1. O documento discute os problemas ambientais relacionados à atividade da suinocultura no oeste catarinense, especialmente a poluição causada pela inadequada disposição dos dejetos suínos.
2. A suinocultura é importante economicamente, mas os sistemas confinados utilizados contribuem para a produção de grandes quantidades de dejetos, poluindo rios quando descartados de forma inapropriada.
3. Novas diretrizes são necessárias para definir responsabilidades e encontrar alternativas sustentáveis para a suin
1. Ministério do Meio AMbiente
secretaria de Políticas para o desenvolvimento sustentável
CAdernos GestAr nº 4
Gestar Ariranha–
Análise Jurídica da
Atividade Suinícola
Gestar
viva melhor na sua comunidade
2. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Luiz Inácio Lula da Silva – Presidente do Brasil
José Alencar Gomes da Silva – Vice-Presidente
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
Marina Silva – Ministra do Meio Ambiente
Cláudio Langone – Secretário Executivo
Gilney Amorim Viana – Secretário de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável
Roberto Ricardo Vizentin – Diretor de Programa
Sílvio Menezes – Chefe de Gabinete
EQUIPE GESTAR
Carcius Azevedo dos Santos – Coordenador Nacional
Antônio Carlos Rodrigues Cruz
Ivanise Knapp
José Flávio dos Santos
Mário César Batista de Oliveira
EQUIPE DE CONSULTORIA – TCP/3004/FAO/MMA
Horácio Martins de Carvalho – Consultor Principal
Flávio Mesquita da Silva – Gestão
Ademar Ribeiro Romeiro - Economia
Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray - Legislação
Gelso Marchioro – PGAR Ariranha
SUPERVISÃO TÉCNICA
Roberto Ricardo Vizentin
Carcius Azevedo dos Santos
Antônio Carlos Rodrigues Cruz
Ivanise Knapp
PROjETO GRáFICO
Fabiano Bastos
Catalogação na Fonte
Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
G393 Gestar Ariranha/SC: análise jurídica da atividade suinícola / Ministério
do Meio Ambiente, Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento
Sustentável. – Brasília: MMA, 2006.
52 p. : il. ; 21 x 29,7 cm
Bibliografia
1. I. Ministério do Meio Ambiente. II. Secretaria de Políticas para o
Desenvolvimento Sustentável. III. Título.
CDU (2.ed.)502.35
5. 1. APRESENTAÇÃO
bientais a eles associados. Na perspectiva GESTAR, a
sustentabilidade está fortemente condicionada pelas
A Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento formas de organização social das atividades econô-
Sustentável – SDS/MMA – tem como missão promo- micas no nível local, assim como pela sua inserção
ver políticas e instrumentos que consolidem princí- no sistema econômico como um todo.
pios e práticas do desenvolvimento sustentável, sem-
pre integrando ações do governo com a sociedade. Nesse sentido, o GESTAR combina reflexão com
ação, visão ampla do território com a realidade das
Um dos objetivos básicos da SDS/MMA é a elabo- unidades produtivas, mobilização comunitária com
ração e adoção de estratégias que permitam superar o engajamento e participação de cada família.
problemas ambientais provocados pelo atual modelo
de desenvolvimento econômico e tecnológico, bem Para a elaboração deste caderno, contamos com a
como o desenvolvimento de alternativas sustentáveis consultoria do Dr. Teodoro Irigaray, bem como toda
para o relacionamento da sociedade com a natureza. a equipe técnica envolvida nesse projeto.
Sob coordenação do Departamento de Gestão gilney viana
Ambiental e Territorial (DGAT/SDS/MMA) e a par- Secretário de Políticas para o
ceria institucional da Organização das Nações Uni- Desenvolvimento Sustentável – SDS/MMA
das para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU), o
Projeto de Gestão Ambiental Rural – GESTAR dedi- José Tubino
ca-se a difundir e consolidar o desenvolvimento rural Representante da FAO/BRASIL
sustentável e a justiça ambiental, por meio de ações
de motivação, capacitação e engajamento das comu-
nidades, em busca da melhoria da qualidade ambien-
tal e das condições de vida nos territórios onde atua.
O principal objetivo do GESTAR é contribuir para
o desenvolvimento de programas e projetos de de-
senvolvimento rural sustentável. Para tanto, dissemi-
na e coordena atividades ligadas à gestão ambiental
territorial, além de integrar políticas governamentais
que envolvam a participação direta das comunida-
des, motivando o sentimento de pertença no terri-
tório, que fortaleça a capacidade técnica das institui-
ções governamentais e das organizações da socieda-
de civil.
Este documento sistematiza os procedimentos
para a implantação e desenvolvimento das propostas
do GESTAR/SDS/MMA nas suas diversas unidades
territoriais constituídas no país.
O fundamental da abordagem territorial adotada
pelo GESTAR é a identificação dos problemas socio-
ambientais e o levantamento das estratégias de solu-
ção disponíveis. O ponto de partida é a compreen-
são dos sistemas de produção e dos problemas am-
6.
7. 2. INTRODUÇÃO
Embora a poluição anteceda a Revolução Indus- Os sistemas confinados de produção de suínos são
trial, sua ampliação e agravamento são típicos da so- responsáveis pelo aumento de um grande número
ciedade contemporânea. Como resultado do avanço de animais em pequenas áreas. Estas característi-
tecnológico e da mudança dos padrões culturais re- cas exigem maior investimento e especialização por
lacionados ao consumo, ela hoje possui um caráter parte dos produtores.
multifatorial, ou seja, há um crescente número de fa-
A crescente tendência para a adoção de sistemas
tores que ocasionam a degradação ambiental, atuan-
confinados de criação de suínos tem contribuído
do de forma cumulativa e muitas vezes sinergética.
para a produção de quantidades cada vez maiores
de dejetos. A inadequação dos sistemas de manejo
Assim, como subprodutos de nossa civilização
e armazenamento leva ao lançamento de dejetos em
de consumo, os fatores de poluição se ampliam em rios, sem tratamento adequado.3 Segundo Oliveira
quantidade e em grau de toxicidade, confirmando (1995: 47), a atividade é desenvolvida e incentivada
que vivemos em uma sociedade de risco1, onde os sem dar a devida importância ao impacto ambien-
instrumentos políticos e jurídicos se mostram fre- tal e social decorrente dos dejetos produzidos pelos
qüentemente inadequados para enfrentar proble- animais.
mas que são globais e dizem respeito aos padrões de
consumo e aos sistemas econômicos que promovem O fato é que, apesar do reconhecimento do seu
uma exploração insustentável dos recursos naturais. grande potencial poluidor, por parte de órgãos
oficiais de pesquisas e fiscalização ambiental, a
A análise da problemática ambiental associada à atividade continua em expansão. O Brasil ocu-
atividade da suinocultura no oeste catarinense cons- pa lugar entre os sete países de maior produção.
titui um exemplo emblemático dos problemas pro-
vocados pela inadequada disposição e tratamento Julia Guivant e Cláudio Miranda destacam os as-
dos dejetos gerados pela atividade bem como dos li- pectos econômicos relacionados à atividade no Esta-
mites à identificação e responsabilização dos agentes do de Santa Catarina:
poluidores.
No Brasil, 4º país produtor mundial de carne suí-
Introdutoriamente cabe destacar a importância na, com 2,698 milhões de toneladas, contando com
econômica e social da suinocultura que fornece uma um plantel de 34,5 milhões de cabeças em um total
alternativa de renda para os pequenos produtores e de 2,486 milhões de matrizes, o debate sobre os ris-
cos de poluição e sobre as medidas para o controle
nesse sentido constitui atividade que contribui para
da poluição por dejetos suínos tem aumentado na
a fixação do homem no campo.
última década (ABIPESC, 2003). Isto se observa es-
pecialmente no Estado de Santa Catarina, onde se
Em nosso país essa atividade expandiu-se nos úl-
encontra a maior produção suinícola do país, com
timos anos seguindo uma tendência imposta pelos um plantel 4,5 milhões de animais e um abate de 6
mercados mundiais de especialização e concentra- milhões de cabeças.4 Estes números apresentam cer-
ção, visando conferir-lhe maior produtividade. De ca de 12% do rebanho nacional e aproximadamente
outra parte, o tipo de exploração econômica trou- um terço do total de abates inspecionados no país.
xe consigo os inconvenientes ambientais, conforme Na região Oeste do estado, a poluição, a partir dos
destacado por Débora Brasil:2 anos 80, passou a ter um caráter mais grave devi-
do à intensificação dos sistemas de produção, à es-
1
A configuração da sociedade contemporânea, como uma sociedade de risco, tem
como pressuposto a constatação de um quadro de riscos catastróficos, marcados
pela invisibilidade (ameaça nuclear, aquecimento global, etc.) e pela incapacida- parâmetros da suinocultura em Braço do Norte. Dissertação de Mestrado arquivada
de do Estado de dar respostas eficazes para tais problemas e garantir a segurança na Biblioteca da UFSC. Florianópolis, 2002, p. 131.
dos cidadãos (irresponsabilidade organizada, estado de segurança e explosividade 3
Segundo KONZEN (1983: 19), cada animal produz cerca de 0,27 m³ de dejetos
(Risk society toward a new mo-
social). Tais conceitos, elaborados por Ulrich Bec�� ( por mês, o que apresenta uma produção de, aproximadamente, 35.900 m³ de deje-
dernity.) e analisados por David Golblatt (Teoria social e ambiente, p. 228) podem tos produzidos diariamente no Estado, dos quais, grande parte é manejada de for-
ser encontrados também em José J. Gomes Canotilho (Direito público do ambiente, ma inadequada.
Cláudia A. D. Soares (O imposto ecológico. Contributo para o estudo dos instrumen- 4
Dados de 2002 indicam que naquele ano Santa Catarina já possuía um plantel de
tos econômicos de defesa do ambiente.) e José Rubens Morato Leite e Patryc�� de A. aproximadamente 5,4 milhões de cabeças, com aproximadamente 418 mil matrizes
Ayala (Direito ambiental na sociedade de risco). alojadas em cerca de 12 mil propriedades suinícolas, sendo 2.300 destas indepen-
2
BRASIL, Débora Magali. Apontamento sobre o valor do prejuízo ecológico. Alguns dentes e 9.700 integradas a uma grande agroindústria exportadora (Henn: 2005).
8. cassez de áreas agrícolas em condições de utilizar As altas concentrações de nutrientes como nitrogê-
os dejetos como fertilizante e à baixa capacidade de nio (N) e fósforo (P), e a elevada concentração de
investimentos dos pequenos produtores familiares sólidos voláteis (SV) em relação aos sólidos fixos
da região em adotar sistemas adequados de arma- (SF), conferem aos dejetos de suínos um elevado
zenamento e/ ou tratamento dos dejetos. Até mea- potencial poluidor (potencial cerca de 4,2 vezes su-
dos dos anos 90, apenas 15% dos suinocultores dis- perior ao esgoto doméstico, segundo a World Heal-
punham de sistemas de armazenamento de dejetos th Organization). A fração nitrogenada é a que cau-
para o posterior aproveitamento como fertilizante.5 sa maiores danos, como a floração nas águas super-
ficiais, formação de nitritos (NO2-), elemento can-
Como fator agravante registra-se que nas últimas cerígeno, em meio anaeróbio, e de nitratos (NO3-)
duas décadas ocorreram alterações significativas no sis- em contato com águas subterrâneas. Altas concen-
tema produtivo e estrutura tecnológica, com uma forte trações de nitratos nos lençóis freáticos ( 10 mg/
concentração da produção e aumento na produtividade l) podem causar câncer e metahegoglobinemia em
do rebanho industrial, sem que tais mudanças tenham crianças (síndrome do bebê azul), além de eutrofi-
zação dos corpos d’água, como também causa a pre-
provocado a melhoria das condições econômicas dos
sença de fósforo. O nitrogênio na forma de amônia é
produtores.
extremamente tóxico aos peixes, além de transmitir
importantes fatores patogênicos (Henn, 2005).
Em pouco mais de duas décadas o aperfeiçoamento
da tecnologia de criação também levou à concentra- A utilização dos dejetos de suínos pode ainda alte-
ção do setor em Santa Catarina, reduzindo em mais rar as propriedades físicas, químicas e biológicas do
de 80% o número de produtores suinícolas. Eram solo. Estas ações podem ser traduzidas em acúmulo
cerca de 67 mil propriedades em 1980, contra aproxi- de elementos tóxicos, principalmente metais pesa-
madamente 13 mil em 2003, segundo dados da ACCS dos como o cobre e zinco, poluentes orgânicos, con-
– Associação Catarinense de Criadores de Suínos.6 taminação da água superficial, através da lixiviação
de elementos provenientes da decomposição dos
Por outro lado, associado a essa produção de es- dejetos no solo, e odores desagradáveis oriundos da
cala, verificou-se também um agravamento dos pro- volatilização de compostos. O uso de cobre e zinco
blemas de poluição com a contaminação do solo e nas rações como promotores do crescimento e con-
dos recursos hídricos na região onde a suinocultura troladores da diarréia podem conferir aos dejetos de
suínos um importante potencial poluidor, poden-
se intensificou.
do causar, em longos períodos, acúmulos destes no
solo e sua transferência para a cadeia alimentar ou
Em linhas gerais os problemas de poluição decor-
outros sistemas (Pocojes��i et al., 2004).
rem do volume de dejetos produzidos em sistemas
de confinamento onde, freqüentemente, o número Os produtores, de maneira geral, armazenam os
de animais é superior à capacidade de suporte das dejetos em esterqueiras usando-os posteriormente
instalações e o volume de dejetos fica, também, aci- na agricultura e na adubação de pastagens ou áreas
ma dos limites naturais de absorção. A ineficiência agrícolas; contudo, a área disponível para absorção
dos sistemas de tratamento faz com que grande parte do volume de dejeto produzido tem se mostrado in-
dos dejetos produzidos seja lançada no solo e carre- suficiente.
ada para os corpos hídricos contaminando as águas
superficiais e subterrâneas. Na bacia do Rio Ariranha, no Oeste Catarinense,
objeto de um estudo mais aprofundado pelo Proje-
Além dos impactos sobre o meio ambiente, a ex-
to de Gestão Ambiental Rural da Bacia Hidrográ-
cessiva carga de nutrientes (destacando-se o nitrogê-
fica do Rio Ariranha – GESTAR Ariranha - SC, os
nio, o fósforo e os metais zinco e cobre) que contami-
problemas associados à suinocultura não são ape-
na os cursos d’água, constitui séria ameaça à saúde
nas ambientais, mas também econômicos e sociais.
da população, cujas conseqüências não foram ainda
Nessa área a concentração da atividade, incentivada
suficientemente avaliadas. Ademar Romeiro7 enfati-
pela agroindústria, e o manejo inadequado dos deje-
za esse aspecto da poluição destacando:
tos produzidos pelos animais, geraram conseqüên-
cias danosas para o meio ambiente que se pretende,
5
GUIVANT, Julia S. e MIRANDA, Cláudio (Orgs.). Desafios para o desenvolvi-
mento sustentável da suinocultura: Uma abordagem multidisciplinar. Chapecó: Ar-
agora, reverter através de instrumentos jurídicos de
gos, 2004, p. 11/12. comando-e-controle (ajustamento de conduta, licen-
6
Segundo dados citados por Kunz et at.: 2005.
7
ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Análise Econômica: Relatório Final. Relatório de ciamento, sanções) e também instrumentos econô-
Consultoria apresentado ao Projeto Gestar Ariranha. Texto não publicado. 2006, p. micos.
17.
9. O presente relatório inclui uma análise jurídica
dessa problemática iniciando com uma revisão da le-
gislação brasileira e de Santa Catarina aplicável à ges-
tão ambiental, incluindo os instrumentos legais para
a regulação e controle dos impactos ambientais gera-
dos pelos atores da cadeia produtiva de suínos.
O tema da responsabilidade civil por danos am-
bientais é identificado no item 2 com uma aborda-
gem das especificidades da responsabilização pe-
los impactos ambientais gerados pela atividade sui-
nícola. A aplicação do princípio do poluidor-paga-
dor e as limitações ao ajustamento de conduta são
enfocados na identificação dos responsáveis pe-
los custos ambientais decorrentes dessa atividade.
No item 3 são apresentadas alternativas parta a so-
lução dos problemas, a partir de uma definição de
responsabilidades que implica na revisão do ajusta-
mento de conduta firmado e definição de um novo
marco regulatório proposto.
Este Relatório não pretende esgotar a aborda-
gem dos temas jurídicos correlatos, como as inúme-
ras possibilidade de instrumentos econômicos para
uma gestão ambiental eficaz na Bacia do Ariranha,
mas concentra-se na definição da responsabilidade
de cada um dos atores envolvidos, propondo uma
matriz regulatória que deve ser amplamente debati-
da visando obter uma base normativa que possa ser
usada em outras regiões que convivem com proble-
mas ambientais similares.
Ainda introdutoriamente cumpre assinalar o inte-
resse e a preocupação dos organismos governamen-
tais e não governamentais com a sustentabilidade da
atividade e o bem-estar social das populações produ-
toras e moradores nessa região, onde se concentra a
produção; contudo, é possível antecipar que grande
parte dos problemas ambientais já identificados te-
riam sido prevenidos e mitigados se houvesse orien-
tação, incentivo financeiro e fiscalização por parte
das empresas integradoras e dos órgãos ambientais.
10.
11. 1. LEgISLAÇÃO PERTINENTE
1.1 LEGISLAçÃO FEDERAL 2) de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água
que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros
Na legislação federal, inúmeras normas podem de largura;
ser invocadas para tutelar o meio ambiente, especial- (...)
mente no controle da poluição e responsabilização
dos poluidores. b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios
d’água naturais ou artificiais;1
Dada a extensão do quadro normativo, neste Re- c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos
latório serão indicados apenas os dispositivos que chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a
podem ser correlacionados com a matéria em exa- sua situação topográfica, num raio mínimo de
me, qual seja, a poluição causada pela suinocultura e 50 (cinqüenta) metros de largura;
as medidas corretivas e reparatórias a cargo dos res- d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
ponsáveis.
e) nas encostas ou parte destas com declividade
Observada a ordem cronológica impõe-se a análi- superior a 45º, equivalente a 100% na linha de
se, inicialmente, do Código Florestal: maior declive;
(...)
Lei n° 4.1, de 1/0/6
Entre as áreas de preservação permanente desta-
O Código Florestal (Lei n° 4.771/65) constitui cam-se as matas ciliares, também conhecidas como
norma de grande relevância na tutela do meio am- matas ripárias ou de galeria. Elas recebem o nome
biente, na medida em que nele se inserem importan- ciliar porque funcionam como cílios protegendo os
tes institutos voltados para a proteção da flora e de corpos hídricos e regulando os fluxos de água super-
áreas especialmente protegidas. ficiais e subterrâneos e contribuindo para a fixação
do carbono. Ana Maria Marchesan2 assinala que os
Entre os espaços territoriais que gozam de especial principais objetivos dessas matas são:
proteção no citado diploma legal, estão as áreas de a) reduzir as perdas do solo e os processos de ero-
preservação permanente e a reserva florestal legal. são e, por via reflexa,evitar o assoreamento (ar-
rastamento de partículas do solo) das margens
áreas de preservação permanente dos corpos hídricos.
O Código Florestal define as APPs como “área b) garantir o aumento de fauna silvestre e aquáti-
protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com ca, proporcionando refúgio e alimento para es-
a função ambiental de preservar os recursos hídricos, ses animais;
a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversida- c) manter a perenidade das nascentes e fontes;
de, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e d) evitar o transporte de defensivos agrícolas para
assegurar o bem-estar das populações humanas na- os cursos d´água;
tivas” Art. 1º § 2º, II).
e) possibilitar o aumento de água e dos lençóis
São APPs pelo efeito da lei (art. 2° do Código Flo- freáticos, para dessedentação humana e animal
restal) as florestas e demais formas de vegetação na- e para o uso nas diversas atividades de subsis-
tural situadas: tência e economia;
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água f) garantir o reaproveitamento de fauna e maior
desde o seu nível mais alto em faixa marginal reprodução da flora;
cuja largura mínima seja: 1
A Resolução do CONAMA Resolução n° 302, de 20 de março de 2002 define as
1) de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de APPs para as áreas de entorno de lagos e reservatórios.
2
MARCHESAN, Ana Maria M. Áreas de “degradação permanente”, escassez e ris-
menos de 10 (dez) metros de largura; cos. Revista de Direito Ambiental n° 35. São Paulo: RT, 2004. p. 190/216.
11
12. g) controlar a temperatura, propiciando conforme as peculiaridades, condições ecológicas,
um clima mais ameno; em cada uma das regiões geopolíticas do País, e que
não pode destinar-se à realização de atividade que
h) valorização da propriedade rural, e implique na derrubada da vegetação nativa.
i) formar barreiras naturais contra a disse- No caso da região Sul do país, vinte por cento
minação de pragas e doenças na agricultura. (20%), da propriedade rural situada em área de flo-
resta ou outras formas de vegetação nativa, são pro-
No caso das APPs na região em estudo, além das tegidos a título de reserva legal. Isso significa que a
funções acima, elas são imprescindíveis para proteção limitação administrativa imposta às áreas de reser-
dos corpos hídricos, limitando o carreamento de resí- va legal impede que a vegetação nativa seja integral-
duos oriundos da suinocultura para o corpo hídrico. mente suprimida (corte raso5) não impedindo, po-
rém, sua utilização sob regime de manejo florestal
As APPs encontram-se submetidas a um regime
sustentável. Excetuam-se dessa regra, as áreas de re-
jurídico de interesse público com imposição de pre-
serva legal em pequena propriedade ou posse rural
servação integral e permanente da flora, vedada sua
familiar, nas quais podem ser computados os plan-
supressão. Trata-se de proteção que independe da ti-
tios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais
tularidade do domínio3 e decorre de limitação admi-
com espécies exóticas.
nistrativa com previsão de sanções severas no caso
de descumprimento (administrativas e penais4), es-
O Código Florestal exige que a Reserva Legal seja
tando excepcionalizados na lei os casos que podem
averbada à margem da inscrição da matrícula do
justificar a supressão da APP (obras de utilidade pú-
imóvel junto ao competente Cartório de Registro
blica e interesse social).
de Imóveis (Art. 16, §2º, e art. 44, parágrafo único
A degradação de APP configura crime e enseja a – Cód. Florestal), contudo, poucas são as proprieda-
responsabilização administrativa e civil do degrada- des que possuem sua reserva legal averbada. Objeti-
dor que é obrigado a promover a recuperação des- vando superar esse quadro de omissão, alguns Esta-
sas áreas. dos estão definindo em leis estaduais essa exigência,
como requisito para licenciamento das propriedades
Reserva florestal legal rurais,6 sendo a averbação da reserva uma condição
legal para o exercício do direito de exploração.
A Reserva Florestal Legal, ou simplesmente Re-
serva Legal, compreende uma fração do imóvel rural O corte raso da reserva legal é passível de sanção
protegida através de uma limitação administrativa administrativa e nos casos em que a mesma tenha
imposta visando assegurar a manutenção de um per- sido totalmente desmatada, o proprietário ou pos-
centual que impede a supressão integral da cobertura suidor rural deve adotar as seguintes alternativas,
vegetal. Esse percentual é definido em função do bio- isoladas ou conjuntamente:
ma e da região onde se situa o imóvel rural. Trata-se I - recompor a reserva legal de sua propriedade
de uma exigência ditada, sobretudo, pela necessida- mediante o plantio, a cada três anos, de no mí-
de de proteção da biodiversidade. nimo 1/10 da área total necessária à sua comple-
mentação, com espécies nativas, de acordo com
O Código Florestal (com a redação dada pela MP critérios estabelecidos pelo órgão ambiental es-
nº. 2.166-66 de 2.001) assim define Reserva Legal: tadual competente;
Área localizada no interior de uma propriedade ou II - conduzir a regeneração natural da reserva le-
posse rural, excetuada a de preservação permanen- gal e;
te, necessária ao uso sustentável dos recursos natu- III - compensar a reserva legal por outra área
rais, à conservação e reabilitação dos processos eco- equivalente em importância ecológica e exten-
lógicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo
e proteção de fauna e flora nativas (Art. 1º § 2º, III
são, desde que pertença ao mesmo ecossistema
– Código Florestal). e esteja localizada na mesma microbacia.
Portanto, a reserva legal é constituída por uma
área, cujo seu percentual é definido em lei, variando 5
Aquele “em que são derrubadas todas as árvores ou de parte ou de todo um povo-
amento florestal, deixando o terreno momentaneamente livre da cobertura arbó-
rea”.
3
Ocorrem em áreas públicas e privadas com as mesmas restrições. 6
Como é o caso do Sistema de Licenciamento de Propriedades Rurais - SLAPR
4
Ver a propósito os artigos 38, 39 e 44 da Lei n° 9.605/98. instituído no Estado de Mato Grosso.
12
13. Lei 6.3, de 31/0/11. das características do meio ambiente, equiparando,
legalmente, poluição e degradação. De conformida-
Uma das mais importantes normas ambientais em de com o inciso II do artigo 3° da lei mencionada,
vigor no país, essa lei estabelece os princípios, objeti- entende-se por poluição:
vos e instrumentos da política nacional do meio am-
biente e a estrutura do Sistema Nacional constituído A degradação da qualidade ambiental resultante
para implementá-la, definindo poluição e fixando a de atividades que direta ou indiretamente:
responsabilidade civil, penal e administrativa do po- a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar
luidor. da população;
Entre os princípios destacam-se, por serem perti- b) criem condições adversas às atividades sociais
nentes a esta abordagem: e econômicas;
• ação governamental na manutenção do equilí- c) afetem desfavoravelmente a biota;
brio ecológico, considerando o meio ambiente d) afetam as condições estéticas ou sanitárias do
como um patrimônio público a ser necessaria- meio ambiente;
mente assegurado e protegido, tendo em vista o e) lancem matérias ou energia em desacordo com
uso coletivo; os padrões ambientais estabelecidos.
• racionalização do uso do silo, do subsolo, da
água e do ar; Finalmente, um outro aspecto de grande relevân-
• planejamento e fiscalização do uso dos recursos cia na citada lei é a fixação da responsabilidade ob-
ambientais; jetiva por danos ambientais, que será abordada no
item seguinte.
• controle e zoneamento das atividades potencial
ou efetivamente poluidoras; Lei nº .34, de 24/0/.
• recuperação de áreas degradadas (art. 2°, I, II,
III, V e VIII). Essa Lei disciplina a Ação Civil Pública e contém
aspectos relevantes na discussão da temática objeto
Visando promover a compatibilização do desen- deste Relatório. Trata-se de uma lei de caráter pro-
volvimento econômico-social com a preservação da
cessual, concebida para proteger os interesses difu-
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológi-
sos da sociedade.
co, a lei fixa entre seus objetivos a imposição, ao po-
luidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ ou O Ministério Público é o titular da ação civil pú-
indenizar os danos causados e, ao usuário, da con- blica o que não impede que outros co-legitimidados7
tribuição pela utilização de recursos ambientais com possam propô-la.
fins econômicos (art. 4°, I e VII).
A lei faculta também ao Ministério Público ins-
Entre os instrumentos que a citada lei relaciona taurar o inquérito civil para colher subsídios visando
para consecução desses objetivos destacam-se o es- instruir eventual ação a ser proposta.
tabelecimento de padrões de qualidade ambiental, o
licenciamento ambiental, a revisão de atividades efe- Consta também da citada Lei a possibilidade de
tiva ou potencialmente poluidoras e as penalidades ajustamento de conduta com força de título executi-
disciplinares ou compensatórias ao não cumprimen- vo, conforme se transcreve:
to das medidas necessárias à preservação ou corre-
ção da degradação ambiental (art. 9°, I, IV e IX); o Art. 5° (...)
que significa que o Poder Público (que inclui tam-
bém o Estado membro e o próprio município) po- § 6° os órgãos públicos legitimados poderão to-
dem definir padrões de emissão de poluentes, visan- mar dos interessados compromisso de ajustamento
do a restauração do equilíbrio ecológico regional ou de sua conduta às exigências legais, mediante comi-
local, adequando os licenciamentos ao quadro nor- nações, que terá eficácia de título executivo extraju-
mativo pré-estabelecido e sancionando aqueles que dicial.
não se ajustarem aos novos parâmetros de emissão.
7
Pela lei possuem legitimidade ativa para proporem ação civil pública o Ministé-
Cabe assinalar que a Lei nº 6.938/81 considera de- rio Público e pessoas jurídicas de direito público, incluindo as empresas públicas,
fundações, sociedades de economia mista, assim como as associações destinadas à
gradação da qualidade ambiental a alteração adversa proteção do meio ambiente ou à defesa do consumidor, constituídas a pelo menos
um ano.
13
14. Oportuno assinalar que frente à indisponibilida- Lei nº .433, de 0/01/.
de do interesse público (no caso a proteção do meio
ambiente), teoricamente nem o Ministério Público, A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos
nem o órgão ambiental, ou outro co-legitimado ati- define objetivos, diretrizes, instrumentos e a estru-
vo poderá transigir, já que não têm eles a disponibi- tura institucional para o gerenciamento dos recursos
lidade material dos interesses difusos que estão em hídricos e tem entre suas diretrizes gerais de ação:
jogo (dos quais não são titulares, pois se trata de inte- • a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem
resses metaindividuais). Os tribunais se posicionam dissociação dos aspectos de quantidade e qua-
favoravelmente à homologação da transação através lidade;
da qual se pode conseguir praticamente tudo o que é
• a adequação da gestão de recursos hídricos às
objeto do pedido, sob forma de autocomposição da
diversidades físicas, bióticas, demográficas, eco-
lide.
nômicas, sociais e culturais das diversas regiões
do País;
Resolução CONAMA nº 23, de 1/12/1.
• a integração da gestão de recursos hídricos com
a gestão ambiental;
Através dessa resolução o Conselho Nacional do
Meio Ambiente estabeleceu normas para o licencia- • a articulação da gestão de recursos hídricos com
mento ambiental de atividades poluidoras. a do uso do solo.
A gestão dos recursos hídricos, na região do rio
De conformidade com essa resolução o órgão am-
Ariranha constitui um desafio que não pode ser en-
biental poderá definir, se necessário, “procedimentos
frentado sem a solução dos problemas ambientais
específicos para as licenças ambientais, observadas a
que envolvem a supressão da mata ciliar e a contami-
natureza, características e peculiaridades da ativida-
nação das águas superficiais e subterrâneas.
de ou empreendimento e, ainda, a compatibilização
do processo de licenciamento com as etapas de pla- Como analisado no item 1 as altas concentrações
nejamento, implantação e operação”, admitindo-se o de nutrientes como nitrogênio (N) e fósforo (P), con-
licenciamento ambiental para pequenos empreendi- ferem aos dejetos de suínos um potencial poluidor
mentos e atividades similares em um único processo 4,2 vezes superior ao esgoto doméstico, provocando
desde que definida a responsabilidade legal pelo con- a eutrofização do corpo hídrico e contaminação das
junto de empreendimentos ou atividades (art. 12). águas superficiais por metais pesados como o cobre
e zinco. Da mesma forma, o acúmulo de dejetos no
Outro aspecto importante nessa Resolução e que solo acaba por contaminar também o lençol freáti-
guarda relação com o tema deste Relatório encontra- co, o que constitui problema de oneroso e complexo
se estabelecido no art. 19, a seguir transcrito: tratamento.
Art. 19 O órgão ambiental competente, mediante
decisão motivada, poderá modificar os condicio-
Destaca-se, na citada Lei, a importância dos Co-
nantes e as medidas de controle e adequação, sus- mitês de Bacia como órgãos colegiados que exer-
pender ou cancelar uma licença expedida, quando cem a função de “parlamentos da água” competin-
ocorrer: do-lhes, entre outras atribuições, promover o debate
das questões relacionadas a recursos hídricos e arti-
I - Violação ou inadequação de quaisquer condicio- cular a atuação das entidades intervenientes; aprovar
nantes ou normas legais. e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hí-
dricos da bacia e sugerir as providências necessárias
II - Omissão ou falsa descrição de informações rele- ao cumprimento de suas metas (art. 38, I, III e IV).
vantes que subsidiaram a expedição da licença.
III - superveniência de graves riscos ambientais e de Lei nº .60, de 12/02/1.
saúde.
A Lei dos Crimes Ambientais representa um im-
portante marco na criminalização das condutas lesi-
vas ao meio ambiente, sobretudo porque atualizou e
sistematizou as infrações que constavam em leis es-
parsas, traduzindo em um único documento o diplo-
14
15. ma legal que permite a atuação repressiva do Poder 1.2 NORMAS ESTADUAIS
Público relativamente aos crimes ambientais.
Lei nº 5.793 de 15 de outubro de 1980.
Entre as condutas consideradas criminosas, iden-
tificadas na Bacia do Ariranha, podem ser citadas: Com apenas 23 artigos a Lei de Proteção e Melho-
ria da Qualidade Ambiental do Estado de Santa Ca-
Art. 33. Provocar, pela emissão de efluentes ou car- tarina estabelece diretrizes para a proteção ambien-
reamento de materiais, o perecimento de espécimes tal, atribuindo ao Poder Executivo a regulamentação
da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, dos inúmeros aspectos da proteção ambiental, trata-
lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras; dos apenas de forma genérica pela lei estadual.
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada Destaca-se na citada Lei, a expressa referencia à
de preservação permanente, mesmo que em forma- criação de linhas de crédito para a instalação de obras
ção, ou utilizá-la com infringência das normas de
e equipamentos voltados para o controle da poluição
proteção;
e à racionalização do uso dos recursos ambientais,
Art. 54. Causar poluição, de qualquer natureza em nos dispositivos a seguir transcritos:
níveis tais que resultem ou possam resultar em da-
nos à saúde humana ou que provoquem a mortanda- Art. 14 O Governo do Estado promoverá a criação
de de animais ou a destruição significativa da flora; de linhas especiais de crédito no seu Sistema Finan-
ceiro para financiar o desenvolvimento da pesquisa,
Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fa- execução de obras, aquisição e instalação de equipa-
zer funcionar, em qualquer parte do território na- mentos que concorram para o controle da degrada-
cional, estabelecimentos, obras ou serviços poten- ção ambiental, ou melhoria da qualidade do meio
cialmente poluidores, sem licença ou autorização ambiente.
dos órgãos ambientais competentes, ou contrarian-
do as normas legais e regulamentares pertinentes. Art. 15 O Poder Público estabelecerá sistema de be-
nefícios, visando incentivar.
Resolução Conama n° 3, de I - o desenvolvimento, no Estado, de pesquisas e
1 de março de 200. processos tecnológicos destinados a prevenir ou re-
duzir a degradação ambiental;
A Resolução Conama n° 357, editada em substi-
tuição à Resolução nº 20/86, dispõe sobre a classi- II - a fabricação de equipamentos antipoluentes;
ficação dos corpos de água e diretrizes ambientais
para seu enquadramento, bem como padrões de lan- II - outras iniciativas que possam conduzir à racio-
çamento de efluentes. nalização do uso dos recursos ambientais.
A nova resolução avança ao exigir o tratamento Na citada lei foi o executivo autorizado a instituir,
de efluentes de qualquer natureza8 e também quan- organizar e regulamentar Fundo Especial para pre-
do introduz novas diretrizes para monitoramento da servação, proteção e melhoria da qualidade do Meio
água, como a exigência de periodicidade no moni- Ambiente, atual Fundo Especial de Proteção ao Meio
toramento, a avaliação por indicadores biológicos e Ambiente – FEPEMA.
a obrigação de investigação a expensas do empreen-
dedor. Decreto nº 14.20, de de junho de 11.
De forma geral essa Resolução representa um ga- Este Decreto regulamenta dispositivos da Lei nº
nho em termos de proteção ambiental9 fortalecendo, 5.793, de 15 de outubro de 1980, referentes à Prote-
sobretudo a gestão dos recursos hídricos com medi- ção e a Melhoria da Qualidade Ambiental, tomando
das de planejamento e controle. como referência os parâmetros fixados pela legisla-
ção federal. Assim, embora o citado decreto contem-
ple inúmeras inovações, relativamente à lei que visa
8
É importante ressaltar que a Lei nº 9433/97 (Política Nacional de Recursos Hídri- regulamentar, guarda simetria com a legislação fede-
cos) prevê a possibilidade de outorga para o lançamento em corpos hídricos de es-
gotos e resíduos, tratados ou não; prática que se pretende reverter com a exigência ral sendo, portanto, perfeitamente legal.
do tratamento de efluentes fixadas pela nova resolução do Conama.
9
Para uma análise mais detida da citada Resolução consultar: Rodrigo A. Agosti-
nho Mendonça. “Interpretando a Resolução Conama 357/2005 – Avanços na Classi- Referido decreto arrola entre as atribuições da
ficação dos corpos de água e no controle ambiental”. In: Antonio H. Benjamin (org.).
Paisagem, natureza e direito, p. 381 - 392.
Fundação do Meio Ambiente – FATMA, as ativida-
1
16. des inerentes ao exercício do poder de polícia am- Art. 31 É proibida a emissão de substâncias odorí-
biental, incluindo o controle sobre as atividades de feras na atmosfera em quantidades que possam ser
proteção e conservação dos recursos naturais; a fis- perceptíveis fora dos limites da área de propriedade
calização ambiental; a expedição de licenças ambien- da fonte emissora.
tais, e a apreciação de projetos voltados para a dispo-
(...)
sição de resíduos sólidos de qualquer natureza. As
licenças ambientais acompanham o parâmetro e a
denominação prevista na legislação federal: Licença O regulamento falha ao dispor sobre as “áreas de
Ambiental Prévia - LAP; Licença Ambiental de Insta- formação vegetais defensivas à erosão”, que consti-
lação - LAI, e Licença Ambiental de Operação - LAO. tuem as chamadas áreas de preservação permanente
regulamentadas pelo Código Florestal (Lei 4.771/65).
No que tange a normatização das atividades polui- Estabelece o mencionado decreto:
doras, entre as quais insere-se a suinocultura, consta
Art. 49 Nas áreas de formação vegetais defensivas
do referido decreto a vedação do lançamento, direto
à erosão fica proibido o corte de árvores e demais
ou indireto em corpos de água, de qualquer resíduo
formas de vegetação natural, obedecidos os seguin-
sólido (art. 8°), proibindo, também, depositar, dis- tes critérios:
por, descarregar, enterrar, infiltrar ou acumular no
solo resíduos, em qualquer estado da matéria, desde I - ao longo dos cursos de água, em faixa marginal,
que causem degradação da qualidade ambiental (art. cuja largura mínima será:
20). Consta, ainda, do regulamento algumas normas
específicas relativas à disposição de resíduos, a seguir a) de 10 (dez) metros, para rios de largura inferior a
transcritas: 20 (vinte) metros;
Art. 21 O solo somente poderá ser utilizado para b) igual a metade da largura do rio, quando a largu-
destino final de resíduos de qualquer natureza, des- ra for superior a 20 (vinte) metros;
de que sua disposição seja feita de forma adequada,
estabelecida em projetos específicos, ficando vedada II - ao redor das lagoas, lagos e reservatórios de água
a simples descarga ou depósito, seja em propriedade numa faixa de 100 (cem) metros;
pública ou particular.
III - ao redor das nascentes, numa faixa de 50 (cin-
(...) qüenta) metros;
Art. 22 Os resíduos de qualquer natureza, portado- IV - nas áreas acima das nascentes, no topo dos
res de patogênicos ou de alta toxidade, bem como morros, montes, montanhas e serras;
inflamáveis, explosivos, radioativos e outros preju-
diciais, deverão sofrer, antes de sua disposição final V - nas encostas ou parte destas, com declividade
no solo, tratamento e/ ou acondicionamento ade- superior a 45º (quarenta e cinco) graus, equivalen-
quados fixados em projetos específicos, que aten- te a 100% (cem por cento) na linha de maior decli-
dam os requisitos de proteção à saúde pública e ao ve; (...)
meio ambiente.
Obviamente que a simples mudança na denomi-
(...) nação desses espaços territoriais especialmente pro-
tegidos, não autoriza o executivo estadual estabele-
Art. 23 Somente será tolerada a acumulação tem- cer parâmetros menos restritivos que aqueles previs-
porária de resíduos de qualquer natureza, desde que tos na norma geral federal, razão pela qual prevale-
não ofereça risco à saúde pública e ao meio ambien- cem os limites fixados no Código Florestal para pro-
te. teção das áreas de preservação permanente.
Art. 24 O tratamento, quando for o caso, o trans-
porte e a disposição de resíduos de qualquer natu-
Lei nº .4 de 30 de novembro de 14.
reza de estabelecimentos industriais, comerciais e
A Lei nº 9.748/94 dispõe sobre a Política Estadual
de prestação de serviços quando não forem de res-
ponsabilidade do Município, deverão ser feitos pela de Recursos Hídricos e constitui-se em importante
própria empresa e as suas custas. instrumento normativo que oferece algumas alterna-
tivas para o enfrentamento dos problemas associa-
(...) dos à poluição hídrica decorrente da suinocultura.
16
17. Ressalte-se que entre as diretrizes da política esta- aqüíferos subterrâneos situados em áreas urbanizadas
dual de recursos hídricos está a promoção de ações (art. 28 e 29).
integradas nas bacias hidrográficas, tendo em vis-
ta o tratamento de efluentes e esgotos urbanos, in-
Lei n° .66 de 1 de junho de 12.
dustriais e outros, antes do lançamento nos corpos
d´água e o incentivo à formação de consórcios entre Outro importante instrumento normativo previs-
os municípios, tendo em vista a realização de progra- to na esfera estadual é a Lei n° 8.676/92 que dispõe
mas de desenvolvimento e proteção ambiental (art. sobre a Política Estadual de Desenvolvimento Rural,
3°, X e XII). definindo os pressupostos, objetivos, instrumentos
e a estrutura institucional para a execução de uma
Assim como na legislação federal, a lei estadual
contempla os planos de bacia hidrográfica como um política que concilie o desenvolvimento rural com a
dos instrumentos da política de recursos hídricos, proteção do meio ambiente.
estabelecendo um conteúdo mínimo para esses pla-
Nesse sentido, cabe ressaltar que o citado diplo-
nos, que devem incluir programas de recuperação,
ma legal instituiu o Conselho Estadual de Desenvol-
proteção, conservação e utilização dos recursos hí-
vimento Rural, vinculado à Secretaria de Estado da
dricos das bacias hidrográficas, inclusive com espe-
Agricultura e Abastecimento, inserindo entre suas
cificações dos recursos financeiros necessários, a se-
rem captados mediante a cobrança pelo uso da água, atribuições: compatibilizar as políticas de desenvol-
ou através do rateio de investimentos de interesse co- vimento rural com a política de proteção do meio
mum, ou ainda mediante dotação orçamentária. ambiente e conservação dos recursos naturais (art.
5°, XI). Estabelece ainda que a política de proteção
Cabe salientar que a lei prevê também a possibili- do meio ambiente e conservação dos recursos na-
dade da cobrança de contribuições de melhoria, ta- turais será submetida ao citado Conselho, devendo
rifas e taxas dos beneficiados por obras e serviços de conter programas específicos de conservação e ma-
aproveitamento e controle dos recursos hídricos, in- nejo do uso do solo e da água, de desenvolvimento
clusive as decorrentes do rateio de custos referentes a florestal, de tratamento de dejetos e efluentes, de re-
obras de usos múltiplos dos recursos hídricos, ou de cuperação de áreas degradadas ou em degradação,
interesses comum ou coletivo, devendo tais recursos com a participação da iniciativa privada (art. 17).
serem destinados ao Fundo Estadual de Recursos Hí-
dricos – FEHIDRO e utilizados no apoio financeiro à Consta também dessa lei a criação do Fundo Esta-
instituições públicas e sob a modalidade de emprés- dual de Desenvolvimento Rural, cuja aplicação será
timo à pessoas jurídicas de direito privado, usuárias definida pelo Conselho Estadual de Desenvolvimen-
de recursos hídricos, para a realização de serviços e to Rural, sendo operacionalizado através de progra-
obras com vistas a utilidade pública, ao desenvolvi- mas que incluem, entre outros, a conservação do solo
mento, conservação, uso racional, controle e prote- e da água (art. 36, III).
ção dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos,
e na realização de programas conjuntos entre o Esta- Instrução Normativa FATMA n° 11
do e os municípios, relativos a aproveitamento múl-
tiplo, controle, conservação e proteção dos recursos Nessa IN o órgão estadual de meio ambiente de-
hídricos e defesa contra eventos críticos que ofere- fine as exigências técnicas para o licenciamento da
çam perigo a saúde e segurança públicas e prejuízos atividade.
econômicos ou sociais (art. 34, I e III).
Constam das instruções gerais:
Consta da citada Lei que o Estado incentivará a for- • A quantidade máxima de dejetos para a utiliza-
mação de consórcios intermunicipais, nas bacias hidro- ção em lavouras é de 50 m³/ha/ano, e de acordo
gráficas consideradas prioritárias, nas quais o gerencia- com recomendações de adubação indicadas por
mento dos recursos hídricos deve ser feito segundo di-
laudo com base em análise do solo;
retrizes e objetivos especiais e estabelecerá convênios
de mútua cooperação e assistência com os mesmos, po- • Recomenda-se a instalação de sistemas de ca-
dendo delegar aos municípios, que se organizarem téc- lhas e cisternas, visando o aproveitamento das
nica e administrativamente, o gerenciamento de recur- águas pluviais para uso nas pocilgas.
sos hídricos de interesse exclusivamente local, compre-
endendo, entre outros, os de bacias hidrográficas que se Para a obtenção da Licença de Instalação, entre
situem exclusivamente no território do município e os outros documentos, a FATMA exige também:
1
18. 2.3 Projeto do sistema para tratamento dos resíduos
sólidos e efluentes líquidos, das esterqueiras, bioes-
terqueiras, sistema de fertirrigação, sistema separa-
dor de sólidos, sistema de lagoas, outros, contendo
memorial descritivo, de cálculo, plantas e cortes;
2.4 Programa de monitoramento do sistema de tra-
tamento de efluentes.
Ainda de acordo com a citada Instrução Norma-
tiva, a concessão da Licença de Operação fica con-
dicionada à Demonstração da eficiência do sistema
de controle ambiental através de laudos laboratoriais
dos parâmetros constantes do programa de monito-
ramento aprovado na LAI.
1
19. 2. RESPONSAbILIDADE POR DANOS AmbIENTAIS
2.1 O PRINCíPIO DA RESPONSABILIzAçÃO III – poluição, a degradação da qualidade ambien-
tal resultante de atividades que direta ou indireta-
A responsabilização por danos ambientais, mais mente:
do que um princípio do Direito Ambiental, no sis-
tema jurídico nacional, trata-se de um mandamento a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar
da população;
constitucional imprescindível à realização do direito
ao meio ambiente equilibrado. A Constituição Fede- b) criem condições adversas às atividades sociais e
ral é expressa ao estabelecer: econômicas;
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecolo- c) afetem desfavoravelmente a biota;
gicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo meio ambiente;
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
e) lancem matérias ou energias em desacordo com
(...) os padrões ambientais estabelecidos.
§ 3.° As condutas e atividades consideradas lesivas Assim e ainda nos termos da citada lei, poluidor é a
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas pessoa física ou jurídica, de direito público ou priva-
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administra-
do, responsável, direta ou indiretamente, por ativida-
tivas, independente da obrigação de reparar os da-
nos causados.
de causadora de degradação ambiental. (Art. 3°, IV)
De acordo com a norma constitucional, o meio Outro aspecto igualmente relevante é que, para
ambiente constitui um bem de uso comum, cabendo o legislador, poluição e degradação se equivalem e
ao poder público e a coletividade protegê-lo. Nessa toda poluição, juridicamente relevante implica na al-
tarefa, a Constituição Federal atribui ao Estado al- teração adversa do meio ambiente, ou seja, em um
gumas responsabilidades, mas define também alguns dano ambiental.
princípios a que se subordinam o poder público e a
Bessa Antunes ao citar Francis Caballero assinala
sociedade, incluindo pessoas físicas ou jurídicas.
que o dano ecológico se distingue em “dano ecológi-
Dessa forma, a tutela do meio ambiente no orde- co em sentido amplo, isto é, tudo que degrada o meio
namento jurídico nacional se efetiva através de ações ambiente, e o dano ecológico em sentido estrito, isto
do Poder Público, limitando ou restringindo direi- é, a degradação dos elementos naturais”,10 possuindo
tos, e ainda mediante a responsabilização dos infra- o dano ambiental, ainda na lição de Caballero, uma
tores, responsáveis por danos efetivos ou potenciais dupla face na medida em que seus efeitos atingem
ao meio ambiente. não só o homem, mas da mesma forma, o ambiente
que o cerca.
A Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Am-
biente), em seu artigo 3°, incisos II e III, delimitou as Também Morato Leite destaca que o dano ambien-
noções de degradação da qualidade ambiental e de tal tem uma conceituação ambivalente, “por designar
poluição, estabelecendo: não só a lesão que recaí sobre o patrimônio ambien-
tal, que é comum à coletividade, mas igualmente por
Art. 3°. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se se referir ao dano – por intermédio do meio ambien-
por: te ou dano ricochete – a interesses pessoais, legiti-
II – degradação da qualidade ambiental, a alteração
adversa das características do meio ambiente; ANTUNES, P. de B. Direito Ambiental. 6º edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
10
2002, p 225.
1
20. mando os lesados a uma reparação pelo prejuízo pa- e o exercício desse direito fundamental. O trabalho
trimonial ou extrapatrimonial sofrido”.11 Para o cita- do legislador, por conseguinte, visa a garantir a pos-
do autor, pode-se conceituar dano ambiental: sibilidade de fruição e, só excepcionalmente, o res-
sarcimento monetário da lesão.
Como toda lesão intolerável causada por qualquer
ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, Certamente que a recomposição do dano e a res-
diretamente, como macrobem de interesse a cole- ponsabilização do poluidor enfrenta limitações,
tividade, em uma concepção totalizante, e indireta- como bem ilustra o exemplo da poluição causada
mente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios pela suinocultura. Individualmente cada produtor,
e individualizáveis e que refletem no macrobem.12 se regularmente licenciado e operando nos limites le-
gais, não constitui um problema, contudo, a criação
Equivale dizer que o dano ambiental, embora sem- de suínos em escala, numa micro-região pode gerar
pre recaia sobre o meio ambiente, causando prejuízo impactos significativos, como verificado na Bacia do
à biota e indiretamente à coletividade, pode, em cer- rio Ariranha. Diante desse contexto, como assegurar
tos casos, refletir-se, material ou moralmente, sobre a recuperação dos danos decorrentes de uma ativida-
o patrimônio, ou a saúde de um grupo de pessoas. de economicamente relevante?
Outra peculiaridade do dano ambiental decorre Paulo Afonso Frontini,14 aborda a problemática do
do fato de atingir um bem difuso (o meio ambiente) dano decorrente da ação de múltiplos agentes:
repercutindo, assim, quase sempre sobre um amplo
rol de vítimas, o que gera dificuldades na sua repa- Se é em princípio lícito o uso do meio ambiente, o
abuso nessa utilização ultrapassa os limites da licitu-
ração, mesmo porque nem sempre é possível valo-
de, entrando na área do antijurídico. Assim, o abuso
rar adequadamente as conseqüências negativas para na utilização de qualquer de seus componentes pas-
o ambiente, de uma conduta ou atividade. Assim, sa a qualificar-se como agressão ao meio ambiente.
por exemplo, no caso da poluição causada à Bacia do Fácil é perceber como essa questão é complexa, por-
Ariranha pela atividade suinícola, qual a extensão do que, não raro, a agressão resulta da ação de múlti-
dano ambiental, como valorá-lo e ainda, quem pode plos agentes, cada qual, a seu turno, agindo na faixa
ser considerado como vítima desse dano? da utilização. Quer dizer: embora cada agente este-
ja agindo licitamente (simples utilização), o resulta-
A Lei 6.938/81 estabelece que a Política Nacional do global resulta ilícito (agressão ao meio ambien-
do Meio Ambiente visará, entre outros objetivos, “à te, poluição, dano ambiental). Essa peculiaridade do
imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação problema induz à adoção do princípio da respon-
de recuperar e/ ou indenizar os danos causados e, ao sabilidade objetiva do poluidor (Lei 6.938, art. 14,
usuário, da contribuição pela utilização de recursos § 1.°), em razão de ser, muitas vezes, difícil – senão
ambientais com fins econômicos (art. 4°, VII). As- impossível – enquadrar o ato de poluidor no âmbi-
to da culpa civil.
sim, a recuperação do bem ambiental, eventualmente
lesado, não exclui a indenização, eventualmente ca- A citada Lei da Política Nacional do Meio Am-
bível e, tampouco, a obrigação do poluidor de contri- biente (Lei n° 6.938/81), em seu artigo 14, § 1.° con-
buir pela utilização de recursos ambientais com fins sagrou, no ordenamento jurídico brasileiro, o princí-
econômicos, como por exemplo, o uso da água ou do pio da responsabilidade objetiva por danos ambien-
solo para a diluição ou disposição de efluentes. tais, fundamentada no risco da atividade, dispondo:
Edis Milaré,13 citando Nicolo Lipari, assinala: Art. 14 (...)
A regra, pois, é procurar por todos os meios razo- § 1° Sem obstar a aplicação das penalidades previs-
áveis, ir além da ressarcibilidade (indenização) em tas neste artigo é o poluidor obrigado, independen-
seqüência do dano, garantindo-se, ao contrário, a te da existência de culpa, a indenizar ou reparar os
fruição plena do bem ambiental. Aquela, como já danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afe-
alertamos, não consegue recompor o dano ambien- tados por sua atividade.
tal. O valor econômico não tem o condão – sequer
por aproximação ou ficção - de substituir a existên- Divergem os doutrinadores quanto à extensão
cia do meio ambiente ecologicamente equilibrado da responsabilidade objetiva por danos ambientais.
11
MORATO LEITE, José Rubens, Dano Ambiental: do individual ao coletivo extra- 14
Meio ambiente, sua natureza perante a lei e sua tutela – Anotações jurídicas em
patrimonial. São Paulo: RT, 2000. p. 98-99. temas de agressão ambiental. Legitimidade do Ministério Público, órgão do Estado,
12
Idem, ibidem. pág. 99. para agir em juízo. In: Edis Milaré (coord.). Ação Civil Pública: Lei 7.347/85 – Remi-
13
MILARÉ, Edis. Op. cit. p. 671. niscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995. p. 399.
20
21. Para alguns a responsabilidade está vinculada a teo- dutores, produzem efeitos externos não assimila-
ria do risco integral, enquanto outros consideram-na dos pelo sistema de preços, identificados pela ciên-
associada à teoria do risco criado, o que é irrelevante cia econômica como externalidades. Antonio Eval-
nesta análise, porquanto pelo sistema jurídico pátrio, do Comune observa que “uma externalidade surge
o agente assume todo o resultado danoso decorrente sempre que a produção ou o consumo de um bem
de sua atividade, independentemente da culpabilida- tem efeitos paralelos sobre os consumidores ou pro-
de da ação, conforme estabelecido também no Códi- dutores envolvidos, efeitos estes que não são plena-
go Civil em vigor: mente refletidos nos preços de mercado”;17 destacan-
do que numa economia de concorrência perfeita,
Art. 927 (...) o equilíbrio da alocação de recursos corresponde a
uma situação onde ninguém pode melhorar sua po-
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o
sição sem que outro se sinta lesado. Sustenta, porém,
dano, independentemente de culpa, nos casos espe-
cificados em lei, ou quando a atividade normalmen-
que na área ambiental essa perfeição somente se veri-
te desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua fica se forem utilizados certos mecanismos de inter-
natureza, riscos para os direitos de outrem. nalização de efeitos externos, uma vez que o sistema
de preços não é capaz de captá-los.
De conformidade com esse regime, para respon-
sabilização do agente por danos ambientais basta a Assim no caso em exame, a indústria que conta-
comprovação da ocorrência do evento danoso e do mina um rio, nele lançando, diretamente ou através
nexo de causalidade. Nas palavras de Adalberto Pas- de seus parceiros, grande carga de poluente, além de
qualotto:15 provocar a redução no bem estar da população ribei-
rinha, afeta a produção de outras empresas a jusante,
No regime da responsabilidade objetiva, fundada na que também necessitem de água. Essa externalidade
teoria do risco da atividade, para que se possa plei- somente será reduzida, se os custos ambientais forem
tear a reparação do dano, basta a demonstração do assumidos pelos agentes produtores e consumidores,
evento danoso e do nexo de causalidade. A ação, da através da intervenção estatal, por meio de instru-
qual a teoria da culpa faz depender a responsabili- mentos econômicos ou de comando-e-controle.
dade pelo resultado, é substituída, aqui, pela assun-
ção do risco em provocá-lo. Essa internalização dos efeitos externos implica
na superação de uma tradição dos estudos econô-
Outro aspecto igualmente relevante, é destacado micos que enxergam o meio ambiente como inesgo-
por Carlos André Birnfeld,16 quando assinala: tável. Assim, no exemplo citado, a análise do em-
Observe-se, assim, que a responsabilidade civil ob- preendimento, do ponto de vista do proprietário da
jetiva ambiental permeia, no ordenamento brasilei- indústria, considera como inexistente (zero), o cus-
ro, a aplicação do princípio do poluidor-pagador, o to relativo à inadequada disposição de efluentes e
qual estabelece basicamente que o poluidor haverá seu carreamento para o rio. Todavia, o custo des-
de arcar, ilimitadamente, com todos os custos de sua sa diluição, para terceiros usuários que sofrem com
atitude poluente, tal qual arca, ilimitadamente, com a contaminação do citado curso d’água não pode-
seus benefícios. ria ser desconsiderado na avaliação do empreendi-
mento poluente. Essa deseconomia externa tem efei-
No item seguinte examinar-se á o princípio do po- tos sociais que devem ser eliminados ou mitigados.
luidor-pagador, enfocando-se sua aplicação no trata-
mento dos dejetos gerados pela suinocultura e na re- Analisando os efeitos das externalidades sobre o
cuperação dos danos ambientais já identificados. meio ambiente, Vitor Bellia sustenta que as perdas
com a contaminação ambiental atingem as ativida-
2.2 O PRINCíPIO DO POLUIDOR-PAGADOR des produtivas, a saúde, as propriedades e bens ma-
teriais, a vegetação, o solo, a vida animal, os valores
As atividades humanas, sobretudo as sócio-eco- estéticos e culturais, e que “todas essas perdas envol-
nômicas, que repercutam sobre consumidores e pro- vem custos sociais e não devem ser ignoradas na ava-
liação de projetos”. Ressalta, porém, que “para que
15
PASQUALLOTO, Adalberto. Responsabilidade civil por dano ambiental: consi-
derações de ordem material e processual. In: BENJAMIN, Antonio H. V.[Coord.]
Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1993, p. 454. 17
COMUNE, A. E. Meio Ambiente, Economia e Economistas. In MAY, Peter Her-
16
BIRNFELD, Carlos A. Algumas perspectivas sobre a responsabilidade civil do po- man e MOTTA, Ronaldo Seroa (Org.) Valorando a Natureza - Análise Econômi-
luidor por danos ambientais. In: LEITE, José Rubens e BELLO FILHO, Ney de B. ca para o Desenvolvimento Sustentável. Edit. Campus, Rio de Janeiro, 1994, p.
(Orgs.) Direito Ambiental Contemporâneo. Barueri-SP: Manole, 2004, p. 368. 50/51.
21
22. os efeitos ambientais sejam incluídos nas análises Ramóns Mateo21 reconhece necessária a revisão
econômicas, é preciso reconhecer o meio ambiente dos mecanismos de mercado, assinalando, que os
como insumo sujeito à escassez e, portanto, com cus- poderes públicos devem se responsabilizar, de algu-
to alternativo que não seja nulo”.18 ma maneira, pela internalização dos custos ambien-
tais, mesmo porque, em uma economia mista ou de
O grande desafio tem sido o de reduzir essas ex- mercado, os comportamentos individuais não le-
ternalidades, internalizando-as no sistema de preços. variam em conta o meio ambiente público; ponde-
No caso da suinocultura desenvolvida no oeste cata- ra, contudo, que o procedimento possível, somente
rinense fica evidente que o custo da degradação ve- poderá ser definido, a partir das circunstâncias de
rificada no solo e nos cursos d’água não estão sendo cada país, observando que é aconselhável uma pru-
contabilizados no sistema de preço, ou seja, o pífio dente dosimetria de taxas, penalidades, subsídios
“lucro” dos produtores, ou mesmo o lucro expressi- e normas impositivas; embora insuficiente, quan-
vo das agroindústrias está sendo calculado sem que do a contaminação ultrapassa as fronteiras do país.
considere as medidas corretivas necessárias para re-
verter o quadro de degradação gerado pela ativida- Há um consenso entre os economistas de que essa
de. internalização pode se realizar através da estrutura-
ção jurídica de um sistema que combine o empre-
Luiz Fernando Krieger Merico observa que go de instrumentos econômicos com a previsão de
a internalização dos custos ambientais não é, sanções e procedimentos eficazes para a reparação e
por si só suficiente para enfrentar a poluição: compensação de danos causados ao meio ambiente.
a internalização de custos ambientais é um passo Entre os institutos jurídicos concebidos para pro-
importante no controle do uso dos recursos e ser- mover a internalização das externalidades destaca-
viços naturais, mas é também importante percebe- se o princípio do poluidor-pagador (PPP) inserido
rem-se as limitações desses mecanismos para se en-
entre as Recomendações da Organização para a Co-
frentar a degradação como um todo. Tais mecanis-
mos devem ser suplementos de ações diretas que li-
operação e Desenvolvimento Econômico - OCDE22,
mitem a escala da economia em relação à biosfera. a partir da constatação de que o mercado não con-
A internalização dos custos ambientais fará os con- segue assimilar, no sistema de preços, os custos in-
sumidores pagarem o custo real do que adquirirem, tegrais dos bens e serviços, o que implica na implí-
ao invés de repassar estes custos à sociedade. Po- cita concessão de subsídios às atividades poluidores,
derá também conduzir à adoção de meios mais efi- acarretando a degradação dos recursos ambientais,
cientes de se conter a poluição e de uso eficiente de reconhecidamente escassos.
energia e recursos. Mas são, na realidade, comple-
mentos de ações que levem a sustentabilidade, pois Na base desse princípio está o reconhecimento da
são ineficientes em produzi-la.19 existência das externalidades e das falhas do merca-
do que não consegue refletir adequadamente a dete-
A experiência tem demonstrado que os mecanis- rioração e a escassez dos recursos ambientais limi-
mos de mercado necessitam serem reorientados a tados. A OCDE admite que medidas públicas são
fim de que permitam compatibilizar desenvolvimen- necessárias para reduzir a poluição, assegurar me-
to e sustentabilidade. Pode-se afirmar que predomi- lhor alocação e estimular o uso racional desses re-
na entre os autores que tratam do tema, o entendi- cursos, naturalmente escassos. Com o PPP preten-
mento de que a realização do desenvolvimento sus- deu a OCDE também, evitar distorções no comércio
tentável pressupõe uma combinação do sistema de e nos investimentos.
regulamentação (comando-e-controle) com o em-
prego de instrumentos econômicos. Essa preferência Por força desse princípio, deve estar a cargo do po-
justifica-se, na medida em que, nas hipóteses de da- luidor os custos das medidas da prevenção, contro-
nos ambientais significativos, as medidas mais indi- le e remediação da poluição, como forma de induzir
cadas passam pela adoção de sanções severas combi- que tais custos estejam refletidos nos custos dos bens
nadas com a responsabilização do degradador.20
vários instrumentos, assumindo uma orientação pragmática (ALMEIDA, Luciana
18
BELLIA, Vitor. Introdução à Economia do Meio Ambiente. Brasília: IBAMA, 1996, Togeiro. Política Ambiental: Uma análise econômica. Campinas: Papirus, 1998).
p. 89. 21
MATEO, Ramón Martín. Derecho Ambiental. Madrid: Institutos de estudios de
19
MERICO, Luiz F. Kieger. Introdução à Economia Ecológica. Blumenau: FURB, Administracion Local, 1977, p. 39 (Tradução livre).
1996. 22
Recomendação C(72) 128, do Conselho Diretor da OCDE, de 26/05/72. Do-
20
Também Luciana Togeiro de Almeida desenvolve uma analise econômica da po- cumento disponível no site da OCDE (www.oecd.org) sob a denominação: Gui-
lítica ambiental no Brasil, avaliando as experiências com os instrumentos econômi- ding Principles Concerning Internacional Economic Aspects of Environmental
cos, posicionando-se favorável a uma política que contemple uma combinação de Policies.
22