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10 • P2 • Sábado 28 Julho 2007

 Cho Oyu (8201m),                  Dhaulagiri (8167m),                  Evereste (8848m),                   Gasherbrum II                       Gasherbrum I
 1993                              1994                                 1999                                (8035m), 2001                       (8068m), 2004
 Foi uma estreia em grande. O      Novamente com polacos                O povo costuma dizer que à          Um pé à frente do outro. Meses      Três anos depois, o regresso
 Cho Oyu é considerado o mais      por companhia, João Garcia           terceira é de vez e o aforismo      de agonia no hospital, um lento     ao Paquistão, novamente com
 fácil dos “oito mil” e muitos     avança para um dos “oito mil”        confirmou-se para João Garcia       processo de recuperação e           companheiros belgas, para
 alpinistas arriscam nesta         tecnicamente mais exigentes.         no Evereste. Mas a que preço...     adaptação às limitações físicas.    o GI, que partilha o campo-
 montanha nepalesa os seus         O único em território nepalês        Após duas expedições (em 1997       Mas boas notícias, apesar de        base com o GII. O teste a oito
 primeiros passos na zona          que não fica sobre a fronteira,      e 1998) sem atingir o cume, o       tudo. Pirenéus, Alpes, Andes, o     mil metros correra bem ali ao
 da morte. Mas João Garcia,        começou muito cedo a ser             português avança agora como         corpo respondia bem, João Garcia    lado, mas entre 2001 e 2004
 integrado numa expedição          explorado pelos ocidentais, mas      organizador, aliado ao seu amigo    percebeu que podia continuar        João dispersou-se por vários
 polaca liderada pelo mítico       foi o penúltimo dos 14 gigantes a    e parceiro de escalada belga        a fazer aquilo de que realmente     objectivos: pensou escalar os
 Krzysztof Wielicky, escalou a     ser escalado (o Shisha Pangma,       Pascal Debrouwer. A 18 de Maio      gostava: escalar montanhas. Mas     cumes mais altos de cada um dos
 montanha por uma via inédita,     no Tibete, foi o último, porque os   de 1999 os dois pisam o tecto do    para encontrar os limites era       sete continentes (incluindo uma
 diferente da normal. Durante a    chineses o “reservaram”). Após       mundo. Garcia chegou primeiro       preciso voltar aos 8000 metros.     viagem à Antárctida), dedicou-
 expedição foi-lhe detectado um    uma escalada sem incidentes de       e esperou, muito, por Pascal.       Integrado numa expedição belga,     se a organizar expedições
 quisto com infecção num dente.    maior, Garcia e Piotr Pustelnik      Toda esta demora fá-los pagar       Garcia reencontra a motivação e     portuguesas a picos dos
 Aconselharam-lhe o regresso       alcançam o cume. No seu livro        um preço terrível. Apanhados        as qualidades que o colocam na      Himalaias. A 28 de Julho, outra
 a casa, mas ele sentia que        A Mais Alta Solidão o alpinista      pela noite longe da tenda, João e   elite mundial dos himalaístas.      vez com Jean-Luc Fohal, sempre
 aquela era uma oportunidade       português recorda que foi nas        Pascal perdem-se um do outro.       Chega ao cume no dia 4 de Julho,    sem oxigénio nem carregadores
 única na vida e tinha contado     vertentes do Dhaulagiri que,         O belga morre ao cair num           com o belga Jean-Luc Fohal.         de altitude, João Garcia conquista
 os tostões para poder ir. Pegou   por causa de um desfalecimento       precipício, o português salva-se    Mas a tragédia volta a espreitar:   o seu quinto “oito mil”. Começava
 num canivete suíço com alicate,   momentâneo, percebeu pela            à justa, mas com queimaduras de     dias antes, um dos elementos da     um ciclo de expedições bem
 encharcou-se em barbitúricos      primeira vez a importância de        gelo que lhe custam amputações      expedição sofrera uma queda         sucedidas que ainda não teve
 e pediu ao médico de uma          fazer uma boa aclimatação antes      nos dedos das mãos e cicatrizes     fatal.                              interrupção.
 expedição italiana que lhe        de avançar para as altitudes         na cara.
 arrancasse o dente. Doeu, mas     extremas.
 resultou.




   João Garcia Viver a vi
 O objectivo está definido: escalar, até 2010, todas as 14 montanhas do mundo com mais
 de 8000 metros. João Garcia deu o primeiro passo em 1993 e acelerou nos últimos anos.
 Na semana passada pisou o cume do K2 e somou o seu nono “oito mil”.
 Para ele, a vida vive-se na zona da morte. Por Luís Francisco
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Lhotse (8516m),                       Kangchenjunga                        Shisha Pangma                      K2 (8611m),                             O que falta
2005                                  (8586m), 2006                        (8013m), 2006                      2007                                    O projecto À Conquista dos
                                                                                                                                                      Picos do Mundo estende-se até
Foi a primeira expedição              Dois portugueses (com Garcia         Depois da escalada do Lhotse, a    O Evereste pode ser o mais              2010, com expedições ao Makalu
portuguesa a um “oito mil”, mas       viaja desta vez Tó Zé Coelho)        carreira de João Garcia acelera,   alto, mas o K2 é a montanha             (8463m), na próxima Primavera;
só com dois alpinistas: João          partilham a licença de escalada      graças à parceria estabelecida     dos alpinistas. O segundo pico          Manaslu (8163m), Outono de
Garcia e Hélder Santos. Em anos       no mais remoto dos “oito mil”        com o Millenium BCP. Assume        do planeta é tecnicamente               2008; Annapurna (8091m),
anteriores, o Pumori (7120m) e        com uma expedição de pesos-          que o seu objectivo é escalar      muito complicado e tem uma              Primavera de 2009; Broad Peak
o Ama Dablam (6812m) tinham           pesados. Mas as coisas correm        todas as 14 montanhas no mundo     meteorologia caprichosa. Com            (8047m), Verão de 2009; e Nanga
criado um núcleo duro made            mal de início: acometido de uma      com mais de 8000 metros. No        uma equipa formada à sua                Parbat (8125m), Verão de 2010.
in Portugal, mas as exigências        apendicite quando se encontrava      Outono, aproveitando a segunda     volta, João Garcia parte para           Com os quatro cumes mais altos
financeira e de tempo para uma        a mais de 6000m, Tó Zé Coelho        época de escalada no Tibete, uma   o Paquistão. Mas o sherpa               já vencidos, o alpinista lisboeta
tentativa a oito mil metros são       tem de ser retirado da montanha.     expedição portuguesa lança-se      Nuru, o filho mais velho da             está lançado para se juntar ao
bem diferentes... Escalando           Depois de uma descida em             à conquista do mais baixo pico     “família adoptiva” de Garcia            por enquanto restrito número de
sozinho (Hélder ficou para            sofrimento, um helicóptero           deste restrito “clube”. No dia     em Pangboche e que seria o              homens (não há mulheres) que
trás com problemas de saúde)          transporta os dois portugueses       31 de Outubro, João Garcia, Rui    mais directo colaborador na             escalaram todos os “oito mil”
e em condições difíceis, João         até Katmandu, onde Tó Zé é           Rosado e Bruno Carvalho chegam     subida, não pode ir, por ter sido       – apesar de haver vários prestes
atinge o cume a 21 de Maio. Ali       operado. Garcia volta à escalada,    ao cume do Shisha Pangma,          atropelado (fracturou uma perna)        a concluir a tarefa, por enquanto
ao lado, à luz dos relâmpagos,        mas, com a aclimatação atrasada,     Bruno (que se atrasara) morre      em Katmandu. Face à dificuldade         a lista inclui apenas 14 nomes.
a silhueta do Evereste recorda-       não consegue acompanhar os           na descida. O pai do alpinista     da ascensão, estabelece-se              A missão é tudo menos fácil.
lhe a tragédia de 1999. É uma         parceiros de expedição no dia de     reage mal, diz que o filho foi     uma notável colaboração entre           Cada uma destas montanhas
jornada emocional, que inspira        cume. A 22 de Maio, no entanto,      abandonado. Os outros membros      todas as expedições presentes           representa um desafio extremo
João Garcia a escrever um novo        alia-se ao equatoriano Ivan          da expedição refutam as            na via de escalada do esporão           e algumas das que ainda faltam
livro, Mais Além, onde relata o seu   Vallejo e os dois pisam o terceiro   acusações. É o fim do dream team   Abruzzi. A 20 de Julho, na única        são ossos bem duros de roer. O
trajecto depois do hospital e das     pico mais alto do mundo.             luso na alta montanha.             janela de bom tempo permitida           Annapurna, por exemplo, exibe
amputações.                                                                                                   pela montanha, um grupo de 17           a taxa de mortalidade mais
                                                                                                              alpinistas alcança o cume.              arrepiante entre os “oito mil”: a
                                                                                                                                                      relação entre os que chegam ao
                                                                                                                                                      cume e os que morrem ultrapassa
                                                                                                                                                      os 40 por cento...




da na zona da morte


                                                                           a No princípio, era o desafio.      na sua preparação física. Muita         veículo publicitário, garante
                                                                           Depois, tornou-se uma paixão.      actividade em montanha e treino         retorno aos patrocinadores. Ele,
                                                                           Agora é mesmo uma missão. Para     diário de triatlo (natação, bicicleta   que não cultivava propriamente
                                                                           João Garcia, lisboeta, 40 anos,    e corrida) são as vertentes             a notoriedade, assume que esse
                                                                           enfrentar o frio e vertentes que   fundamentais desse trabalho.            será o preço a pagar no futuro
                                                                           se empinam até perder de vista       Maior disponibilidade e cada          para garantir os financiamentos
                                                                           em altitudes onde quase não se     vez mais experiência. Mas o             de que precisa para se tornar um
                                                                           consegue respirar não é matéria    caminho foi difícil. O jovem            verdadeiro profissional da alta
                                                                           de pesadelo. É o seu sonho. Ele    entusiasta do início dos anos 1990      montanha.
                                                                           nasceu para escalar montanhas.     transformou-se num improvável              Escreve outro livro, onde relata
                                                                           Quaisquer dúvidas que tivesse      herói nacional após a conquista         o trajecto da cama de hospital
                                                                           sobre isso já as perdeu ao longo   do Evereste, em 1999, quando            após o Evereste até ao regresso
                                                                           de uma carreira que o levou ao     escapou à morte mas sofreu              aos 8000 metros. Continua a
                                                                           objectivo supremo: juntar-se ao    lesões irreversíveis. Muitas portas     vender bem. Por esta altura, até
                                                                           restrito número de alpinistas      abriram-se-lhe nessa altura.            já campanhas de publicidade
                                                                           que escalaram todos os 14 picos    Por ironia, numa fase em que o          faz na televisão. É uma figura
                                                                           do planeta com mais de 8000        próprio Garcia se viu forçado a         pública. Que reforça o seu
                                                                           metros.                            encarar a possibilidade de ter de       carisma a cada nova proeza nos
                                                                              A parceria que estabeleceu,     deixar de escalar.                      cumes das maiores montanhas do
                                                                           em 2005, com o Millenium BCP         Não foi assim. Com amputações         mundo, onde se respira apenas
                                                                           permitiu-lhe assumir a tarefa      em todos os dedos das duas mãos         um terço do oxigénio disponível
                                                                           com a segurança de quem já         e cicatrizes no rosto, regressa à       ao nível do mar e o frio, o vento,
                                                                           não precisa de se preocupar        montanha e percebe que, nas suas        o cansaço e os perigos da
                                                                           com as questões de orçamento.      palavras, “o jogo era o mesmo,          escalada esbatem as fronteiras
                                                                           Para ele, habituado a ginásticas   só as regras tinham mudado”.            da vida. Nesta paragens,
                                                                           complicadas para financiar as       Relata em livro a sua odisseia no       a sobrevivência humana
                                                                           suas expedições à alta montanha,   Evereste, vende mais de 30.000          cronometra-se ao minuto. Mas
                                                                           isso representou a possibilidade   exemplares. Dá entrevistas,             é aí, na zona da morte, que João
                                                                           de se concentrar a cem por         aparece em programas de                 Garcia encontra as suas mais
                                                                           cento nas questões logísticas e    televisão, torna-se um bom              fortes razões para existir.

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Jornal Público. 28-07-2007

  • 1. 10 • P2 • Sábado 28 Julho 2007 Cho Oyu (8201m), Dhaulagiri (8167m), Evereste (8848m), Gasherbrum II Gasherbrum I 1993 1994 1999 (8035m), 2001 (8068m), 2004 Foi uma estreia em grande. O Novamente com polacos O povo costuma dizer que à Um pé à frente do outro. Meses Três anos depois, o regresso Cho Oyu é considerado o mais por companhia, João Garcia terceira é de vez e o aforismo de agonia no hospital, um lento ao Paquistão, novamente com fácil dos “oito mil” e muitos avança para um dos “oito mil” confirmou-se para João Garcia processo de recuperação e companheiros belgas, para alpinistas arriscam nesta tecnicamente mais exigentes. no Evereste. Mas a que preço... adaptação às limitações físicas. o GI, que partilha o campo- montanha nepalesa os seus O único em território nepalês Após duas expedições (em 1997 Mas boas notícias, apesar de base com o GII. O teste a oito primeiros passos na zona que não fica sobre a fronteira, e 1998) sem atingir o cume, o tudo. Pirenéus, Alpes, Andes, o mil metros correra bem ali ao da morte. Mas João Garcia, começou muito cedo a ser português avança agora como corpo respondia bem, João Garcia lado, mas entre 2001 e 2004 integrado numa expedição explorado pelos ocidentais, mas organizador, aliado ao seu amigo percebeu que podia continuar João dispersou-se por vários polaca liderada pelo mítico foi o penúltimo dos 14 gigantes a e parceiro de escalada belga a fazer aquilo de que realmente objectivos: pensou escalar os Krzysztof Wielicky, escalou a ser escalado (o Shisha Pangma, Pascal Debrouwer. A 18 de Maio gostava: escalar montanhas. Mas cumes mais altos de cada um dos montanha por uma via inédita, no Tibete, foi o último, porque os de 1999 os dois pisam o tecto do para encontrar os limites era sete continentes (incluindo uma diferente da normal. Durante a chineses o “reservaram”). Após mundo. Garcia chegou primeiro preciso voltar aos 8000 metros. viagem à Antárctida), dedicou- expedição foi-lhe detectado um uma escalada sem incidentes de e esperou, muito, por Pascal. Integrado numa expedição belga, se a organizar expedições quisto com infecção num dente. maior, Garcia e Piotr Pustelnik Toda esta demora fá-los pagar Garcia reencontra a motivação e portuguesas a picos dos Aconselharam-lhe o regresso alcançam o cume. No seu livro um preço terrível. Apanhados as qualidades que o colocam na Himalaias. A 28 de Julho, outra a casa, mas ele sentia que A Mais Alta Solidão o alpinista pela noite longe da tenda, João e elite mundial dos himalaístas. vez com Jean-Luc Fohal, sempre aquela era uma oportunidade português recorda que foi nas Pascal perdem-se um do outro. Chega ao cume no dia 4 de Julho, sem oxigénio nem carregadores única na vida e tinha contado vertentes do Dhaulagiri que, O belga morre ao cair num com o belga Jean-Luc Fohal. de altitude, João Garcia conquista os tostões para poder ir. Pegou por causa de um desfalecimento precipício, o português salva-se Mas a tragédia volta a espreitar: o seu quinto “oito mil”. Começava num canivete suíço com alicate, momentâneo, percebeu pela à justa, mas com queimaduras de dias antes, um dos elementos da um ciclo de expedições bem encharcou-se em barbitúricos primeira vez a importância de gelo que lhe custam amputações expedição sofrera uma queda sucedidas que ainda não teve e pediu ao médico de uma fazer uma boa aclimatação antes nos dedos das mãos e cicatrizes fatal. interrupção. expedição italiana que lhe de avançar para as altitudes na cara. arrancasse o dente. Doeu, mas extremas. resultou. João Garcia Viver a vi O objectivo está definido: escalar, até 2010, todas as 14 montanhas do mundo com mais de 8000 metros. João Garcia deu o primeiro passo em 1993 e acelerou nos últimos anos. Na semana passada pisou o cume do K2 e somou o seu nono “oito mil”. Para ele, a vida vive-se na zona da morte. Por Luís Francisco
  • 2. P2 • Sábado 28 Julho 2007 • 11 Lhotse (8516m), Kangchenjunga Shisha Pangma K2 (8611m), O que falta 2005 (8586m), 2006 (8013m), 2006 2007 O projecto À Conquista dos Picos do Mundo estende-se até Foi a primeira expedição Dois portugueses (com Garcia Depois da escalada do Lhotse, a O Evereste pode ser o mais 2010, com expedições ao Makalu portuguesa a um “oito mil”, mas viaja desta vez Tó Zé Coelho) carreira de João Garcia acelera, alto, mas o K2 é a montanha (8463m), na próxima Primavera; só com dois alpinistas: João partilham a licença de escalada graças à parceria estabelecida dos alpinistas. O segundo pico Manaslu (8163m), Outono de Garcia e Hélder Santos. Em anos no mais remoto dos “oito mil” com o Millenium BCP. Assume do planeta é tecnicamente 2008; Annapurna (8091m), anteriores, o Pumori (7120m) e com uma expedição de pesos- que o seu objectivo é escalar muito complicado e tem uma Primavera de 2009; Broad Peak o Ama Dablam (6812m) tinham pesados. Mas as coisas correm todas as 14 montanhas no mundo meteorologia caprichosa. Com (8047m), Verão de 2009; e Nanga criado um núcleo duro made mal de início: acometido de uma com mais de 8000 metros. No uma equipa formada à sua Parbat (8125m), Verão de 2010. in Portugal, mas as exigências apendicite quando se encontrava Outono, aproveitando a segunda volta, João Garcia parte para Com os quatro cumes mais altos financeira e de tempo para uma a mais de 6000m, Tó Zé Coelho época de escalada no Tibete, uma o Paquistão. Mas o sherpa já vencidos, o alpinista lisboeta tentativa a oito mil metros são tem de ser retirado da montanha. expedição portuguesa lança-se Nuru, o filho mais velho da está lançado para se juntar ao bem diferentes... Escalando Depois de uma descida em à conquista do mais baixo pico “família adoptiva” de Garcia por enquanto restrito número de sozinho (Hélder ficou para sofrimento, um helicóptero deste restrito “clube”. No dia em Pangboche e que seria o homens (não há mulheres) que trás com problemas de saúde) transporta os dois portugueses 31 de Outubro, João Garcia, Rui mais directo colaborador na escalaram todos os “oito mil” e em condições difíceis, João até Katmandu, onde Tó Zé é Rosado e Bruno Carvalho chegam subida, não pode ir, por ter sido – apesar de haver vários prestes atinge o cume a 21 de Maio. Ali operado. Garcia volta à escalada, ao cume do Shisha Pangma, atropelado (fracturou uma perna) a concluir a tarefa, por enquanto ao lado, à luz dos relâmpagos, mas, com a aclimatação atrasada, Bruno (que se atrasara) morre em Katmandu. Face à dificuldade a lista inclui apenas 14 nomes. a silhueta do Evereste recorda- não consegue acompanhar os na descida. O pai do alpinista da ascensão, estabelece-se A missão é tudo menos fácil. lhe a tragédia de 1999. É uma parceiros de expedição no dia de reage mal, diz que o filho foi uma notável colaboração entre Cada uma destas montanhas jornada emocional, que inspira cume. A 22 de Maio, no entanto, abandonado. Os outros membros todas as expedições presentes representa um desafio extremo João Garcia a escrever um novo alia-se ao equatoriano Ivan da expedição refutam as na via de escalada do esporão e algumas das que ainda faltam livro, Mais Além, onde relata o seu Vallejo e os dois pisam o terceiro acusações. É o fim do dream team Abruzzi. A 20 de Julho, na única são ossos bem duros de roer. O trajecto depois do hospital e das pico mais alto do mundo. luso na alta montanha. janela de bom tempo permitida Annapurna, por exemplo, exibe amputações. pela montanha, um grupo de 17 a taxa de mortalidade mais alpinistas alcança o cume. arrepiante entre os “oito mil”: a relação entre os que chegam ao cume e os que morrem ultrapassa os 40 por cento... da na zona da morte a No princípio, era o desafio. na sua preparação física. Muita veículo publicitário, garante Depois, tornou-se uma paixão. actividade em montanha e treino retorno aos patrocinadores. Ele, Agora é mesmo uma missão. Para diário de triatlo (natação, bicicleta que não cultivava propriamente João Garcia, lisboeta, 40 anos, e corrida) são as vertentes a notoriedade, assume que esse enfrentar o frio e vertentes que fundamentais desse trabalho. será o preço a pagar no futuro se empinam até perder de vista Maior disponibilidade e cada para garantir os financiamentos em altitudes onde quase não se vez mais experiência. Mas o de que precisa para se tornar um consegue respirar não é matéria caminho foi difícil. O jovem verdadeiro profissional da alta de pesadelo. É o seu sonho. Ele entusiasta do início dos anos 1990 montanha. nasceu para escalar montanhas. transformou-se num improvável Escreve outro livro, onde relata Quaisquer dúvidas que tivesse herói nacional após a conquista o trajecto da cama de hospital sobre isso já as perdeu ao longo do Evereste, em 1999, quando após o Evereste até ao regresso de uma carreira que o levou ao escapou à morte mas sofreu aos 8000 metros. Continua a objectivo supremo: juntar-se ao lesões irreversíveis. Muitas portas vender bem. Por esta altura, até restrito número de alpinistas abriram-se-lhe nessa altura. já campanhas de publicidade que escalaram todos os 14 picos Por ironia, numa fase em que o faz na televisão. É uma figura do planeta com mais de 8000 próprio Garcia se viu forçado a pública. Que reforça o seu metros. encarar a possibilidade de ter de carisma a cada nova proeza nos A parceria que estabeleceu, deixar de escalar. cumes das maiores montanhas do em 2005, com o Millenium BCP Não foi assim. Com amputações mundo, onde se respira apenas permitiu-lhe assumir a tarefa em todos os dedos das duas mãos um terço do oxigénio disponível com a segurança de quem já e cicatrizes no rosto, regressa à ao nível do mar e o frio, o vento, não precisa de se preocupar montanha e percebe que, nas suas o cansaço e os perigos da com as questões de orçamento. palavras, “o jogo era o mesmo, escalada esbatem as fronteiras Para ele, habituado a ginásticas só as regras tinham mudado”. da vida. Nesta paragens, complicadas para financiar as Relata em livro a sua odisseia no a sobrevivência humana suas expedições à alta montanha, Evereste, vende mais de 30.000 cronometra-se ao minuto. Mas isso representou a possibilidade exemplares. Dá entrevistas, é aí, na zona da morte, que João de se concentrar a cem por aparece em programas de Garcia encontra as suas mais cento nas questões logísticas e televisão, torna-se um bom fortes razões para existir.