O documento resume:
1) A história da colonização da África e como isso influenciou a atual geografia política do continente.
2) A diversidade geográfica, populacional, econômica e política da África e os desafios de desenvolvimento.
3) Os principais fatores políticos e socioeconômicos que contribuem para a instabilidade em muitos países africanos, como conflitos étnicos e dependência de apoio externo.
2. SYLVIO PESSOA DA SILVA
Coronel R/1
Oficial do Serviço de Intendência da Reserva
Remunerada do Exército Brasileiro (AMAN,1990);
Mestre em Operações Militares (EsAO, 1998) e Mestre
em Ciência Militares (ECEME, 2006). Especialista em
Logística Empresarial – MBA, pela FGV (2010) e pós-
graduando em Relações Internacionais, pela UFRGS.
A ANÁLISE
O AUTOR
A publicação "Análise", conforme o próprio nome
indica, destina-se a analisar eventos correntes ou
situações, a fim de contribuir para o entendimento da
conjuntura atual.
Trata-se de uma publicação do Centro de Estudos
Estratégicos do Exército (CEEEx) sem periodicidade
definida, que objetiva dar voz aos analistas do CEEEx.
Nesta publicação, serão abordados assuntos que
caracterizam a África, seus desafios e oportunidades,
estabelecendo alguns pontos em comum com o Brasil.
As opiniões expressas nesta publicação são de seu autor,
não refletem, necessariamente, as do CEEEx ou do
Exército Brasileiro.
Atualizada em 23 de junho de 2023.
3. A 7ª SUBCHEFIA
No dia 18 de fevereiro de 2022, foi publicado, no Boletim
de Exército, o despacho decisório do Comandante do
Exército, reativando a 7ª Subchefia/EME.
Com a missão focada no futuro do EB, a 7ª Subchefia do
Estado-Maior do Exército está constituída pelo Centro de
Estudos Estratégicos do Exército e pelas Seções de
Conceitos Futuros e de Gestão de Capacidades.
A reativação foi resultado de amplo estudo que
começou, em 2019, com a criação da Seção "Exército do
Futuro" na 3ª Subchefia/EME.
4. Análise - África
ÁFRICA
“Sem a África, a França não possuirá história no século XXI.”
François Mitterrand
1. INTRODUÇÃO
O século XIX assistiu a diversas mudanças no cenário geopolítico mundial, ainda dominado
por países europeus. Após as Guerras Napoleônicas, a Inglaterra se consolidou como potência mundial e
o nacionalismo (que se espalhava pelo mundo) configurou novas fronteiras. Nesse ambiente de Segunda
Revolução Industrial, desprovida das colônias na América do Sul, a Europa se voltava para a África e para
a Ásia. Em meio a essa reconfiguração do tabuleiro estratégico da época, doze países europeus (Bélgica,
França, Portugal, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Espanha, Áustria-Hungria, Suécia, Dinamarca, Itália e
Rússia), a Turquia otomana e os Estados Unidos da América (EUA) se reuniram em Berlim (Conferência
de Berlim), entre 15 de novembro de 1884 e fevereiro de 1885, por iniciativa do Chanceler Bismark.
Dessa forma, foram promovidas as condições para a futura colonização da África (figura 1), o novo palco
de disputas das potências europeias1
.
Figura 1 – África
Fonte: National Geographic
A partilha da África, que buscava novos mercados e as riquezas continentais, alterou a
“fotografia” local, de modo a influenciar o continente até os dias atuais. No início do século XX, a nova
geografia estava desenhada artificialmente, reunindo disparidades étnicas e culturais sob uma mesma
denominação – país. Outra mudança substancial no status da região aconteceu após a II Guerra Mundial,
com o surgimento de dezenas de novos Estados, o que acarretou novos problemas, como a manutenção
forçada de laços econômicos com os antigos colonizadores.
1
DOMINGUES, Joelza Ester. A Conferência de Berlim (1884-1885) e o destino da África. Ensinar História, 10 fev. 2019.
Disponível em: https://ensinarhistoria.com.br/a-conferencia-de-berlim-e-o-destino-da-africa/. Acesso em: 24 maio 2023.
3
5. Sylvio Pessoa da Silva
O período pós-II Guerra Mundial determinou a atual geografia política do continente. Quando
a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada, somente 4 (quatro) países africanos se tornaram
membros – Egito, Etiópia, Libéria e África do Sul. Atualmente, são mais de 50 (cinquenta) países,
imprimindo relativo peso nas decisões da Assembleia Geral da ONU2
.
Todavia, a multiplicidade de identidades existentes, somada à ingerência de europeus,
americanos e soviéticos, influenciou os processos de organização dos países africanos, fazendo com
que surgissem diversos conflitos interestatais e intraestatais. Os processos de descolonização, fruto das
fragilidades surgidas no pós-Guerra e da Guerra Fria, refletiram em um continente com muitos focos
de instabilidade. Nos dias atuais, pode-se dizer que a África é um verdadeiro “continente mosaico” em
vários sentidos, característica essencial que deve ser considerada em qualquer análise sobre o continente.
2. GEOGRAFIA
Segundo a National Geographic3
, a África é, territorialmente, o segundo maior continente
e o que possui o maior número de países (54), dos quais muitos adquiriram independência nas últimas
décadas e em construção. A população deve dobrar até 2050, o que corresponderá a mais de 25% do
total mundial, sendo grande parcela composta por jovens em idade de fortalecer o perfil demográfico
economicamente ativo4. De acordo com Diniz (2019), em 2061, a população total do continente deverá
ultrapassar a soma das populações da China e da Índia, perfazendo cerca de 30% da população de todo
o planeta, conforme figura 25.
Figura 2 –World population prospects: the 2017 revision
Fonte: UN Population Division. Disponível em: https://population.un.org/wpp/
2
UNITED NATIONS in Africa. Geography. Disponível em: https://geography.name/united-nations-in-africa/. Acesso em:
24 maio 23.
3
BOUDREAU, Diane et al. Africa: human geography. National Geographic. Disponível em: https://education.
nationalgeographic.org/resource/africa-human-geography/. Acesso em: 24 maio 2023.
4
EM 2050, 25% da população mundial será africana e isso determinará o nosso futuro. Instituto Humanitas Unisinos, 10 jun.
2022. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/619414-em-2050-25-da-populacao-mundial-sera-africana-e-
isso-determinara-nosso-futuro. Acesso em: 26 maio 2023.
5
ALVES, José Eustáquio Diniz. A população da África ultrapassará a população da China e da Índia em 2023. EcoDebate,
n. 3.145, 8 fev. 2019. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/08/a-populacao-da-africa-ultrapassara-a-
populacao-da-china-e-da-india-em-2023-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/#:~:text=Mas%20em%202023%2C%20a%20
%C3%81frica,habitantes%20do%20mundo%2C%20neste%20ano. Acesso em: 26 maio 2023.
4
6. Análise - África
Na verdade, existem várias “Áfricas” (climas, relevos, vegetação e maritimidade) em cerca
de 30.370.000 km², 20% da superfície planetária, com 1,4 bilhão de pessoas (18% do total mundial) que
falam 2092 idiomas, distribuídas heterogeneamente, conformando vazios demográficos e locais de grande
concentração populacional6
.
No continente há, ainda, grande oferta e diversidade de recursos minerais de elevado valor
econômico, energético e industrial, atraindo a atenção de potências extrarregionais. Alguns desses países
concentram maior quantidade de minerais e maior potencial de exploração do que outros, com a agravante
de que poucos conseguem ter acesso ou tirar o adequado proveito dessas riquezas sem a intermediação
de potências.
Essa multiplicidade de ambientes e situações, assim como a aproximação com a Ásia, com a
América do Sul e com a Europa, conferem destaque ao território africano, atraindo o interesse de outros
países. Ao norte, o Mediterrâneo, o Estreito de Gibraltar e o Canal de Suez são de grande importância
para a Europa. A leste, destaca-se o Chifre da África7
e a proximidade com o Estreito de Bab-el-Mandeb,
junto ao Mar Vermelho, o Golfo de Aden e a Península Arábica, por onde passa uma das mais importantes
rotas comerciais do mundo (figura 3)8
e onde países europeus e asiáticos possuem bases militares. Ainda
a leste, a África se projeta para o oceano Índico. Ao sul, a projeção é na direção da Antártida. A oeste, o
oceano Atlântico encontra o Brasil.
Figura 3 – Bases Militares e Portos no Chifre da África
Fonte: DAHIR (2019, p. 5)
6PEREIRA, Analúcia Danilevicz. África e Oriente Médio: conflitos e papel estratégico. Aula do Curso de Pós-Graduação
EaD em Relações Internacionais, Geopolítica e Defesa, 3 jun. 2023. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=XOMcwqp_8Dk&list=PLyAAg6hIB0kHqvSSpidCSUUwl6ffli7I_&index=1. Acesso
em: 6 jun. 2023.
⁷Alemanha, Arábia Saudita, China, Espanha, EUA, França, Itália, Japão, Reino Unido e Turquia, entre outros países, estão
presentes no Chifre da África. Cf: WHITEHEAD, Eileen. Why do so many countries have military bases in Djibouti? People’s
World, 31 ago. 2021. Disponível em: https://www.peoplesworld.org/article/why-do-so-many-countries-have-military-bases-
in-djibouti. Acesso em: 26 maio 2023; AL MAJALLA. Why do so many foreign powers have military bases in Djibouti? Al
Majalla, London, 21 mar. 2023. Disponível em: https://en.majalla.com/node/288091/politics/why-do-so-many-foreign-powers-
have-military-bases-djibouti. Acesso em: 26 maio 2023.
⁸DAHIR, Abdinor Hassan. Foreign engagements in the Horn of Africa: diversifying risks and maximising gains. Washington,
DC: TRT World Research Centre, 2019. (Discussion Paper). Disponível em: https://www.researchgate.net/figure/Foreign-
Military-bases-and-ports-in-the-Horn-of-Africa_fig1_335858799. Acesso em: 26 maio 2023.
5
7. Sylvio Pessoa da Silva
3. FATORES POLÍTICOS
Os diversos focos de instabilidade no continente africano fragilizam o desenvolvimento e a
paz desejadas. Boa parte dos conflitos internos e interestatais têm raízes históricas e profundas. Muitos
trazem características e consequências da Guerra Fria, que influenciaram os processos de independência
de diversos países africanos. Entre outros pontos, há diferentes grupos que se identificam pela etnia, pela
religião, o que enfraquece a coesão do Estado. Alguns segmentos políticos dependem ou contam com o
apoio externo, como parte das relações bilaterais que se prolongam no período pós-colonial.
Após o processo de descolonização (em grande parte apoiado pela, então, União Soviética),
surgiram jovens Estados com potencialidades e fragilidades, fazendo com que a ONU tivesse que
desdobrar diversas missões no continente. Conflitos políticos e étnicos, eminentemente alimentados por
potências extrarregionais, resultaram em uma densidade de missões de paz na África. Entre os países
que desdobraram tropas, observadores e oficiais de estado-maior, o Brasil se distinguiu nas suas diversas
participações, com destaque para a atuação em Angola9
.
No momento, a instabilidade ganha outros contornos em função da nova redistribuição do
poder e do surgimento de outras áreas de influência, envolvendo países da Europa, os EUA, a Rússia, a
China e a Índia, players mais proeminentes do atual tabuleiro estratégico, grupos islamistas e a Turquia.
Essas relações variam de intensidade e conforme a conveniência, entre: diversos tipos de apoio; relações
econômicas e sociais; novo padrão de relações internacionais (regional e mundial); e intervenções políticas
e militares, reavivando o continente como palco de disputas hegemônicas.
4. FATORES SOCIOECONÔMICOS
O continente africano é caracterizado socialmente por diversas culturas e centenas de etnias,
muitas das quais cruzam fronteiras, constituindo em mais um fator de instabilidade. Em diversos países,
idiomas de origem europeia são falados naturalmente (português, francês, inglês, espanhol), herança
do período colonial. No presente, a identidade regional continua sofrendo alterações, destacando-se o
fortalecimento do islamismo em áreas não tradicionais.
No geral, questões tribais, ingerências externas e instabilidades (disputas) políticas geram
inseguranças para as populações socialmente vulneráveis. Assim, muitos migram forçosamente para
o continente europeu, visualizando uma condição social melhor. Após a pandemia do Covid-19, as
condições socioeconômicas pioraram. A guerra no Leste Europeu, associada às atuais condições negativas
da economia mundial, tende a dificultar o acesso a alimentos importados. Estima-se que cerca de 60%
da população viva em área rural, com uma produção agrícola não intensiva e insuficiente para atender
às demandas, voltada, em muitos casos, para a subsistência. Dependendo do país, as importações de
alimentos podem alcançar 80%.
Essas condições têm produzido um significativo número de refugiados dentro do continente,
assim como de deslocados, de acordo com dados do Norwegian Refugee Council (NRC)
10
. A Al-Jazeera
publicou esses dados na reportagem com o título “As 10 maiores crises mundiais negligenciadas de
9
HISTÓRICO da participação brasileira em missões da ONU. Ministério da Defesa, 28 abr. 2023. Disponível em: https://
www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/relacoes-internacionais/copy_of_missoes-de-paz/historico-da-participacao-brasileira-em-
missoes-da-onu. Acesso em: 25 maio 2023.
10
“Conselho Norueguês para Refugiados é uma organização humanitária independente que ajuda pessoas forçadas a fugir”
(tradução livre). Disponível em:https://www.nrc.no/. Acesso em 15 jun. 2023.
6
8. Análise - África
refugiados estão na África”11
(tradução nossa). Uma realidade difícil de ser solucionada pelas potências
e pelos organismos que as representam.
Como destacado anteriormente, o crescimento da população e a baixa faixa etária têm
reforçado a tendência de cidades com elevada densidade demográfica (figura 4). O continente é o que
possui a maior população jovem do mundo como revela o título da reportagem, “África terá mais de
metade da população jovem mundial em 2100”12
. Índices que lançam luz sobre o futuro do mundo e da
região.
Figura 4 – Próximas Megacidades da África
Fonte: Statista
Economicamente, o futuro da África se apresenta como oportunidade de investimento fruto da
urbanização e modernização, apesar dos diferentes padrões de desenvolvimento13
. Oportunidades capazes
de atrair a atenção de diversas instituições, sobretudo, chinesas. Essa visão cresce de importância no
contexto das relações Sul-Sul, o que faz do Brasil, também, um ator candidato a parcerias – agricultura,
saúde, educação, energia, tecnologia, comércio e cultura e defesa são áreas nas quais a “expertise”
brasileira pode ser adaptada ao continente africano.
O reavivamento da importância econômica da África tem suscitado a criação da “Zona de
Comércio Livre Continental Africana” (AFCFTA), que, se consolidada, representará a maior zona de livre
comércio do mundo, considerando-se o número de países participantes. O pacto estabelecerá a ligação
entre 1.300 bilhão de pessoas em 54 países, com um valor combinado do produto interno bruto (PIB) de
11
WORLD’S 10 ‘most neglected’ refugee crises all in Africa. Aljazeera, 1 jun. 2022. Disponível em: https://www.aljazeera.
com/news/2022/6/1/worlds-most-neglected-refugee-crises-all-in-africa-ngo. Acesso em: 29 maio 2023.
12
ÁFRICA terá mais de metade da população jovem mundial em 2100. Diário de Notícias, 3 abr. 2019. Disponível em: https://
www.dn.pt/lusa/africa-tera-mais-de-metade-da-populacao-jovem-mundial-em-2100---relatorio-10755341.html. Acesso em:
29 maio 2023.
13
PEREIRA, Analúcia Danilevicz. África e Oriente Médio: conflitos e papel estratégico. Aula do Curso de Pós-Graduação EaD
em Relações Internacionais, Geopolítica e Defesa, 3 jun. 2023. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=XOMcwqp_8Dk&list=PLyAAg6hIB0kHqvSSpidCSUUwl6ffli7I_&index=1. Acesso em: 6 jun. 2023.
7
9. Sylvio Pessoa da Silva
cerca de USD 3,4 bilhões”14
, o que deverá alavancar os índices socioeconômicos da região. Outro arranjo
que merece destaque é a possível inserção da União Africana no G2015
, posição defendida pelo Brasil.
Apesar das dificuldades do trânsito de pessoas e de mercadorias entre os países africanos, dos
conflitos e da infraestrutura carente de investimentos, alguns países adotam iniciativas para o futuro. O
Marrocos, por exemplo, se apresenta como oportunidade para ser um hub continental. O projeto de um
gasoduto a partir da Argélia, alcançando diversos países da faixa ocidental e, possivelmente, da Europa
(figura 5), tende a ser um importante vetor desenvolvimentista no noroeste africano. A partir de Istambul16
(Turquia), há cerca de 50 voos para a África, possível indicativo de futura importância econômica do
continente para os turcos. Por outro lado, no que se refere ao Brasil, há muitas restrições/escassezes/
dificuldades nas rotas marítimas e aéreas ligando os dois lados do Atlântico.
Figura 5 – Pode a África Oferecer uma Alternativa ao Gás Russo?
Fonte: Statista.
5. FATORES GEOPOLÍTICOS
Em 2021, o general Stephen Townsend, ex-comandante do Comando dos Estados Unidos
(de 26 de julho de 2019 a 8 de agosto de 2022) para a África (AFRICOM), demonstrou necessidade de
atenção à presença chinesa no Chifre da África: “Sua primeira base militar no exterior, a única, é na
África, e eles acabaram de expandi-la adicionando um cais significativo que pode suportar até mesmo
14
A ZONA de comércio livre continental africana: efeitos económicos e de distribuição. The World Bank. Disponível em:
https://www.worldbank.org/pt/topic/trade/publication/the-african-continental-free-trade-area. Acesso em: 28 maio 2023.
15
BRASIL apoia União Africana no G20. Repórter Brasil Tarde, 26 maio 2023. Disponível em: https://tvbrasil.ebc.com.br/
reporter-brasil-tarde/2023/05/brasil-apoia-uniao-africana-no-g20. Acesso em: 29 maio 2023.
16
DUARTE, C.S.S. et al. Brasil e África num cenário global em transformação. In: SEMINÁRIO BRASIL-ÁFRICA:
RELANÇANDO PARCERIAS. Brasília, Ministério das Relações Exteriores, 25 maio 2023. Painel.
8
10. Análise - África
seus porta-aviões no futuro […] Em todo o continente, eles procuram outras oportunidades de base.”
Ainda, o general declarou que “eles estão literalmente em todos os lugares do continente”. A presença
militar chinesa é parte da presença do país no continente africano, onde faz grandes investimentos em
infraestrutura, prospecta recursos naturais e expande mercados17
.
O continente volta a ser alvo de disputas em função da nova geopolítica mundial. A Guerra
na Ucrânia catalisou e acentuou as fricções entre EUA e parte da Europa de um lado, Rússia e China do
outro, sendo estes dois últimos países contestadores da ordem mundial atrelada à globalização liberal
norte-americana e à Organização do Tratado doAtlântico Norte (OTAN). Nesse novo tabuleiro estratégico,
ainda, aparecem a Turquia e a Índia, entre outros, buscando projeção e inserção no grupo que se destaca
na política mundial e, em particular, na África.
Figura 6 – Turquia: Missões Diplomáticas na África
Fonte: Gray Danamics
Nessa nova “corrida para a África”, a Turquia abriu diversas representações diplomáticas18
(figura
6), a Rússia tem forças do grupo Wagner (figura 7) desdobradas em diversos países e a China demonstrou
interesse em construir uma base naval no Golfo da Guiné19
.
Além dos interesses de Estados, o continente se depara com grupos radicais islâmicos que
dominam parte do continente, em meio a uma guerra religiosa contra o Cristianismo e contra o Estado.
Além disso, a pirataria marítima e as organizações criminosas de nível transnacional utilizam a região
como plataforma do contrabando, do tráfico de drogas, de armas e de pessoas, geram instabilidade e
dificultam a segurança desejada para o desenvolvimento socioeconômico.
17
VANDIVER, John. AFRICOM–Base da China na África agora é grande suficiente para receber porta-aviões. Trad. Luiz
Padilha. Defesa Aérea e Naval, 22 abr. 2021. Disponível em: https://www.defesaaereanaval.com.br/naval/africom-base-da-
china-na-africa-agora-e-grande-suficiente-para-receber-porta-avioes. Acesso em: 15 jun. 2023.
18
ERSOZOGLU, Eren. Exploring Turkish strategy in East Africa. Grey Dinamics, 15 abr. 2021. Disponível em: https://
greydynamics.com/exploring-turkish-strategy-in-east-africa/. Acesso em: 29 maio 2023.
19
PADILHA, Luiz. China discute com a Guiné Equatorial a criação de uma base naval na cidade de Bata. Defesa Aérea e
Naval, 3 jan. 2023. Disponível em: https://www.defesaaereanaval.com.br/naval/china-discute-com-a-guine-equatorial-a-
criacao-de-uma-base-naval-na-cidade-de-bata. Acesso em: 5 jun. 2023.
9
11. Sylvio Pessoa da Silva
Figura 7 – Membro do Grupo Wagner na República Centro-Africana
Fonte: https://www.hrw.org/news/2022/05/03/central-african-republic-abuses-russia-linked-forces
Diante de tantas incertezas e ameaças, muitas pessoas se aventuram em fugir de suas regiões
e do continente. A visão de deslocados e de refugiados africanos tornou-se rotineira, sem resultar em
resposta adequada dos países mais desenvolvidos e dos organismos internacionais. A partir do Magrebe
(norte da África), milhares de africanos têm buscado uma nova realidade. Forçada ou não, a emigração
africana tem impactado, sobretudo, as políticas públicas e as decisões de governos locais e europeus.
Em função do aumento da influência “não ocidental” na África, os Estados Unidos têm
promovido iniciativas em contraposição, tais como visitas, conferências, encontros etc. Entre os dias 8
e 12 de maio deste ano, o AFRICOM organizou a 11ª Cúpula das Forças Terrestres Africanas (African
Land Forces Summit - ALFS), em Abdjan, Costa do Marfim. Além de países africanos e de membros
da OTAN (Espanha, França, Itália, Portugal e Reino Unido), somente o Brasil foi convidado, tendo o 7º
Subchefe do Estado-Maior do Exército (EME) representado o Exército Brasileiro.
As relações diplomáticas, as participações do Brasil nas missões de paz na África e a
proximidade cultural Brasil-África construíram um legado importante para futuras iniciativas brasileiras
naquele continente. Entre essas e mais recentemente, a Marinha do Brasil tem aumentado sua presença
na costa ocidental daquele continente. Não havendo condições ou interesse de outros países desdobrarem
boots on the ground, esse papel pode ser “delegado” ao Brasil, para maior contribuição na “estabilização
da África”.
Cabe ainda destacar o interesse da Defesa brasileira no continente, em particular com o
oeste africano. A Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) citam o
organismo que reúne países que falam português. “Em face dos laços históricos e afinidades culturais com
o Brasil, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP merece especial atenção aos esforços de
cooperação no campo da Defesa20
.” Dos nove países-membros, seis estão localizados no Atlântico Sul21
.
De forma mais contundente, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS)
20
BRASIL. Política Nacional de Defesa – Estratégia Nacional de Defesa. Brasília-DF: Ministério da Defesa, [2020]. p. 13.
Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/estado_e_defesa/pnd_end_congresso_.pdf. Acesso em: 15 jun. 2023.
21
COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA. Estados-Membros. Disponível em: https://www.cplp.org/
10
12. Análise - África
materializa essa proposição de Defesa. Criada em 1986, por meio de iniciativa do Brasil e por meio da
Resolução nº 41/11 da Assembleia Geral das Nações Unidas. A ZOPACAS é um fórum que estimula o
diálogo, a interação e a cooperação de 24 Estados (figura 8) com o objetivo de, em especial, “fortalecer
a manutenção da paz e da segurança marítima na região”, área de grande valor estratégico e prioritária
para a Defesa brasileira. “O fortalecimento da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul – ZOPACAS
contribuirá para a consolidação do Brasil como ator regional relevante, aumentando sua influência no
entorno estratégico e minimizando a possibilidade de interferência militar de potências extrarregionais
no Atlântico Sul”22
. Esse vetor é reforçado na Diretriz para as Atividades do Exército Brasileiro na Área
Internacional – DAEBAI, que objetiva um ambiente de cooperação por meio de “ações coordenadas entre
as nações que possibilitam estabelecer ambiente de confiança mútua entre os exércitos” (2020, p.22).
Figura 8 - ZOPACAS
Fonte: Adaptação do autor23
6. CONCLUSÃO
O “continente mosaico” vive fortemente alicerçado em sua historicidade e sobre instabilidades
diversas. A partir do final do século XIX e no decorrer da Guerra Fria, o continente foi alçado a um status
de importante objeto de atenção geopolítica das potências. A atual “corrida para a África” reafirma essa
importância e reúne desde países que participaram da Conferência de Berlim e da Guerra Fria aos novos
atores do cenário internacional, China e Índia.
A presença da China, da Índia e as capilaridades da Rússia e da Turquia no continente são
novidades que alarmam os tradicionais agentes. EUA e países da Europa Ocidental tentam conter o avanço
dos demais, enquanto sinalizam a tentativa de promoção do Brasil, devido à imagem favorável, a parceiro
estratégico na região, cujo objetivo é contornar as resistências e restaurar a influência norte atlântica. Entretanto,
a historiografia contemporânea resgata os movimentos de resistência africanos ao domínio estrangeiro.
id-2597.aspx. Acesso em: 7 jun 2023.
22
BRASIL. Política Nacional de Defesa – Estratégia Nacional de Defesa. Brasília-DF: Ministério da Defesa, [2020]. p. 33.
Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/estado_e_defesa/pnd_end_congresso_.pdf. Acesso em: 15 jun. 2023.
23
Adaptação do autor a partir da imagem disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/3/3a/
Map_of_ZPCAS_member_states.svg/1024px-Map_of_ZPCAS_member_states.svg.png.
11
13. Sylvio Pessoa da Silva
As persistentes presenças se chocam com os novos entrantes no momento em que previsões
de um futuro diferente para a África se descortinam. A modernização dos Estados africanos, ainda que
esbarre em fragilidades estruturais, deve evoluir para um maior desenvolvimento. Os desafios são imensos
e passam pela questão securitária, em síntese, um ambiente que nescessita de cooperação.
Diante dessa nova realidade, o Brasil pode desempenhar um papel importante no
desenvolvimento econômico-social africano e de Defesa. A importância cresce em função do
compartilhamento do Atlântico Sul, da existência de laços histórico-culturais e da proximidade político-
diplomática entre as duas partes. Ao mesmo tempo, a estabilidade e o crescimento econômico da África
deverá ser uma oportunidade de peso para o Brasil. Assim sendo, as alterações relevantes que estão
acontecendo naquele continente merecem ser acompanhadas, pois os desdobramentos são de grande
importância para o Estado brasileiro.
12