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“Acauã, acauã vive cantando
Durante o tempo do verão
No silêncio das tardes agourando
Chamando a seca ‘pro’ Sertão.
(...) Teu canto é penoso e faz medo
Te cala acauã,
Que é pra chuva voltar cedo.
(...) Na alegria do inverno, canta sapo, gia e rã.
Mas na tristeza da seca
Só se ouve acauã. Só se ouve acauã.” (Acauã – Zé Dantas).
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“Que braseiro, que fornalha, nem um pé de plantação. Por falta d’água, perdi meu gado,
morreu de sede meu alazão. (...) ‘Inté’ mesmo a Asa Branca bateu asas do sertão.” (Asa
Branca – Luiz Gonzaga e Humberto Texeira).
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Engana-se quem pensa que a seca é coisa de agora, algo recente. Lá atrás, o ‘velho’
Lua – Luiz Gonzaga – já cantava, como ninguém, um dos piores pesadelos do nordestino:
a falta d’água. Antes ela fosse realmente apenas um sonho ruim. Porém, a seca ou
estiagem – seja lá qual for a sua denominação – é uma realidade. Uma triste realidade que
acompanha não só a história do Brasil, mas sobretudo, os discursos políticos.
Como forma de protesto, sertanejo enfeita cerca com carcaças
de gado vítima da prolongada estiagem, em Floresta (PE) |
Foto: Reprodução/Portal Uol | Ueslei Marcelino/Reuters
Desde o chamado período colonial já se falava de seca ‘perambulando’, por
exemplo, por aldeias indígenas. Há, na verdade, poucos registros a respeito. Mas o fato é
que a estiagem é um fenômeno presente, por aqui, desde quando o Brasil não era Brasil.
Apesar desses longos anos, ela é ainda um fenômeno que assusta e, pior, mata gente, além
do gado e de plantações. Para se ter uma ideia, segundo a Agência Pernambucana de
Águas e Clima – APAC –, em março deste ano, 126, dos 185, municípios de Pernambuco
decretaram estado de emergência por causa da longa estiagem. A pior dos últimos 50
anos. A seca é um fenômeno natural e por isso não se pode, quer dizer, não se consegue
simplesmente acabar com ela. É preciso tentar aprender a conviver com a ‘danada’.
Entra e sai governo – tanto Federal, estadual e municipal –, e o problema hídrico
é sempre pautado pelos governantes. Muitos prometem ajudar, mas na verdade, veem no
sofrimento do nordestino uma oportunidade de se conseguir votos. O comprometimento
também não é de agora: “Venderei até a última joia da coroa, mas solucionarei o
problema da seca no Nordeste”, deu a sua palavra o então Imperador Dom Pedro II, lá
pelos anos de 1850 ao ver de perto o “lamento sertanejo”, no Ceará.
E por falar no Imperador, foi ele quem pensou primeiro na ideia de levar água do
‘Velho Chico”, Sertão a dentro. Um projeto polêmico, duvidoso e audacioso cogitado no
Império (1847), mas só tirado do papel pelo 35º Presidente da República. O Lula.
Transposição + Sertão, uma combinação do tipo Romeu e Julieta; Lampião e
Maria Bonita. Mas qual o possível resultado dessa soma? Antes de chegarmos à
resposta, é preciso compreender esta que é uma das maiores obras de infraestrutura do
mundo.
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A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
Quem nunca escutou esta outra parceria de Luiz Gonzaga e Zé Dantas?
“Riacho do Navio corre ‘pro’ Pajeú, o Rio Pajeú vai despejar no São Francisco, o Rio
São Francisco vai bater no ‘mei’ do mar, laiá, laiá, laiá, laiá, laiá. O Rio São Francisco
vai bater no ‘mei’ do mar.” (Riacho do Navio – Luiz Gonzaga e Zé Dantas)
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O Rei do Baião cantou os animais, os nordestinos e suas dificuldades, mas também
a fartura. Gonzaga imortalizou o semiárido pernambucano como um dos lugares mais
ricos em água do Brasil. E é justamente no Sertão de Pernambuco que se iniciam e partem
para outros estados nordestinos as obras da Transposição do Rio São Francisco (PTSF).
A história dela é tão grandiosa quanto a sua engenharia. Como já falado, no século
XIX, D. Pedro II pensou em transpor as águas do Rio São Francisco para as regiões onde
essa “joia” é cada vez mais rara. Contudo, até o presidente Lula (PT) chegar e tirar o
PTSF do papel, muitas ‘águas rolaram’. Entre o monarca e o petista, pelo menos 04
presidentes – Getúlio Vargas, João Batista Figueiredo, Itamar Franco e Fernando
Henrique Cardoso – repensaram a ideia de transpor as águas do rio mais brasileiro de
todos.
A versão atual do projeto é do ano de 2004. Quando estiver totalmente pronta, a
maior obra hídrica do país pretende amenizar o drama da escassez de 12 milhões de
nordestinos espalhados em 390 municípios de pelo menos quatro – dos nove – estados
do Nordeste: Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Para que as águas
cheguem a esses estados, o Projeto da Integração do São Francisco (PISF) foi dividido
em 02 canais – e não em 04, como cogitava FHC –, são eles: o EIXO NORTE e o EIXO
LESTE.
Juntos, os dois eixos somam 477 Km. O Eixo Norte é o maior, tem 260 Km. Ele
parte do município sertanejo de Cabrobó e de lá segue para os municípios de Salgueiro,
Terra Nova e
Verdejantes, todos em
Pernambuco; passa por
Penaforte, Jati, Brejo
Santo, Mauriti e Barro,
no Ceará; e, no estado da
Paraíba, em São José de
Piranhas, Monte Horebe
e Cajazeiras.
Apesar do canal
não chegar ao Rio
Grande do Norte, o
estado deve ser
beneficiado através das
Bacias Piranhas-Açu e
Apodi-Mossoró.
Segundo o
Ministério da Integração
Nacional, esse eixo se encontra atualmente com quase 95% das obras finalizadas.
Já o Eixo Leste parte da Barragem de Itaparica, no município de Floresta, também
no Sertão de Pernambuco. Segundo o MI, ele tem 217 Km e corta também os municípios
pernambucanos de Custódia, Betânia e Sertânia. Na Paraíba, corta o município de
Monteiro, seu destino final. Ele está agora praticamente com 100% das obras acabadas.
Além dos canais, o PISF engloba ainda a construção de 13 aquedutos; 09 estações
de bombeamento; 27 reservatórios; 04 túneis; 09 subestações de 230 quilowats e, ainda,
270 Km de linhas de transmissão em alta tensão.
Para isso, o projeto foi dividido em 16 lotes que ficaram sob a responsabilidade
do exército brasileiro e do consórcio de empresas – as empreiteiras ficaram com a maior
parte dos lotes –. São eles:
• 2 Canais de Aproximação, um do Norte, outro do Leste;
• Lote 1 – Cabrobó (PE);
• Lotes 2, 3 e 8 – Salgueiro (PE);
• Lote 4 – Verdejante (PE);
• Lote 5 – Brejo Santo (CE);
• Lote 6 – Mauriti (CE);
Lote 7 – São José de Piranhas
(PB);
• Lotes 9 e 13 – Floresta (PE);
• Lotes 10 e 11 – Custódia (PE);
• Lote 12 – Sertânia (PE); | • Lote 14 – São José de Piranhas (PB);
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Críticas
Por mais que prometa garantir a
segurança hídrica de milhões de nordestinos, o
Projeto de Integração do Rio São Francisco
encontrou muitos opositores. Alguns moradores
da região, bem como ambientalistas,
pesquisadores e até mesmo membros da Igreja
Católica se mostraram contra a Transposição. O
caso mais ‘famoso’ é o do frade franciscano,
Canal de aproximação do Eixo Leste, no Lago de Itaparica,
município de Floresta (PE)| Reprodução: Google Earth
Dom Luiz Cappio, bispo da diocese de Barra, a 650 quilômetros de Salvador. Cappio –
que é também formado em economia – fez greve de fome e ficou 11 dias sem comer, no
ano de 2005. Dois anos depois, em julho de 2007, voltou a ficar em jejum e dessa vez
foram 23 dias em protesto contra a obra. O maior medo dos opositores é de que o rio
seque.
Para o antropólogo e Doutor em Arqueologia Pré-Histórica, Altair Sales Barbosa,
não só o rio São Francisco, mas também a sua bacia – que “é formada por rios senis, que
já atingiram seu estado de equilíbrio” – terão a sua dinâmica afetada drasticamente. Em
entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU), Barbosa explica que as
consequências tão danosas da Transposição “num curto espaço de tempo levarão à morte
a maioria dos afluentes do São Francisco, incluindo o próprio rio.”.
Mas o Ministério da Integração Nacional garante que isso não irá acontecer, pois
o volume contínuo retirado do rio é de 26,4 m³/s de água, o que equivale a apenas 1,42%
da vazão garantida pela barragem de Sobradinho, que é de 1850 m³/s. Ainda de acordo
com o Ministério, o volume só será ampliado (no máximo até 127 m³/s), quando o
reservatório de Sobradinho estiver com excesso de água.
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Prazos e Custos
A expectativa inicial do Governo Lula era de que a obra final da Transposição
ficasse pronta em até cinco anos (o Eixo Leste em junho de 2010; e o Eixo Norte em
dezembro de 2012). Bem como, a perspectiva era de que o projeto custasse R$ 4,5
bilhões.
Nem o orçamento, tampouco os prazos foram cumpridos. No Governo Dilma
Rousseff (PT), inúmeras vezes a expectativa dos moradores dos estados comtemplados
pelo Projeto de Integração do São Francisco foi adiada, aumentando a angústia de quem
a seca faz agonizar. As datas para a inauguração dos dois eixos foram mudadas, ambas,
para dezembro de 2015 – e mais uma vez os nordestinos ficaram ‘a ver navios’, quer
dizer, a ver a ‘ferida’ da seca crescer sem poder cicatrizar. Contudo, 2015 também não
foi a vez de se ver as águas do Velho Chico correr pelos canais. O novo prazo foi
estipulado para dezembro do ano seguinte (2016). Todavia, veio o impeachment da
primeira presidenta do Brasil, e, mais uma vez, nada do Governo Federal entregar a obra.
Em dezembro de 2016, o presidente não-eleito, Michel Temer (PMDB) visitou
pela primeira vez o Nordeste. Na agenda presidencial estava prevista uma vistoria às
obras do PISF. O trecho visitado pelo peemedebista foi o Eixo Leste, no município de
Floresta. Na ocasião, mais uma vez um novo prazo ficou firmado para a conclusão da
delongada Transposição. A promessa ficou para este ano de 2017. E no final de janeiro,
Temer voltou a Floresta para inaugurar a última Estação de Bombeamento do município,
a “EBV-3” – as outras 2 primeiras estações desse eixo foram acionadas pela então
Presidenta Dilma Rousseff.
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Quase uma década depois...
No dia 10 de março de 2017, pelo menos o Eixo Leste foi inaugurado por Temer,
em uma solenidade restrita a convidados na cidade de Monteiro. O Governo do Estado de
São Paulo emprestou equipamentos como motobombas para agilizar a chegada das águas
à Paraíba. De acordo com o Ministério da Integração Nacional, quando esse eixo estiver
100% concluído, deverá beneficiar 168 municípios com cerca de 4,5 milhões de
nordestinos.
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Mas, porém, contudo, todavia...
O Eixo Norte, faltando quase 5% para ficar pronto, está abandonado desde junho
do ano passado. A empreiteira Mendes Junior desistiu da obra depois de ser citada na
“Operação Lava-Jato”. A empresa alegou incapacidade técnica e financeira para cumprir
com os contratos. Uma
nova licitação para a
finalização da obra já
foi aberta. Segundo o
Ministro da Integração
Nacional, Helder
Barbalho, a parte
formal da licitação já
foi concluída.
A expectativa é que, quando finalizado, o Eixo Norte beneficie 222 municípios,
atendendo em torno de 7,5 milhões de pessoas. Agora a promessa do Governo Federal é
que ele seja entregue apenas no final do segundo semestre, em dezembro deste ano. “Nós
vamos inaugurá-la. Fora outras tantas obras complementares que visam a trazer água
para a região do nordeste.” garantiu Temer, em visita a Floresta.
Entretanto, com mais esse adiamento, o custo do PISF saltou. Passou a custar
quase R$ 10 bilhões. Ou seja, em dez anos, o orçamento da obra superou os 100% do
valor inicial.
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O DNA
A Transposição do São Francisco voltou a ser tema dos discursos políticos. Cada
qual que “puxe a brasa para a sua sardinha”.
Um dia antes da inauguração do Eixo Leste em Monteiro, o ex-presidente Lula
usou o Facebook para lembrar, ao povo, que a obra só saiu do papel por causa dele:
“Muita gente disse que era impossível fazer a transposição do rio São Francisco. Quem
estava no poder estudava, estudava, mas nada fazia. Até que Lula foi lá e fez.” Mas no
outro dia foi a vez do Temer retrucar: “Se nós pudermos falar em paternidade dela, nós
deveríamos dizer, a paternidade é do povo brasileiro.”
Para mostrar que a obra só foi possível graças ao Governo PT, os ex-presidentes
Lula e Dilma
Rousseff, juntos
a uma comitiva,
fizeram questão
de estarem em
praça pública de
Monteiro para
fazer o que
chamaram de
“Inauguração
Popular da Transposição do Rio São Francisco”. O ato aconteceu no dia 19 de março e
reuniu cerca de 120 mil pessoas que ouviram o Lula ‘revidar’ o discurso de Temer: “Nós
somos pai, mãe, irmão, tio, primo e sobrinho da transposição das águas do rio São
Francisco.”
Mas enquanto se discute de quem a Transposição é filha, tem gente na esperança
de agora conseguir colher possíveis ‘bons frutos’ vindouros das tão esperadas águas do
Velho Chico...
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O RESULTADO DA SOMA
“Deixe o rio desaguar doutor, ‘pra’ acabar com o sofrimento daqui. O São Francisco
com sua transposição, no
meu Nordeste o progresso
vai chegar, se é que o
Brasil agora está na mão
certa, na contramão o meu
sertão não vai ficar.
Priorize esse projeto, seu
doutor, e deixe o rio
desaguar (...) será nossa
redenção, vamos ter
muitos hectares de terra,
tudo irrigados é água pra
mais de um milhão.” (Deixe o rio desaguar – Flávio José)
Esta outra canção é do início dos anos 2000, mas parece ter
sido composta esses dias. Ela expressa o atual desejo de quem muito
esperou pela ‘joia’ do São Francisco, que é poder tirar o máximo de
proveito dela (água), agora que já percorre o Eixo Leste. “É a
realização de um sonho de Serra Negra, porque ouvia falar e ficava
imaginando como [a água] chegaria aqui. E hoje a gente já vê. A
gente será beneficiado!” diz esperançosa a líder comunitária Mª de
Lourdes da Silva Oliveira, a Dona Lurdinha da Serra Negra – como
é conhecida.
Dona Lurdinha espera que Serra
Negra possa colher os benefícios da
Transposição | Foto: Saudinha
Vilarim
Serra Negra, a qual se refere D. Lurdinha, fica na zona rural de Floresta, nas
proximidades da 1ª Reserva Biológica do Brasil: a Reserva de Serra Negra – daí onde
vem o nome da comunidade –. Ela é apenas um, de pelo menos 08 assentamentos rurais
localizados na área de todo o Projeto de Integração do Rio São Francisco, identificados
nos municípios de Floresta (PE), Cajazeiras (PB) e Ipaumirim (CE) – de acordo com
levantamentos realizados nos estudos ambientais pelo ‘RIMA’ (Relatório de Impacto
Ambiental).
Realmente D. Lurdinha e tantos outros moradores já veem as águas do Velho
Chico passar pela comunidade. Mas no máximo é apenas isso. Eles ainda não podem, se
quer, tirar uma gota d’água do canal. – Numa linguagem popular, é estar morrendo de
sede no pé do pote!
O sonho do povo de Serra Negra é de que um estudo realizado lá pelo final da
década 1980 saia do
papel e seja realmente
contemplado pelo Projeto
de Integração do São
Francisco. A
CODEVASF
(Companhia de
Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e
do Parnaíba) identificou,
no lugar, solo propício com
possibilidade de se fazer irrigação. “O Eixo Leste é um eixo extremamente promissor
porque tem a possibilidade de desenvolver a irrigação. E irrigação não se faz em
qualquer lugar. Tem que ter solo apto e tem que ter água, tem que ter infraestrutura, etc.
Então, por que eu digo que o Eixo Leste é promissor? Porque tem manchas contínuas de
solo, tipo a mancha da Serra Negra, que é uma mancha que pode viabilizar a irrigação
de cerca de 12 mil hectares”. A fala é do engenheiro agrônomo e ex-secretário de
Agricultura e ex-secretário de Recursos Hídricos do estado de Pernambuco, Aloísio
Ferraz, que desde o início dos estudos defende assiduamente a ideia de irrigar o perímetro
de Serra Negra. Por quê?
Comunidade de Serra Negra | Foto: Álvaro Vilarim
Pondo os pingos nos ‘is’...
Conversando com Ferraz, ele explica que esse perímetro de Serra Negra junto ao
da Barra do Juá (2 mil ha) – também na zona rural de Floresta – representam quase a
metade (14 mil ha) do potencial de área irrigada contínua, prevista para o Eixo Leste, que
é algo entorno de 30 mil
hectares. Aí você pode estar
agora se perguntando: “Mas
afinal, o que esses números
significam?”
Fazendo uma simples
regra de três, você poderá
entender o quão, ainda mais,
importante e valioso será o
sertão, se ‘lapidarem’ a ‘joia’
do Velho Chico.
Levando em conta que 1 mil hectares irrigados têm o potencial de gerar cerca
1,5 mil empregos, o perímetro de Serra Negra unido com o perímetro da Barra do Juá
(Riacho do Navio), poderão ‘germinar’ mais de 20 mil trabalhos em uma das regiões
mais pobres e violentas do país. Os números são ainda mais animadores se levar em
conta o perímetro irrigado do “Poço da Cruz”, no município vizinho – Ibimirim. Junto a
Floresta, tem-se uma área com potencial de irrigação estimada em 22 mil hectares.
Fazendo a conta, significa dizer que os dois municípios sertanejos podem gerar algo em
torno de 33 mil empregos. Mas não somente eles seriam beneficiados. Outros 20
municípios das microrregiões de Itaparica, do Pajeú, e do Moxotó (Sertão); e das
microrregiões do Vale do Ipanema e do Vale do Ipojuca (Agreste) também seriam
favorecidos – o que somaria, ao todo, uma população de mais de 685 mil pessoas sob
essa área de influência.
Canal do Eixo Leste cortando a comunidade de Serra Negra; Ao fundo, a reserva
biológica que dá o nome ao local | Foto: Álvaro Vilarim
Só para se ter uma ideia,
segundo o site “PE Desenvolvimento”,
o Porto de Suape chegou a contar com
cerca de 38 mil “peões” trabalhando nas
obras da refinaria e da petroquímica –
praticamente a mesma quantidade de
empregos que podem ser gerados nos 22
mil (ha) –. Para Aloísio, “esse projeto
não deve ser ‘vendido’ como uma coisa
de Floresta. [Mas] uma coisa regional.
Para Pernambuco, o Projeto Serra
Negra criaria um novo polo de
desenvolvimento agroindustrial no
centro do estado, e viabilizaria um
crescimento no valor bruto da
agropecuária em 10%”.
Além disso, o projeto
contribuiria ainda para a redução dos
efeitos negativos das secas; para o
fortalecimento da economia do interior
– promovendo o desenvolvimento
econômico e social e melhoria da
qualidade de vida da população;
aumento do volume de venda no
comércio e na indústria – nas
proximidades dos polos agroindustriais;
aumento da arrecadação de impostos;
integração com projetos estratégicos (a
exemplo da Transnordestina); e redução
da violência regional.
Basta empenho
Você deve ter percebido o emprego de alguns verbos no ‘Futuro do Pretérito’
(seriam; somaria; criaria; viabilizaria; contribuiria...), para falar do ‘Perímetro Irrigado
de Serra Negra’. É que como você viu,
mais uma vez um projeto, visando
melhorar a qualidade de vida de quem
nasceu e cresceu ao lado da temida seca,
não saiu do papel. É colocado ‘de lado’.
Em mais de 2 horas e meia de conversa, Aloísio mostrou alguns de seus artigos publicados
em jornais, onde ele cobrou a devida atenção dos governantes para com o estudo.
Inúmeras cartas com o assunto já foram enviadas a Deputados e Senadores, mas segundo
o engenheiro agrônomo, não obteve respostas. Como também não teve retorno
satisfatório de alguns, hoje, ex-prefeitos. “Então, botou-se na cabeça que é só o ‘cara’
tomar água e ficar com fome olhando ‘pro’ canal. Não. Não é isso. Água para ter eficácia
precisa viabilizar atividades produtivas, porque ninguém vive sem emprego e sem
produção.” – desabafou.
Fazendo algumas pesquisas para escrever esta matéria, soube de que em 2015, o
Deputado Federal Kaio Maniçoba (então PHS-PE) chegou a aprovar uma emenda na PPA
– Plano Plurianual que estabelece as metas a serem seguidas pelo Governo Federal, no
decorrer de um período de 04 anos –, na tentativa de viabilizar esse sonho de Serra Negra.
Entrei em contato com o parlamentar (hoje PMDB-PE) para saber, então, que rumo isso
tomou. Maniçoba contou que a então “Presidente Dilma vetou o projeto”. Ele ressalta
que o tema “não é uma pauta fácil [porque] não existe um apoio formal e interesse de
outros colegas, mas com a articulação que fiz quando apresentei não tive dificuldade. E
eu irei reapresentar novamente [a proposta] esse ano.”
Já o atual prefeito de Floresta, Ricardo Ferraz (PRP), na passagem de Temer ao
município, cobrou ao presidente e também ao Ministro Helder Barbalho e ao Governador
de Pernambuco, Paulo Câmara, a implantação do ‘Projeto Serra Negra’. No final do mês
de março, o prefeito viajou à Capital Federal, em busca de recursos para a “Terra dos
Tamarindos”. No Ministério da Agricultura, voltou a reivindicar o ingresso do perímetro,
que promete dar um novo ‘norte’ ao Sertão Pernambucano. De acordo com a fanpage
oficial da Prefeitura de Floresta, ainda na passagem por Brasília, Ricardo também pediu
a instalação de uma Unidade da CODEVASF no município, para “dar suporte às ações
“Botou-se na cabeça que é só
o ‘cara’ tomar água e ficar
com fome olhando pro canal.”
Aloísio Ferraz
de operações do Projeto de Transposição do São Francisco e de formação da agricultura
irrigada”.
Dona Lurdinha, que sempre ouviu falar no projeto, não perde a esperança de um
dia vê-lo brotando. Aproveita a deixa e faz
uma crítica à demora de colocarem,
realmente, o funcionamento do perímetro
irrigado: “É uma falta de interesse para
com a comunidade, [pois ele saindo do papel], teremos
serviço. Mais renda.”. Já poderia ser o ganha pão, por
exemplo, do ‘Manezinho’, de 33 anos. Ele cresceu em
Serra Negra e é um dos 155 Técnicos em Agropecuária
formados entre os anos de 2012 e 2016, no Instituto
Federal do Sertão Pernambucano – Campus Floresta. Mas,
em Setembro do ano passado, Manoel José da Silva deixou
o assentamento e se mudou para a zona urbana de Floresta,
em busca de emprego. Porém, nada surgiu. Na verdade, o
que ele queria mesmo era colocar os seus conhecimentos
em prática, no seu antigo terreiro. Agora a esperança é
“que os políticos olhem ‘pro’ pessoal [de Serra Negra]
com bastante carinho, vejam, e batalhem ‘pra’ que isso [a
implantação do projeto] aconteça. Se os políticos quiserem, eles podem ajudar!”.
Um feito claro, de que a irrigação aplicada à agricultura pode sim dar um outro
rumo ao sertão, é o Distrito Irrigado Nilo Coelho - DINC, localizado entre os municípios
de Casa Nova-BA (20% da área do distrito) e Petrolina-PE (80%). Esse perímetro irrigado
foi implantado no final da década de 1970 e início dos anos 1980, depois de estudos
realizados também pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e
do Parnaíba. Águas do São Francisco são captadas na Barragem de Sobradinho (BA) e
depois disponibilizadas à uma área irrigável de 18.563 hectares (12.520 ha – lotes
familiares | 6.043 ha – lotes empresariais). E o que isso representa? Uma geração estimada
de empregos diretos em 23.647; e indiretos 35.470. Em termos de produção, significa
dizer que, em 2016, de acordo com a o site da CODEVASF, foram produzidas 691.828
toneladas de alimentos.
“Se os políticos quiserem,
eles podem ajudar!”
Manoel José da Silva
Analisando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
podemos ver o quanto
Petrolina cresceu da década de
setenta para os dias de hoje. A
população da ‘Capital do
Sertão’ mais do que
quintuplicou. Passou dos 60
mil e chegou à casa dos 330
mil.
Ainda de acordo com o
IBGE, no que se refere a
agropecuária, Petrolina não só está entre as 100 cidades brasileiras com os maiores
Produtos Internos Brutos (PIB) do setor. Ela está entre as primeiras. Para ser mais exato,
ocupava em 2014, a 3ª colocação com R$ 658,796 milhões – a primeira de Pernambuco.
Juto aos municípios de Sorriso-MT (1ª colocada - R$ 791,159 milhões) e São Desidério-
BA (2ª colocada - R$ 753,031 milhões), poderiam representar o PIB de uma cidade
brasileira, superando ao das cidades como o Recife, Vitória, Belém, Niterói, Natal e
Florianópolis.
Portanto, vendo não só o caso de Petrolina, constata-se que ao fazer agricultura
irrigada, há uma fomentação para um maior desenvolvimento do Nordeste, e em
particular, das cidades de produção agrícola. E com Floresta-Ibimirim “não tem outro
caminho para se desenvolver a não ser pelo caminho da agricultura irrigada.”, justifica
Aloísio. É preciso, sobretudo, empenho político, articulação empresarial, e a mobilização
da sociedade local para juntar ‘a fome com a vontade de comer’.
É imprescindível que os sertanejos não fiquem como meros espectadores, vendo
as águas passar diante de seus terreiros sem poder nada fazer. Com a potencialidade que
se têm, tirar a água do ‘pote’ para essa região sedenta, vai ser mais do que matar a sede
d’água. Vai matar a sede por emprego, matar a fome e a crise. Não se pode demorar mais
um século, e perder esta oportunidade para fazer o centro do semiárido pernambucano
produzir hortifrútis, negócio com exportações e renda.
É preciso afundar nas águas do São Francisco a inércia dos políticos, e com essa
mesma água, irrigar “a terra ardente”, para brotar em Pernambuco um ‘novo Sertão’.

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Reportagem: "Morrendo de Sede no Pé do Pote"

  • 1. ................................................................................................................... “Acauã, acauã vive cantando Durante o tempo do verão No silêncio das tardes agourando Chamando a seca ‘pro’ Sertão. (...) Teu canto é penoso e faz medo Te cala acauã, Que é pra chuva voltar cedo. (...) Na alegria do inverno, canta sapo, gia e rã. Mas na tristeza da seca Só se ouve acauã. Só se ouve acauã.” (Acauã – Zé Dantas). //////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// “Que braseiro, que fornalha, nem um pé de plantação. Por falta d’água, perdi meu gado, morreu de sede meu alazão. (...) ‘Inté’ mesmo a Asa Branca bateu asas do sertão.” (Asa Branca – Luiz Gonzaga e Humberto Texeira). /////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Engana-se quem pensa que a seca é coisa de agora, algo recente. Lá atrás, o ‘velho’ Lua – Luiz Gonzaga – já cantava, como ninguém, um dos piores pesadelos do nordestino: a falta d’água. Antes ela fosse realmente apenas um sonho ruim. Porém, a seca ou estiagem – seja lá qual for a sua denominação – é uma realidade. Uma triste realidade que acompanha não só a história do Brasil, mas sobretudo, os discursos políticos. Como forma de protesto, sertanejo enfeita cerca com carcaças de gado vítima da prolongada estiagem, em Floresta (PE) | Foto: Reprodução/Portal Uol | Ueslei Marcelino/Reuters
  • 2. Desde o chamado período colonial já se falava de seca ‘perambulando’, por exemplo, por aldeias indígenas. Há, na verdade, poucos registros a respeito. Mas o fato é que a estiagem é um fenômeno presente, por aqui, desde quando o Brasil não era Brasil. Apesar desses longos anos, ela é ainda um fenômeno que assusta e, pior, mata gente, além do gado e de plantações. Para se ter uma ideia, segundo a Agência Pernambucana de Águas e Clima – APAC –, em março deste ano, 126, dos 185, municípios de Pernambuco decretaram estado de emergência por causa da longa estiagem. A pior dos últimos 50 anos. A seca é um fenômeno natural e por isso não se pode, quer dizer, não se consegue simplesmente acabar com ela. É preciso tentar aprender a conviver com a ‘danada’. Entra e sai governo – tanto Federal, estadual e municipal –, e o problema hídrico é sempre pautado pelos governantes. Muitos prometem ajudar, mas na verdade, veem no sofrimento do nordestino uma oportunidade de se conseguir votos. O comprometimento também não é de agora: “Venderei até a última joia da coroa, mas solucionarei o problema da seca no Nordeste”, deu a sua palavra o então Imperador Dom Pedro II, lá pelos anos de 1850 ao ver de perto o “lamento sertanejo”, no Ceará. E por falar no Imperador, foi ele quem pensou primeiro na ideia de levar água do ‘Velho Chico”, Sertão a dentro. Um projeto polêmico, duvidoso e audacioso cogitado no Império (1847), mas só tirado do papel pelo 35º Presidente da República. O Lula. Transposição + Sertão, uma combinação do tipo Romeu e Julieta; Lampião e Maria Bonita. Mas qual o possível resultado dessa soma? Antes de chegarmos à resposta, é preciso compreender esta que é uma das maiores obras de infraestrutura do mundo. .............................................. ................................................... ........................................... A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO Quem nunca escutou esta outra parceria de Luiz Gonzaga e Zé Dantas? “Riacho do Navio corre ‘pro’ Pajeú, o Rio Pajeú vai despejar no São Francisco, o Rio São Francisco vai bater no ‘mei’ do mar, laiá, laiá, laiá, laiá, laiá. O Rio São Francisco vai bater no ‘mei’ do mar.” (Riacho do Navio – Luiz Gonzaga e Zé Dantas) ///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
  • 3. O Rei do Baião cantou os animais, os nordestinos e suas dificuldades, mas também a fartura. Gonzaga imortalizou o semiárido pernambucano como um dos lugares mais ricos em água do Brasil. E é justamente no Sertão de Pernambuco que se iniciam e partem para outros estados nordestinos as obras da Transposição do Rio São Francisco (PTSF). A história dela é tão grandiosa quanto a sua engenharia. Como já falado, no século XIX, D. Pedro II pensou em transpor as águas do Rio São Francisco para as regiões onde essa “joia” é cada vez mais rara. Contudo, até o presidente Lula (PT) chegar e tirar o PTSF do papel, muitas ‘águas rolaram’. Entre o monarca e o petista, pelo menos 04 presidentes – Getúlio Vargas, João Batista Figueiredo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso – repensaram a ideia de transpor as águas do rio mais brasileiro de todos.
  • 4. A versão atual do projeto é do ano de 2004. Quando estiver totalmente pronta, a maior obra hídrica do país pretende amenizar o drama da escassez de 12 milhões de nordestinos espalhados em 390 municípios de pelo menos quatro – dos nove – estados do Nordeste: Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Para que as águas cheguem a esses estados, o Projeto da Integração do São Francisco (PISF) foi dividido em 02 canais – e não em 04, como cogitava FHC –, são eles: o EIXO NORTE e o EIXO LESTE. Juntos, os dois eixos somam 477 Km. O Eixo Norte é o maior, tem 260 Km. Ele parte do município sertanejo de Cabrobó e de lá segue para os municípios de Salgueiro, Terra Nova e Verdejantes, todos em Pernambuco; passa por Penaforte, Jati, Brejo Santo, Mauriti e Barro, no Ceará; e, no estado da Paraíba, em São José de Piranhas, Monte Horebe e Cajazeiras. Apesar do canal não chegar ao Rio Grande do Norte, o estado deve ser beneficiado através das Bacias Piranhas-Açu e Apodi-Mossoró. Segundo o Ministério da Integração Nacional, esse eixo se encontra atualmente com quase 95% das obras finalizadas. Já o Eixo Leste parte da Barragem de Itaparica, no município de Floresta, também no Sertão de Pernambuco. Segundo o MI, ele tem 217 Km e corta também os municípios pernambucanos de Custódia, Betânia e Sertânia. Na Paraíba, corta o município de Monteiro, seu destino final. Ele está agora praticamente com 100% das obras acabadas.
  • 5. Além dos canais, o PISF engloba ainda a construção de 13 aquedutos; 09 estações de bombeamento; 27 reservatórios; 04 túneis; 09 subestações de 230 quilowats e, ainda, 270 Km de linhas de transmissão em alta tensão. Para isso, o projeto foi dividido em 16 lotes que ficaram sob a responsabilidade do exército brasileiro e do consórcio de empresas – as empreiteiras ficaram com a maior parte dos lotes –. São eles: • 2 Canais de Aproximação, um do Norte, outro do Leste; • Lote 1 – Cabrobó (PE); • Lotes 2, 3 e 8 – Salgueiro (PE); • Lote 4 – Verdejante (PE); • Lote 5 – Brejo Santo (CE); • Lote 6 – Mauriti (CE); Lote 7 – São José de Piranhas (PB); • Lotes 9 e 13 – Floresta (PE); • Lotes 10 e 11 – Custódia (PE); • Lote 12 – Sertânia (PE); | • Lote 14 – São José de Piranhas (PB); .............................................. ................................................... ........................................... Críticas Por mais que prometa garantir a segurança hídrica de milhões de nordestinos, o Projeto de Integração do Rio São Francisco encontrou muitos opositores. Alguns moradores da região, bem como ambientalistas, pesquisadores e até mesmo membros da Igreja Católica se mostraram contra a Transposição. O caso mais ‘famoso’ é o do frade franciscano, Canal de aproximação do Eixo Leste, no Lago de Itaparica, município de Floresta (PE)| Reprodução: Google Earth
  • 6. Dom Luiz Cappio, bispo da diocese de Barra, a 650 quilômetros de Salvador. Cappio – que é também formado em economia – fez greve de fome e ficou 11 dias sem comer, no ano de 2005. Dois anos depois, em julho de 2007, voltou a ficar em jejum e dessa vez foram 23 dias em protesto contra a obra. O maior medo dos opositores é de que o rio seque. Para o antropólogo e Doutor em Arqueologia Pré-Histórica, Altair Sales Barbosa, não só o rio São Francisco, mas também a sua bacia – que “é formada por rios senis, que já atingiram seu estado de equilíbrio” – terão a sua dinâmica afetada drasticamente. Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU), Barbosa explica que as consequências tão danosas da Transposição “num curto espaço de tempo levarão à morte a maioria dos afluentes do São Francisco, incluindo o próprio rio.”. Mas o Ministério da Integração Nacional garante que isso não irá acontecer, pois o volume contínuo retirado do rio é de 26,4 m³/s de água, o que equivale a apenas 1,42% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho, que é de 1850 m³/s. Ainda de acordo com o Ministério, o volume só será ampliado (no máximo até 127 m³/s), quando o reservatório de Sobradinho estiver com excesso de água. .............................................. ................................................... ........................................... Prazos e Custos A expectativa inicial do Governo Lula era de que a obra final da Transposição ficasse pronta em até cinco anos (o Eixo Leste em junho de 2010; e o Eixo Norte em dezembro de 2012). Bem como, a perspectiva era de que o projeto custasse R$ 4,5 bilhões. Nem o orçamento, tampouco os prazos foram cumpridos. No Governo Dilma Rousseff (PT), inúmeras vezes a expectativa dos moradores dos estados comtemplados pelo Projeto de Integração do São Francisco foi adiada, aumentando a angústia de quem a seca faz agonizar. As datas para a inauguração dos dois eixos foram mudadas, ambas, para dezembro de 2015 – e mais uma vez os nordestinos ficaram ‘a ver navios’, quer dizer, a ver a ‘ferida’ da seca crescer sem poder cicatrizar. Contudo, 2015 também não foi a vez de se ver as águas do Velho Chico correr pelos canais. O novo prazo foi estipulado para dezembro do ano seguinte (2016). Todavia, veio o impeachment da primeira presidenta do Brasil, e, mais uma vez, nada do Governo Federal entregar a obra.
  • 7. Em dezembro de 2016, o presidente não-eleito, Michel Temer (PMDB) visitou pela primeira vez o Nordeste. Na agenda presidencial estava prevista uma vistoria às obras do PISF. O trecho visitado pelo peemedebista foi o Eixo Leste, no município de Floresta. Na ocasião, mais uma vez um novo prazo ficou firmado para a conclusão da delongada Transposição. A promessa ficou para este ano de 2017. E no final de janeiro, Temer voltou a Floresta para inaugurar a última Estação de Bombeamento do município, a “EBV-3” – as outras 2 primeiras estações desse eixo foram acionadas pela então Presidenta Dilma Rousseff. .............................................. ................................................... ........................................... Quase uma década depois... No dia 10 de março de 2017, pelo menos o Eixo Leste foi inaugurado por Temer, em uma solenidade restrita a convidados na cidade de Monteiro. O Governo do Estado de São Paulo emprestou equipamentos como motobombas para agilizar a chegada das águas à Paraíba. De acordo com o Ministério da Integração Nacional, quando esse eixo estiver 100% concluído, deverá beneficiar 168 municípios com cerca de 4,5 milhões de nordestinos. .............................................. ................................................... ........................................... Mas, porém, contudo, todavia... O Eixo Norte, faltando quase 5% para ficar pronto, está abandonado desde junho do ano passado. A empreiteira Mendes Junior desistiu da obra depois de ser citada na “Operação Lava-Jato”. A empresa alegou incapacidade técnica e financeira para cumprir com os contratos. Uma nova licitação para a finalização da obra já foi aberta. Segundo o Ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, a parte formal da licitação já foi concluída.
  • 8. A expectativa é que, quando finalizado, o Eixo Norte beneficie 222 municípios, atendendo em torno de 7,5 milhões de pessoas. Agora a promessa do Governo Federal é que ele seja entregue apenas no final do segundo semestre, em dezembro deste ano. “Nós vamos inaugurá-la. Fora outras tantas obras complementares que visam a trazer água para a região do nordeste.” garantiu Temer, em visita a Floresta. Entretanto, com mais esse adiamento, o custo do PISF saltou. Passou a custar quase R$ 10 bilhões. Ou seja, em dez anos, o orçamento da obra superou os 100% do valor inicial. .............................................. ................................................... ........................................... O DNA A Transposição do São Francisco voltou a ser tema dos discursos políticos. Cada qual que “puxe a brasa para a sua sardinha”. Um dia antes da inauguração do Eixo Leste em Monteiro, o ex-presidente Lula usou o Facebook para lembrar, ao povo, que a obra só saiu do papel por causa dele: “Muita gente disse que era impossível fazer a transposição do rio São Francisco. Quem estava no poder estudava, estudava, mas nada fazia. Até que Lula foi lá e fez.” Mas no outro dia foi a vez do Temer retrucar: “Se nós pudermos falar em paternidade dela, nós deveríamos dizer, a paternidade é do povo brasileiro.” Para mostrar que a obra só foi possível graças ao Governo PT, os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, juntos a uma comitiva, fizeram questão de estarem em praça pública de Monteiro para fazer o que chamaram de “Inauguração Popular da Transposição do Rio São Francisco”. O ato aconteceu no dia 19 de março e reuniu cerca de 120 mil pessoas que ouviram o Lula ‘revidar’ o discurso de Temer: “Nós
  • 9. somos pai, mãe, irmão, tio, primo e sobrinho da transposição das águas do rio São Francisco.” Mas enquanto se discute de quem a Transposição é filha, tem gente na esperança de agora conseguir colher possíveis ‘bons frutos’ vindouros das tão esperadas águas do Velho Chico... .............................................. ................................................... ........................................... O RESULTADO DA SOMA “Deixe o rio desaguar doutor, ‘pra’ acabar com o sofrimento daqui. O São Francisco com sua transposição, no meu Nordeste o progresso vai chegar, se é que o Brasil agora está na mão certa, na contramão o meu sertão não vai ficar. Priorize esse projeto, seu doutor, e deixe o rio desaguar (...) será nossa redenção, vamos ter muitos hectares de terra, tudo irrigados é água pra mais de um milhão.” (Deixe o rio desaguar – Flávio José) Esta outra canção é do início dos anos 2000, mas parece ter sido composta esses dias. Ela expressa o atual desejo de quem muito esperou pela ‘joia’ do São Francisco, que é poder tirar o máximo de proveito dela (água), agora que já percorre o Eixo Leste. “É a realização de um sonho de Serra Negra, porque ouvia falar e ficava imaginando como [a água] chegaria aqui. E hoje a gente já vê. A gente será beneficiado!” diz esperançosa a líder comunitária Mª de Lourdes da Silva Oliveira, a Dona Lurdinha da Serra Negra – como é conhecida. Dona Lurdinha espera que Serra Negra possa colher os benefícios da Transposição | Foto: Saudinha Vilarim
  • 10. Serra Negra, a qual se refere D. Lurdinha, fica na zona rural de Floresta, nas proximidades da 1ª Reserva Biológica do Brasil: a Reserva de Serra Negra – daí onde vem o nome da comunidade –. Ela é apenas um, de pelo menos 08 assentamentos rurais localizados na área de todo o Projeto de Integração do Rio São Francisco, identificados nos municípios de Floresta (PE), Cajazeiras (PB) e Ipaumirim (CE) – de acordo com levantamentos realizados nos estudos ambientais pelo ‘RIMA’ (Relatório de Impacto Ambiental). Realmente D. Lurdinha e tantos outros moradores já veem as águas do Velho Chico passar pela comunidade. Mas no máximo é apenas isso. Eles ainda não podem, se quer, tirar uma gota d’água do canal. – Numa linguagem popular, é estar morrendo de sede no pé do pote! O sonho do povo de Serra Negra é de que um estudo realizado lá pelo final da década 1980 saia do papel e seja realmente contemplado pelo Projeto de Integração do São Francisco. A CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) identificou, no lugar, solo propício com possibilidade de se fazer irrigação. “O Eixo Leste é um eixo extremamente promissor porque tem a possibilidade de desenvolver a irrigação. E irrigação não se faz em qualquer lugar. Tem que ter solo apto e tem que ter água, tem que ter infraestrutura, etc. Então, por que eu digo que o Eixo Leste é promissor? Porque tem manchas contínuas de solo, tipo a mancha da Serra Negra, que é uma mancha que pode viabilizar a irrigação de cerca de 12 mil hectares”. A fala é do engenheiro agrônomo e ex-secretário de Agricultura e ex-secretário de Recursos Hídricos do estado de Pernambuco, Aloísio Ferraz, que desde o início dos estudos defende assiduamente a ideia de irrigar o perímetro de Serra Negra. Por quê? Comunidade de Serra Negra | Foto: Álvaro Vilarim
  • 11. Pondo os pingos nos ‘is’... Conversando com Ferraz, ele explica que esse perímetro de Serra Negra junto ao da Barra do Juá (2 mil ha) – também na zona rural de Floresta – representam quase a metade (14 mil ha) do potencial de área irrigada contínua, prevista para o Eixo Leste, que é algo entorno de 30 mil hectares. Aí você pode estar agora se perguntando: “Mas afinal, o que esses números significam?” Fazendo uma simples regra de três, você poderá entender o quão, ainda mais, importante e valioso será o sertão, se ‘lapidarem’ a ‘joia’ do Velho Chico. Levando em conta que 1 mil hectares irrigados têm o potencial de gerar cerca 1,5 mil empregos, o perímetro de Serra Negra unido com o perímetro da Barra do Juá (Riacho do Navio), poderão ‘germinar’ mais de 20 mil trabalhos em uma das regiões mais pobres e violentas do país. Os números são ainda mais animadores se levar em conta o perímetro irrigado do “Poço da Cruz”, no município vizinho – Ibimirim. Junto a Floresta, tem-se uma área com potencial de irrigação estimada em 22 mil hectares. Fazendo a conta, significa dizer que os dois municípios sertanejos podem gerar algo em torno de 33 mil empregos. Mas não somente eles seriam beneficiados. Outros 20 municípios das microrregiões de Itaparica, do Pajeú, e do Moxotó (Sertão); e das microrregiões do Vale do Ipanema e do Vale do Ipojuca (Agreste) também seriam favorecidos – o que somaria, ao todo, uma população de mais de 685 mil pessoas sob essa área de influência. Canal do Eixo Leste cortando a comunidade de Serra Negra; Ao fundo, a reserva biológica que dá o nome ao local | Foto: Álvaro Vilarim
  • 12. Só para se ter uma ideia, segundo o site “PE Desenvolvimento”, o Porto de Suape chegou a contar com cerca de 38 mil “peões” trabalhando nas obras da refinaria e da petroquímica – praticamente a mesma quantidade de empregos que podem ser gerados nos 22 mil (ha) –. Para Aloísio, “esse projeto não deve ser ‘vendido’ como uma coisa de Floresta. [Mas] uma coisa regional. Para Pernambuco, o Projeto Serra Negra criaria um novo polo de desenvolvimento agroindustrial no centro do estado, e viabilizaria um crescimento no valor bruto da agropecuária em 10%”. Além disso, o projeto contribuiria ainda para a redução dos efeitos negativos das secas; para o fortalecimento da economia do interior – promovendo o desenvolvimento econômico e social e melhoria da qualidade de vida da população; aumento do volume de venda no comércio e na indústria – nas proximidades dos polos agroindustriais; aumento da arrecadação de impostos; integração com projetos estratégicos (a exemplo da Transnordestina); e redução da violência regional.
  • 13. Basta empenho Você deve ter percebido o emprego de alguns verbos no ‘Futuro do Pretérito’ (seriam; somaria; criaria; viabilizaria; contribuiria...), para falar do ‘Perímetro Irrigado de Serra Negra’. É que como você viu, mais uma vez um projeto, visando melhorar a qualidade de vida de quem nasceu e cresceu ao lado da temida seca, não saiu do papel. É colocado ‘de lado’. Em mais de 2 horas e meia de conversa, Aloísio mostrou alguns de seus artigos publicados em jornais, onde ele cobrou a devida atenção dos governantes para com o estudo. Inúmeras cartas com o assunto já foram enviadas a Deputados e Senadores, mas segundo o engenheiro agrônomo, não obteve respostas. Como também não teve retorno satisfatório de alguns, hoje, ex-prefeitos. “Então, botou-se na cabeça que é só o ‘cara’ tomar água e ficar com fome olhando ‘pro’ canal. Não. Não é isso. Água para ter eficácia precisa viabilizar atividades produtivas, porque ninguém vive sem emprego e sem produção.” – desabafou. Fazendo algumas pesquisas para escrever esta matéria, soube de que em 2015, o Deputado Federal Kaio Maniçoba (então PHS-PE) chegou a aprovar uma emenda na PPA – Plano Plurianual que estabelece as metas a serem seguidas pelo Governo Federal, no decorrer de um período de 04 anos –, na tentativa de viabilizar esse sonho de Serra Negra. Entrei em contato com o parlamentar (hoje PMDB-PE) para saber, então, que rumo isso tomou. Maniçoba contou que a então “Presidente Dilma vetou o projeto”. Ele ressalta que o tema “não é uma pauta fácil [porque] não existe um apoio formal e interesse de outros colegas, mas com a articulação que fiz quando apresentei não tive dificuldade. E eu irei reapresentar novamente [a proposta] esse ano.” Já o atual prefeito de Floresta, Ricardo Ferraz (PRP), na passagem de Temer ao município, cobrou ao presidente e também ao Ministro Helder Barbalho e ao Governador de Pernambuco, Paulo Câmara, a implantação do ‘Projeto Serra Negra’. No final do mês de março, o prefeito viajou à Capital Federal, em busca de recursos para a “Terra dos Tamarindos”. No Ministério da Agricultura, voltou a reivindicar o ingresso do perímetro, que promete dar um novo ‘norte’ ao Sertão Pernambucano. De acordo com a fanpage oficial da Prefeitura de Floresta, ainda na passagem por Brasília, Ricardo também pediu a instalação de uma Unidade da CODEVASF no município, para “dar suporte às ações “Botou-se na cabeça que é só o ‘cara’ tomar água e ficar com fome olhando pro canal.” Aloísio Ferraz
  • 14. de operações do Projeto de Transposição do São Francisco e de formação da agricultura irrigada”. Dona Lurdinha, que sempre ouviu falar no projeto, não perde a esperança de um dia vê-lo brotando. Aproveita a deixa e faz uma crítica à demora de colocarem, realmente, o funcionamento do perímetro irrigado: “É uma falta de interesse para com a comunidade, [pois ele saindo do papel], teremos serviço. Mais renda.”. Já poderia ser o ganha pão, por exemplo, do ‘Manezinho’, de 33 anos. Ele cresceu em Serra Negra e é um dos 155 Técnicos em Agropecuária formados entre os anos de 2012 e 2016, no Instituto Federal do Sertão Pernambucano – Campus Floresta. Mas, em Setembro do ano passado, Manoel José da Silva deixou o assentamento e se mudou para a zona urbana de Floresta, em busca de emprego. Porém, nada surgiu. Na verdade, o que ele queria mesmo era colocar os seus conhecimentos em prática, no seu antigo terreiro. Agora a esperança é “que os políticos olhem ‘pro’ pessoal [de Serra Negra] com bastante carinho, vejam, e batalhem ‘pra’ que isso [a implantação do projeto] aconteça. Se os políticos quiserem, eles podem ajudar!”. Um feito claro, de que a irrigação aplicada à agricultura pode sim dar um outro rumo ao sertão, é o Distrito Irrigado Nilo Coelho - DINC, localizado entre os municípios de Casa Nova-BA (20% da área do distrito) e Petrolina-PE (80%). Esse perímetro irrigado foi implantado no final da década de 1970 e início dos anos 1980, depois de estudos realizados também pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. Águas do São Francisco são captadas na Barragem de Sobradinho (BA) e depois disponibilizadas à uma área irrigável de 18.563 hectares (12.520 ha – lotes familiares | 6.043 ha – lotes empresariais). E o que isso representa? Uma geração estimada de empregos diretos em 23.647; e indiretos 35.470. Em termos de produção, significa dizer que, em 2016, de acordo com a o site da CODEVASF, foram produzidas 691.828 toneladas de alimentos. “Se os políticos quiserem, eles podem ajudar!” Manoel José da Silva
  • 15. Analisando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), podemos ver o quanto Petrolina cresceu da década de setenta para os dias de hoje. A população da ‘Capital do Sertão’ mais do que quintuplicou. Passou dos 60 mil e chegou à casa dos 330 mil. Ainda de acordo com o IBGE, no que se refere a agropecuária, Petrolina não só está entre as 100 cidades brasileiras com os maiores Produtos Internos Brutos (PIB) do setor. Ela está entre as primeiras. Para ser mais exato, ocupava em 2014, a 3ª colocação com R$ 658,796 milhões – a primeira de Pernambuco. Juto aos municípios de Sorriso-MT (1ª colocada - R$ 791,159 milhões) e São Desidério- BA (2ª colocada - R$ 753,031 milhões), poderiam representar o PIB de uma cidade brasileira, superando ao das cidades como o Recife, Vitória, Belém, Niterói, Natal e Florianópolis. Portanto, vendo não só o caso de Petrolina, constata-se que ao fazer agricultura irrigada, há uma fomentação para um maior desenvolvimento do Nordeste, e em particular, das cidades de produção agrícola. E com Floresta-Ibimirim “não tem outro caminho para se desenvolver a não ser pelo caminho da agricultura irrigada.”, justifica Aloísio. É preciso, sobretudo, empenho político, articulação empresarial, e a mobilização da sociedade local para juntar ‘a fome com a vontade de comer’. É imprescindível que os sertanejos não fiquem como meros espectadores, vendo as águas passar diante de seus terreiros sem poder nada fazer. Com a potencialidade que se têm, tirar a água do ‘pote’ para essa região sedenta, vai ser mais do que matar a sede d’água. Vai matar a sede por emprego, matar a fome e a crise. Não se pode demorar mais um século, e perder esta oportunidade para fazer o centro do semiárido pernambucano produzir hortifrútis, negócio com exportações e renda. É preciso afundar nas águas do São Francisco a inércia dos políticos, e com essa mesma água, irrigar “a terra ardente”, para brotar em Pernambuco um ‘novo Sertão’.