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                                                                                            Quando a cirurgia que reduz     A guerra final       Mercado louco
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                                                                                                                           22 anos, secretária
                                                                                             Ana Paula de
                                                    00222




                                                                                        Oliveira, 27 anos,
                                                                                             comerciante
                                                                     9 771415 549002




                                                    ISSN 1415-5494




                                                                                               Ângela Prado,
                                                                                          29 anos, psicóloga,
                                                                                           que participará do
                                                                                              programa Fica
                                                                                             Comigo, da MTV



                                                    LÉSBICAS

                                                    ELAS ASSUMEM
                                                    As homossexuais brasileiras ocupam espaço público e
                                                    afirmam sua orientação sexual com dignidade
ESPECIAL




Um espaço
As lésbicas saem do armário, querem
ter filhos e admitem até mesmo
relacionamentos com homens
           JOÃO LUIZ VIEIRA                 que lembre aquele antigo estereótipo
                                            masculinizado. Elas são elegantes, cui-




 H
                  á algo de novo nas        dam do corpo, gostam de maquiagem
                  ruas e quem anda de       e usam roupas sensuais. O novo uni-
                  olhos bem abertos já      verso homossexual feminino ganhou
                  deve ter percebido. As    complexidades que não faziam parte
                  lésbicas estão cada vez   da vida das militantes gays do passa-
                  mais à vontade. Come-     do. Atualmente, as lésbicas que não são
 çam a deixar os tradicionais guetos ho-    mães planejam se tornar algum dia – e
 mossexuais para se expor publicamen-       não necessariamente com os recursos
 te. Andam de mãos dadas em livra-          da fertilização em laboratório. E mais:
 rias da moda, cinemas, restaurantes e      a maioria delas não descarta a possibi-
 supermercados. Às vezes arriscam tro-      lidade de eventualmente namorar ra-
 cas de carinhos nos cabelos e até bei-     pazes. “Como o termo ‘lésbica’ ainda
 jos. Fazem isso sem constrangimento        é carregado de significados negativos,
 e, freqüentemente, com muita femi-         muitas garotas buscam um caminho
 nilidade. Não há nada nessas garotas       mais experimental e preferem ficar em



                               ÂNGELA PRADO
                            29 anos, paulistana, psicóloga
 Para mim, ir para o Fica Comigo, na        os limites deles. Dois anos depois,
 MTV, faz parte de um processo. Es-         eles terminaram me aceitando me-
 tou unindo o útil ao agradável, já que     lhor. Meu pai chegou a convidar uma
 estou solteira há dois anos. Namorei       de minhas namoradas para um jan-
 meninos na minha adolescência até          tar em sua casa – e ele mal cozinha,
 me apaixonar por uma amiga, aos 17         foi apenas uma forma de reaproxi-
 anos. Ela era heterossexual e ainda        mação. Quanto às pessoas mais jo-
 é até hoje. Só que, como eu, teve a        vens, foi menos traumático. Não per-
 curiosidade de experimentar. Fica-         di amigos, meus irmãos e meus so-
 mos juntas oito meses. Fui a única         brinhos sabem e reagiram superna-
 mulher da vida dela. Contamos para         turalmente. Passado algum tempo,
 nossos pais e não fui bem recebida         morei na Austrália durante três anos
 em casa. Eles cortaram minha mesa-         e recebi visto de residente por cau-
 da, tentaram proibir, mas continuei        sa de um relacionamento com ou-
 a encontrar minha namorada escon-          tra mulher. Foi uma experiência fan-
 dido. Meus pais são conservadores e        tástica conhecer uma sociedade on-
 naquela hora precisei compreender          de as diferenças são respeitadas.


60
conquistado
                           cima do muro”, diz Paola Patassini,
                           mestre em comunicação e semiótica,
                           com especialização em sexualidade hu-
                           mana pela Pontifícia Universidade Ca-
                           tólica de São Paulo. “Lésbica em vários
                           casos pode ser mais uma questão de
                           ‘estar’ que de ‘ser’.”
                              O descompromisso com a bandei-
                           ra gay e com a própria condição ho-
                           mossexual tem contribuído para o au-
                           mento da exposição. Em outubro, a
                           MTV deve levar ao ar a edição total-
                           mente feminina do programa Fica Co-
                           migo, apresentado por Fernanda Li-
                           ma. Já existe uma “querida” – a mo-
                           ça que, no palco, escolherá uma en-
                           tre as várias pretendentes que se ins-
                           creveram pela internet para a versão
                                 moderna do Namoro na Tevê. A
                                  paulistana Ângela Prado, de 29
                                  anos, foi a selecionada. No pro-
                                 grama, depois de três eliminató-
                               rias, ela elegerá a finalista entre as
                                candidatas – já são mais de 50 –
                               e dirá se aceita beijá-la na boca, ao
                            vivo, diante das câmeras. “Não estou
                           ansiosa. Eu sou a oferta, espero pela
                           demanda”, brinca. O assunto está na
                           moda. No mês passado, na Fashion
                           Rio, o desfile mais aplaudido foi o da
                           grife Totem, que levou o casal Vanes-
                           sa Andrade, de 23 anos, e Bianca Ja-
                           hara, de 30. A Parada Gay deste ano,
                           em São Paulo, teve como tema princi-
                           pal as mulheres homossexuais e mais
                           de 150 mil delas desfilaram em ple-
                           na Avenida Paulista, numa cena até
                           recentemente inimaginável.
                              Lá fora, o fenômeno é notado com
                           maior intensidade ainda. Celebridades
                           como as atrizes Winona Ryder, Christi-
                           na Ricci e Angelina Jolie, por exemplo,
                           já admitiram flertes homossexuais. Ju-
      Denise Adams/ÉPOCA




                           lia Roberts, a mulher mais poderosa de
                           Hollywood, foi flagrada por paparaz-
                           zi aos beijos com uma “amiga” numa
                           discoteca de Nova York – o que não ä

                                                                    61
ESPECIAL



 a impediu, no mês passado, de se ca-       mento black is beautiful teve, nos anos    nas ganharam passaporte para sair do
 sar com um homem. No primeiro video-       60, em relação aos negros.”                armário quando começaram a viver da
 clipe da dupla pop Tatu – Yulia Vol-         “Sem dúvida é menos complicado as-       própria renda. Uma moça solteira e in-
 kova, de 15 anos, e Lena Katina, de 16,    sumir hoje do que seria há alguns          dependente, que vive sozinha, tem mui-
 duas cantoras russas que seguem o es-      anos”, diz a secretária Raíssa Correia     to mais dinheiro para gastar que uma
 tilo Britney Spears –, elas aparecem se    do Amaral, carioca de 22 anos que mo-      dona-de-casa. “Como são financeira-
 beijando na boca e cantando: Eu não        ra em São Paulo e está à procura de        mente livres, podem escolher o cami-
 sou ninguém sem ela/ Perdoem-me,           uma namorada. Raíssa é o exemplo tí-       nho que quiserem”, explica o médico
 papai e mamãe. O seriado americano         pico da nova geração de lésbicas. Não      Jairo Bouer, especialista em sexualida-
 Sexo e a Cidade, exibido na TV por as-     está interessada em militância gay e       de adolescente. A luta pela liberdade
 sinatura, vai mostrar na próxima tem-      quer mesmo é ser bem-aceita em casa.       sexual da geração que hoje tem filhos
 porada a brasileira Sônia Braga – que      Há três meses, quando conversou com        e filhas foi outro fator que facilitou a vi-
 já admitiu experiências com mulhe-         a mãe depois de um almoço de sába-         da dessas garotas. “A revolução sexual
 res no passado – no papel de uma lés-      do, Raíssa não foi deserdada, rejeitada,   dos anos 60 mostrou que arranjos so-
 bica que conquista uma das protago-        nem ouviu sermões. A viúva Terezinha       ciais, costumes e normas não são eter-
 nistas. Os programas de TV america-        Raposo, de 47 anos, prometeu se esfor-     nos e podem ser mudados”, diz a dou-
 nos agora incluem sem medo persona-        çar para entender a filha. Apenas não      tora em educação Guacira Louro, da
 gens de mulheres gays. E, diferente-       escondeu seus limites. “Quando ela         Universidade Federal do Rio Grande do
 mente do que ocorria no passado, no        trouxer a namorada aqui em casa, fin-      Sul, especialista em sexualidade.
 papel de mocinhas. Em Buffy, a Ca-         girei para mim mesma que são ami-             As estatísticas indicam que cerca de
 ça-Vampiros, um dos mais populares         gas”, conforma-se. “Costumamos fa-         10% da população mundial já teve al-
 entre os adolescentes, o casal de me-      zer planos para os filhos, mas eles só     gum tipo de experiência com pessoas
 ninas Tara e Willow passa as cenas tro-    cumprem se quiserem.”                      do mesmo sexo, em algum ponto da
 cando beijos e carinhos. Xena, a Prin-       A maior liberdade que as lésbicas de     vida. Considerando que no Brasil há
 cesa Guerreira, divide o leito com sua     hoje encontram para assumir sua opção      48 milhões de jovens entre 15 e 29
 fiel escudeira, Gabrielle. “A glamouri-    tem uma explicação simples e pouco ro-     anos, a chamada Geração Milênio de-
 zação do tema, com a moda do lesbian       mântica: a independência financeira.       ve ter cerca de 5 milhões de gays, lés-
 chic, ajudou a diminuir o preconceito”,    Assim como as mulheres ganharam voz        bicas, bissexuais e pessoas que estão
 teoriza a cantora e militante Vange Leo-   ativa ao entrar no mercado de traba-       “experimentando”. Aparentemente
 nel. “Foi o mesmo efeito que o movi-       lho em meados do século XX, as meni-       esse universo não está crescendo, mas



      ANA PAULA DE OLIVEIRA
        27 anos, pernambucana,
     comerciante, vive em São Paulo

 Namoro desde os 16 anos. Tive pou-
 cos namorados, queria ter certeza se
 gostava de meninos ou meninas. Dis-
 farçava o tempo todo. Sou filha de mi-
 litar, tive problemas com meus pais.
 Cheguei a sair de casa e uma tia aju-
 dou a me reaproximar deles. Hoje,
 acho que vale a pena ser verdadei-
 ra. Dia desses, dei um beijo de língua
 na minha namorada numa lanchone-
 te. Adolescentes pararam de comer
 e vieram nos perguntar se éramos ar-
 tistas. Os homens têm fetiche por
 duas mulheres, mas ainda querem
 saber quem é o ‘homem’ e a ‘mulher’,
 como se isso acontecesse conosco. A
 homossexualidade é só um pedaço
                                                                                                                                      Denise Adams/ÉPOCA




 da minha vida. E isso não quer dizer,
 inclusive, que eu não possa ser mãe.
 Só não decidi como, ainda.


62
Mirian Fichtner/ÉPOCA




                                                                                                                       MARIANA ARRAES
                         ganhando visibilidade. Um dos mo-           ver seus conceitos”, decidiu incluir um             23 anos, carioca,
                         tivos para isso é a internet. “As ga-       comercial em que um casal lésbico vai                  estudante
                         rotas descobriram que não estão sozi-       a uma reunião de pais, na escola.
                         nhas. Elas trocam confidências on-li-       “Concluímos que a sociedade já tem         Hoje é possível levar uma vida li-
                         ne, publicam anúncios à procura de          uma relação mais saudável com as mu-       vre de preconceitos. Faço faculdade
                         parceiras e ficam sabendo de avanços        lheres homossexuais”, diz Felipe Lu-       de dança e meus colegas de curso
                         políticos e sociais em outros países”,      chi, um dos diretores da agência. Há       têm a cabeça aberta. Mas tenho
                         teoriza Laura Bacellar, dona da Edi-        dois anos, o faturamento das 30 em-        consciência de que freqüento luga-
                         ções GLS, fundada há quatro anos. Em        presas que compõem a Associação dos        res mais liberais. Sei que muitas mu-
                         saraus literários mensais, Laura reúne      Empresários GLS do Brasil cresceu          lheres sofrem preconceito. Eu mes-
                         grupos de mulheres que gostam de            30%, contra os 4% da economia nacio-       ma me atormentei durante anos.
                         mulheres para discutir ficção e vida        nal no mesmo período.                      Meu irmão, apesar de jovem, não to-
                         real. Antes eram umas dez por sessão.          A cena de garotas beijando garotas      lera minha escolha. Quando tomei
                         Hoje elas já passam de 100.                 provoca cada vez menos surpresa na         consciência de que me sentia atraí-
                            Uma pesquisa encomendada pela            noite das grandes cidades. Em São          da por garotas, tentei lutar contra
                         MTV ajuda a entender a geração que          Paulo, há 20 boates e bares dirigidos a    aquilo. Tinha nojo. Tinha uma idéia
                         aceita essas garotas. Os jovens de ho-      esse público. Em Salvador e no Reci-       falsa de que, se continuasse fican-
                         je são mais individualistas que no pas-     fe já se vê uma paisagem nova na noi-      do com garotos, deixaria de ser lés-
                         sado – portanto, menos preocupados          te, com lésbicas freqüentando ambien-      bica. Mas nunca senti nada, nenhum
                         em dar satisfações da própria vida. São     tes heterossexuais ao lado das namo-       prazer. Num dado momento, tive cer-
                         mais tolerantes em relação a diferen-       radas. No Rio de Janeiro, junto da tra-    teza da minha homossexualidade,
                         ças – por isso, não fiscalizam as opções    dicional Le Boy, a mais famosa boate       mas o problema eram os outros: não
                         sexuais dos amigos. E criam sua iden-       gay da cidade, abriu recentemente a        contava nem para minhas amigas ín-
                         tidade por meio do consumo, o que           La Girl, com pista de dança de mármo-      timas, tinha medo da reação delas.
                         obriga o mercado a conhecê-los e sa-        re cor-de-rosa e dançarinas de biquíni     Preferia esconder. Eu era uma pes-
                         tisfazê-los, seja qual for a tribo à qual   dentro de gaiolas de ferro. A dance-       soa solitária. Até que vi um casal de
                         pertençam. Na cidade grande, as lés-        teria Bunker94 organiza todo domin-        lésbicas na novela Vale Tudo e me
                         bicas são apenas mais uma das tribos,       go um baile que virou tradição – ba-       dei conta de que gostar de mulheres
                         como os skatistas, os metaleiros ou os      tizado sutilmente de Discotcheka. A        não era defeito nem doença. Ainda
                         clubbers. Tribo cada vez mais visível.      estudante Juliana, de 22 anos, conta que   assim, fui casada por quatro anos
                         Quando a agência de publicidade Leo         na boate GLS Bastilha, no bairro de        com um homem. Não fui feliz. Quan-
                         Burnett criou a campanha para a Fiat,       Botafogo, cada vez encontra mais ga-       do me separei, decidi assumir.
                         com o slogan “Está na hora de você re-      rotas em busca de novas emoções. ä

                        ÉPOCA 19 DE AGOSTO, 2002                                                                                                    63
Léo Caldas/Titular    ESPECIAL




                                                                   ITA CATRINA
                                                33 anos, pernambucana, auxiliar-administrativa                                        “Já fiquei com mais de uma que nun-
                                                                                                                                      ca tinha tido nada com mulher e pre-
                      Assumir meu desejo por outras mu-                      até hoje prefere fingir que não sabe                     tendia apenas experimentar”, diz. A
                      lheres não foi fácil. A educação nor-                  de nada. Às vezes, ele fica falando                      poucas mesas de distância, a analis-
                      destina é muito centrada nos valo-                     barbaridades sobre gays na minha                         ta de sistemas Lívia, de 23 anos, conta
                      res tradicionais. Mantinha minha es-                   frente, mas não ligo mais. Tirei um pe-                  que gosta de mulheres, mas mantém
                      colha em segredo, preocupada com a                     so das costas e deixei de ser introver-                  um namoro com um rapaz. “Sou tími-
                      opinião dos meus pais e da vizinhan-                   tida. Acho muito legal ver que de uns                    da e é difícil até para mim mesma en-
                      ça. Só aos 26 anos consegui ir a uma                   cinco anos para cá as garotas estão se                   tender o que acontece. Nas boates hé-
                      festa GLS. Percebi, então, que não era                 libertando com mais naturalidade.                        tero, vou com o namorado. Quando es-
                      nenhum bicho-de-sete-cabeças. Des-                     Mas ainda existem aquelas que man-                       tou lésbica, venho aqui”, resume.
                      cobri que havia garotas como eu, e                     têm um namoradinho de fachada. Mi-                         Boa parte das mulheres que dizem
                      não apenas mulheres masculinizadas.                    nha atual namorada, por exemplo,                         “estar” homossexuais explica sua de-
                      Logo depois comecei a namorar uma                      sempre teve desejos por mulheres,                        cisão por falta de paciência com os ho-
                      menina e decidi abrir o jogo em casa.                  mas se mantinha hétero. Ela está de-                     mens. “Alguns com os quais me en-
                      Minha mãe deu apoio, mas meu pai                       cidindo como contar para a mãe.                          volvi falharam quando precisei de um
                                                                                                                                      companheiro”, diz a estudante Ca-



                      DA GRÉCIA ANTIGA ÀS PASSEATAS                           A homossexualidade feminina é tão antiga quanto a própria humanidade
                                   l   Século VI a.C.                        l   Século XVI        l   Século XX – Anos 20                                    l   Anos 40
                                                            Safo (à dir.),       Brasileiras           Os “anos                                                   Estudos de
                                                                                                                       Fotos: Sygma




                                                            poetisa              acusadas de           loucos”,                                                   Alfred Kinsey
                                                           grega que             lesbianismo são       em Paris                                                   revelam que
                                                           cantava               julgadas pela         e Berlim,                                                  a quantidade
                                                         suas amantes,           Inquisição.           colocam                                                    de pessoas
                                                        é a primeira             Das 29,               em voga                                                    que têm
                                                        lésbica famosa.          há apenas             a androginia                                               desejo por
                                                        Lesbos, a ilha           duas viúvas           e bissexuais,                                              gente do
                                                        onde vivia, deu          e uma solteira.       como                                                       mesmo sexo
                          Reprodução




                                                        origem ao                As demais             Marlene                                                    é maior que
                                                        termo                    são casadas           Dietrich                                                   o imaginado



                     64
RAÍSSA DO AMARAL
                                                                                                                               22 anos, carioca, secretária,
                                                                                                                                   vive em São Paulo

                                                                                                                           Perdi a virgindade cedo e namorei
                                                                                                                           muitos homens. Fui amante de um
                                                                                                                           casado, tive um filho e pode ser que
                                                                                                                           um dia volte a namorar rapazes. No
                                                                                                                           momento estou desencantada. Não
                                                                                                                           acho que os homens sejam confiá-
                                                                                                                           veis. Quando resolvi namorar uma
                                                                                                                           mulher, não sabia por onde come-
                                                                                                                           çar e decidi colocar um anúncio na
                                                                                                                           internet. Cheguei a conhecer uma
                                                                                                                           menina que não queria um relacio-
                                                                                                                           namento fixo, pois já tinha namora-
                                                                                                                           do. Isso é bem comum, aliás. Essa
                                                                                                                           coisa de separar amor e sexo, que
                                                                                                                           os homens sempre fizeram, é des-
                                                                                                                           coberta recente para mulheres co-
                                                                                                                           mo eu. O curioso é que muitos ho-
                                                                                                      Denise Adams/ÉPOCA
                                                                                                                           mens responderam ao anúncio. Eles
                                                                                                                           não se conformam que uma mulher
    rolina Franchon, paulistana de 22 anos,                           ta a aceitação das jovens de classe mé-              possa preferir outra. Depois de um
    que namora uma editora de arte. O ar-                             dia, as mais pobres não têm essa chan-               tempo, encontrei uma garota que
    gumento mais freqüentemente ouvi-                                 ce. “Mulher de periferia não pode as-                me fez feliz. Ela foi companheira,
    do nesse grupo é que, com a liberda-                              sumir, porque apanha do pai, é discri-               amiga, amante. Contei para minha
    de sexual, os homens não estão mais                               minada no bairro e pode até perder                   mãe e ela entendeu. Admitiu que
    interessados em criar vínculos, mos-                              o emprego”, afirma a carioca Danie-                  era difícil, mas se esforçaria para
    tram-se pouco dispostos a conversar e                             la Duarte, de 21 anos, que trabalha nu-              aceitar. Quanto a meu filho, que ain-
    esquecem as gentilezas.                                           ma organização não-governamental                     da não tem 2 anos, será preparado
      Apesar da crescente liberdade, a vi-                            de defesa das mulheres.                              para lidar naturalmente com isso.
    da não é toda cor-de-rosa para as ga-                               Na intimidade familiar, de modo ge-                Não vou me esconder para ele não
    rotas que saem do armário. A estudio-                             ral, a crise é inevitável, até na classe             se chocar no futuro. No final das
    sa Guacira Louro ressalta que a ten-                              média. Mesmo que não reajam de                       contas, não quero que me julguem.
    dência geral ainda é a discriminação.                             modo drástico, os pais costumam se                   Hoje, estou convicta da minha es-
    “Continua difícil assumir um estilo de                            decepcionar profundamente quando                     colha, mas, se descobrir que isso não
    vida que foi visto durante tanto tem-                             deparam com a situação. E aí se per-                 me interessa mais, mudo meu per-
    po como desvio, pecado, doença”, diz.                             guntam: “Onde foi que erramos?” É                    curso sem culpa.
    Se a independência financeira facili-                             uma reação compreensível. Os pais ä




l   Anos 60-70                                                    l   Anos 80           l   Anos 90                                           l   Hoje
    Ao mesmo tempo que a Associação                                   Países                Celebridades,                                         Lésbicas
    Americana de Psicologia retirou                                   europeus              como Ellen                                            aparecem com
    o homossexualismo de sua lista                                    começam a             DeGeneres e                                           destaque em
    de doenças, mulheres saem                                         definir leis em       Anne Heche,                                           campanhas
    às ruas pregando a liberdade                                      que o direito         lançam moda                                           publicitárias
    sexual e o direito às diferenças                                  à união civil         posando                                               e a Justiça
                                                                      não se                oficialmente                                          concede a
                                         Roger Ressmeyer/Corbis




                                                                      restringe aos         como casal.                                           guarda de
                                                                      heterossexuais.       Outras                                                crianças
                                                                      O primeiro            famosas                                               a casais
                                                                      é a Dinamarca         assumem                                               homossexuais



ÉPOCA 24 DE JUNHO, 2002                                                                                                                                        65
ESPECIAL



 sabem que o caminho do lesbianismo
 em nada facilitará a vida da filha na so-                                                             RAFAELA FRANÇA
 ciedade. Diferentemente do que os ho-                                                             22 anos, carioca, comissária
 mossexuais – e também muitas mulhe-                                                                 de bordo em São Paulo
 res amargas e solitárias – costumam
 apregoar, o mundo não é gay. Quem                                                             Namorei homens e o sexo era bom,
 tem essa orientação sexual sofre con-                                                         mas percebi que me dava melhor com
 seqüências e não há pai que queira ver                                                        mulheres. No trabalho, contei que era
 um filho exposto a sofrimento. Embo-                                                          lésbica e, em vez de me discrimina-
 ra cada família reaja de acordo com                                                           rem, fizeram rodinhas para saber de-
 as próprias peculiaridades – origem,                                                          talhes. Pura curiosidade. Dou beijo na
 tradição, valores e princípios religiosos                                                     boca da minha namorada aonde quer
 –, há um comportamento-padrão: se-                                                            que vá, menos na frente de crianças.
 guir adiante sem tocar mais no assun-                                                         Não sou de freqüentar ambientes gays.
 to e fazer de conta que nada aconteceu.                                                       Não vejo necessidade de me juntar pa-
 “Há dois anos juntei coragem suficien-                                                        ra lutar por uma causa. A atitude polí-
 te para contar a meus pais. Eles com-                                                         tica começa em casa, com os seus. Aos
 preenderam, mas de lá para cá nun-                                                            poucos, as pessoas estão entenden-
 ca mais falamos sobre isso”, diz a ca-                                                        do que ser homossexual não é defei-
 rioca Mariana Arraes, de 23 anos.                                                             to nem qualidade. Não acrescenta nem
    Na primeira conversa, quase sempre                                                         diminui. É só uma característica, como
 a única, uma indagação normalmen-                                                             ter olhos azuis ou cabelos crespos.
 te feita pelos pais é: “Quem a sedu-
                                                                          Denise Adams/ÉPOCA
 ziu?” A idéia usual é de que alguma
 mulher mais velha foi a responsável.
 Embora realmente existam caçadoras             acontecem normalmente na adoles-               to crucial do processo de “sair do ar-
 de meninas, sobretudo na internet –            cência ou na pré-adolescência”, diz a          mário”. “Eu estava armada, pronta pa-
 em quantidade tremendamente infe-              antropóloga Annamaria Ribeiro, da or-          ra a luta, mas não encontrei conflitos
 rior à de homens adultos caçando nin-          ganização Apoio a Familiares, Grupos           nem adversidades”, diz a comissária
 fetas –, estudos recentes mostram que          e Homossexuais (Afagho).                       de bordo Rafaela França, nascida no
 a extrema maioria dessas garotas se              Para as 79 lésbicas entre 18 e 35 anos       conservador bairro da Tijuca, no Rio
 envolveu com outras da mesma fai-              ouvidas por ÉPOCA em quatro capitais,          de Janeiro. “O difícil mesmo foi enca-
 xa etária. “As primeiras experiências          a conversa com a família foi o momen-          rar minha mãe, que ficou um tempo
                                                                                               sem falar comigo direito.” Vencidas as
                                                                                               questões familiares, o próximo gran-
                                                                                               de momento na vida dessas mulheres
                                                    CAROLINA FRANCHON                          é a decisão pela maternidade. A maio-
                                                       22 anos, paulistana,                    ria das entrevistadas declarou a pre-
                                                            estudante                          ferência pelo método tradicional, em
                                                                                               que pesem esporádicos contatos he-
                                               Sempre tive atração por mulheres, mas           terossexuais. “Eu e minha namora-
                                               pensava comigo mesma que não po-                da estamos discutindo a hipótese de
                                               dia gostar delas. Foi um baque quan-            ficar grávidas no mesmo período”, diz
                                               do me apaixonei, há quatro anos. En-            a comerciante Ana Paula de Oliveira,
                                               trei em depressão. Vivi a fase do bis-          de 27 anos. “Uma possibilidade é tran-
                                               sexualismo, quando os meninos só                sar com amigos.” Como se vê, o novo
                                               queriam saber de ficar. Nunca tive me-          lesbianismo é mesmo um universo
                                               do de perder emprego, mas perdi ami-            cheio de complexidades.             n
                                               gos quando assumi. Hoje nem perce-
                                               bo a reação das pessoas quando tro-                                  COM REPORTAGEM DE
                                               co carinhos com minha namorada. Não              BEATRIZ VELLOSO, DO RIO DE JANEIRO,
                                                é para provocar, agimos como um ca-              EDUARDO BURCKHARDT, DO RECIFE,
                                                    sal normal. Se mexerem comigo,                 E TIAGO CORDEIRO, DE SALVADOR
                                                    revido. Não admito ser desrespei-
                                                  tada. Só não vou dizer que nunca                     Participe do fórum de debate


                          Denise Adams/ÉPOCA
                                               mais ficarei com homem, até porque
                                               nunca me imaginei homossexual.                  @       e leia mais depoimentos em
                                                                                                       www.epoca.com.br

66                                                                                                              ÉPOCA 19 DE AGOSTO, 2002

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  • 1. BOA FORMA ELEIÇÃO STIGLITZ Quando a cirurgia que reduz A guerra final Mercado louco o estômago vale a pena pela TV ameaça o Brasil Portugal / Cont. ESC 772$80 (€3,85 ) USA US$ 6.00 www.epoca.com.br R$ 5,50 No 222 19 agosto 2002 Raíssa do Amaral, 22 anos, secretária Ana Paula de 00222 Oliveira, 27 anos, comerciante 9 771415 549002 ISSN 1415-5494 Ângela Prado, 29 anos, psicóloga, que participará do programa Fica Comigo, da MTV LÉSBICAS ELAS ASSUMEM As homossexuais brasileiras ocupam espaço público e afirmam sua orientação sexual com dignidade
  • 2. ESPECIAL Um espaço As lésbicas saem do armário, querem ter filhos e admitem até mesmo relacionamentos com homens JOÃO LUIZ VIEIRA que lembre aquele antigo estereótipo masculinizado. Elas são elegantes, cui- H á algo de novo nas dam do corpo, gostam de maquiagem ruas e quem anda de e usam roupas sensuais. O novo uni- olhos bem abertos já verso homossexual feminino ganhou deve ter percebido. As complexidades que não faziam parte lésbicas estão cada vez da vida das militantes gays do passa- mais à vontade. Come- do. Atualmente, as lésbicas que não são çam a deixar os tradicionais guetos ho- mães planejam se tornar algum dia – e mossexuais para se expor publicamen- não necessariamente com os recursos te. Andam de mãos dadas em livra- da fertilização em laboratório. E mais: rias da moda, cinemas, restaurantes e a maioria delas não descarta a possibi- supermercados. Às vezes arriscam tro- lidade de eventualmente namorar ra- cas de carinhos nos cabelos e até bei- pazes. “Como o termo ‘lésbica’ ainda jos. Fazem isso sem constrangimento é carregado de significados negativos, e, freqüentemente, com muita femi- muitas garotas buscam um caminho nilidade. Não há nada nessas garotas mais experimental e preferem ficar em ÂNGELA PRADO 29 anos, paulistana, psicóloga Para mim, ir para o Fica Comigo, na os limites deles. Dois anos depois, MTV, faz parte de um processo. Es- eles terminaram me aceitando me- tou unindo o útil ao agradável, já que lhor. Meu pai chegou a convidar uma estou solteira há dois anos. Namorei de minhas namoradas para um jan- meninos na minha adolescência até tar em sua casa – e ele mal cozinha, me apaixonar por uma amiga, aos 17 foi apenas uma forma de reaproxi- anos. Ela era heterossexual e ainda mação. Quanto às pessoas mais jo- é até hoje. Só que, como eu, teve a vens, foi menos traumático. Não per- curiosidade de experimentar. Fica- di amigos, meus irmãos e meus so- mos juntas oito meses. Fui a única brinhos sabem e reagiram superna- mulher da vida dela. Contamos para turalmente. Passado algum tempo, nossos pais e não fui bem recebida morei na Austrália durante três anos em casa. Eles cortaram minha mesa- e recebi visto de residente por cau- da, tentaram proibir, mas continuei sa de um relacionamento com ou- a encontrar minha namorada escon- tra mulher. Foi uma experiência fan- dido. Meus pais são conservadores e tástica conhecer uma sociedade on- naquela hora precisei compreender de as diferenças são respeitadas. 60
  • 3. conquistado cima do muro”, diz Paola Patassini, mestre em comunicação e semiótica, com especialização em sexualidade hu- mana pela Pontifícia Universidade Ca- tólica de São Paulo. “Lésbica em vários casos pode ser mais uma questão de ‘estar’ que de ‘ser’.” O descompromisso com a bandei- ra gay e com a própria condição ho- mossexual tem contribuído para o au- mento da exposição. Em outubro, a MTV deve levar ao ar a edição total- mente feminina do programa Fica Co- migo, apresentado por Fernanda Li- ma. Já existe uma “querida” – a mo- ça que, no palco, escolherá uma en- tre as várias pretendentes que se ins- creveram pela internet para a versão moderna do Namoro na Tevê. A paulistana Ângela Prado, de 29 anos, foi a selecionada. No pro- grama, depois de três eliminató- rias, ela elegerá a finalista entre as candidatas – já são mais de 50 – e dirá se aceita beijá-la na boca, ao vivo, diante das câmeras. “Não estou ansiosa. Eu sou a oferta, espero pela demanda”, brinca. O assunto está na moda. No mês passado, na Fashion Rio, o desfile mais aplaudido foi o da grife Totem, que levou o casal Vanes- sa Andrade, de 23 anos, e Bianca Ja- hara, de 30. A Parada Gay deste ano, em São Paulo, teve como tema princi- pal as mulheres homossexuais e mais de 150 mil delas desfilaram em ple- na Avenida Paulista, numa cena até recentemente inimaginável. Lá fora, o fenômeno é notado com maior intensidade ainda. Celebridades como as atrizes Winona Ryder, Christi- na Ricci e Angelina Jolie, por exemplo, já admitiram flertes homossexuais. Ju- Denise Adams/ÉPOCA lia Roberts, a mulher mais poderosa de Hollywood, foi flagrada por paparaz- zi aos beijos com uma “amiga” numa discoteca de Nova York – o que não ä 61
  • 4. ESPECIAL a impediu, no mês passado, de se ca- mento black is beautiful teve, nos anos nas ganharam passaporte para sair do sar com um homem. No primeiro video- 60, em relação aos negros.” armário quando começaram a viver da clipe da dupla pop Tatu – Yulia Vol- “Sem dúvida é menos complicado as- própria renda. Uma moça solteira e in- kova, de 15 anos, e Lena Katina, de 16, sumir hoje do que seria há alguns dependente, que vive sozinha, tem mui- duas cantoras russas que seguem o es- anos”, diz a secretária Raíssa Correia to mais dinheiro para gastar que uma tilo Britney Spears –, elas aparecem se do Amaral, carioca de 22 anos que mo- dona-de-casa. “Como são financeira- beijando na boca e cantando: Eu não ra em São Paulo e está à procura de mente livres, podem escolher o cami- sou ninguém sem ela/ Perdoem-me, uma namorada. Raíssa é o exemplo tí- nho que quiserem”, explica o médico papai e mamãe. O seriado americano pico da nova geração de lésbicas. Não Jairo Bouer, especialista em sexualida- Sexo e a Cidade, exibido na TV por as- está interessada em militância gay e de adolescente. A luta pela liberdade sinatura, vai mostrar na próxima tem- quer mesmo é ser bem-aceita em casa. sexual da geração que hoje tem filhos porada a brasileira Sônia Braga – que Há três meses, quando conversou com e filhas foi outro fator que facilitou a vi- já admitiu experiências com mulhe- a mãe depois de um almoço de sába- da dessas garotas. “A revolução sexual res no passado – no papel de uma lés- do, Raíssa não foi deserdada, rejeitada, dos anos 60 mostrou que arranjos so- bica que conquista uma das protago- nem ouviu sermões. A viúva Terezinha ciais, costumes e normas não são eter- nistas. Os programas de TV america- Raposo, de 47 anos, prometeu se esfor- nos e podem ser mudados”, diz a dou- nos agora incluem sem medo persona- çar para entender a filha. Apenas não tora em educação Guacira Louro, da gens de mulheres gays. E, diferente- escondeu seus limites. “Quando ela Universidade Federal do Rio Grande do mente do que ocorria no passado, no trouxer a namorada aqui em casa, fin- Sul, especialista em sexualidade. papel de mocinhas. Em Buffy, a Ca- girei para mim mesma que são ami- As estatísticas indicam que cerca de ça-Vampiros, um dos mais populares gas”, conforma-se. “Costumamos fa- 10% da população mundial já teve al- entre os adolescentes, o casal de me- zer planos para os filhos, mas eles só gum tipo de experiência com pessoas ninas Tara e Willow passa as cenas tro- cumprem se quiserem.” do mesmo sexo, em algum ponto da cando beijos e carinhos. Xena, a Prin- A maior liberdade que as lésbicas de vida. Considerando que no Brasil há cesa Guerreira, divide o leito com sua hoje encontram para assumir sua opção 48 milhões de jovens entre 15 e 29 fiel escudeira, Gabrielle. “A glamouri- tem uma explicação simples e pouco ro- anos, a chamada Geração Milênio de- zação do tema, com a moda do lesbian mântica: a independência financeira. ve ter cerca de 5 milhões de gays, lés- chic, ajudou a diminuir o preconceito”, Assim como as mulheres ganharam voz bicas, bissexuais e pessoas que estão teoriza a cantora e militante Vange Leo- ativa ao entrar no mercado de traba- “experimentando”. Aparentemente nel. “Foi o mesmo efeito que o movi- lho em meados do século XX, as meni- esse universo não está crescendo, mas ANA PAULA DE OLIVEIRA 27 anos, pernambucana, comerciante, vive em São Paulo Namoro desde os 16 anos. Tive pou- cos namorados, queria ter certeza se gostava de meninos ou meninas. Dis- farçava o tempo todo. Sou filha de mi- litar, tive problemas com meus pais. Cheguei a sair de casa e uma tia aju- dou a me reaproximar deles. Hoje, acho que vale a pena ser verdadei- ra. Dia desses, dei um beijo de língua na minha namorada numa lanchone- te. Adolescentes pararam de comer e vieram nos perguntar se éramos ar- tistas. Os homens têm fetiche por duas mulheres, mas ainda querem saber quem é o ‘homem’ e a ‘mulher’, como se isso acontecesse conosco. A homossexualidade é só um pedaço Denise Adams/ÉPOCA da minha vida. E isso não quer dizer, inclusive, que eu não possa ser mãe. Só não decidi como, ainda. 62
  • 5. Mirian Fichtner/ÉPOCA MARIANA ARRAES ganhando visibilidade. Um dos mo- ver seus conceitos”, decidiu incluir um 23 anos, carioca, tivos para isso é a internet. “As ga- comercial em que um casal lésbico vai estudante rotas descobriram que não estão sozi- a uma reunião de pais, na escola. nhas. Elas trocam confidências on-li- “Concluímos que a sociedade já tem Hoje é possível levar uma vida li- ne, publicam anúncios à procura de uma relação mais saudável com as mu- vre de preconceitos. Faço faculdade parceiras e ficam sabendo de avanços lheres homossexuais”, diz Felipe Lu- de dança e meus colegas de curso políticos e sociais em outros países”, chi, um dos diretores da agência. Há têm a cabeça aberta. Mas tenho teoriza Laura Bacellar, dona da Edi- dois anos, o faturamento das 30 em- consciência de que freqüento luga- ções GLS, fundada há quatro anos. Em presas que compõem a Associação dos res mais liberais. Sei que muitas mu- saraus literários mensais, Laura reúne Empresários GLS do Brasil cresceu lheres sofrem preconceito. Eu mes- grupos de mulheres que gostam de 30%, contra os 4% da economia nacio- ma me atormentei durante anos. mulheres para discutir ficção e vida nal no mesmo período. Meu irmão, apesar de jovem, não to- real. Antes eram umas dez por sessão. A cena de garotas beijando garotas lera minha escolha. Quando tomei Hoje elas já passam de 100. provoca cada vez menos surpresa na consciência de que me sentia atraí- Uma pesquisa encomendada pela noite das grandes cidades. Em São da por garotas, tentei lutar contra MTV ajuda a entender a geração que Paulo, há 20 boates e bares dirigidos a aquilo. Tinha nojo. Tinha uma idéia aceita essas garotas. Os jovens de ho- esse público. Em Salvador e no Reci- falsa de que, se continuasse fican- je são mais individualistas que no pas- fe já se vê uma paisagem nova na noi- do com garotos, deixaria de ser lés- sado – portanto, menos preocupados te, com lésbicas freqüentando ambien- bica. Mas nunca senti nada, nenhum em dar satisfações da própria vida. São tes heterossexuais ao lado das namo- prazer. Num dado momento, tive cer- mais tolerantes em relação a diferen- radas. No Rio de Janeiro, junto da tra- teza da minha homossexualidade, ças – por isso, não fiscalizam as opções dicional Le Boy, a mais famosa boate mas o problema eram os outros: não sexuais dos amigos. E criam sua iden- gay da cidade, abriu recentemente a contava nem para minhas amigas ín- tidade por meio do consumo, o que La Girl, com pista de dança de mármo- timas, tinha medo da reação delas. obriga o mercado a conhecê-los e sa- re cor-de-rosa e dançarinas de biquíni Preferia esconder. Eu era uma pes- tisfazê-los, seja qual for a tribo à qual dentro de gaiolas de ferro. A dance- soa solitária. Até que vi um casal de pertençam. Na cidade grande, as lés- teria Bunker94 organiza todo domin- lésbicas na novela Vale Tudo e me bicas são apenas mais uma das tribos, go um baile que virou tradição – ba- dei conta de que gostar de mulheres como os skatistas, os metaleiros ou os tizado sutilmente de Discotcheka. A não era defeito nem doença. Ainda clubbers. Tribo cada vez mais visível. estudante Juliana, de 22 anos, conta que assim, fui casada por quatro anos Quando a agência de publicidade Leo na boate GLS Bastilha, no bairro de com um homem. Não fui feliz. Quan- Burnett criou a campanha para a Fiat, Botafogo, cada vez encontra mais ga- do me separei, decidi assumir. com o slogan “Está na hora de você re- rotas em busca de novas emoções. ä ÉPOCA 19 DE AGOSTO, 2002 63
  • 6. Léo Caldas/Titular ESPECIAL ITA CATRINA 33 anos, pernambucana, auxiliar-administrativa “Já fiquei com mais de uma que nun- ca tinha tido nada com mulher e pre- Assumir meu desejo por outras mu- até hoje prefere fingir que não sabe tendia apenas experimentar”, diz. A lheres não foi fácil. A educação nor- de nada. Às vezes, ele fica falando poucas mesas de distância, a analis- destina é muito centrada nos valo- barbaridades sobre gays na minha ta de sistemas Lívia, de 23 anos, conta res tradicionais. Mantinha minha es- frente, mas não ligo mais. Tirei um pe- que gosta de mulheres, mas mantém colha em segredo, preocupada com a so das costas e deixei de ser introver- um namoro com um rapaz. “Sou tími- opinião dos meus pais e da vizinhan- tida. Acho muito legal ver que de uns da e é difícil até para mim mesma en- ça. Só aos 26 anos consegui ir a uma cinco anos para cá as garotas estão se tender o que acontece. Nas boates hé- festa GLS. Percebi, então, que não era libertando com mais naturalidade. tero, vou com o namorado. Quando es- nenhum bicho-de-sete-cabeças. Des- Mas ainda existem aquelas que man- tou lésbica, venho aqui”, resume. cobri que havia garotas como eu, e têm um namoradinho de fachada. Mi- Boa parte das mulheres que dizem não apenas mulheres masculinizadas. nha atual namorada, por exemplo, “estar” homossexuais explica sua de- Logo depois comecei a namorar uma sempre teve desejos por mulheres, cisão por falta de paciência com os ho- menina e decidi abrir o jogo em casa. mas se mantinha hétero. Ela está de- mens. “Alguns com os quais me en- Minha mãe deu apoio, mas meu pai cidindo como contar para a mãe. volvi falharam quando precisei de um companheiro”, diz a estudante Ca- DA GRÉCIA ANTIGA ÀS PASSEATAS A homossexualidade feminina é tão antiga quanto a própria humanidade l Século VI a.C. l Século XVI l Século XX – Anos 20 l Anos 40 Safo (à dir.), Brasileiras Os “anos Estudos de Fotos: Sygma poetisa acusadas de loucos”, Alfred Kinsey grega que lesbianismo são em Paris revelam que cantava julgadas pela e Berlim, a quantidade suas amantes, Inquisição. colocam de pessoas é a primeira Das 29, em voga que têm lésbica famosa. há apenas a androginia desejo por Lesbos, a ilha duas viúvas e bissexuais, gente do onde vivia, deu e uma solteira. como mesmo sexo Reprodução origem ao As demais Marlene é maior que termo são casadas Dietrich o imaginado 64
  • 7. RAÍSSA DO AMARAL 22 anos, carioca, secretária, vive em São Paulo Perdi a virgindade cedo e namorei muitos homens. Fui amante de um casado, tive um filho e pode ser que um dia volte a namorar rapazes. No momento estou desencantada. Não acho que os homens sejam confiá- veis. Quando resolvi namorar uma mulher, não sabia por onde come- çar e decidi colocar um anúncio na internet. Cheguei a conhecer uma menina que não queria um relacio- namento fixo, pois já tinha namora- do. Isso é bem comum, aliás. Essa coisa de separar amor e sexo, que os homens sempre fizeram, é des- coberta recente para mulheres co- mo eu. O curioso é que muitos ho- Denise Adams/ÉPOCA mens responderam ao anúncio. Eles não se conformam que uma mulher rolina Franchon, paulistana de 22 anos, ta a aceitação das jovens de classe mé- possa preferir outra. Depois de um que namora uma editora de arte. O ar- dia, as mais pobres não têm essa chan- tempo, encontrei uma garota que gumento mais freqüentemente ouvi- ce. “Mulher de periferia não pode as- me fez feliz. Ela foi companheira, do nesse grupo é que, com a liberda- sumir, porque apanha do pai, é discri- amiga, amante. Contei para minha de sexual, os homens não estão mais minada no bairro e pode até perder mãe e ela entendeu. Admitiu que interessados em criar vínculos, mos- o emprego”, afirma a carioca Danie- era difícil, mas se esforçaria para tram-se pouco dispostos a conversar e la Duarte, de 21 anos, que trabalha nu- aceitar. Quanto a meu filho, que ain- esquecem as gentilezas. ma organização não-governamental da não tem 2 anos, será preparado Apesar da crescente liberdade, a vi- de defesa das mulheres. para lidar naturalmente com isso. da não é toda cor-de-rosa para as ga- Na intimidade familiar, de modo ge- Não vou me esconder para ele não rotas que saem do armário. A estudio- ral, a crise é inevitável, até na classe se chocar no futuro. No final das sa Guacira Louro ressalta que a ten- média. Mesmo que não reajam de contas, não quero que me julguem. dência geral ainda é a discriminação. modo drástico, os pais costumam se Hoje, estou convicta da minha es- “Continua difícil assumir um estilo de decepcionar profundamente quando colha, mas, se descobrir que isso não vida que foi visto durante tanto tem- deparam com a situação. E aí se per- me interessa mais, mudo meu per- po como desvio, pecado, doença”, diz. guntam: “Onde foi que erramos?” É curso sem culpa. Se a independência financeira facili- uma reação compreensível. Os pais ä l Anos 60-70 l Anos 80 l Anos 90 l Hoje Ao mesmo tempo que a Associação Países Celebridades, Lésbicas Americana de Psicologia retirou europeus como Ellen aparecem com o homossexualismo de sua lista começam a DeGeneres e destaque em de doenças, mulheres saem definir leis em Anne Heche, campanhas às ruas pregando a liberdade que o direito lançam moda publicitárias sexual e o direito às diferenças à união civil posando e a Justiça não se oficialmente concede a Roger Ressmeyer/Corbis restringe aos como casal. guarda de heterossexuais. Outras crianças O primeiro famosas a casais é a Dinamarca assumem homossexuais ÉPOCA 24 DE JUNHO, 2002 65
  • 8. ESPECIAL sabem que o caminho do lesbianismo em nada facilitará a vida da filha na so- RAFAELA FRANÇA ciedade. Diferentemente do que os ho- 22 anos, carioca, comissária mossexuais – e também muitas mulhe- de bordo em São Paulo res amargas e solitárias – costumam apregoar, o mundo não é gay. Quem Namorei homens e o sexo era bom, tem essa orientação sexual sofre con- mas percebi que me dava melhor com seqüências e não há pai que queira ver mulheres. No trabalho, contei que era um filho exposto a sofrimento. Embo- lésbica e, em vez de me discrimina- ra cada família reaja de acordo com rem, fizeram rodinhas para saber de- as próprias peculiaridades – origem, talhes. Pura curiosidade. Dou beijo na tradição, valores e princípios religiosos boca da minha namorada aonde quer –, há um comportamento-padrão: se- que vá, menos na frente de crianças. guir adiante sem tocar mais no assun- Não sou de freqüentar ambientes gays. to e fazer de conta que nada aconteceu. Não vejo necessidade de me juntar pa- “Há dois anos juntei coragem suficien- ra lutar por uma causa. A atitude polí- te para contar a meus pais. Eles com- tica começa em casa, com os seus. Aos preenderam, mas de lá para cá nun- poucos, as pessoas estão entenden- ca mais falamos sobre isso”, diz a ca- do que ser homossexual não é defei- rioca Mariana Arraes, de 23 anos. to nem qualidade. Não acrescenta nem Na primeira conversa, quase sempre diminui. É só uma característica, como a única, uma indagação normalmen- ter olhos azuis ou cabelos crespos. te feita pelos pais é: “Quem a sedu- Denise Adams/ÉPOCA ziu?” A idéia usual é de que alguma mulher mais velha foi a responsável. Embora realmente existam caçadoras acontecem normalmente na adoles- to crucial do processo de “sair do ar- de meninas, sobretudo na internet – cência ou na pré-adolescência”, diz a mário”. “Eu estava armada, pronta pa- em quantidade tremendamente infe- antropóloga Annamaria Ribeiro, da or- ra a luta, mas não encontrei conflitos rior à de homens adultos caçando nin- ganização Apoio a Familiares, Grupos nem adversidades”, diz a comissária fetas –, estudos recentes mostram que e Homossexuais (Afagho). de bordo Rafaela França, nascida no a extrema maioria dessas garotas se Para as 79 lésbicas entre 18 e 35 anos conservador bairro da Tijuca, no Rio envolveu com outras da mesma fai- ouvidas por ÉPOCA em quatro capitais, de Janeiro. “O difícil mesmo foi enca- xa etária. “As primeiras experiências a conversa com a família foi o momen- rar minha mãe, que ficou um tempo sem falar comigo direito.” Vencidas as questões familiares, o próximo gran- de momento na vida dessas mulheres CAROLINA FRANCHON é a decisão pela maternidade. A maio- 22 anos, paulistana, ria das entrevistadas declarou a pre- estudante ferência pelo método tradicional, em que pesem esporádicos contatos he- Sempre tive atração por mulheres, mas terossexuais. “Eu e minha namora- pensava comigo mesma que não po- da estamos discutindo a hipótese de dia gostar delas. Foi um baque quan- ficar grávidas no mesmo período”, diz do me apaixonei, há quatro anos. En- a comerciante Ana Paula de Oliveira, trei em depressão. Vivi a fase do bis- de 27 anos. “Uma possibilidade é tran- sexualismo, quando os meninos só sar com amigos.” Como se vê, o novo queriam saber de ficar. Nunca tive me- lesbianismo é mesmo um universo do de perder emprego, mas perdi ami- cheio de complexidades. n gos quando assumi. Hoje nem perce- bo a reação das pessoas quando tro- COM REPORTAGEM DE co carinhos com minha namorada. Não BEATRIZ VELLOSO, DO RIO DE JANEIRO, é para provocar, agimos como um ca- EDUARDO BURCKHARDT, DO RECIFE, sal normal. Se mexerem comigo, E TIAGO CORDEIRO, DE SALVADOR revido. Não admito ser desrespei- tada. Só não vou dizer que nunca Participe do fórum de debate Denise Adams/ÉPOCA mais ficarei com homem, até porque nunca me imaginei homossexual. @ e leia mais depoimentos em www.epoca.com.br 66 ÉPOCA 19 DE AGOSTO, 2002