4. Quanto mais o tempo se passava, mais Lúcia tinha o coração afligido por nenhuma
notícia chegar, nem sequer uma palavra. Adelaide, vendo o quanto a mulher estava
aflita, resolveu ajudá-la:
— Esse é um dos melhores hospitais, precisamos acreditar nos médicos.
— Os médicos conseguem ir somente até onde o entendimento deles permite, são seres
humanos incapazes sobre a morte como qualquer um de nós – Lúcia discordou do
pensamento da cunhada.
— Se duvida que os médicos podem fazer alguma coisa, qual é a sua esperança? Não
venha me dizer que acredita que a salvação do seu filho virá do impossível, porque o
impossível não existe!
— Ao invés de dizer tantas bobagens por que não cria fé? Por que não me ajuda a não
fraquejar? É mais fácil dizer que estou errada? É mais fácil deixar o Lucas perdido a
própria sorte?
— Acreditar no que não se vê, não se escuta, não se sente, naquilo que não existe não é
fé, é idiotice! Não se sente abandonada? Sozinha? Incapaz de ajudar aquele que saiu de
suas entranhas? Pois é... Foi assim que me senti quando vi os maiores amores da minha
vida morrerem nos meus braços... Dediquei adorações a um Deus que nem sequer se
lembrou de mim, depositei a minha fé em histórias inventadas para confortar
ignorantes, que sempre procuram um porquê para as coisas e quando não acham
justificam como sendo a vontade de Deus... A fé não move montanhas, ela te sufoca em
ilusões.
5. Lúcia não podia acreditar naquele discurso, sabia que Adelaide estava
enganada, mas qual é o homem que em um momento de sufoco não cai
em dúvidas? Porém o coração da mulher ferveu, dentro dele uma mansa
voz soou, sua boca precisou se abrir:
— A fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das
coisas que se não vêem!
Naquela hora o médico reapareceu, trazendo consigo uma notícia não tão
boa.
— Dona Lúcia, estamos autorizando a sua entrada na UTI, perdemos as
esperanças, seu filho pode não sobreviver.
Lágrimas de angústia tomaram os olhos da mulher, que aflita procurou
seguir o médico, porém antes de sair do quarto foi encurralada pela
pergunta de Adelaide: “Onde está o teu Deus?”. Ela não respondeu, em
seu coração sua alma dizia que estava indo encontrá-Lo.
6. Uma criança indefesa, pálida, com curativos por todo o corpo, que se ainda respirava
era pela ajuda dos aparelhos; foi assim que Lúcia encontrou o seu filho, o seu unigênito.
Um aperto tomou o seu coração, um nó se formou em sua garganta, pegando na inativa
mão do filho aquela atribulada mãe deu início à sua oração:
— Pedi um presente e o Senhor me deu essa criança... Pedi conforto em horas de
desespero e o Senhor me deu os sorrisos desse menino... Pedi que meu marido me
acompanhasse nos cultos e o Senhor me deu esse garoto por companheiro... Não tenho
o que reclamar, sempre fui atendida, não da minha maneira, mas da forma como o
Senhor quis e confesso que sempre foi melhor do que imaginei... Agradeço por ter me
presenteado com esse anjo e entendo que o Senhor o queira de volta, mas eu suplico
que me dê novas chances para amá-lo, dê-me mais tempo para viver em sua companhia,
permita que a minha fé alcance esse milagre, permita que por essa obra aqueles
corações descrentes, entristecidos por alguma coisa, cegados pela vida, possam
reconhecê-Lo como o nosso Criador... Mas se a Sua vontade for diferente, conforte o
meu peito, sei que o Senhor é quem faz as feridas e é o mesmo que as cura... Que seja
feita a Sua vontade, tanto na terra como no céu...
7. Repousando a cabeça ao lado de Lucas, Lúcia sentiu a
aproximação de alguém, mãos repousaram sobre os seus
ombros em um gesto de carinho e a voz embargada de
Sebastião soou naquele triste lugar:
— Sempre acreditei na minha própria força, no meu
“eu”. Ironizei aqueles que falavam em Seu Nome, O fez
de amigo imaginário... Eu nunca poderia imaginar que
veria alguém que tanto amo padecer, antes tivesse
acontecido comigo, mas os Seus planos são
inimagináveis, Seus caminhos são indecifráveis. Tive a
oportunidade de aceitá-Lo pelo amor, mas recusei e
agora devo confessá-Lo pela dor... O Senhor é o único
que pode salvar o meu filho, não por mim, pois
dignidade de nem ao menos falar em Seu Nome tenho,
mas pela minha esposa, que sempre O amou, O
venerou, O adorou... Com grande arrependimento
suplico o Seu perdão – de joelhos sobre o chão o
magnata terminou: — Castigue a mim, cobre da minha
carne, mas nos poupe de uma dor insuportável que será
perder esse anjo – talvez o que nunca saísse da boca de
tal homem naquela noite saiu: — Tenha misericórdia de
mim!
8. Lúcia se espantou, o que estava presenciando era em sua concepção um
verdadeiro milagre, motivo de contentamento. Os olhos daquela amada
criança se abriram, sua voz, ainda que fraca, soou:
— O que está acontecendo?
A, até então angustiada, mãe agora possuía um irradiante sorriso, seu
pedido fora atendido, seu maior desejo também. Surpreso, Sebastião
levantou-se do chão, com espanto via aquele que pelos médicos não
tinha solução voltar a vida, nascer de novo, precisou passar pelo
desespero para que se encontrasse com Deus.
9. Irradiantes, notoriamente felizes, de mãos dadas,
marido e mulher deixaram a UTI, esperariam pelo
filho no quarto aonde ele seria levado. Curiosa,
Adelaide logo perguntou:
— O salvaram?
— Deus está conosco! – Sebastião, entusiasmado,
envolveu a irmã em um abraço, mas esta o afastou. –
O que houve?
— Você ouviu o que disse? Deu o mérito a algo
impossível!
— Não, minha irmã, hoje tive o meu encontro com
Deus, provei do seu amor! Ainda que tenha passado
por muitas aflições, mas foi pelo bem, foi um caminho
divino!
— Você enlouqueceu... Pelo visto, somente graças aos
médicos, o seu filho já está bem. Não tenho mais o
que fazer aqui... Torço para que não se decepcione
com a sua escolha!
10. A sós com o marido Lúcia o abraçou com força, como se fosse
o que mais almejava em sua vida.
— Você me perdoa por todos esses anos? – o magnata
questionou -. Fui um verdadeiro ignorante, precisei tomar um
choque de realidade para ver que sempre esteve certa.
— Não tenho o que perdoar, afinal, você é um ser humano
como qualquer outro, sujeito a tantas adversidades como
qualquer um... Não o culpo pelas dúvidas que o cegaram, o
importante é que seus olhos se abriram e daqui por diante
viveremos ainda melhor!
11. Afogando-se em lágrimas amargas Adelaide
voltou para o sua casa. “Se Deus existe por
que não salvou as pessoas que eu também
amava? Por que não destrói o mal? Por que
ajuda a uns e a outros não?”. Eram
perguntas que inundavam a mente da
mulher. Desanimada, jogou-se no sofá,
ainda amante dos velhos tempos ligou o
rádio sintonizando em uma estação
qualquer. Para ela acaso da vida, mas para
Deus um caminho traçado.
12. — Por que Deus não impede que o mal aconteça? Ao criar o
homem Ele lhe entregou o livre arbítrio, o direito em escolher
o certo ou o errado, mas deixou claro que as consequências
viriam, toda ação tem uma reação, é a lei – o locutor começou
a sua mensagem naquele momento -. Às vezes nos sentimos
frustrados com algo que acontece e culpamos Deus, ou por
vezes perdemos a fé Nele... Tudo aquilo que acontece em
nossas vidas é consequência de nossas escolhas o que não
quer dizer que Deus seja mau, apenas que Ele é justo! Então
por que Ele não nos obriga a fazermos as escolhas certas?
Porque aí não seríamos verdadeiramente livres, não
passaríamos de marionetes e não é isso o que Ele quer... Deus
é tão justo que não nos obriga a amá-Lo, sendo que poderia,
mas amor forçado não é verdadeiro e Ele quer que O amemos
em espírito e em verdade... Deus é tão justo que nos pune por
nossos erros e tão misericordioso que nos ajuda a passarmos
pelo castigo como está no livro de João: Porque Deus amou
ao mundo de tal maneira que deu o seu filho unigênito, para
que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna...
Talvez você esteja se sentindo desamparado, mas Ele quer
ajudá-lo, cabe a você escolher se aceita ou não.
13. Adelaide refletiu, tudo fazia sentido, tudo
se clareou. De joelhos sobre a sala de sua
casa, com a cabeça erguida e olhos
encharcados ela fez a sua súplica:
— Reconheço que só o Senhor tem a cura
para a minha dor, eu aceito, eu necessito
da Sua ajuda!