932/81. Neste caso, “A Residência Médica constitui modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional” (art. 1º). Nesta hipótese, o médico residente, ao mesmo tempo em que se insere num programa de estudo, em grau de especialização, presta serviços em treinamento. Atua num misto de estagiário (já que detém o conhecimento fruto dos estudos) e aprendiz, ao prestar serviços ao mesmo tempo em que recebe treinamento prático, “sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional”. Ao médico residente, no entanto, não se reconhece a relação de emprego, aproximando-se do estagiário neste ponto, mas não deixa de ser um “aprendiz”, pois submetido a “treinamento em serviço”. A hipótese, portanto, seria ao de equipará-lo ao aprendiz.
  • 21. Trabalho, reformas e tecnologia 20 3.3. Trabalhadores em transporte de carga O legislador infraconstitucional, outrossim, além das tradicionais hipóteses mencionadas acima (atleta não-profissional e estagiário), estabeleceu mais três hipóteses nas quais, mesmo diante de trabalho subordinado, por lei, o trabalhador não deve ser considerado empregado. A primeira hipótese seria da do trabalhador auxiliar que presta serviços ao transportador autônomo de cargas (§ 5º do art. 4º da Lei n. 11.442/07, com redação dada pela Lei n. 13.103/15). Já a segunda é a do transportador de carga que presta serviços ao embarcador (pessoa responsável pelo embargue da mercadoria, geralmente seu proprietário). Para essas duas hipóteses, a lei estabelece que “As relações decorrentes do contrato estabelecido entre o Transportador Autônomo de Cargas e seu Auxiliar ou entre o transportador autônomo e o embarcador não caracterizarão vínculo de emprego” (§ 5º do art. 4º da Lei n. 11.442/07, com redação dada pela Lei n. 13.103/15). Já o art. 5º desta mesma lei estabelece que “As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas” firmados entre o transportador de cargas e a empresa de transporte rodoviário de cargas “são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego” (art. 5º da Lei n. 11.442/07)16 . Seriam, assim, três hipóteses que não configurariam a relação de emprego: o auxiliar do transportador autônomo de cargas; o trabalhador transportador de cargas em relação ao serviço prestado em favor do embarcador; e o trabalhador transportador de cargas em relação ao serviço prestado em favor da empresa de transporte rodoviário de cargas. Pois bem. Nenhuma delas, no entanto, oferece uma motivação razoável para justificar a desproteção empregatícia. 16 Este dispositivo é objeto de questionamento perante o STF quanto a sua constitucionalidade na ADC 48 e na ADI 3.961.
  • 22. Trabalho, reformas e tecnologia 21 Quanto a primeira hipótese, o trabalhador auxiliar do transportador autônomo de cargas não se diferencia de qualquer outro trabalhador auxiliar de outros trabalhadores autônomos, a exemplo dos empregados dos profissionais liberais (advogados, médicos, contadores, etc). Não há nenhuma justificativa para estabelecer que o trabalhador que auxilia o transportador autônomo de cargas não é empregado deste quando diante da prestação de serviço subordinado. Óbvio, porém, que não será empregado se não presta serviço subordinado ou em caráter eventual. Mas, aprioristicamente, não se pode dispor que todo e qualquer auxiliar do transportador autônomo de cargas não seja empregado. O mesmo se diga em relação ao trabalhador transportador de cargas em relação ao serviço prestado em favor do embarcador. No caso, se o labor daquele se desenvolve subordinado à atividade do embarcador (responsável pela carga; quem determina ou contrata o transporte), por certo que ficará configurada a relação de emprego entres prestador dos serviços e seu tomador. Nesta hipótese também não há uma justifica sequer para que se possa concluir como razoável o dispositivo infraconstitucional que excluir da proteção empregatícia o trabalhador de carga. Por fim, também não há uma justifica razoável para se ter como constitucional a regra que estabelece que “As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas” firmados entre o transportador de cargas e a empresa de transporte rodoviário de cargas “são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego”. É certo que se pode afirmar que essa regra permite a terceirização da atividade desenvolvida pela empresa de transporte rodoviário de cargas, autorizando a contratação de pessoas não empregadas desta para prestar os serviços de transporte, ainda que este seja o objeto principal da tomadora dos serviços.
  • 23. Trabalho, reformas e tecnologia 22 Contudo, como se expressou o Min. Luiz Edson Fachin, em voto divergente lançado na ADC n. 4 e ADI 3.961, “ regulamentação infraconstitucional não pode, sem afrontar a CF, fazer de forma apriorística e generalizada a definição da natureza comercial do vínculo decorrente de contrato de transporte rodoviário de cargas”. Na oportunidade o Min. Fachin apontou que “a dignidade dos trabalhadores que atuam no mercado de transporte rodoviário de cargos merece ser prestigiada em sua máxima potencialidade, especialmente quando se tratar de reconhecer-se-lhes direitos fundamentais decorrentes de uma relação para o qual a CF estabeleceu regime específico e regras próprias”17 . Sustentou que, considerando o princípio da primazia da realidade, impõe-se “a declaração de inconstitucionalidade das normas impugnadas no que afirmam peremptoriamente e de forma apriorística que o vínculo será sempre de natureza comercial”. E essa posição se revela correta, pois, de antemão, de forma apriorística, o legislador não pode estabelecer que, neste caso, “sempre” será “de natureza comercial” a relação mantida entre o transportador de cargas e a empresa de transporte rodoviário de cargas, não se admitindo, “em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego”. A inconstitucionalidade está no fato de se afastar o reconhecimento da relação de emprego, aprioristicamente, ainda que o trabalhador transportador de cargas preste serviços subordinados em favor da empresa de transporte rodoviário de cargas, sem qualquer motivo razoável a justificar a desproteção empregatícia. No caso, afasta-se, pela via infraconstitucional, a incidência dos direitos constitucionais trabalhistas sociais fundamentais 17 MIGALHAS. STF analisa lei sobre natureza comercial da relação de transporte de carga autônomo. 05 de setembro de 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI310383,91041- STF+analisa+lei+sobre+natureza+comercial+da+relacao+de+transporte+de. Acesso em 17 dez. 2019.
  • 24. Trabalho, reformas e tecnologia 23 assegurados ao conjunto dos trabalhadores subordinados, sem qualquer razoabilidade. Aqui prevaleceu a intenção arbitrária do legislador infraconstitucional ao dispor, em lei, dessa forma. O que redunda em reconhecer a inconstitucionalidade destes dispositivos. Diga-se, porém, que o STF, seguindo sua tendência contrária aos direitos trabalhistas, ao concluir o julgamento da ADI 3.961 decidiu, por maioria de 7 (sete) votos a favor e 3 (três) contra, pela constitucionalidade do referido dispositivo18 . 3.4. Franquia A Lei n. 13.966/19 estabeleceu que a relação formada pelo franqueador com o franqueado não caracterizar “vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento”. Aqui a lei, numa situação semelhante ao do transportador de carga, de forma prévia e sem se ater a realidade dos fatos, estabeleceu que da relação contratual firmada entre franqueador e franqueado não decorre a relação de emprego. Fixou, ainda, a regra que também não se extrai o contrato de emprego a partir da relação mantida entre franqueador e os empregados do franqueado. Contudo, mais uma vez, o legislador incorreu em equívoco em estabelecer, a priori, que dessas relações jurídicas (entre franqueador e franqueado e entre aquele e os empregados deste) não podem se caracterizar a relação de emprego entre as partes envolvidas. Isso porque, na mesma linha expressada pelo Min. Luiz Edson Fachin, em voto lançado na ADC n. 4 e ADI 3.961, a lei infraconstitucional não pode, sem violar a Constituição, estabelecer, de forma 18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.961. Rel. Ministro Roberto Barros. Tribunal Pleno. Julgado em 14 de abril de 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2559843. Acesso em: 15 abr. 2020.
  • 25. Trabalho, reformas e tecnologia 24 apriorística e generalizada, que, das relações mantidas entre franqueador e franqueado e com os empregados deste, não se pode extrair a relação de emprego. Isso porque, primeiro, a relação de emprego decorre dos fatos, tal como ele se apresenta no mundo da realidade. Logo, ainda que firmado o contrato de franquia, mas demonstrado que, na realidade, o franqueado atua como empregado do franqueador (prestar serviços subordinado a este), é de se reconhecer a relação de emprego entre as partes, por força da aplicação do art. 2º da CLT. E o mesmo se diga em relação ao franqueador e os empregados do franqueado. Segundo, porque a lei infraconstitucional não pode, sem razoável justificativa, afastar a possibilidade de reconhecimento da relação de emprego, quando presentes suas características no mundo real, sob pena de negar aplicação ao disposto no art. 7º da Carta Magna em relação aos trabalhadores subordinados. E, no caso, inexiste um motivo razoável a justificar o afastamento da incidência do art. 7º da CF quando presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego nas relações mantidas entre franqueador e franqueado e entre aquele e os empregados deste. No caso, o contrato de franquia atuaria apenas para fraudar a incidência das normas constitucionais e infraconstitucionais trabalhistas. Esta situação, pois, difere, por exemplo, da do atleta não-profissional, já que neste caso, ainda que haja a prestação de serviços subordinado por parte do atleta, há uma justificativa para não se caracterizar a relação de emprego nesta hipótese. Essa justificativa, no entanto, inexiste na relação (fraudulenta) de franquia.
  • 26. Trabalho, reformas e tecnologia 25 3.5. Trabalhadores em campanhas eleitorais (cabos eleitorais) Dispõe o art. 100 da Lei n. 9.504/97, com nova redação dada pela Lei n. 13.165/15 que “A contratação de pessoal para prestação de serviços nas campanhas eleitorais não gera vínculo empregatício com o candidato ou partido contratantes, aplicando-se à pessoa física contratada o disposto na alínea h do inciso V do art. 12 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991”. Claramente este dispositivo legal exclui os referidos trabalhadores da proteção trabalhista e, em regra geral, dos direitos fundamentais dos empregados elencados no art. 7º da Constituição, ainda que haja a prestação de trabalho humano de modo subordinado. Mais uma vez pergunta-se, agora diante dessa hipótese: justifica-se a discriminação? Aqui a resposta há de ser negativa. Isso porque não há uma única sequer, plausível e razoável, justificativa a respaldar essa discriminação para com os trabalhadores subordinados contratados para prestação de serviços nas campanhas eleitorais. Somente razões casuísticas, e torpes, de proteção aos interesses dos candidatos e dos partidos políticos, justificam esse dispositivo legal. Esse dispositivo legal, portanto, viola o texto constitucional ao pretender, de forma não-razoável e em clara violação ao princípio da igualdade, afastar da proteção trabalhista constitucional uma categoria de trabalhadores subordinados, negando-lhes, no mínimo, os direitos fundamentais arrolados no art. 7º da CF/88. Esses trabalhadores, portanto, quando prestadores de serviços subordinados, devem ser tratados como empregados para todos os fins legais e constitucionais.
  • 27. Trabalho, reformas e tecnologia 26 3.6. Trabalhadores em órgãos partidários Mais recentemente, no entanto, ampliando a hipótese anterior, a Lei n. 13.877/19 introduziu novo dispositivo na Lei n. 9.096/95, que dispõe sobre os partidos políticos, para estabelecer, em sal art. 44-A que os trabalhadores em “atividades de direção exercidas nos órgãos partidários e em suas fundações e institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio político-partidário, assim definidas em normas internas de organização” não mantém vínculo de emprego com os tomadores dos serviços “quando remuneradas com valor mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social”. Aqui se está diante de outra flagrante regra inconstitucional ao afastar, sem qualquer motivo razoável, a incidência dos direitos fundamentais trabalhistas em prol desse grupo de trabalhadores, além de clara violação ao princípio da igualdade, ao tratá-los de forma desigual em relação aos trabalhadores que executam as mesmas atividades, mas percebem remuneração mensal inferior ao equivalente a “2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social”. Vejam que aqui há duas inconstitucionalidades. A primeira, a exemplo dos casos anteriormente comentado, em face da desproteção empregatícia sem uma justificativa razoável. Ou seja, qual é a justificativa para estabelecer que os trabalhadores que prestam serviços subordinados em “atividades de direção exercidas nos órgãos partidários e em suas fundações e institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio político-partidário, assim definidas em normas internas de organização”, e que percebam remuneração “mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social”, não possam ser destinatários das normas fundamentais trabalhistas asseguradas ao conjunto dos empregados (trabalhadores subordinados)?
  • 28. Trabalho, reformas e tecnologia 27 A resposta somente pode ser a vontade arbitrária do legislador, que quis proteger os partidos políticos em detrimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores subordinados. A segunda inconstitucionalidade está no fato desse dispositivo tratar desigualmente trabalhadores que executam a mesma atividade subordinada, mas que são tratados diferentemente em decorrência da remuneração eventualmente paga ao trabalhador. O que a lei dispõe é que, quem trabalha em “atividades de direção exercidas nos órgãos partidários e em suas fundações e institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio político- partidário, assim definidas em normas internas de organização” e que faz jus a remuneração igual ou superior a “2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social” não é empregado, mas se perceber remuneração inferior, será empregado, e, portanto, destinatário dos direitos trabalhistas fundamentais. O discrímen aqui adotado pelo legislador (valor da remuneração) não se revela razoável para tratar desigualmente membros de uma mesma categoria de trabalhadores, em execução das mesmas atividades, especialmente quando se tem que todos os demais trabalhadores subordinados que percebem remuneração superior a “2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social” não são destinatário de qualquer norma que dispõe que eles não mantêm relação de emprego com os seus respectivos tomadores de serviço. Assim, aqui se está, mais uma vez, diante de uma regra claramente inconstitucional ao afastar a incidência dos direitos trabalhistas reservada aos trabalhadores subordinados sem uma razoável justificativa. 4. Conclusões Desse modo, em síntese apertada, pode-se concluir que:
  • 29. Trabalho, reformas e tecnologia 28 a) o constituinte, ao pretender valorizar o trabalho humano, fez uma opção pelo trabalho subordinado como meio ou instrumento, preferencial, para atingir a dignidade humana através do labor; b) em cumprimento a este seu desiderato, o constituinte deu real destaque aos direitos dos empregados, ao elencar, no art. 7º da CF, o rol dos seus direitos fundamentais; c) o conceito de empregado é universal, tendo-se como tal o trabalhador que presta serviço subordinado; d) o labor subordinado é uma questão de fato que não se alterar por dispositivo legal; e) o legislador infraconstitucional não é livre para, sem qualquer critério razoável ou em violação ao princípio da igualdade, estabelecer as situações nas quais o trabalhador subordinado não é destinatário dos direitos fundamentais dos empregados; f) é constitucional a regra que afasta da proteção empregatícia o atleta não-profissional (inciso II do parágrafo único do art. 3º da Lei n. 9.615/98) dada as características do esporte amador no Brasil; g) existem razões para o legislador infraconstitucional afastar da proteção empregatícia, tanto o estagiário, como do aprendiz, já que estes, ao invés de simplesmente prestar serviços em favor da empresa, também buscam a sua formação ou a complementação profissionalizante; h) ao tratar o aprendiz como empregado e o estagiário como não- empregado, no entanto, o legislador infraconstitucional discriminou este último, já que não há um motivo razoável para essa disparidade de tratamento; i) é inconstitucional, portanto o disposto na primeira parte do art. 3º da Lei n. 11.788/08, na parte que dispõe que o estágio não gera vínculo de emprego entre o estagiário e o tomador dos seus serviços;
  • 30. Trabalho, reformas e tecnologia 29 j) em situação idêntica ao do estagiário se encontra o médico residente, sendo questionável a constitucionalidade da Lei n. 6.932/81 ao não caracterizar como de emprego a relação firmada entre aquele e a entidade tomadora dos serviços; k) também é inconstitucional o disposto no § 5º do art. 4º da Lei n. 11.442/07, com redação dada pela Lei n. 13.103/15, e no art. 5º da Lei n. 11.442/07, no ponto que que estes dispositivos afastam, aprioristicamente, o reconhecimento da relação de emprego entre o auxiliar e o transportador autônomo de cargas, entre o trabalhador transportador de cargas e o embarcador e entre o trabalhador transportador de cargas e a empresa de transporte rodoviário de cargas; l) da mesma forma, não cabe, de forma apriorística, negar a possibilidade de caracterização do contrato de emprego a partir da relação firmada entre franqueador e franqueado e entre aquele e os empregados deste outro; m) é inconstitucional o art. 100 da Lei n. 9.504/97 ao dispor que o “cabo eleitoral”, mesmo prestando serviços subordinados, não mantém vínculo de emprego, já que não há qualquer motivo razoável para essa discriminação; n) da mesma forma, é inconstitucional o art. 44-A da Lei n. 9+096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.877/19, quando dispõe que os trabalhadores que prestam serviços subordinados em “atividades de direção exercidas nos órgãos partidários e em suas fundações e institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio político- partidário, assim definidas em normas internas de organização” não mantém vínculo de emprego com os tomadores dos serviços “quando remuneradas com valor mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social”.
  • 31. Trabalho, reformas e tecnologia 30 Referências AVONDOLA, Arianna. L´idisponibilità del tipo contrattuale in spede legislativa nella mostra giurisprudenza costituzionale e in quela comunitaria. Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano XXVI, n. 2, p. 242-248, Milão, 2007. BAYLOS GRAU, Antonio. Proteção de direitos fundamentais na ordem social. O direito do trabalho como direito constitucional. Revista Trabalhista, Forense, v. X, p. 21-51. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Constitucionalidade n. 48. Rel. Ministro Roberto Barros. Em julgamento. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5245418. Acesso em: 17 dez. 2019. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.752. Rel. Ministro Luiz Fux. Julgado em 18/10/2019. DJe-238 de 30-10-2019. Publicado em 04-11-2019. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TPdocID=751285609 . Acesso em: 17 dez. 2019. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.961. Rel. Ministro Roberto Barros. Em julgamento. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2559843. Acesso em: 17 dez. 2019. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.961. Rel. Ministro Roberto Barros. Tribunal Pleno. Julgado em 14 de abril de 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2559843. Acesso em: 15 abr. 2020. D’ANTONA, Massino. Limiti costituzionalli allá disponibilitá del tipo contrattuale nel diritto del lavoro. In: ADL — Argomenti di Diritto del Lavoro, n. 1. Padova: CEDAM, 1995. p. 63-90. FRANÇA. Code du Travail. Ordonnance n° 2007-329 du 12 mars 2007 relative au code du travail (partie législative). 2007. Disponível em: https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006072050. Acesso em: 17 jan. 2020. ITÁLIA. Corte Costituzionale. Sentenza n. 115 (ECLI:IT:COST:1994:115), 23-31 marzo 1994. Pubblicazione in G. U. 13/04/1994 n. 16. Disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/actionPronuncia.do#. Acesso em: 18 out. 2017. ITÁLIA. Corte di Cassazione. Sez. Lavoro. Sentenza n. 166, 9 gennaio 2004, in Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano XXIII, n. 4, p. 739-747, Milão, 2004. ITÁLIA. Corte di Cassazione. Sez. Lavoro. Sentenza n. 9.722, 7 ottobre 1997, in Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano 17, n. 4, p. 659-662, Milão, 1998. MIGALHAS. STF analisa lei sobre natureza comercial da relação de transporte de carga autônomo. 05 de setembro de 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI310383,91041- STF+analisa+lei+sobre+natureza+comercial+da+relacao+de+transporte+de. Acesso em 17 dez. 2019. SANTORO-PASSARELLI, Giuseppe. A proposito della considetta disponibilitá del tipo lavoro subordinado da parte del legislatore. In: SCOGNAMIGLIO, Renato.
  • 32. Trabalho, reformas e tecnologia 31 Diritto del lavoro e Corte costituzionale. Napoli/Roma: Edizioni Scientifiche, 2006. p. 279-286. SCOGNAMIGLIO, Renato. La disponibilità del raporto di lavoro subordinato. Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano XX, n. 2, p. 95-121, Milão, 2001. SILVA, Luís de Pinho Pedreira da. A disponibilidade pelo legislador do tipo contratual no direito do trabalho. Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. v. 23, n. 30, p. 79–86, jan./jun., 2007. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras Jurídicas. TAMAJO, Raffaele De Luca. Il limite Allá discrezionalità qualificatoria del legislatore. In: SCOGNAMIGLIO, Renato. Diritto del lavoro e Corte costituzionale. Napoli/Roma: Edizioni Scientifiche, 2006, p. 35-42. UNIÃO EUROPEIA. Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 2012/C 326/01. Jornal Oficial nº C 326 de 26/10/2012 p. 0001 – 0390. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:12012E/TXTfrom=EN. Acesso em: 17 jan. 2020. UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Primeira Secção. 15 de junho de 2006. Processo C‑255/04. ECLI:EU:C:2006:401. Disponível em: http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=presun%25C3%25A7%2 5C3%25A3o%2Bsubordinado%2Bfran%25C3%25A7a%2Bartistasdocid=55357pag eIndex=0doclang=PTmode=reqdir=occ=firstpart=1cid=813985#ctx1. Acesso em: 17 jan. 2020.
  • 33. Trabalho, reformas e tecnologia 32 A natureza da relação jurídica “Uberista” Edilton Meireles1 Everton Caldas Silveira2 RESUMO: O presente artigo é fruto da pesquisa sobre a natureza da relação jurídica firmada entre a UBER e o motorista. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica nacional e estrangeira de legislações, jurisprudências, doutrinas e trabalhos científicos relacionados ao tema. Inicialmente, apresentou-se a estrutura da relação mantida pelo trabalhador “UBERISTA”. Adiante, delineou-se os aspectos da natureza da relação jurídica sob a égide legal, jurisprudencial e do direito comparado. Por último, concluiu-se que diante da análise dos requisitos caracterizadores da relação de emprego e do principio da primazia da realidade fática a relação firmada entre UBER e Motorista é considerada empregatícia. PALAVRAS-CHAVE: Direito Trabalhista. UBER. Motorista. Relação Jurídica. ABSTRACT: This article is the result of research on the nature of the legal relationship established between UBER and the driver. The methodology used was the national and foreign literature review of laws, jurisprudence, doctrines and scientific works related to the theme. Initially, the structure of the relationship maintained by the worker “UBERIST” was presented. Ahead, the aspects of the nature of the legal relationship under the aegis of law, jurisprudence and comparative law were outlined. Finally, it was concluded that considering the requirements that characterize the employment relationship and the principle of the primacy of factual reality, the relationship established between UBER and Driver is considered to be employment. KEYWORDS: Labor Law. UBER. Driver. Legal Relationship. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Estrutura da Relação Mantida pelo Trabalhador “UBERISTA”. 2.1. Caracterização. 2.2. Conceito. 3. Natureza da Relação Jurídica. 3.1 Requisitos da Relação Empregatícia 3.1.1. Relação Uberista no Contexto da Relação Empregatícia. 3.2. Jurisprudência Brasileira. 3.3. Direito estrangeiro no caminho da definição. 4. Conclusão. Referências. 1. Introdução 1 Pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Desembargador do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, professor adjunto da Universidade Católica do Salvador (UCSal) e professor associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBa). edilton_meireles@uol.com.br. 2 Graduando em Direito pela Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Direito. Membro do Núcleo de Competições Internacionais da UFBA. Conselheiro da Sociedade de Debates da UFBA. Ex-membro do corpo editorial da Revista da FDUFBA. Estagiário do Juizado Especial Federal – 1ª Região. Seção Bahia. Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/UFBA). evertoncsilveira@gmail.com.
  • 34. Trabalho, reformas e tecnologia 33 Atualmente, é notável o impacto da tecnologia na área jurídica, sobretudo no direito de trabalho, com a insurgência de novas formas laborais3 . Diante disso, faz-se necessário que os intérpretes do direito busquem construir uma hermenêutica que acompanhe a evolução social, sem perder de vista os direitos e garantias conquistadas ao longo dos anos. Neste cenário, este artigo busca compreender a natureza da relação jurídica estabelecida entre a UBER e seus motoristas, relação esta objeto de bastante controvérsia no campo jurídico. Registre-se que não se pretende aqui analisar a legalidade do serviço prestado pelo aplicativo, mas sim a relação firmada pelo aplicativo envolvendo o prestador de serviços. Para tanto, procura-se apresentar a estrutura de funcionamento da UBER, o seu papel e o do parceiro na atividade realizada, analisando as características do serviço de modo a se apurar a sua natureza jurídica. Nessa toada, deve-se trilhar uma análise legal, doutrinária e jurisprudencial a fim de depreender a natureza da relação jurídica estabelecida pela UBER e seus motoristas, utilizando-se do método dedutivo com de revisão da literatura, interpretação de textos normativos e análise de decisões jurisprudenciais nacionais e estrangeiras. 2. Estrutura da relação mantida pelo trabalhador “Uberista” Funcionando no Brasil desde 2014, a UBER é uma empresa americana que tem como característica providenciar e programar, via aplicativo de smartphone, a prestação de serviços “de transporte e/ou logística e/ou compra de certos bens com terceiros provedores independentes desses 3 COUNTOURIS, Nicola. La gouvernance par les algorithmes et le récit alternatif du travail. In; SUPIOT, Alain (dir.). Le travail au XXIº siècle. Ivry-sur-Seine: L’Atelie, 2019, p. 87-101.
  • 35. Trabalho, reformas e tecnologia 34 Serviços, inclusive terceiros fornecedores independentes de transporte, terceiros fornecedores independentes de logística e terceiros fornecedores independentes de bens, mediante contrato com a Uber ou determinadas Afiliadas da Uber (“Prestadores Terceiros”)”4 . Esses serviços são divididos em categorias, que podem ser escolhidas pelos usuários conforme suas necessidades e desejos, quais sejam: UBER BLACK (serviço de transporte privado de luxo da UBER, que possuem carros SUV e sedan de 5 lugares com ar condicionado e bancos em couro, motoristas vestido com traje social, e água gelada e doces disponíveis para o passageiro), UBERX (serviço de transporte privado comum da UBER, que possuem carros a partir de 2008 com ar condicionado), UBERBAG (serviço de transporte privado para clientes que queiram transportar grande quantidade de coisas ou bagagens), UBEREATS (o serviço de delivery de comida e compras da UBER), dentre outros5 . Segundo os termos e condições publicados no sítio oficial da UBER, em sua visão os serviços são disponibilizados para uso pessoal e não comercial. Dessa forma, a UBER reitera que não fornece bens, não presta serviços de logística ou transporte, apenas fornece plataforma tecnológica para que terceiros independentes e não representantes da UBER o façam. Por conseguinte, a UBER sustenta que não possui relação de trabalho com os motoristas parceiros do aplicativo, mas que haveria uma prestação de serviço por parte dela aos motoristas, que se utilizam de sua plataforma tecnológica para alcançar clientes para os serviços prestados a terceiros6 . Nessa visão, a empresa UBER prestaria 4 UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. TERMOS E CONDIÇÕES. Disponível em: https://www.uber.com/pt-BR/legal/terms/br/ Acesso em: 15 set. 2019. 5 UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. CATEGORIAS DA UBER. Disponível em: https://www.uber.com/pt-BR/blog/categorias-da-uber/ Acesso em: 15 set. 2019. 6 UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. TERMOS E CONDIÇÕES. Disponível em: https://www.uber.com/pt-BR/legal/terms/br/ Acesso em: 15 set. 2019.
  • 36. Trabalho, reformas e tecnologia 35 um serviço aos motoristas parceiros de modo que estes pudessem executar suas atividades em favor de terceiros (os clientes). Ressalte-se, no entanto, que a UBER impõe aos parceiros um código de conduta, ainda que assegurando liberdade quanto a jornada de trabalho a ser executada. Deve-se registrar, ainda, que é a UBER que fixa o preço do serviço a ser prestado pelo parceiro, não tendo este qualquer ingerência sobre ele e só o conhecendo ao final da corrida, quando também há avaliação do parceiro pelo usuário. Por fim, tem-se que o valor pago a UBER pelos parceiros é descontado dos serviços de transporte e não pagos à titulo de mensalidade pela utilização da plataforma7 . Outrossim, para tornar-se parceiro da UBER é necessário que o motorista tenha habilitação especial para exercer atividade remunerada como motorista (conhecido como registro EAR - “Exerce Atividade Remunerada”). Além disso, para se tornar parceiro é imprescindível o cadastro no site da UBER. Esse cadastro exige o fornecimento pelo postulante de seu nome, sobrenome, e-mail, número de telefone, senha de acesso, local de trabalho (cidade e estado) e código de identificação. Municiada com esses dados, a UBER verificará os antecedentes criminais do candidato a parceiro. Em sendo aprovado, a UBER enquadra o veículo do parceiro na categoria adequada e dar-lhe instruções de uso8 . Conforme a análise do professor Rodrigo Carelli, depois de feito o cadastro, prepondera como perfil de cadastrado: o do sexo masculino, 7 DELATE, Raiza Moreira. A dignidade do trabalhador e as novas formas de exploração do trabalho humano: A relação Uber X Motorista. Revista Eletrônica da Ordem dos Advogados Brasileiros – Rio de Janeiro. Set. 2017. Disponível em:http://revistaeletronica.oabrj.org.br/wp-content/uploads/2017/09/Artigo- Revista Eletronica-OABRJ-RAIZA-MOREIRA-DELATE.pdf Acesso em: 15 set. 2019. 8 UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. Veja como se cadastrar na Uber. Disponível em: https://www.uber.com/pt-BR/blog/como-se-cadastrar-no-uber/ Acesso em: 15 set. 2019.
  • 37. Trabalho, reformas e tecnologia 36 com idade de 31 a 40 anos, que possui ensino médio completo e trabalha de 45 a 60 horas por semana. Além disso, percebe-se que, entre a grande maioria dos cadastrados, a UBER foi escolhida para complemento de renda de alguns, como “bico” ou ganha-pão, haja visto o cenário de desemprego estrutural e de crise econômica9 . Típico labor da gig economy (economia de bico) ou freelance economy10 . Para alguns, com esta relação e outras assemelhadas, surge uma nova categoria de trabalhadores: a dos independentes, mas, que, na realidade, seriam de trabalhadores autônomos, mas dependentes economicamente (dependente contractor)11 , o que atrairia uma legislação que lhes assegurassem algumas proteções e benefícios, ainda que não aqueles reservados aos empregados12 . 2.1. Caracterização A estrutura da relação mantida pelo trabalhador uberista é extenuante e precarizada. No entanto, é comum que o primeiro contato com a UBER seja avaliado positivamente pelos parceiros. Isto se deve ao fato de que, na maioria das vezes, o ingresso na empresa vem após período de desemprego e, por conseguinte, de endividamento. Além disso, 9 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Caso Uber e o Controle por Programação: de carona para o século XXI. In: LEME, Ana Carolina Reis Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017. p. 132. 10 BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis. Gig economy e contrato de emprego. Aplicabilidade da legislação trabalhista aos vínculos de trabalho da nova economia. São Paulo: LTr, 2019, p. 25. 11 TAYLOR, Matthew. Good work: the Taylor review of modern working practices. 2017. Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attach ment_data/file/627671/good-work-taylor-review-modern-working-practices-rg.pdf. Acesso em: 28 out. 2019, p. 9. 12 HARRIS, Seth D. KRUEGER, Alan B. A proposal for modernizing labor laws for twenty-first-century work: the “independente worker”. Disponível em: https://www.hamiltonproject.org/assets/files/modernizing_labor_laws_for_twenty_f irst_century_work_krueger_harris.pdf. Acesso em 28 out. 2019.
  • 38. Trabalho, reformas e tecnologia 37 inicialmente, a UBER é encarada como uma atividade temporária, um bico, só então depois de um tempo passando a ser a fonte principal de renda do parceiro13 . Quanto aos rendimentos obtidos, é bastante controverso, haja visto que além do ganho bruto diário, há gastos com manutenção do carro (manutenção ou aluguel, desgaste, IPVA, combustível, seguro, etc), pacote de dados de internet para acessar o aplicativo e recolhimentos previdenciários14 . No que atine ao teor do trabalho, em que pese a UBER afirme não haver exclusividade dos motoristas, estes são impedidos de captar usuários da UBER durante a viagem e lhes oferecer serviços particulares fora do aplicativo, o que gera a aparência de exclusividade15 . 2.2. Conceito Ludmila Costchek Abílio assevera que a uberização remete a uma nova fase de exploração do trabalho, que propugna mudanças qualitativas ao estatuto do trabalho, à configuração das empresas, assim como às formas de controle, gerenciamento e expropriação do trabalho16 . De outro modo, segundo Aimée Oliveira, há quem se posicione no sentido de que se trata de passo nas terceirizações que transforma o trabalhador em um empreendedor disponível ao trabalho, retirando-lhe 13 RAMER, Josiane, A economia compartilhada e a uberização do trabalho: utopias do nosso tempo? 2017. 129 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2017. 14 SILVA, Aimée de Oliveira. O motorista da Uber e a configuração da relação de emprego. Monografia de Conclusão de Curso, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Jurídicas e Econômica. Faculdade de Direito. Janeiro de 2017. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/6386. Acesso em: 04 de ago. 2019. 15 Ibidem 16 ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Rio de Janeiro. 2017. Disponível em: http://www.passapalavra.info/2017/02/110685. Acesso em 15 set. 2019.
  • 39. Trabalho, reformas e tecnologia 38 garantias constitucionais e mantendo-lhe subordinado sob uma nova lógica, a por meio de algoritmos17 . A estrutura da relação mantida pelo trabalhador uberista nos leva a uma ilusão de trabalho colaborativo desprovido de vínculo empregatício, como também, nos martela a ideia de uma oportunidade de sair da crise financeira e do desemprego pela economia compartilhada. Aliás é o que evidencia o próprio site da UBER, com o chamariz do empreendedorismo e a possibilidade de flexibilidade de horário de trabalho de vultuosos ganhos na UBER18 . Em um cenário econômico e de desemprego desolador, a UBER se firma como elo entre consumidor e trabalhador, ao mesmo tempo em que, dita as regras dos serviços do trabalhador, o percentual sobre o valor pago pelos clientes que deve ser repassado e em qual categoria deve se enquadrar o parceiro19 . 3. Natureza da relação jurídica A natureza da relação jurídica constituída entre o parceiro e a UBER torna-se questão controversa. Dessa forma, para analisá-la é necessário, inicialmente se aventurar pelos requisitos caracterizadores da relação de emprego. 17 SILVA, Aimée de Oliveira. O motorista da Uber e a configuração da relação de emprego. Monografia de Conclusão de Curso, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Jurídicas e Econômica. Faculdade de Direito. Janeiro de 2017. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/6386. Acesso em: 04 de ago. 2019. 18 Ibidem 19 Ibidem
  • 40. Trabalho, reformas e tecnologia 39 3.1 Requisitos da Relação Empregatícia O Art. 442 da CLT assevera que o “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. Dessa forma, conforme a teoria contratualista, temos que a relação de emprego possui natureza de contrato, isto é, de instrumento formado pela vontade de pactuar das partes. Deve-se dizer que para tanto, é necessário que se cumpra os requisitos que caracterizam a relação de emprego, quais sejam: pessoalidade, pessoa física, onerosidade e subordinação20 . Inicialmente, na lição de Carlos Henrique Bezerra Leite, o contrato de trabalho é intuitu personae e esta (pessoalidade) é conceituada pelo dever do empregado de prestar pessoalmente o trabalho, podendo, excepcionalmente, diante do consentimento tácito ou expresso do empregador, ser substituído por outro empregado. Além disso, registra Carlos Henrique Bezerra Leite que não há pessoalidade em relação ao empregador21 . Outro requisito essencial é a chamada não eventualidade, que para Luciano Martinez pode ser vista como previsibilidade de repetição da atividade laboral pelo trabalhador. Assevera ainda este Autor que a realização de serviços em dias predeterminados da semana não ilide ao preenchimento do requisito de não eventualidade, isto porque nestas situações pode haver a previsibilidade da repetição22 . No mesmo caminho discorre Mauricio Godinho Delgado que entende como 20 DELATE, Raiza Moreira. A dignidade do trabalhador e as novas formas de exploração do trabalho humano: A relação Uber X Motorista. Revista Eletrônica da Ordem dos Advogados Brasileiros – Rio de Janeiro. Set. 2017. Disponível em:http://revistaeletronica.oabrj.org.br/wp-content/uploads/2017/09/Artigo- Revista Eletronica-OABRJ-RAIZA-MOREIRA-DELATE.pdf Acesso em: 15 set. 2019. 21 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho,11. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. 22 MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho, 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
  • 41. Trabalho, reformas e tecnologia 40 trabalhador não eventual aquele que trabalha de forma repetida, nas atividades permanentes do tomador e a este fixado juridicamente23 . Já por onerosidade se deve entender que o serviço é prestado com contraprestação, isto é, o trabalhador se obriga a trabalhar e o empregador se obriga a remunerá-lo. Por fim, a subordinação, considerada o elemento mais marcante para configuração da relação de emprego, na dicção de Carla Tereza Romar “é a sujeição do empregado às ordens do empregador, é o estado de dependência do trabalhador em relação ao seu empregador”. Afirma ainda que a subordinação é inerente a estrutura da relação jurídica de emprego na medida em que esta se baseia na transferência pelo emprego do poder de direcionamento do seu trabalho para o empregador24 . Alice Monteiro de Barros acrescenta que este poder de comando empregador não precisa ser constante, nem se exige vigilância técnica continua dos trabalhos realizados. O importante é que haja a possibilidade de o empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade de seu empregado25 . 3.1.1 Relação Uberista no Contexto da Relação Empregatícia. Maurício Nanartonis sustenta que a UBER preenche requisitos de uma relação empregatícia, como pessoalidade e subordinação26 . Indo ao encontro do entendimento esposado, José Eduardo Chaves acrescenta 23 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 273. 24 ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho Esquematizado. 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. 25 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: LTr, 2016p. 268. 26 KOURA, Kalleo. Uber enfrenta primeiros processos trabalhistas no Brasil. JOTA. 2016. Disponível em: http://jota.info/o-uber-e-lei-motoristas-vao-justica-para- pleitear-vinculo-empregaticio. Acesso em: 15 set. 2019.19.
  • 42. Trabalho, reformas e tecnologia 41 que a direção do trabalho, pela definição de preços, padrão de atendimento, forma de pagamento, recebimento e repasse de pagamento e centralização do acionante do colaborador para prestar serviços, como também, a aplicação de penalidades nas hipóteses de violação do código de conduta da UBER, ratificam a relação empregatícia UBER X PARCEIRO27 . Noutra quadra, avalia que a total liberdade do motorista quanto a sua jornada de trabalho, que é extremamente flexível, pode ser um traço de trabalho autônomo, assim como, o fato dos meios de produção (veículo e o celular), pertencerem ao parceiro e não a empresa28 . Dario Rabay refuta a possibilidade de configuração do vinculo empregatício. Para este Autor sendo o motorista o proprietário do automóvel, arcando com manutenção e despesas provenientes do transporte, aliado a assunção de riscos do próprio negócio, não há que se falar em relação de emprego29 . Já Vólia Bonfim Cassar, tergiversando os entendimentos supra, diz que há grande controvérsia a respeito dos vínculos firmados entre a UBER e seus parceiros30 . No entanto, Rodrigo de Lacerda Carelli, a partir de larga pesquisa empírica, entende que ao mesmo tempo em que entrega autonomia ao trabalhador, a UBER impede essa liberdade pela programação. Isto pode ser constatado a partir das entrevistas realizadas junto ao parceiros- trabalhadores, que revelam que, em que pese estes se considerem autônomos, a UBER exercem sobre eles controle indireto sobre a 27 CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende. Motorista do Uber poderá ser considerado empregador no Brasil. Migalhas. 2016. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI237918,41046- Motorista+do+Uber+podera+ser+considerado+empregado+no+Brasil. Acesso em: 12 set. 2019. 28 Ibidem 29 RABAY, Dario. MARTINEZ, Aldo Augusto Martinez. Motoristas do Uber: empregados ou autônomos? Estado de S. Paulo. 2015. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/motoristas-do-uber- empregados-ou-autonomos/. Acesso em: 12 set. 2019. 30 CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
  • 43. Trabalho, reformas e tecnologia 42 quantidade de horas que devem realizar, fornece sugestões de vestuário, trato com o cliente e normas de conduta, bem como exerce o monitoramento dos serviços, via GPS, do tipo de direção exercida pelo motorista, quer dizer, se agressiva ou defensiva, sem esquecer o controle sobre os serviços prestados através das notas atribuídas pelos usuários do aplicativo. Rodrigo de Lacerda Carelli ainda destaca que caso os parceiros não consiga um número mínimo de corridas ou realize determinado número de cancelamento, é excluído da plataforma de serviço, o que enrobustece o caráter controlador do serviço pela UBER31 . Ademais, ele ressalta que a maioria dos parceiros, em que pese tenha flexibilidade na jornada, a cumprem de modo determinado e extenso, pouco havendo folga. Na mesma linha, Alice Monteiro de Barros, entende que na medida em que o aplicativo possibilita o registro da jornada de trabalho, como controla a execução da prestação de serviços cerceia a livre iniciativa do empregado/parceiro32 . 3.2. Jurisprudência Brasileira Essa questão, como era previsível, já alcançou os tribunais trabalhistas brasileiro. Algumas decisões podem ser mencionadas. Assim, por exemplo, nos autos do processo n. 0011863-62.2016.5.03.0137 se conclui que não há relação empregatícia entre a empresa UBER e os trabalhadores. Isto porque, segundo o julgador, utilizando-se das lições de Mauricio Godinho Delgado, na UBER, o empregado se compromete a assumir o poder de direção empresarial na forma de realização de seus 31 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Caso Uber e o Controle por Programação: de carona para o século XXI. In: LEME, Ana Carolina Reis Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017. p. 130- 146. 32 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016.
  • 44. Trabalho, reformas e tecnologia 43 serviços, inclusive podendo exercer férias sem prévia comunicação a empresa, o que no seu entendimento ilide a subordinação. Além disso, prelecionou que o sistema de avaliação funcionava sem intervenção da UBER, ratificando a não subordinação do parceiro à UBER. Em reforço de argumento, ainda asseverou que o objeto social da UBER é de serviços de tecnologia e que não existe subordinação na relação entre as partes, porque o parceiro não integra a dinâmica do funcionamento da UBER33 . É esse o entendimento compartilhado pela 10ª Câmara do TRT-15, que afasta a caracterização da relação empregatícia, ante a ausência de imposição de normas de conduta e pela liberdade de recusa de viagens34 . Ademais, ainda endossa o entendimento supra, o TRT DA 10ª Região, que nos autos do processo de nº 0001995-46-2016-5-10-0111, declarou que o parceiro goza de total liberdade para exercer seu trabalho, sem que haja nenhum controle de horários ou ingerência da UBER, não havendo, portanto, subordinação entre as partes. Além disso, interpretou as informações enviadas pela UBER como meras sugestões de caráter informativo no interesse do próprio parceiro35 . 33 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 37ª Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo nº 0011863-62.2016.5.03.0137. Reclamante: Artur Soares Neto. Reclamadas: Uber Do Brasil Tecnologia Ltda., Uber International B.V. e Uber International Holding B.V. Sentença. Juiz: Filipe de Souza Sickert. Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/justica-trabalho-fixa-motorista-uber.pdf . Acesso em: 15 out. 2019. 34 CONJUR. Motorista não tem vínculo de emprego com Uber, afirma TRT-15. Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-19/motorista-nao-vinculo-emprego-uber- afirma-trt-15. Acesso em: 15/09/2019. 35 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Vara do Trabalho de Gama do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Processo nº 0001995- 46-2016-5-10- 0111. Reclamante: William Miranda da Costa. Reclamadas: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Sentença: Tamara Gil Kemp. Gama, 18 de abril de 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/uber-decisao.pdf . Acesso em: 15 out. 2019
  • 45. Trabalho, reformas e tecnologia 44 Por outro lado, a 15ª turma do TRT-2, nos autos do processo 1000123- 89.2017.5.02.0038, reconheceu a existência de vinculo de empregado entre UBER e o parceiro/motorista. Para Desembargadora Relatora há controle da concretização do serviço de transporte prestado pelo motorista, para ela a UBER se vale de meios indiretos para obter a disponibilidade máxima do motorista aos usuários, utilizando-se de incentivo para eles. Ademais, assevera que não há provas de que a UBER não imponha regras de conduta aos motoristas, como também a própria empresa revela que as avaliações realizadas pelos usuários são preponderantes para manutenção do cadastro do parceiro, pelo que ela entende conformada a relação empregatícia36. Na mesma Região, nos autos do processo nº 1001492-33.2016.5.02.0013, reconheceu-se o vínculo empregatício na UBER. Segundo o magistrado sentenciante, o requisito de pessoa física é preenchido na medida em que não há possibilidade de prestação do serviço por pessoa jurídica. Indo além, afirma que o trabalho do motorista é indubitavelmente de natureza pessoal, haja visto que a substituição de um trabalhador por outro, de forma indistinta, é vedada. Quanto a não eventualidade asseverou o juiz que deve ser analisada no caso concreto. Na análise da onerosidade, ponderou o juiz que não há mensalidade paga pelo parceiro a empresa, mas sim há um controle financeiro pela empresa e o repasse de valores ao parceiro/motorista pelo trabalhado desenvolvido na atividade econômica da UBER. Por fim, quanto a subordinação o julgador pontua que “[...] a mão de obra do motorista é fator de produção na geração da mercadoria (serviço de transporte), cuja circulação propicia o excedente econômico à ré. Além disso, o 36 CONJUR. TRT de São Paulo reconhece vínculo de emprego entre Uber e motorista. In: Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-27/trt-sao-paulo-reconhece-vinculo-emprego- entre-uber-motorista. Acesso em: 15 set. 2019..conjur.com.br/2018-ago-27/trt-sao- paulo-reconhece-vinculo-emprego-entre-uber-motorista. Acesso em: 15/09/2019
  • 46. Trabalho, reformas e tecnologia 45 preço do serviço final é estabelecido unilateralmente pela ré, cabendo ao motorista apenas a ciência do percentual que lhe caberá quando concluir a viagem que aceitar. Parece evidente que o empreendimento como um todo é da empresa ré, e não do negócio motorista”. Ressalta ainda que a taxa de cancelamento explana o caráter subordinado da relação37 . Em consonância, também seguiu o entendimento favorável a caracterização da relação empregatícia na UBER o julgado 0010570- 88.2017.5.03.0180 da 42ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. No que atine a pessoalidade, segundo o juiz, restou preenchida pela vedação do dono do veículo de ser substituído ou contratar terceiro para realizar o trabalho. Quanto a não eventualidade, decidiu pela presença no caso concreto, haja visto que o autor se mantinha ativo continuamente. Ademais, ilidiu a condição de autônomo na medida em que esse mesmo diante da insatisfação de algum cliente pode continuar a exercer seu labor em relação ao demais, o que não acontece na UBER quando o parceiro/motorista é mal avaliado. Propugnou ainda que o parceiro/motorista da UBER não possui clientes próprios, sendo, em verdade, todos clientes da reclamada, pelo que reputou preenchida a subordinação do parceiro à UBER38 . Cabe, ainda, acrescer que o controle e subordinação do motorista resta caracterizado quando se constata que este, salvo em percentual 37 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. 13ª Vara do Trabalho de São Paulo, TRT-2. Processo nº 1001492-33-2016-5-02-0013. Reclamante: FERNANDO DOS SANTOS TEODORO. Reclamadas: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, 2. UBER INTERNATIONAL BV e 3. UBER INTERNATIONAL HOLDING BV. Sentença: EDUARDO ROCKENBACH PIRES. São Paulo, 11 de abril de 2017. Disponível em: https://www.jota.info/wp-content/uploads/2017/04/Sentenc%CC%A7a-Uber.SP- V%C3%ADnculo.pdf . Acesso em: 15 out. 2019. 38 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 42ª Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Reclamação Trabalhista nº 0010570- 88.2017.5.03.0180. Reclamante: Herbert Paula Martins. Reclamado: Uber International B.V., Uber do Brasil Tecnologia Ltda. e Uber International Holding B.V. Juiz: Vitor Martins Pombo. Belo Horizonte, 12 de junho de 2017. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/processos/151368610/processo-n-0010570- 8820175030180-do-trt-3 . Acesso em: 15 out. 2019..
  • 47. Trabalho, reformas e tecnologia 46 reduzido, não pode deixar de aceitar o serviço quando lhe é ofertado pelo aplicativo, sob pena de ser excluído da plataforma (despedido). É certo que há uma certa margem para o motorista não aceitar o serviço, a exemplo dos casos em que o motorista não tem segurança quanto ao local de partida ou quando o passageiro não ser bem avaliado. Essas hipóteses, no entanto, por si sós, enquanto exceções e por força do contratado, não desmentem a regra do controle. Da mesma forma, é dado o direito do motorista, em determinado percentual, cancelar o serviço após sua aceitação, sob pena de ser excluído da plataforma (despedido) quando ultrapassado esse limite. A empresa, na verdade, tolera esse cancelamento em face de diversas situações correntes, a exemplo do motorista não ter encontrado o local de partida, não ter encontrado o cliente, não ter segurança quanto ao passageiro após avistá-lo no local de partida, estar o passageiro acompanhado de animais, o passageiro não estar adequadamente trajado (com roupas molhadas, etc), o cliente se encontrar embriagado, drogado, etc. O direito do motorista, portanto, em poder cancelar o serviço, após sua aceitação, não afasta a regra geral da obrigação de executar o serviço. E é certo que nessas duas situações nas quais o trabalhador tem uma certa margem de liberdade (não aceitar o serviço ou aceitá-lo e depois cancelá-lo), ainda que ele possa exercê-la a seu bel prazer (não aceitar sem qualquer razão ou cancelar sem qualquer motivo), já que o aplicativo não exige motivação para a não aceitação ou cancelamento, dessa peculiaridade contratual não desmente a regra da subordinação e controle por parte da empresa. Cuida-se, na realidade, de uma mera cláusula contratual firmada, na qual se concede ao trabalhador uma certa liberdade em seu agir, diante das circunstâncias sob as quais o serviço é executado, tendo em conta a necessidade de uma maior agilidade e flexibilidade em seu agir. E tanto é assim que a empresa não procura investigar os motivos da não aceitação ou do cancelamento.
  • 48. Trabalho, reformas e tecnologia 47 No caso, a burocratização acabaria por encarecer o serviço. E, na lógica do trabalho ágil, disruptivo, descaberia o controle rígido, daí porque a concessão de uma certa margem de autonomia ao trabalhador, o que, aliás, é comum entre os altos empregados, empregados integrantes das profissões liberais (médicos, advogados, etc), artistas, músicos, etc. 3.3. Direito estrangeiro no caminho da definição Visitando o direito estrangeiro, considerando as controvérsias jurisprudenciais, doutrinárias e legais brasileiras, o primeiro caso a se analisar é o CV13-3826, apreciado pela Corte do Distrito Norte da Califórnia. O juiz entendeu que os parceiros da UBER, em verdade, não são autônomos como alega a empresa. Para ele, a UBER criou uma plataforma tecnológica, porém é imprescindível a mão de obra humana para obter lucro. Segundo o magistrado a UBER não é só uma empresa de tecnologia, mas se trata de verdadeira empresa de transporte tecnologicamente sofisticada que conecta motoristas parceiros a usuários cadastrados. Deve-se registrar que a UBER recorreu da decisão causando grande impasse na resolução da demanda39 . Frise-se que na Califórnia foi sancionada uma lei40 que reconhece a relação de emprego mantida com a empresa UBER, salvo se a empresa demonstrar a concomitância de três requisitos a caracterizar a relação 39 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Califórnia. District Court for the Northern District of California. 2015. Disponível em: https://assets.documentcloud.org/documents/2328122/uber-class-action-chen- ruling.pdf. Acesso em: 14 set. 2019. 40 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Califórnia. Assembly Bill No. 5. CHAPTER 296. An act to amend Section 3351 of, and to add Section 2750.3 to, the Labor Code, and to amend Sections 606.5 and 621 of the Unemployment Insurance Code, relating to employment, and making an appropriation therefor. Approved by Governor September 18, 2019. Filed with Secretary of State September 18, 2019. Disponível em: https://leginfo.legislature.ca.gov/faces/billTextClient.xhtml?bill_id=201920200AB5. Acesso em: 15 out. 2019.
  • 49. Trabalho, reformas e tecnologia 48 autônoma41 , quais sejam: (a) a liberdade do trabalhador do controle e direção da empresa contratante, incluindo modo de execução do trabalho; (b) não relação dos serviços prestados com a atividade principal da empresa e (c) o trabalhador deve estar ordinariamente integrado em outra e independente ocupação, comércio ou negócio de mesma natureza do trabalho realizado42 . Registre-se que, especialistas afirmam que essa legislação irá se espalhar por outros estados americanos43 . Noutra quadra, deve-se revelar o grande amadurecimento da Inglaterra na questão. O Employment Tribunal reconheceu, em outro de 2016, que motoristas da UBER podem ser considerados empregados, tendo sido sua decisão confirmada, em novembro de 2017, pela Court Of Appeal44 . As decisões congregam o entendimento de que a UBER tem como principal função ofertar serviços de transportes e, para tal, realiza vinculo de emprego com motorista. Ademais, asseveram que os parceiros não possuem poder de negociação de preço com os usuários da UBER, mas apenas com a própria UBER45 . 41 EXAME. Califórnia sanciona lei que considera motorista de uber como funcionário. Disponível em: https://exame.abril.com.br/negocios/california-sanciona-lei-que- considera-motorista-de-uber-como-funcionario/. Acesso em: 26 de setembro de 2019 42 REVISÃO TRABALHISTA. Lei da California reconhece motoristas de aplicativos como empregados. Disponível em: http://revisaotrabalhista.net.br/2019/06/02/lei-da- california-reconhece-motoristas-de-aplicativos-como-empregados/. Acesso em: 15 de outubro de 2019 43 CONJUR. Califórnia cria vínculos empregatícios para motoristas de aplicativos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-13/california-cria-vinculo- empregaticio-motoristas-aplicativos. Acesso em: 13 de setembro de 2019 44 REINO UNIDO. Employment Appeal Tribunal. BAILII case number: [2017] UKEAT 0056_17_1011 Appeal No. UKEAT/0056/17. At the Tribunal On 27 28 September 2017 Judgment delivered on 10 November 2017. Disponível em: http://www.bailii.org/uk/cases/UKEAT/2017/0056_17_1011.html. Acesso em: 15 out. 2019. 45 BORGES, Liliana. Tribunal de Londres diz que motoristas do Uber são funcionários da empresa. Estadão, São Paulo, 10 nov. 2017. Disponível em: http://link.estadao.com.br/noticias/empresas,tribunal-de-londres-diz- quemotoristas- do-uber-sao-funcionarios-da-empresa,70002079800. Acesso em 10 set. 2019
  • 50. Trabalho, reformas e tecnologia 49 De mais a mais, analisando tal decisum, Ana Frazão explana os aspectos utilizados pelo tribunal para justificar o vinculo de emprego entre a UBER e seus parceiros, são os seguintes: “(i) o fato de a Uber entrevistar e recrutar motoristas; (ii) o fato de a Uber controlar as informações essenciais (especialmente o sobrenome do passageiro, informações de contato e destinação pretendida), excluindo o motorista destas informações; (iii) o fato de a Uber exigir que motoristas aceitem viagens e/ou não cancelem viagens, assegurando a eficácia desta exigência por meio da desconexão dos motoristas que violarem tais obrigações; (iv) o fato de a Uber determinar a rota padrão; (v) o fato de a Uber fixar a tarifa e o motorista não poder negociar um valor maior com o passageiro; (vi) o fato de a Uber impor inúmeras condições aos motoristas (como escolha limitada de veículos aceitáveis), assim como instruir motoristas sobre como fazer o seu trabalho e, de diversas maneiras, controlá- los na execução dos seus deveres; (vii) o fato de a Uber sujeitar motoristas, por meio do sistema de rating, a determinados parâmetros que ensejarão procedimentos gerenciais ou disciplinares; (viii) o fato de a Uber determinar questões sobre descontos, muitas vezes sem sequer envolver o motorista cuja remuneração será afetada; (ix) o fato de a Uber aceitar o risco da perda; (x) o fato de a Uber deter as queixas dos motoristas e dos passageiros; e (xi) o fato de a Uber se reservar ao poder de alterar unilateralmente os termos contratuais em relação aos motoristas”. A partir disso, segundo Ana Frazão, concluiu o tribunal que o contrato firmado entre a UBER e seus parceiros não correspondiam a realidade, haja visto que a relação entre as partes seria de emprego, tratando-se de verdadeira violação a primazia da realidade46 . 4. Conclusão Diante do que foi exposto acima, buscou-se perquirir a existência ou não do vínculo empregatício entre os parceiros/motoristas e a empresa UBER através da análise dos pressupostos da Consolidação das Leis Trabalhistas, da fundamentação de decisões exaradas no Judiciário brasileiro e da visitação ao direito comparado. 46 FRAZÃO, Ana. A decisão do Reino Unido sobre os motoristas da Uber: o que ela ensina? Disponível em: https://espaco-vital.jusbrasil.com.br/noticias/401712481/a- decisao-do-reino-unido-sobre-os-motoristas-da-uber-o-que-ela-ensina. Acesso em: 23 de agosto de 2019.
  • 51. Trabalho, reformas e tecnologia 50 Nessa toada, pode-se depreender que em que pese haja ainda muita divergência doutrinária e jurisprudencial, o melhor a se fazer é congregar o entendimento firmado pela Corte Inglesa e do TRT-2, que reconheceram o vínculo empregatício na UBER. Isto porque, essas decisões conseguem delinear com precisão o preenchimento dos requisitos da relação de emprego na relação UBER e motorista, quais sejam: subordinação, pessoa física, pessoalidade e não eventualidade. Ademais, conseguem observar que, em que pese a UBER tente se afastar da caracterização da relação de emprego, via contrato de parceria, a realidade fática vai de encontro a isso, visto que a aquela exerce controle quase total sobre a atividade laboral desenvolvida pelo motorista. Pode-se, então, concluir que, diante do quadro fático da relação entre motorista/parceiros e a UBER, sem dúvida, resta presente o vínculo empregatício. E uma coisa é certa: o trabalho não desaparece. Pode ter novos contornos, mas não desaparece, pois ele está intrinsecamente vinculado à condição humana de agir para mudar ou transformar o mundo que lhe rodeia. Referências ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Rio de Janeiro. 2017. Disponível em: http://www.passapalavra.info/2017/02/110685. Acesso em: 15 set. 2019. BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis. Gig economy e contrato de emprego. Aplicabilidade da legislação trabalhista aos vínculos de trabalho da nova economia. São Paulo: LTr, 2019. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: LTr, 2016. BORGES, Liliana. Tribunal de Londres diz que motoristas do Uber são funcionários da empresa. Estadão, São Paulo, 10 nov. 2017. Disponível em: http://link.estadao.com.br/noticias/empresas,tribunal-de-londres-diz- quemotoristas- do-uber-sao-funcionarios-da-empresa,70002079800. Acesso em: 10 set. 2019. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Vara do Trabalho de Gama do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Processo nº 0001995- 46-2016-5-10-0111. Reclamante: William Miranda da Costa. Reclamadas: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Sentença: Tamara Gil Kemp. Gama, 18 de abril de