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Apresentação
O BNDES vem apoiando, no âmbito do Programa de Apoio a Crianças e Jovens em Situação de
Risco Social, com recursos não-reembolsáveis advindos do Fundo Social, instituições que, em
articulação com hospitais públicos, promovem o atendimento extra-hospitalar voltado a crianças e
jovens provenientes de famílias pobres.
Essas instituições têm surgido a partir da percepção de profissionais da área de saúde de que um
dos grandes problemas para as famílias de baixa renda com crianças portadoras de doenças graves
é vencer o círculo vicioso “miséria – doença – internação – alta – reinternação – morte”. Muitas
dessas doenças exigem acompanhamento e controle constantes da evolução das condições de saúde
dessas crianças, inclusive com o fornecimento de medicamentos e a orientação para tratamentos
adicionais, o que representa um tipo de assistência da maior relevância para a sua recuperação.
Assim, diversas entidades vêm atuando em parceria com hospitais públicos, provendo
atendimento a essas crianças e suas famílias e realizando atividades complementares aos serviços
hospitalares públicos, com metodologias inovadoras e exemplares, passíveis de reprodução.
Uma das instituições financiadas foi a Sociedade Amigos de Coração (SAC), que atua em
parceria com o Hospital Getulio Vargas Filho, hospital público municipal de Niterói (RJ). Os
recursos foram aplicados na construção e equipagem do Centro de Cardiologia Pediátrica.
Ao conhecer a qualidade da metodologia da SAC para crianças e jovens cardiopatas, o BNDES
decidiu promover a realização de estudo de avaliação que identificasse a sistemática desse
procedimento, conduzido pelo Laboratório de Tecnologia, Gestão de Negócios e Meio Ambiente da
Universidade Federal Fluminense (Latec/UFF).
Os resultados desse estudo foram objeto do seminário A criança cardiopata: avaliação e
sistematização de uma proposta de atendimento integral e integrado – o caso da Sociedade Amigos
de Coração, realizado em dezembro de 2001, na sede do BNDES. O objetivo foi reunir
profissionais de saúde da rede pública e privada, secretários de saúde municipais e estaduais,
representantes de ONGs que prestam serviços de atendimento extra-hospitalar e titulares das
cadeiras de pediatria e cardiologia das universidades para discutir os resultados clínicos alcançados,
os problemas detectados e as recomendações apresentadas pelos pesquisadores.
Nesta publicação apresentamos os resultados finais do trabalho realizado, no intuito de
contribuir para a disseminação de experiências inovadoras e a multiplicação de novas e melhores
práticas de atendimento extra-hospitalar.
Sumário
PARTE 1: A SOCIEDADE AMIGOS DE CORAÇÃO .......... 7
Antecedentes ............................................................................................ 9
A nova sede............................................................................................... 12
PARTE 2: CARDIOPATIAS INFANTIS .................................... 13
Conceitos básicos ..................................................................................... 15
Cardiopatias congênitas............................................................................. 15
Cardiopatias adquiridas ............................................................................. 16
Importância econômica da febre reumática............................................... 17
Cardiopatias infantis no Hospital Getulio Vargas Filho ............................ 18
PARTE 3: AVALIAÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DE
CORAÇÃO ..................................................................... 21
Introdução ................................................................................................ 23
Aspectos conceituais da avaliação.......................................................... 24
Como avaliar a SAC? ................................................................................ 24
A validade da proposta da SAC................................................................. 24
A prática inovadora da SAC ................................................................ 25
A prática dos atendimentos na SAC (caso de febre reumática)........... 26
O ciclo de vida das organizações............................................................... 28
Os desafios gerenciais já enfrentados pela SAC ....................................... 30
Missão e flexibilidade estratégica........................................................ 30
Atração e motivação de pessoas .......................................................... 32
Obtenção de fundos e recursos ............................................................ 34
Controle e autonomia gerencial e administrativa ................................ 34
Definição e medida do sucesso............................................................ 35
Indicadores e avaliação de resultados da SAC...................................... 38
A transparência necessária......................................................................... 38
A relação da SAC com o HGVF ............................................................... 39
As experiências de outras ONGs............................................................... 40
A questão da liderança............................................................................... 42
O trabalho em rede para resgate da cidadania........................................... 44
Sugestões para os programas da SAC ....................................................... 44
As possibilidades de reprodução do empreendimento SAC...................... 48
PARTE 4: CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ............... 51
Conclusões................................................................................................ 53
Próximas etapas no desenvolvimento da SAC ...................................... 55
ANEXO 1: CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ............................ 59
Introdução ................................................................................................ 61
Principais cardiopatias congênitas acianóticas..................................... 61
Principais cardiopatias congênitas cianóticas....................................... 64
ANEXO 2: CARDIOPATIAS ADQUIRIDAS ............................ 67
ANEXO 3: ASPECTOS ECONÔMICOS ASSOCIADOS
À FEBRE REUMÁTICA ............................................ 73
ANEXO 4: ESTUDO DESENVOLVIDO NO HOSPITAL
GETULIO VARGAS FILHO..................................... 79
Metodologia de avaliação das crianças com cardiopatia congênita.... 81
Metodologia de avaliação das crianças com febre reumática.............. 81
Resultados obtidos................................................................................... 83
Resultados da avaliação clínica ........................................................... 83
Resultados da avaliação das crianças com cardiopatias congênitas .... 83
Resultados da avaliação das crianças com FR..................................... 86
Discussão dos resultados da avaliação clínica....................................... 90
Cardiopatias congênitas ....................................................................... 90
Cardiopatias adquiridas........................................................................ 91
ANEXO 5: RELATÓRIO DA VISITA AO PROJETO
RENASCER.................................................................... 95
ANEXO 6: RELATÓRIO DA VISITA À CASA RONALD
MCDONALD E À ASSOCIAÇÃO DE APOIO
À CRIANÇA COM NEOPLASIA ........................... 99
ANEXO 7: EMPREENDEDORISMO ........................................... 107
ANEXO 8: PROJETO PARA ANÁLISE, SUPERVISÃO E
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL EM
INSTITUIÇÃO: MODELO SISTÊMICO
VIVENCIAL .................................................................. 111
Introdução ................................................................................................ 113
Considerações teóricas ............................................................................ 114
Aspectos práticos ..................................................................................... 114
Etapas do trabalho .................................................................................. 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................ 117
PA RT E 1 A S OC IEDADE AMIGOS DE CORAÇÃO
ANTECEDENTES
Na área de saúde pública, um dos
problemas que o Brasil enfrenta é a grande
incidência, ainda pouco conhecida, da febre
reumática, doença cardíaca adquirida que
atinge crianças e adolescentes e se manifesta
após amigdalites causadas por estreptococos.
Já em 1988, o Ministério da Saúde estimou
uma incidência entre 15 mil e 18 mil novos
casos de febre reumática por ano.
Nas populações carentes de países em
desenvolvimento, especialmente as que
residem em áreas superpovoadas,
verifica-se uma freqüência maior de casos
de cardiopatias adquiridas, situação
agravada pela falta de recursos das famílias
e, inúmeras vezes, por deficiências nos
serviços públicos de saúde. Os prognósticos
para muitas das crianças cardiopatas em
famílias carentes são bastante
desfavoráveis.
Para intervir nesse problema, é vital que
se faça o diagnóstico o mais breve possível,
para que se possa iniciar um tratamento ou
realizar uma intervenção cirúrgica, sob pena
de se prejudicar irreversivelmente a
qualidade de vida do paciente e mesmo de se
ampliar as estatísticas de mortalidade
infantil, com casos que poderiam ser
evitados. Uma vez feito o diagnóstico, a
criança deve tomar antibiótico específico a
cada 21 dias, até completar 21 anos de idade.
Por outro lado, as doenças do coração
encontradas na infância resultam, na sua
maioria, de anormalidades congênitas que
acometem um número ainda mais
importante: das crianças nascidas vivas em
todo o mundo, cerca de 1% é portadora de
uma cardiopatia congênita, que pode variar
de lesões com pouca repercussão clínica e
desaparecimento espontâneo até situações
de extrema gravidade, em que a cirurgia
paliativa ou corretiva de emergência é
imprescindível. Em ambos os casos, as
cardiopatias infantis, quer sejam congênitas
ou adquiridas, têm relevância em nosso
país, o que pode ser avaliado pela alta
incidência entre escolares e pelos altos
custos econômicos e sociais dessas
doenças.
O convívio diário com esse quadro
dramático para a criança cardiopata e a
indignação causada pela virtual impotência
para solucionar esse problema dentro do
paradigma de atendimento público existente
levaram à criação e à concretização da
9
experiência da organização
não-governamental Sociedade Amigos de
Coração (SAC).
Em 1996, foram iniciados os primeiros
atendimentos em cardiologia pediátrica no
Hospital Getulio Vargas Filho (HGVF) –
hospital público municipal de Niterói (RJ)
que presta assistência pediátrica –, com a
participação das médicas Juliana B. Ceddia
e Anna Esther A. Silva, especializadas
nessa área. No começo, como acontece em
muitas outras instituições, as médicas
realizavam os necessários ecocardiogramas
em outros hospitais, pois o HGVF não
possuía esse tipo de equipamento. Em
1997, com a evolução dos atendimentos
realizados e com o significativo empenho
das cardiopediatras, o hospital se mobilizou
e conseguiu alugar um aparelho,
possibilitando os exames no próprio local e
aumentando muito a produtividade da
equipe no atendimento. Em 1999, com
recursos obtidos junto à Fundação
Municipal de Saúde, foi comprado um
moderno aparelho de ecocardiograma, que
até hoje se encontra em atividade,
prestando serviços no setor de cardiologia
pediátrica do hospital.
A história do atendimento a crianças
cardiopatas no HGVF corre paralelamente à
implantação do Programa Amigos de
Coração (PAC), em julho de 1997, e ao
surgimento SAC, em 1998. O PAC foi
criado pelas médicas Juliana e Anna Esther e
por duas voluntárias – a professora Ana
Lúcia T. Schilke e a aluna de terapia
ocupacional Maria Alcina M. Souza –, com
o objetivo de proporcionar um atendimento
diferenciado às crianças portadoras de febre
reumática acompanhadas no ambulatório ou
internadas na enfermaria do hospital.
Inspirado no trabalho do Dr. Franco Sbaffi,
um dos idealizadores do Grupo de Trabalho
para a Febre Reumática, no Rio de Janeiro, o
PAC permite uma abordagem integral e
integrada de todos os aspectos relacionados
direta ou indiretamente à doença,
envolvendo não só os pacientes como
também seus familiares.
No ano decorrido após a sua criação, as
atividades e o comprometimento da equipe
existente propiciaram o amadurecimento
necessário e o melhor entendimento do papel
que caberia a profissionais de saúde na
sociedade brasileira. Ficou claro para todos
na equipe que o fato de viver uma realidade
e senti-la remetia fatalmente à ação e que
isso podia representar uma força de
transformação social. Assim, com o sucesso
adquirido no tratamento dos pacientes
portadores de febre reumática, e como
resultado da percepção de que o atendimento
hospitalar, embora realizado da forma mais
eficaz e eficiente possível, estava limitado
em seu escopo, a equipe decidiu criar a
SAC, visando a um atendimento de
qualidade, universal, gratuito, eficaz e
viável, que contemplasse todas as
10
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
necessidades das crianças cardiopatas,
garantindo-lhes qualidade de vida e
cidadania. Em junho de 1998, a ONG foi
regulamentada. A diretoria e o conselho
consultivo eram compostos por apenas seis
integrantes.
Conforme apontado pela Drª Juliana
Ceddia, atual presidente da SAC, foi o
sentimento de indignação diante do
sofrimento das famílias dos pacientes e do
imobilismo dos que põem a culpa no
governo ou apenas criticam que uniu aquele
grupo de pessoas em torno de um ideal
comum. A idéia da SAC não era substituir
as ações do Estado e sim formalizar uma
parceria entre o poder público e a sociedade
civil, em um movimento de solidariedade e
de entendimento no qual todos são
responsáveis.
A ação idealizada pela equipe
inicialmente formada estava baseada em
uma abordagem, identificada como
transdisciplinar, que abrangia consulta
médica, realização de exames, atendimentos
psicológico, odontológico, fonoaudiológico
e terapêutico-ocupacional e que possibilitava
um atendimento integral e integrado às
crianças e adolescentes cardiopatas. Eram
realizadas reuniões semanais com grupos
separados de familiares e de crianças e
adolescentes, coordenados inicialmente
pelas voluntárias. Nessa fase, participavam
de três a seis pacientes e seus respectivos
acompanhantes. Uma cardiopediatra também
atuava nesses atendimentos, que sempre
antecediam as consultas.
Com a existência da SAC e a sua maior
liberdade de ação, a equipe começou a
receber as primeiras doações, e as atividades
começaram a se diversificar, abrangendo
encaminhamentos para outras instituições e
distribuição de lanches, vales-transporte e
medicamentos. Outras atividades de apoio
também eram realizadas: bazar de roupas e
de utensílios com baixo custo; passeios com
grupos de jovens; capacitação de voluntários
(com leituras e discussões de textos e
artigos); e divulgação das atividades da SAC
por meio de palestras em eventos científicos,
reportagens em jornais, revistas e Internet.
No início de 1998, a equipe de voluntários
organizou, junto com as crianças, a
Revistinha da Turma dos Amigos de
Coração, impressa pela Prefeitura de Niterói
e que tinha o objetivo de divulgar os
atendimentos entre os pacientes e “criar o
hábito” da participação nas reuniões em
grupo.
Em meados de 2000, com o sucesso do
PAC, o atendimento transdisciplinar foi
estendido ao grupo de crianças com
cardiopatia congênita, iniciando-se o
Programa de Atendimento à Criança
Cardiopata (PACc).
A SAC tem merecido a atenção de
diversas entidades que apóiam iniciativas
do Terceiro Setor, tendo sua dirigente,
11
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Drª Juliana Ceddia, sido escolhida em 2000
como fellow da Ashoka.*
A NOVA SEDE
No início de 1999, com a multiplicação
das ações, o entusiasmo e a chegada de
novos voluntários, surgiu a necessidade de
instalações físicas mais adequadas, para
oferecer um atendimento de excelência aos
pacientes e onde pudessem ser
proporcionadas melhores condições de
trabalho aos profissionais e voluntários que
ocupam temporariamente instalações no
hospital. Nessa época, uma das voluntárias
soube que o BNDES disponibilizava
recursos não-reembolsáveis para entidades
com o perfil da SAC, por meio do Programa
de Apoio a Crianças e Jovens em Situação
de Risco Social.
Em abril de 1999, a SAC encaminhou ao
BNDES o projeto de construção e
equipagem de um Centro de Diagnóstico e
Tratamento para Crianças Cardiopatas, a ser
instalado em área anexa às das instalações
do HGVF. Após a visita à SAC de
profissionais do BNDES, em outubro de
1999, o projeto foi enquadrado no Programa
de Apoio a Crianças e Jovens em Situação
de Risco Social.
O contrato com o BNDES levou mais de
um ano para ser assinado, em virtude de
dificuldades na obtenção da documentação
do HGVF. O projeto da SAC requereu um
grande esforço de todos os envolvidos, tendo
sido realizados diversos acordos que
envolveram a prefeitura, o estado e vários
órgãos públicos, entre eles as Procuradorias
Gerais do Estado e do Município. Também
foi firmado um convênio de cooperação
técnica com a prefeitura para a cessão do
terreno onde o imóvel seria construído,
sendo necessário promover uma ação de
usucapião em favor do estado para que este
pudesse, com a intermediação do município,
ceder o espaço à SAC.
O Centro de Diagnóstico e Tratamento
para Crianças Cardiopatas foi finalizado no
início de 2002, possibilitando à SAC ampliar
o atendimento, além de ofertar novas
atividades às crianças cardiopatas assistidas.
12
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
* Organização internacional, presente em 42 países, que promove a profissionalização do empreendedor social, buscando o
aperfeiçoamento e fortalecimento do Terceiro Setor.
PA RT E 2 C A R D IOPATIAS INFANTIS
CONCEITOS BÁSICOS
Diferentemente da população adulta com
doença cardíaca, na qual predomina a
coronariopatia, o grupo de crianças com
cardiopatia é bastante heterogêneo. Uma
diversidade de condições médicas, que
variam com a faixa etária, do recém-nascido
até o adolescente, pode ser observada. Isso
aumenta as dificuldades em se estabelecer
uma padronização do cuidado e do manejo
clínico desses pacientes.
A identificação das crianças com doença
cardíaca é de suma importância não só por
questões terapêuticas, mas também pra que
medidas profiláticas sejam iniciadas, dentre
as quais estão aquelas relacionadas à
prevenção da endocardite bacteriana,
complicação infecciosa não rara e
geralmente severa, que pode ocorrer entre
os pacientes com doença cardíaca. Nesse
sentido, são importantes os cuidados com a
higiene oral, orientando-se quanto à
necessidade de escovação diária dos dentes,
consultas odontológicas periódicas e uso de
antibiótico profilático para algumas
intervenções odontológicas e médicas,
como em situações de manipulação
cirúrgica e não-cirúrgica, com instrumental,
do sistema geniturinário e do trato
gastrointestinal.
A doença cardíaca na infância pode ser
dividida em dois grandes grupos, de acordo
com a época de ocorrência: cardiopatias
congênitas e cardiopatias adquiridas.
Cardiopatias congênitas
A doença cardiovascular congênita é
definida como uma anormalidade na
estrutura cardiovascular ou na sua função,
que está presente intra-útero e pode ser
descoberta durante o período gestacional, ao
nascimento ou, em alguns casos, somente
muito mais tarde.
As doenças cardiovasculares encontradas
na infância resultam, na sua maioria, de
anormalidades congênitas [Lauer e Sanders
(2001)]. As cardiopatias congênitas ocorrem
em quase 1% das crianças nascidas vivas em
todo o mundo e provavelmente são causadas
pela interação entre predisposição genética e
fatores ambientais [Harris (2000)].
Em 1998, aproximadamente 29 mil
crianças nos Estados Unidos nasceram com
um defeito cardíaco congênito e, dependendo
da pesquisa considerada, entre 25% e 50%
dessas crianças apresentaram sintomas e
15
foram encaminhados para cateterismo
cardíaco e/ou cirurgia, ou morreram durante a
infância. Atualmente, a correção cirúrgica
paliativa ou curativa é possível para 90% dos
casos [Moss e Adam (1995)].
Para a determinação exata das
incidências de cardiopatias congênitas, é
indispensável que sejam estabelecidos
diagnósticos precisos de todas as crianças
portadoras da doença. Vários fatores são
importantes para que isso ocorra.
Primeiramente, é necessário um sistema
médico eficiente que permita que os
diagnósticos dessas lesões sejam feitos por
cardiologistas pediátricos habilitados e que o
acesso a esses profissionais seja possível
para toda a população. Além disso, os
pediatras devem estar sempre alertas para a
suspeita clínica de doença cardíaca,
especialmente em crianças sem sintomas
específicos de doença cardiovascular ou com
sintomas mínimos, a fim de encaminhá-las
em tempo hábil para uma avaliação
especializada. No entanto, se o acesso ao
cardiologista infantil for limitado, as chances
para um diagnóstico efetivo de doença
cardíaca ainda na infância diminuem muito
mais, levando ao risco de complicações,
muitas vezes irremediáveis, na idade adulta.
No manuseio das crianças portadoras de
cardiopatias congênitas no primeiro ano de
vida, o diagnóstico clínico constitui o
elemento de maior dificuldade. A
classificação das cardiopatias nesse grupo,
em formas clínicas de exteriorização, visa a
uma orientação mais racional no
reconhecimento e diagnóstico de
malformações cardíacas. Insuficiência
cardíaca, cianose, sopro e arritmias cardíacas
são as formas mais importantes de
manifestação clínica de cardiopatia
congênita nessa fase da vida.
As cardiopatias congênitas podem ser
divididas em dois grandes grupos:
cianóticas, quando há deficiência na
oxigenação do sangue e conseqüente
coloração azulada da pele; e acianóticas,
quando não se apresenta tal fato. Em alguns
casos de cardiopatias acianóticas, a
perpetuação e o agravamento do quadro
podem levar ao aparecimento de cianose,
que está relacionada a um pior prognóstico
para o paciente.
Para melhor entendimento dessa
diversidade de malformações cardíacas
congênitas, serão descritas, no Anexo 1,
algumas características das cardiopatias
congênitas mais comuns, separando-as pela
presença ou não de cianose. Em alguns
casos, estão presentes duas ou mais dessas
características simultaneamente.
Cardiopatias adquiridas
As cardiopatias adquiridas são aquelas
que ocorrem após o nascimento e incluem
um número de patologias de origens diversas
que podem resultar em morbidade e
mortalidade significativas. Especificamente,
16
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
essas doenças cardiovasculares incluem
febre reumática, cardiomiopatias,
endocardite infecciosa, miocardite,
pericardite e doença de Kawasaki, que estão
descritas no Anexo 2.
A febre reumática (FR), causa mais
comum de doença cardíaca infantil e juvenil
adquirida nos países em desenvolvimento,
tem sido associada historicamente à pobreza
e, em especial, às condições precárias de
habitação e aos agrupamentos e cuidados
médicos inadequados. A doença desapareceu
quase por completo nos países
desenvolvidos, tendência que reflete
principalmente a melhora no nível de vida.
Entretanto, o ressurgimento recente em
famílias de classe média nos Estados Unidos
voltou a destacar a importância que ela
também apresenta nos países desenvolvidos,
o que reforçou a crença de que a doença não
vai desaparecer até que seja entendida
completamente [Silva e Pereira (1997)].
Em países em desenvolvimento como o
Brasil, a FR constitui-se num importante
problema de saúde pública, que é ainda
maior devido à dificuldade que esses países
têm em obter dados confiáveis sobre a
incidência dessa enfermidade e à prevalência
de sua seqüela, a cardiopatia reumática.
Importância econômica da febre
reumática
Dados de 1993 do Ministério da Saúde/
Sistema Único de Saúde mostram que os
custos hospitalares com a FR
corresponderam a cerca de 25% dos gastos
com todas as doenças cardiovasculares,
tendo consumido em 1992 o equivalente a
US$ 46 milhões [Alves, Castilho e Barros
(1995)].
O custo da FR é muito alto devido às
consultas ambulatoriais repetidas, às
hospitalizações em decorrência de seqüelas e
nas fases agudas da doença, aos gastos com
o tratamento clínico e cirúrgico e ao impacto
físico e psicológico causado aos pacientes e
seus familiares. Ainda soma-se a esses
custos, a perda considerável de
produtividade para a sociedade, além do
sofrimento individual [Terreri (1998)].
Os aspectos econômicos da FR no Brasil
– detalhados no Anexo 3 – indicam gastos
expressivos. O número de cirurgias
valvulares decorrentes da FR financiadas
pelo serviço público é de aproximadamente
10 mil por ano, o que corresponde a cerca de
30% do total das cirurgias cardíacas
realizadas no país. Como as estatísticas
internacionais estimam o custo unitário
dessas cirurgias para os governos em
aproximadamente US$ 9 mil [Snitcowsky,
apud Terreri (1998)], uma outra estimativa,
utilizando-se esse dado, seria um custo anual
de cirurgias decorrentes da FR de cerca de
US$ 90 milhões.
Em um estudo sobre pacientes com FR
realizado em ambulatório na cidade de São
Paulo [Terreri (1998)], verificou-se que os
17
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
principais gastos do paciente público estão
relacionados à compra de medicamentos
(54%) e ao transporte (38%). Para a
sociedade, os principais custos do paciente
público com FR são os gastos hospitalares
(72%) e os custos indiretos decorrentes das
faltas ao trabalho do responsável pelo
paciente (21%). O custo total para o paciente
e para a sociedade foi estimado, em 1998,
em cerca de R$ 370 anuais por paciente.
Diante desse quadro, qualquer iniciativa
que leve a um diagnóstico precoce da FR, à
aderência ao tratamento e à adoção de
medidas preventivas é economicamente
justificada, não só do ponto de vista dos
benefícios para os pacientes, mas também da
redução de custos para a sociedade. Um
programa de informações dirigidas a
profissionais de saúde e à população para a
profilaxia da FR, por exemplo, foi realizado
com êxito, durante 10 anos, em algumas
ilhas do Caribe [Bach, apud Terreri (1998)].
Nos quatro primeiros anos de maior ação, o
custo do programa foi de US$ 89 mil e fez
com que o custo com a FR, excluindo as
seqüelas tardias, caísse de US$ 1.426 mil
para US$ 100 mil.
Na próxima seção, é apresentado o
estudo sobre a FR nos casos de cardiopatia
identificados no HGVF, onde pôde ser
observada a diminuição dos gastos dos
pacientes e da sociedade com essa doença a
partir da implementação dos programas da
SAC em parceria com o hospital.
CARDIOPATIAS INFANTIS NO HOSPITAL
GETULIO VARGAS FILHO
Com o objetivo de proceder a uma
avaliação clínica das crianças com doenças
cardíacas acompanhadas pelo Serviço de
Cardiologia Infantil do HGVF, no período
compreendido entre janeiro de 1996 e junho
de 2001, foram analisados dados de
prontuários, fichas ambulatoriais e laudos de
ecocardiograma de 426 pacientes com
cardiopatias congênitas (265) e adquiridas
(161), sendo 137 com FR. O
acompanhamento dessas crianças foi
realizado, desde o começo, pelas Dras
Anna
Esther Silva e Juliana Ceddia, cardiologistas
pediátricas responsáveis pelos dados
médicos analisados neste estudo.
Pela grande diferença nas características
gerais das crianças com cardiopatias
adquiridas e congênitas, a análise dos dados
foi realizada de forma separada. Pelo maior
número de casos de FR encontrados entre as
cardiopatias adquiridas, tanto em termos
absolutos como relativos, e ainda pelo maior
enfoque dado a esse grupo em virtude do
atendimento transdisciplinar adotado pela
SAC, o estudo concentrou-se na análise dos
dados das crianças com doença cardíaca
adquirida por FR. No Anexo 4 é apresentado
o estudo desenvolvido pela Drª Ivany
Yparraguirre, no HGVF, sobre crianças com
doenças cardíacas, compreendendo a
metodologia, a avaliação clínica e a
18
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
discussão dos resultados. Uma importante
conclusão do trabalho foi a de que a
população de crianças acompanhadas pela
SAC não difere, quanto aos dados
demográficos e clínicos, de uma forma geral,
daquela encontrada em outros trabalhos da
literatura.
A evolução clínica das crianças com FR
foi melhor do que a observada em estudos
semelhantes de outros autores brasileiros,
com menor número de recidivas,
provavelmente pelo menor número de
abandonos da profilaxia antibiótica e de
indicação cirúrgica. A característica de
transdisciplinaridade do grupo de trabalho
da SAC muito deve ter contribuído para esse
resultado, levando a uma diminuição dos
casos de abandono com conseqüente maior
número de crianças com menos recidiva e
melhor evolução clínica.
Também foi observado que, após a
introdução do PAC, um maior número de
crianças com FR e características clínicas de
gravidade foi encaminhado para
acompanhamento no HGVF. Da mesma
forma, antes do PAC, um maior número de
crianças com uma leve FR era internado, o
que pode refletir uma melhora da
capacitação dos profissionais engajados no
programa para acompanhar esses pacientes
em nível ambulatorial.
Outro fato observado que merece ser
enfatizado é o número de crianças
diagnosticadas com FR sem alterações
clínicas sugestivas de acometimento
cardíaco, porém com alterações
ecocardiográficas características de lesão
valvular leve. Provavelmente, contribuíram
de forma relevante para esse resultado a
facilitação promovida pelo PAC para
avaliação precoce especializada, a realização
de exame complementar efetivo para
diagnóstico de lesão valvular, o
ecocardiograma bidimensional com doppler,
realizados em todos os pacientes com FR.
Esses dados podem sugerir que a doença
valvular silenciosa pode estar presente em
muitas crianças com FR sem sintomas ou
sinais de doença cardíaca e que a sua
identificação pode prover um melhor
prognóstico para essas crianças, uma vez
que a profilaxia antibiótica deve ser
diferenciada para os casos de FR com
cardite e a sua não-realização pode levar a
riscos de piora da lesão cardíaca.
Quanto à população de crianças com
cardiopatia congênita com indicação
cirúrgica aqui analisada, chamou a atenção o
baixo percentual de realização de cirurgia
cardíaca até o início deste estudo. Esse é um
fato real, observado no dia-a-dia das
crianças cardiopatas do Brasil, dependentes
do serviço de saúde pública. O
aprimoramento no acompanhamento
ambulatorial desenvolvido pela equipe
transdisciplinar do PACc pode melhorar a
qualidade de vida de algumas dessas
crianças até à realização da cirurgia. Além
19
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
disso, no programa existe um intercâmbio
com hospitais de referência de cirurgia
cardíaca infantil, o que acelera todo o
processo. Atualmente, a perspectiva de
melhorias no atendimento oferecido pelo
Hospital de Cardiologia de Laranjeiras,
facilitando a realização de cirurgias das
crianças cardiopatas do Rio de Janeiro, deve
resultar em números melhores e,
conseqüentemente, em menor morbidade e
mortalidade desses pacientes.
Diferentemente do Programa de
Acompanhamento de Crianças com FR, que
existe aproximadamente há quatro anos, o
PACc, que atende às cardiopatias congênitas,
é um programa que ainda se encontra em
fase inicial, funcionando aproximadamente
há um ano.
20
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
PA RT E 3 AVA L IA ÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DE CORAÇÃO
INTRODUÇÃO
A avaliação da experiência vivida pela
SAC até o segundo semestre de 2001
representou um desafio para a equipe do
Latec/UFF responsável pelo estudo. Com
relação ao BNDES, esse foi o primeiro
estudo realizado dessa forma, e sua
elaboração exigiu a participação ativa dos
profissionais e executivos da Área de
Desenvolvimento Social nas reuniões
mensais de avaliação do trabalho conduzido
pela equipe do Latec/UFF, cujas
preocupações para a sua realização podem
ser assim sintetizadas:
• necessidade de utilizar critérios de
avaliação que fizessem “sentido”, ou
seja, que permitissem examinar um
empreendimento social em sua fase
inicial de vida – uma efetiva “fotografia”
do estágio atual da SAC – e que levassem
a uma percepção dos desafios a serem
enfrentados pela ONG no futuro próximo
– uma visão “dinâmica”;
• importância do estudo em
desenvolvimento para o possível – e
provável – surgimento de iniciativas
semelhantes às da SAC em outros locais; e
• impacto da “interferência” da equipe
nas atividades da SAC durante a
realização do trabalho de avaliação, já
que as responsáveis pela ONG
participaram ativamente das reuniões e
discussões e também contribuíram com
sugestões e documentos para o relatório
final.
Dessa forma, esta parte do relatório
procurará destacar os principais tópicos
abordados, utilizando a seguinte estrutura:
• como avaliar a SAC?;
• a validade da proposta da SAC;
• o ciclo de vida das organizações;
• os desafios gerenciais enfrentados pela
SAC;
• a transparência necessária;
• a relação da SAC com o HGVF;
• as experiências de outras ONGs;
• a questão da liderança;
• o trabalho em rede para resgate da
cidadania;
• sugestões para os programas da SAC; e
• as possibilidades de reprodução do
empreendimento SAC.
23
ASPECTOS CONCEITUAIS DA AVALIAÇÃO
Como avaliar a SAC?
Uma forma de realizar um trabalho de
avaliação de uma organização como a SAC
é examinar a existência ou a implantação
efetiva de planos de ação e orçamentos, uma
estrutura organizacional apropriada, manuais
de processos (administrativos) internos em
funcionamento, definição clara e apuração
efetiva de medidas de desempenho,
existência de instrumentos de obtenção de
recursos para investimentos ou custeio,
procedimentos para atração e manutenção de
voluntários e outros. No entanto, não se
pode esquecer que a SAC é uma organização
em formação, uma start-up, com múltiplas
necessidades e problemas típicos dessa
condição, e que devem ser resolvidos por
uma equipe pequena, cujas habilidades e
competências lhes têm possibilitado, até o
momento, algumas significativas
realizações.
A validade da proposta da SAC
Na parte conceitual deste relatório
procurou-se identificar, na reduzida
bibliografia disponível, a importância
econômica da FR, uma cardiopatia adquirida.
Conforme citado anteriormente, segundo
dados do Ministério da Saúde e de estudo
considerado neste trabalho, os custos
hospitalares no Brasil com a FR
corresponderam, em 1993, a cerca de 25% dos
gastos com todas as doenças cardiovasculares
e, em 1992, consumiram o equivalente a
US$ 46 milhões. Outras estimativas
forneceram valores ainda maiores. Isso sem
contar o impacto físico e psicológico causado
aos pacientes e seus familiares.
A adoção de medidas preventivas e de
procedimentos que conduzam a um
diagnóstico precoce da FR e,
principalmente, à aderência ao longo
tratamento é economicamente justificável,
não só pelos benefícios auferidos pelos
pacientes, mas também pela redução de
custos para a sociedade. No entanto,
limitações ainda existentes na área da saúde,
entre outros aspectos, têm restringido a
aderência ao tratamento, que é condição
essencial para o sucesso no combate aos
efeitos da FR.
No Brasil, isso ocorre também no
combate à tuberculose, que requer
tratamento contínuo por seis meses. Segundo
matéria recentemente publicada no jornal O
Globo [“Erros afetam o combate à
tuberculose no Brasil” (16.11.01, p. 8)], as
principais dificuldades no tratamento da
tuberculose são o abandono do tratamento
pelos pacientes (por vários motivos, entre
eles a falta de dinheiro até para a condução),
a qualidade do serviço prestado, o
relacionamento dos pacientes com os
médicos e a distribuição dos medicamentos.
De acordo com a professora Maria Lúcia F.
Penna, da Universidade do Estado do Rio de
24
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Janeiro (Uerj), citada na referida
reportagem, o doente precisa saber que “está
fazendo um bem a si mesmo ao seguir o
tratamento”.
A SAC desenvolve um trabalho de forma
a complementar a atuação do poder público,
por meio de uma abordagem integral e
integrada que considera todos os aspectos
relacionados direta ou indiretamente à
doença, envolvendo não só os pacientes
como também seus familiares. Desde a sua
constituição, a SAC vem diversificando suas
atividades, visando garantir a aderência ao
tratamento. São elas:
• facilitação do acesso aos atendimentos
em cardiologia no HGVF;
• envolvimento dos familiares das crianças
e adolescentes doentes;
• atendimentos individuais e em grupo nas
especialidades de psicologia,
fonoaudiologia, terapia ocupacional,
nutrição, assistência social, odontologia
(em número limitado, até o momento);
• encaminhamento para outras instituições
de atendimento à saúde; e
• distribuição de medicamentos,
vales-transporte e lanches, com recursos
obtidos em bazar de roupas e utensílios
com baixo custo.
A prática inovadora da SAC
O conceito de atendimento integral e
integrado que norteia os trabalhos da SAC
foi aprimorado a partir da monografia sobre
o programa de FR, de autoria de Maria
Alcina M. Souza, atual diretora da entidade,
apresentada para conclusão de disciplina no
curso de graduação em Terapia Ocupacional.
Dessa monografia, foram identificadas as
considerações a seguir relatadas.
Para as crianças cardiopatas e suas
famílias, uma simples prescrição médica, um
olhar de compaixão, uma palavra de consolo
ou a explicação clínica da doença não são
atitudes suficientes. “Há de se levar em
conta o que esses indivíduos têm a nos dizer
ou nos fazer entender, suas ansiedades, suas
fantasias e suas necessidades. Daí a
importância de uma equipe com atenção
integral ao paciente.”
O conceito de atendimento integral deve
ser entendido a partir das seguintes
definições de Piaget, conforme ensaio feito
por Chaves (1998):
• disciplina – constitui um corpo específico
de conhecimento ensinável, com seus
próprios antecedentes de educação,
treinamento, procedimentos, métodos e
áreas de conteúdo;
• multidisciplinaridade – ocorre quando “a
solução de um problema torna necessário
obter informação de duas ou mais
ciências ou setores do conhecimento sem
que as disciplinas envolvidas no processo
sejam elas mesmas modificadas ou
enriquecidas”;
25
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• interdisciplinaridade – é utilizado para
designar “o nível em que a interação
entre várias disciplinas ou setores
heterogêneos de uma mesma ciência
conduz a interações reais, a uma certa
reciprocidade no intercâmbio, levando a
um enriquecimento mútuo”; e
• transdisciplinaridade – o conceito
envolve “não só as interações ou
reciprocidade entre projetos
especializados de pesquisa, mas a
colocação dessas relações dentro de um
sistema total, sem quaisquer limites
rígidos entre as disciplinas”.
A transdisciplinaridade é muitas vezes
confundida com a multidisciplinaridade e a
interdisciplinaridade, porque as três vão
além da disciplina. Mas, como o prefixo
trans indica, a transdisciplinaridade lida com
o que está ao mesmo tempo entre as
disciplinas, através das disciplinas e além de
todas as disciplinas [Chaves (1998)]. Ainda
segundo Chaves, não se pode negar a
necessidade das disciplinas para o avanço da
ciência, mas ao mesmo tempo é imperativa a
transdisciplinaridade para a compreensão do
mundo.
A SAC entende que a
transdisciplinaridade se enquadra na sua
maneira de atuar, em que os conhecimentos
dos profissionais se permeiam e se
perpassam e as competências individuais
passam a ser articuladas com a finalidade da
compreensão do mundo atual, onde a busca
é do conhecimento relevante, que possa
gerar ações que redundem em benefício do
ser humano.
O trabalho em equipe propõe uma
abordagem que pode ser um processo
transformador das situações e das pessoas
envolvidas. Considera-se que, sem esse viés,
pode ocorrer uma duplicidade de esforços e
serviços, impedindo a expansão e
comprometendo a qualidade do trabalho.
Esse novo caminho partiu do interesse
em construir, no hospital, um trabalho em
saúde que pudesse repercutir na qualidade de
vida dos pacientes e seus familiares. A
descoberta de novas possibilidades de pensar
e agir em saúde favorece a intensidade das
trocas, a integração e a interação
propriamente ditas, contribuindo, também,
para a formação e o crescimento
profissional.
Na SAC, o enfoque transdisciplinar levou
à constituição de uma equipe com
profissionais diversos – cardiopediatra,
psicóloga, fonoaudióloga, pedagoga e
terapeuta ocupacional – que está sempre
aberta a novas contribuições.
A prática dos atendimentos na SAC (caso
de febre reumática)
O texto a seguir é baseado na monografia
de autoria de Maria Alcina M. Souza,
anteriormente citada, e foi editado para
efeito de concisão e inclusão neste
documento.
26
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Assim que é feito o diagnóstico da
doença, a criança é cadastrada no PAC,
iniciando-se o atendimento imediatamente.
Se houver necessidade de internação
hospitalar, o atendimento é individualizado,
feito no próprio leito do paciente, com
informações sobre a doença, sua evolução e
tratamento, e sobre o Programa em que ela
está sendo engajada.
Após a alta hospitalar, ou se o paciente
não precisou de internação, durante o
primeiro mês após o diagnóstico, ele deve
comparecer semanalmente à consulta
médica, previamente marcada, no
ambulatório do HGVF.
Antes da consulta médica são
constituídos dois grupos: o de sala de espera
com as mães e um outro com as crianças e
adolescentes. São, então, desenvolvidas
atividades lúdicas, expressivas e
pedagógicas, direcionadas aos problemas
que eles enfrentam, tais como ansiedades e
fantasias em relação à doença, medo da
morte e da medicação dolorosa, entre outros.
Nesses encontros, são debatidos assuntos
como informações sobre a doença, sua
evolução e conscientização sobre o
tratamento. Nos atendimentos em grupos,
procura-se integrar as crianças com consulta
marcada com aquelas que estão internadas
com FR.
É importante salientar que todos os
membros da equipe participam de todas as
atividades propostas, com as crianças ou
com os familiares, possibilitando a criação
de um canal de compreensão mais eficaz do
mecanismo da doença.
Após essas atividades, é realizada a
consulta médica e, em seguida, a equipe se
reúne para discussão dos casos em
acompanhamento. Informações obtidas
durante os trabalhos em grupo podem ser
elementos importantes para a tomada de
decisão sobre a conduta do tratamento. A
reunião de equipe e de estudos é a ocasião
em que todos os aspectos são discutidos e
reavaliados.
Com relação à medicação, são realizados
o controle e a distribuição da penicilina
benzatina. Algumas crianças tomam a
injeção no próprio hospital e outras em
postos de saúde ou farmácias perto de suas
residências.
Toda criança inscrita no programa é
encaminhada para atendimento
odontológico, com ênfase na prevenção
bucal, pois a boca, por ser a principal porta
de entrada de bactérias, torna-se uma
facilitadora de infecções cardíacas
(endocardite). Freqüentemente, os
odontólogos têm certo receio em atender
crianças cardiopatas, tornando, assim,
imprescindível que esse tratamento seja
executado por profissionais cientes da
filosofia de atendimento e que prestem
assistência odontológica diferenciada.
Depois do primeiro mês de adesão ao
programa, as consultas vão sendo marcadas
27
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
com um intervalo maior, desde que os
terapeutas tenham alguma evidência que os
levem a pensar que a criança está engajada
no programa e não irá abandonar o
tratamento.
O ciclo de vida das organizações
Diferentes modelos sobre o ciclo de vida
das organizações, apresentados por
importantes autores, têm contribuído para
um melhor entendimento do comportamento
das organizações ao longo do tempo.
Algumas pesquisas [citadas em Jawahar e
McLaughlin (2001)] identificaram quatro
estágios do ciclo de vida (parcialmente
superpostos): inicial (start-up), crescimento
emergente, maturidade e renascimento (ou
revival). Em cada um deles, as
características da organização são distintas, e
variam não só as pressões, ameaças e
oportunidades nos ambientes externos e
internos, como também a importância
relativa dos stakeholders da organização,
que podem ser definidos como “todo e
qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar
ou ser afetado pelo atingimento dos
objetivos da organização” [Freeman (1984),
apud Jawahar e McLaughlin (2001)].
Nadler e Tushman (1997) apresentaram
um modelo de congruência, resultado de
trabalhos por eles desenvolvidos a partir dos
anos 70, o qual estabelece que “os
componentes de qualquer organização
co-existem em vários estados de equilíbrio
(balance) e consistência, denominado de
‘adequação’ (fit). Quanto maior o grau de
adequação – ‘ou congruência’ – entre os
diversos componentes, mais eficaz a
organização” (p. 28). Os componentes da
organização, criticamente interdependentes,
são: os processos e fluxos de
trabalho/tarefas, as pessoas e suas
capacidades e competências, os arranjos
organizacionais formais e a organização
informal (também referenciada como cultura
e ambiente operacional da organização).
Entretanto, para cada um desses
componentes, uma organização em sua fase
inicial se caracterizaria por:
• processos administrativos internos menos
rígidos (ou pouco definidos);
• estrutura organizacional mais informal,
menos hierárquica; e
• cultura menos rígida.
Segundo Schein (1988), a cultura pode
ser definida como “um padrão de
pressupostos básicos – inventados,
descobertos ou desenvolvidos por um
determinado grupo à medida que aprende a
enfrentar problemas de adaptação externa e
de integração interna – que tem funcionado
de maneira satisfatória e que pode ser
considerado válido e, dessa forma, é
ensinado aos novos membros [da
organização] como a maneira correta de
perceber, pensar e sentir em relação àqueles
problemas”. Christensen (2001) argumenta
28
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
que a ênfase inicial da organização repousa
sobre os recursos (pessoas, equipamentos,
tecnologia, dinheiro, informação,
relacionamentos e outros). A importância
dos processos (padrões de interação,
coordenação, comunicação e tomada de
decisão através dos quais os recursos são
transformados em produtos e serviços de
maior valor) e dos valores (critérios pelos
quais se tomam as decisões sobre as
prioridades da organização) aumenta nas
fases seguintes da vida da organização. O
amadurecimento permite a emergência da
cultura organizacional, com ênfase nas
competências e capacidades
“empreendedoras”, que levam à busca de
oportunidades e a assumir riscos
calculados. Essa característica permite a
comparação com as capacidades e
competências de natureza gerencial
(vendas, produção, administração, serviços
e outras) necessárias em outra fase da vida
da organização.
A SAC se enquadra nas descrições
acima de uma organização no estágio
inicial do seu ciclo de vida. Dessa forma,
era de se esperar que seu desenvolvimento
até agora repousasse nos recursos
principais representados pelos seus
dirigentes e alguns voluntários, e que a
principal busca de outros recursos e de
apoio estivesse concentrada naquilo que
pudesse viabilizar a ONG: disponibilidade
de equipamentos; doações de
medicamentos; dinheiro necessário para
atender às demandas ainda pequenas de
medicamentos, lanches e vales-transporte
para os doentes e seus familiares; maior
disponibilidade de espaço (se possível uma
sede); obtenção do apoio da prefeitura e do
HGVF para a construção da sede da SAC,
com financiamento do BNDES; e criação
de uma rede de relacionamentos que
pudesse “confirmar” e divulgar a atuação
da SAC.
Alguns processos administrativos
internos foram sendo definidos e
implementados à medida que se revelavam
essenciais para a coordenação de pessoas, o
uso adequado dos recursos financeiros e a
formalização de elementos importantes
para a SAC. Dentre eles estão disponíveis:
Estatuto, Regimento Interno, Programa
Ação Voluntária para Capacitação de
Voluntários e Estagiários, minuta de
proposta de plano de ação para os cinco
próximos anos, orçamento abrangendo
também o primeiro semestre de 2002,
compilação de medidas de desempenho
financeiras e não-financeiras (em
implantação) e proposta de novo
organograma (junho de 2001). Outras
normas, relacionadas ao tratamento
contábil, estão em fase de definição e
implementação, após o início dos trabalhos
da empresa de auditoria independente BKR
Lopes, Machado Ltda., na SAC, em julho
de 2001.
29
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Os desafios gerenciais já enfrentados pela
SAC
Em Oberfield e Dees (1992), autores de
vários textos na área de empreendedorismo
social, ambos da Harvard Business School
na época, são listados os desafios gerenciais
enfrentados por novos empreendimentos
sociais, considerando os seguintes aspectos:
• missão e flexibilidade estratégica;
• atração e motivação de pessoas;
• obtenção de fundos/recursos;
• controle e autonomia gerencial e
administrativa; e
• definição e medida do sucesso.
Esse trabalho é aqui utilizado como uma
referência para as considerações sobre a
atuação da SAC.
Missão e flexibilidade estratégica
Segundo Oberfield e Dees (1992), “o que
traz os principais stakeholders (doadores,
membros do conselho, voluntários e a
equipe profissional) para uma organização
sem fins lucrativos é a singularidade da sua
missão (distinctive mission). O compromisso
dessas pessoas com a missão pode ser um
enorme ativo da organização, e isso pode
motivá-los de uma forma que as
recompensas financeiras não conseguiriam”.
A SAC estabeleceu como sua missão
restabelecer a saúde e a cidadania da
criança cardiopata por meio de atendimento
integral e integrado. No documento
“Sociedade Amigos de Coração: Missão”,
apresentado em maio de 2000, a presidente
da SAC, Drª Juliana Ceddia, já demonstrava
perceber claramente a importância da
credibilidade da missão: “Escrever a missão
é fácil, difícil é fazer com que todos
acreditem nela... A chave para uma
organização voltada para a sua missão não é
a declaração em si, mas como ela é aplicada
no dia-a-dia das pessoas”. E, em seguida,
definia os valores que deveriam guiar as
ações diárias dos membros da organização:
• atendimento universal: acesso de
quaisquer pacientes, pela rede pública ou
particular, de forma gratuita;
• tecnologia com qualidade: excelência
no atendimento em todos os níveis;
• atendimento integral: não há tratamento
da patologia separada do indivíduo;
• atendimento transdisciplinar: os
conhecimentos e as competências
individuais dos profissionais envolvidos
no tratamento se permeiam e se
perpassam e são articulados para gerar
ações que redundem em benefício do ser
humano;
• empatia: em relação aos pacientes e
também em relação aos membros da
equipe;
• credibilidade: atuação da equipe com
compromisso, preocupação, consistência,
ética, bom senso e clareza;
30
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• crescimento pessoal dos profissionais
envolvidos: desafios, satisfação pessoal,
autonomia de iniciativa e
responsabilidade;
• envolvimento de todos os setores da
sociedade: incentivo à colaboração
(inclusive das famílias das crianças
atendidas) para as ações que
potencializem a atuação hospitalar;
• resgate da cidadania: colocar os
pacientes e suas famílias em condições
de assumir o controle de suas vidas
(“saúde compreende o bem-estar físico,
mental e social”);
• custos viáveis: assistência de alta
qualidade e de eficácia em termos de
custo-benefício, tendo em vista a
escassez de recursos; e
• ambição apropriada: ser uma
organização de referência, gratuita, com
atendimento de ponta, integral,
transdisciplinar, eficiente, eficaz e com
baixos custos; queremos difundir o
conceito de saúde como o estado capaz
de potencializar a capacidade humana
(orgânica, intelectiva, afetiva) de
estabelecer uma vida social, de acordo
com a necessidade de uma existência
geradora de transformações individuais e
coletivas e em que os profissionais de
saúde se tornam parceiros de seus
pacientes, enfrentando adoecimentos e
condições especiais de saúde nas lutas da
vida e não pela vida.
Uma análise da missão e dos valores que
deverão guiar a atuação da SAC nos
próximos anos indica:
• a missão, fácil de memorizar e clara,
introduz a idéia de “restabelecimento da
cidadania”, que, embora possa ser
explicada, se torna mais difícil de medir
(esse aspecto será discutido mais adiante,
no item “Definição e medida do
sucesso”);
• o “atendimento universal”, significando
tratar pacientes de qualquer origem e não
apenas aqueles recebidos do HGVF, pode
representar um encargo superior aos
recursos humanos e materiais
eventualmente disponíveis na SAC; que
recentemente tem indicado que deverá
rever essa postura;
• a “ambição apropriada”, como indicado
acima, pode ser considerada (ou ajustada)
de forma a refletir a visão da
organização, que, de acordo com o
material de referência para “Treinamento
do Prêmio Empreendedor Social”,
preparado pela Ashoka Empreendimentos
Sociais em 2000, define “o entendimento
comum do que se deseja ser”, enquanto a
missão é a “expressão da razão da
existência de uma organização”; e
• no que se refere a valores, a mesma
Ashoka os define como o “principal
31
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
sistema de valores comportamentais” da
organização. Da forma como estão
definidos, os valores da SAC têm
efetivamente essa característica, restando
apenas atender à recomendação, fruto da
experiência da Ashoka, de que
“organizações de sucesso não possuem
mais de 3-6 valores”. O menor número
de valores deve facilitar a sua
“internalização” pelos membros da
organização. Essa consolidação dos
valores da SAC não apresenta qualquer
dificuldade.
Os autores acima citados [Oberfield e
Dees (1992)] chamam a atenção para a
necessidade de que a missão seja
“suficientemente específica para inspirar o
compromisso, ao mesmo tempo em que deve
ser suficientemente aberta para permitir o
redirecionamento estratégico quando
necessário”. A partir da análise realizada
neste estudo, a percepção da equipe é de que
a SAC tem aprimorado periodicamente a sua
missão e seus valores.
Atração e motivação de pessoas
A SAC foi fundada e se mantém até hoje
com trabalho voluntário. No seu Programa
de Ação Voluntária, ela procura capacitar
profissionais e voluntários para operar nas
diversas áreas de sua atuação. Até
recentemente, os voluntários que a
integravam eram da área de saúde ou ligados
à educação artística e se integravam à equipe
transdisciplinar. Com a inauguração do
Centro de Cardiologia Pediátrica (Cecape),
verifica-se a necessidade de formação de um
quadro de apoio, composto de voluntários
que não possuam necessariamente uma
formação específica. Essa idéia foi
formalizada, em setembro de 2001, com a
consolidação e aprimoramento de normas já
existentes para a capacitação de voluntários
e estagiários na SAC. Em novembro de
2001, seu quadro de voluntários era
composto de 18 pessoas:
• 2 diretoras;
• 1 dentista;
• 3 psicólogas (2 com atuação na equipe e
1 com os pacientes);
• 1 nutricionista;
• 2 arte-educadoras;
• 2 fonoaudiólogas;
• 1 terapeuta ocupacional;
• 1 assistente social;
• 1 jornalista;
• 3 auxiliares administrativos; e
• 1 colaboradora na elaboração de projetos.
Outro aspecto que tem merecido a
atenção da direção da SAC é o turnover
elevado, característico de muitas das
organizações que trabalham com
voluntários, causado, entre outros motivos,
pela incompatibilidade de horários ou pelo
aparecimento de oportunidades de trabalho
32
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
remunerado. No caso de voluntários sem
formação específica, a experiência da Casa
Ronald McDonald (ver comentários mais
adiante) pode ser útil para a SAC.
A saída de uma das diretoras da SAC, no
início de 2001, causou uma crise que levou a
direção a buscar supervisão terapêutica para
todos os voluntários da organização, com
33
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
PLANO DE AÇÃO DA SAC
Objetivos Ações Estratégicas Indicadores de Sucesso
1. Obter espaço físico – Conclusão da construção do Cecape – Conclusão da obra (previsão:
dezembro 2001)
2. Obter recursos para
pagamento de pessoal
3. Auto-sustentabilidade
– Convênio de subvenção com as
prefeituras da região metropolitana II
– Sensibilização do Segundo Setor para
financiamento de pessoal
– Identificar entidades com o mesmo
público-alvo que possam ser parceiras
– Número de funcionários remunerados
– % de recursos próprios/recursos totais
4. Ampliar o atendimento
médico
5. Ampliar o atendimento
odontológico
6. Distribuir
medicamentos
7. Fortalecer o trabalho
em equipe
– Programas específicos
– Agregar novos membros à equipe
– Supervisão institucional
– Número de pacientes atendidos
– Número de pacientes operados
– Número de pacientes atendidos na
odontologia
– Número de crianças beneficiadas com
medicamentos
– Número de atendimentos em grupo
Atenção à Cidadania:
8. Fortalecer o
voluntariado
– Programas específicos
– Parcerias estratégicas
– Pesquisa: grau de satisfação dos
voluntários
– Número de voluntários > funcionários
9. Promover pesquisa – Apresentar projetos aos institutos de
pesquisa, Capes, CNPq etc.
– Número de trabalhos científicos
publicados
10. Treinar os gerentes – Treinamento na Ashoka
– Curso MBA executivo na UFF
– Número de membros da OSC com
treinamento gerencial (Ashoka, MBA
etc.)
11. Divulgar a organização – Criação da Assessoria de
Comunicação
– Número de boletins, adesivos, material
de divulgação e campanhas
publicitárias implementadas
12. Divulgar e multiplicar a
iniciativa
– Co-participação na cartilha do BNDES
que objetiva multiplicar a idéia
– Número de unidades replicadas
13. Ampliar o número de
sócios-doadores
– Campanhas para atrair novos doadores – Aumento de sócios-doadores
14. Dar transparência aos
resultados
– Buscar auditoria externa – Auditoria externa
bons resultados. As características dessa
supervisão estão descritas no Anexo 8.
A SAC está procurando firmar um
convênio com a Prefeitura de Niterói com o
objetivo de prover remuneração para as
principais funções de coordenação que hoje
são exercidas por voluntários A efetivação
desse convênio irá criar uma situação nova
na organização, pois parte da equipe passará
a ser remunerada. Nas palavras da Drª
Juliana, esse será mais um desafio para a
SAC: “Os funcionários remunerados são
uma exigência para se ter pesquisas sendo
desenvolvidas pelos profissionais”. Para ela,
é fundamental ter “médicos, psicólogos,
assistentes sociais e outros profissionais
trabalhando em tempo integral porque a
transdisciplinaridade assim o exige. A SAC
não vai se enfraquecer se tiver funcionários
remunerados. Pelo contrário, há que se
ressaltar que a organização se enfraquecerá
nos seus objetivos se depender apenas de
voluntários. Receber pelo trabalho realizado
não é ruim para uma ONG; apenas os
valores devem ser mantidos, bem como a
convivência com voluntários”.
Obtenção de fundos e recursos
Segundo Oberfield e Dees (1992),
“encontrar doadores cujos interesses estejam
afinados com os objetivos do novo
empreendimento não é tarefa fácil... e os
‘mercados’ para doações importantes são
complexos e muito competitivos”.
No caso específico da SAC, os recursos a
serem obtidos tomam várias formas: recursos
para programas de maior duração, capital para
eventuais investimentos em infra-estrutura,
dinheiro para despesas operacionais
continuadas etc. Com a inauguração do Cecape
e a ampliação das atividades, será necessária a
formulação e implementação de uma estratégia
de captação de recursos que vá além das ações
já realizadas pela organização e que possa estar
sintonizada com os diversos tipos de doadores
e seus interesses, ao mesmo tempo em que
mantenha a organização dentro da sua missão.
Segundo os autores acima mencionados, “a
obtenção de fundos (fund raising)
provavelmente será uma parte importante do
trabalho do empreendedor social, mesmo após
o empreendimento ter ‘deslanchado’.”
Em novembro de 2001, a SAC possuía
16 doadores com uma média mensal de
contribuição da ordem de R$ 10. De acordo
com uma proposta de orçamento da SAC
para o primeiro semestre de 2002, os gastos
mensais, após a conclusão do Cecape,
ficarão em torno de R$ 3.720.
Controle e autonomia gerencial e
administrativa
Oberfield e Dees (1992) alertam para a
necessidade de a organização avaliar a sua
“capacidade de motivar e liderar voluntários,
a sua credibilidade para obter o respeito dos
profissionais e as suas habilidades para
desenvolver e manter um consenso entre os
34
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
diferentes stakeholders, os quais são
essenciais para o sucesso da organização”.
Ao longo dos últimos anos, desde a criação
do PAC, as fundadoras e suas mais próximas
colaboradoras têm demonstrado possuir as
qualidades e habilidades para liderar e motivar
outros profissionais e voluntários, além de
gerenciar seus projetos voltados para o
atingimento da missão da SAC.
Adicionalmente, a SAC não tem medido
esforços no sentido de obter recursos e apoio
para seus projetos e atividades e de divulgar
sua causa em prol da criança cardiopata.
A administração da SAC tem procurado
pautar suas ações por programas, atividades e
projetos claramente identificados e
compreendidos, o que facilita o gerenciamento
e deverá permitir uma melhor adequação das
medidas de desempenho necessárias à
organização. A seguir, são apresentados os
programas, atividades e projetos da SAC:
• Programa Amigos de Coração
Atendimento às crianças e aos familiares
(grupo de mães e crianças). O PAC foi a
ação que deu origem à SAC. Iniciado em
1997, objetiva a adesão ao tratamento dos
portadores de FR, através de parceria
entre paciente, família e equipe,
garantindo a manutenção do plano
terapêutico do paciente.
• Programa de Atendimento à Criança
Cardiopata
Atendimento psicossocial em fase de
implantação. Estende para os portadores
de cardiopatias congênitas a mesma
abordagem conferida às crianças
portadoras de FR, respeitando suas
particularidades.
• Programa Odontológico
Serviço ainda em implantação, oferece
atendimento específico às necessidades
da criança cardiopata.
• Programa de Medicamentos
Tem como objetivo o acesso aos
medicamentos necessários ao tratamento
adequado. Embora não se descartem
doações de medicamentos, a base do
programa será a doação de recursos para a
compra a ser feita na farmácia universitária
da UFF, onde o preço é muito mais barato e
ainda se oferece um desconto.
• Programa de Ação Voluntária
Capacitação de voluntários e planos para
grupo de estudo.
• Atendimentos Médicos Assistidos
Ambulatório/consultas e exames ECG e
EcoCG.
• Coordenação Administrativa
Cuida da administração dos diversos
projetos e dos processos burocráticos e
contábeis inerentes à organização.
Definição e medida do sucesso
A avaliação de resultados de uma
organização sem fins lucrativos deve
permitir que possa ser feita a medição do
sucesso no atingimento de sua missão.
35
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Embora fácil de definir, essa tarefa se revela
bastante difícil na prática. Na maioria das
vezes, a possível solução para isso surge
com a adoção de um conjunto de
indicadores, que poderiam ser classificados
em quatro tipos:
• tipicamente financeiros;
• relacionados ao sucesso na mobilização/
obtenção de recursos para a organização;
• relativos à competência/eficácia e à
eficiência do pessoal da organização na
realização de suas atividades específicas; e
• relacionados ao progresso no atingimento
da missão da organização.
A figura a seguir ilustra o relacionamento
entre os diferentes indicadores. Um maior
detalhamento desses indicadores é
apresentado a seguir:
a) Indicadores financeiros
Construídos a partir de informações
contábeis complementadas por outros dados,
esses indicadores permitiriam acompanhar,
por exemplo, a evolução da participação de
determinados tipos de despesas em relação
ao total de recursos obtidos.
b) Mobilização de recursos
A obtenção de recursos pode ser
subdividida em dois tipos principais:
• Recursos para a ONG
Nesse item deve ser avaliado o sucesso
da ONG na captação de recursos para os
36
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
INDICADORES DE DESEMPENHO DA ORGANIZAÇÃO
mais diversos fins, como investimentos
em instalações e equipamentos, despesas
operacionais, projetos e programas
específicos, desenvolvimento de
competências e outros.
• Recursos para a “causa”
Um indicador de sucesso da atuação da
ONG é, por exemplo, o volume de
recursos alocados pelo governo ou por
outras instituições para atividades,
programas, projetos, instituições e outros
que estivessem relacionados à atuação da
ONG.
c) Competência e eficácia/eficiência das
equipes transdisciplinar e
administrativa da ONG
Nesse grupo, vários indicadores podem
ser considerados úteis, tais como:
• Indicadores de desempenho das
equipes
Nesses indicadores estão aqueles que, por
exemplo, permitem avaliar o desempenho
da equipe transdisciplinar no diagnóstico
de doenças específicas ou na sua
prevenção. Poderiam incluir também as
avaliações de processos administrativos
internos relevantes para o sucesso da
ONG. Nesse grupo também podem ser
considerados os resultados dos esforços
da equipe da ONG visando à alocação de
recursos para a “causa” (conforme
mencionado acima).
• Indicadores relacionados ao sucesso na
criação de parcerias e no surgimento
de “complementadores”
A realização de parcerias constitui um
fator crítico para a atuação da ONG, e o
sucesso obtido em sua formação e
evolução pode atestar a qualidade e o
resultado da atuação das equipes. Muito
embora a ONG tenha todo o empenho no
sentido de resolver ou prevenir
determinados tipos de problemas
médicos, sua atuação pode não ser
suficiente, como nos casos em que a
miséria é um fator relevante. Nessas
situações, torna-se importante estimular o
surgimento de organizações
“complementadoras” que se disponham a
cuidar desses outros tipos de problemas,
sem que sejam necessariamente parceiras
da SAC. Os resultados do trabalho da
equipe da SAC no sentido de viabilizar
ou estimular o surgimento de
complementadores devem ser
considerados em sua avaliação.
d) Missão da organização
Nesse grupo estão incluídos aqueles
indicadores relacionados mais
especificamente à medida do:
• progresso no atingimento da missão da
organização, o que poderá ser facilitado
ou dificultado pela forma como a missão
estiver formulada;
37
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• progresso no atingimento de metas
específicas e na implementação de
estratégias consubstanciadas em
programas e projetos; e
• sucesso da organização em comparação
com benchmarks externos disponíveis ou
resultantes de estudos específicos
realizados (como exemplo, uma tentativa
de avaliação do “valor agregado” pela
aderência por maior tempo ao tratamento
médico essencial).
É importante observar que a necessária
“transparência” no uso dos recursos pela
organização está intimamente ligada à
existência e periódica apuração de
indicadores como os dos tipos descritos
acima.
Conforme demonstrado na tabela
anterior, a SAC apresentou no seu Plano de
Ação os indicadores de desempenho que
adota para medir o seu sucesso na realização
das ações estratégicas lá definidas. Esses
indicadores atendem ao especificado acima,
neste tópico. Adicionalmente, após a
discussão dos seus diferentes tipos de
indicadores de desempenho e da sua
relevância para a avaliação da organização
com a equipe do Latec/UFF, a administração
da SAC iniciou a montagem de uma relação
ampliada de realizações e atividades no
período julho de 1998/julho de 2001. Nesse
documento, serão incluídas muitas
atividades relevantes da SAC (como, por
exemplo, todo o trabalho em prol da
“causa”) que, até então, não estavam sendo
compiladas ou devidamente classificadas.
No período considerado, dentre os
importantes resultados da atuação da SAC e
suas parcerias podem ser citados: o
investimento do BNDES na implantação do
Cecape; a escolha da Drª Juliana Ceddia
como fellow da Ashoka, uma ONG
internacional dedicada ao desenvolvimento
de empreendedores sociais; a crescente
importância do HGVF em cardiopediatria; o
constante aprimoramento de sua prática, o
atendimento transdisciplinar; a ampliação
dos programas e projetos; e as muitas
apresentações e palestras visando à
divulgação das atividades da SAC e à
promoção da causa defendida.
INDICADORES E AVALIAÇÃO DE
RESULTADOS DA SAC
A transparência necessária
Um aspecto essencial para o sucesso de
uma ONG é a necessária transparência no
uso dos recursos captados. Para isso, muitas
organizações têm procurado conseguir, de
forma prioritária, a colaboração de empresas
de auditoria independente que se disponham
a verificar e certificar o uso adequado dos
recursos captados.
Recentemente, a SAC conseguiu o
compromisso da BKR Lopes, Machado
Ltda., participante de uma rede internacional
de empresas de auditoria independente, que
38
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
se prontificou a rever a sua documentação
até o final de 2001 e já é responsável
também por sua contabilidade e auditoria,
em 2002. Esses serviços não representarão
qualquer ônus para a SAC.
A relação da SAC com o HGVF
Uma característica especial da SAC é
possuir a sede dentro de um hospital
público. Essa proximidade com o HGVF,
referência em pediatria, é positiva, uma vez
que as pessoas procuram hospitais e postos
de saúde e não ONGs, em primeira
instância.
Por outro lado, é vital estabelecer uma
boa relação com os funcionários e a direção
do hospital, sob pena de gerar conflitos de
difícil solução. Hoje, essa relação é
informal. Em entrevista com a atual direção,
verificou-se que ainda estão sendo estudadas
normas que regulem a convivência entre a
SAC e o HGVF, cuja diretora entende que
cabe à Fundação Municipal de Saúde de
Niterói a iniciativa para definição dessas
normas.
Os funcionários não têm muitas
informações sobre a atuação dos voluntários
da SAC, mas a consideram positiva para o
hospital, embora haja muito receio de uma
participação mais ativa, provavelmente por
implicações administrativas. São necessárias
definições dos papéis de cada uma das
entidades e formalização escrita dessa
parceria.
Um trabalho de grupo interprofissional,
que incluísse tanto funcionários do HGVF
como participantes da SAC, com reuniões
orientadas por psicólogo mediador, talvez
fosse um caminho para uma integração
positiva dos dois ambientes.
A atual direção do HGVF entende que as
médicas devem dar 20 horas semanais de
trabalho ao hospital, estando então liberadas
para atuação na SAC. Em relação às
atividades da entidade no HGVF, ela
considera que a definição dos papéis de
ambos é prioritária. Até então, só houve
“conversas”. A direção vê a SAC como uma
instituição privada, enquanto o hospital é
público. Apesar de considerar que ela
contribui muito para complementar a
atuação do hospital, vê a localização de sua
sede dentro do hospital com reservas, pois
acredita na possibilidade do surgimento de
dificuldades se ela, eventualmente,
estabelecer convênios particulares com
outras entidades. No entanto, a SAC tem
repetidamente enfatizado que não buscará a
remuneração de seus serviços.
A atual direção do HGVF espera que a
SAC tenha uma estrutura própria autônoma
e separada e não vê possibilidade de dar
ajuda financeira nem ceder funcionários. É
também favorável à celebração de um
convênio com a Fundação Municipal de
Saúde, em que o hospital ofereça um número
determinado de atendimentos de
ecocardiograma ou eletrocardiograma, por
exemplo.
39
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Com a inauguração da nova sede, estão
sendo disponibilizados novos consultórios,
adequados para os programas médico e
odontológico, bem como salas que atenderão
a todos os outros programas da SAC. As
novas instalações se destacarão e destoarão
em relação aos ambientes do HGVF, que
carecem de atualização e têm manutenção
precária, o que também pode gerar áreas de
atrito.
Na situação atual, com a sede localizada
em terreno cujo acesso se dá pelo ambiente
do hospital, o HGVF se constitui no mais
importante stakeholder da SAC. A adequada
condução desse relacionamento no futuro
será essencial para o sucesso da SAC. Além
disso, é necessária uma contínua atualização
das relações da SAC com os funcionários do
HGVF, que devem ser convencidos dos
aspectos positivos do trabalho ali realizado,
informados das atividades e dos benefícios
trazidos aos pacientes e convidados a
participar das atividades, a fim de tê-los
como colaboradores ativos, se não dentro, ao
menos fora da SAC, como força de apoio.
Nas entrevistas realizadas, a equipe do
Latec/UFF percebeu que essas questões
estão sendo tratadas pela SAC com a devida
importância. A opção da entidade foi a de
desenvolver suas ações dentro de um
hospital público e em parceria com os seus
profissionais de saúde e administrativos. É
um desafio gerencial.
Um outro aspecto que chama a atenção
na relação entre a SAC e o HGVF é a
questão de como devem interagir as políticas
públicas e as iniciativas a ela
complementares. Muitas ONGs de atuação
recente devem passar a ser consideradas e
contempladas quando da formulação de
políticas públicas, pois são iniciativas que
ampliam e aprimoram o atendimento à
população em situação de risco social.
As experiências de outras ONGs
O objetivo dessa atividade do trabalho foi
conhecer as escolhas ou opções
“estratégicas” de outras ONGs
bem-sucedidas que pudessem servir de
marcos referenciais ou benchmarks e
também alguns dos processos/procedimentos
por elas implementados. Embora bem
diferentes da SAC na sua missão e forma de
atuação, as experiências vividas pelas
equipes da Casa Ronald McDonald – ligada
à Associação de Apoio à Criança com
Neoplasia (AACN-RJ) – e do Renascer
puderam efetivamente suscitar
considerações e avaliações por parte das
equipes do Latec/UFF e da SAC em relação
aos desafios enfrentados.
Renascer
No caso do Renascer, alguns fatores
críticos de sucesso podem ser ressaltados:
a) Busca permanente de credibilidade e de
transparência nas suas atividades. Isso é
estimulado por incentivo a visitas, acesso
40
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
às informações de todo tipo
(especialmente sobre origem e aplicação
de recursos), auditoria externa (quando
possível) e variado material de
divulgação (folhetos, book com fotos,
documentação de casos, cartas das mães
e vídeos).
b) Definição clara do foco do trabalho, já
que é inviável atender a todos os que têm
necessidade do apoio prestado pela ONG.
c) Busca ativa de doadores de fundos e de
alimentos e remédios. Há um grupo
especificamente dedicado a esse trabalho.
É enfatizada a busca de sócios
voluntários (doação em dinheiro) e de
padrinhos/madrinhas (doação de
alimentos e remédios). Para angariar
fundos, são realizadas palestras em
bancos, escolas, no Rotary e em outras
instituições. Cada família beneficiada
tem uma pasta exclusiva, com
documentos onde são discriminadas as
doações e também confirmados, por meio
de assinatura, os efetivos recebimentos,
pela família (Anexo 5).
Casa Ronald McDonald
Na Casa Ronald McDonald (CRM), os
aspectos relevantes dizem respeito à
organização (prepara-se para certificar-se pela
ISO 9000) e à forma como é administrada a
questão do voluntariado (Anexo 6):
a) Uma forma de se ter voluntários como
sócios contribuintes é usar a experiência
da CRM, onde existe um cadastro de
sócios contribuintes que recebem
periodicamente por mala direta um boleto
bancário sem valor. A média mensal das
contribuições está entre R$ 13 e R$ 14.
Há sete mil pessoas cadastradas e cerca
de quatro mil contribuições regulares.
A captação de sócios é feita em eventos
como bingos, serestas, bailes e festas de
“outros”. Também se dá através de
palestras sobre câncer infantil em escolas
particulares de ensino médio e empresas.
Em seguida, durante algum tempo,
monta-se na escola ou empresa um
estande de vendas de artigos com a
marca, distribuem-se folhetos
informativos e faz-se o cadastro de
pessoas interessadas em contribuir. O
boleto bancário só é enviado a quem
estiver previamente cadastrado.
b) Quanto ao voluntariado de serviços, não é
exigida nenhuma profissionalização, tendo
em vista o tipo de trabalho realizado. Os
voluntários trabalham em turnos semanais
de quatro horas de duração e com as
seguintes características:
• há um contrato de experiência em que a
entidade e o voluntário se avaliam após
um determinado período de trabalho;
• a vinculação com a reputação do
McDonald’s gera solidez e credibilidade
41
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
(há uma lista de espera de 200
candidatos, que chegam a aguardar um
ano para serem chamados); e
• os benefícios para o voluntário são:
– facilidade de comunicar seu trabalho, que
é imediatamente reconhecido e
legitimado; e
– condições favoráveis para desenvolver
seu trabalho (bom ambiente, treinamento,
organização), o que tem resultado em
uma baixa rotatividade (10%).
c) Outro aspecto interessante são as ações
em prol da causa do câncer infantil
realizadas pelas organizações
(AACN-RJ, CRM, Instituto Ronald
McDonald e Casa de Apoio):
• mobilização da comunidade;
• gestão das casas de apoio, programas
suplementares e relações intersetoriais;
• avaliação de resultados e das
necessidades comunitárias; e
• replicação das experiências
bem-sucedidas.
d) São também interessantes as questões
relativas à prevenção. Seguindo uma
tendência em muitos países onde atua,
em 1999 o McDonald’s criou o Instituto
Ronald McDonald, que tem como missão
atuar para a redução da taxa de
mortalidade do câncer infantil no Brasil,
por meio das seguintes ações:
• conscientização quanto ao diagnóstico
precoce;
• pesquisa e disponibilização de dados
sobre a doença;
• mobilização de novos voluntários; e
• criação sistemática de um esquema de
arrecadação que vá além das
contribuições obtidas pelas campanhas
com o McDonald’s.
A questão da liderança
Ao se avaliar a proposta da SAC, ficou
claro o perfil de empreendedora social de
sua presidente e o papel determinante desse
perfil para a replicação de experiências
semelhantes. Assim sendo, procedeu-se a
uma pesquisa bibliográfica para destacar as
características psicológicas e atitudinais
típicas de pessoas com o perfil de
empreendedor e de empreendedor social.
O empreendedor precisa ter, além das
características de um bom administrador,
que são planejar, organizar, dirigir e
controlar, outras características que tornem
possível que de uma simples idéia surja um
empreendimento inovador. Como o
empreendedor gerou o negócio/
empreendimento a partir de uma idéia sua,
ele conhece a fundo em que área atua,
considerando-se que para isso também teve
que empenhar algum tempo e experiência
pessoal. Como é visionário, planeja
comumente a partir de visões de futuro.
42
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
O empreendedor possui qualidades como
a de ser um excelente identificador de
oportunidades, podendo tornar-se
exageradamente oportunista. Além disso,
tem iniciativa para criar, sendo bastante
criativo ao trabalhar com os recursos
disponíveis, e é um apaixonado pela causa,
assumindo riscos, o que requer ousadia e
perseverança, mesmo diante de fracassos.
Embora possa parecer que só pessoas
com habilidades inatas se enquadrem nesse
perfil, é possível também aprender hábitos e
mudar atitudes, desde que se tome essa
decisão pessoalmente e se esteja motivado
para tal.
Do material pesquisado, as principais
características do empreendedor são: visão,
concretização de idéias, curiosidade,
perseverança, comprometimento, motivação,
autoconfiança, independência, liderança e
relacionamentos (Anexo 7).
Considera-se que a maioria das
características do empreendedor de negócios
é semelhante à do empreendedor social. Mas
há alguns aspectos, como o retorno
financeiro, que não podem jamais ser o foco
de um empreendedor social, que deve ser
mais flexível quanto às adaptações às
condições para a implantação de sua idéia,
devendo aceitar compor uma equipe à qual
possa delegar funções e na qual possa
confiar, fazendo-a também se apaixonar pela
causa. Essa equipe deve ser capaz de
prosseguir com o empreendimento,
independente de sua presença.
Porque lida com voluntários, o
empreendedor social não pode exigir a
mesma dedicação exclusiva de todos os
colaboradores, pois cada um tem seu grau de
motivação e disponibilidade. Ele deve saber
aproveitar ao máximo o que cada um pode
dar dentro dos limites que disponibiliza.
Uma citação de Gandhi que norteia a
direção da SAC é: “Liderança um dia teve a
ver com força. Hoje tem a ver com
relacionamento com as pessoas. Para se
relacionar bem com as pessoas, é preciso
entender as razões que as levam a ser do
jeito que são. Sem esse entendimento não há
liderança.”
Como referência, são apresentadas a
seguir as características dos líderes da CRM,
conforme relatadas na visita feita àquela
instituição pela equipe do Latec/UFF:
• ter visão e saber compartilhá-la;
• atendimento e captação de recursos;
• formação técnica para controle e
planejamento;
• liderança: harmonização de conflitos e
moderação;
• transparência;
• disciplina nas atribuições e na conduta; e
• não parar de sonhar.
É importante ressaltar, neste trabalho, que
todas as providências anteriormente
43
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
descritas, relativas ao terreno do hospital,
foram tomadas pelas dirigentes da SAC.
Para outros futuros empreendedores sociais,
fica aqui demonstrada a variedade das
atividades exigidas para a implantação de
uma ONG e a relevância do efetivo
compromisso e disposição do empreendedor
para também se ocupar com aspectos desse
tipo. E tudo isso sem contar com a
realização da “atividade-fim” imposta pela
missão da organização.
O trabalho em rede para resgate da
cidadania
Um dos componentes da missão da SAC
é o resgate da cidadania. Quando se verifica
a dimensão desse problema no Brasil,
percebe-se a necessidade de que a SAC
promova relações intersetoriais, de modo a
atuar em rede com outras organizações que
têm como foco o atendimento à criança e às
famílias carentes, como o Renascer. Nesse
sentido, de acordo com as palavras da
própria presidente da SAC, seria importante
que houvesse uma outra organização que
distribuísse cestas básicas e/ou
vales-transporte para os pacientes e seus
responsáveis.
A necessidade de se ter esse tipo de apoio
foi verificada pela equipe do Latec/UFF em
entrevistas com os responsáveis pelos
pacientes quando avaliou a participação
destes nas atividades oferecidas pela SAC.
Cerca de 88% dos entrevistados
participam apenas às vezes das atividades
oferecidas pela SAC nos dias das consultas.
Mesmo avaliando esses grupos como bons e
confirmando que trazem benefícios para
eles, as pessoas indicaram várias
dificuldades que impedem maior
participação, como a distância, o tempo
disponível e o custo elevado da condução.
Calcula-se que, se tivessem também
benefícios sociais, além dos psicológicos, e
não pagassem o transporte, os entrevistados
aumentariam substancialmente sua
participação.
Sugestões para os programas da SAC
Apresentam-se, a seguir, sugestões
específicas para os programas em
desenvolvimento na SAC.
a) Programa Amigos de Coração
• Espaço adequado – Durante o estudo, um
dos itens identificados; foi a falta de
espaço adequado para as diversas
atividades a que se propõe o programa.
Isso passará a ser sanado com a
inauguração da sede própria da SAC,
onde estão previstos os diversos
ambientes para atender a esse projeto.
• Material para os trabalhos de apoio
psicossocial – Mesmo que muitos
trabalhos tenham fins informativos, o
objetivo seria alcançado de forma mais
ampla se houvesse material didático/
44
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
informativo que pudesse inclusive ser
distribuído aos responsáveis. As
vivências de troca nos grupos de mães
precisam de um lugar acolhedor e
confortável, pois o atual é muito carente
(cadeiras de crianças e pouco espaço).
Isso também estará sendo resolvido com
a nova sede.
• Material para recreação e grupos de
terapia ocupacional – Embora muito se
possa realizar com material de sucata,
há necessidade de acondicionamento
dos mesmos e também de outros
materiais e instrumentos
complementares.
• Voluntários com treinamento – Com a
disponibilidade de um espaço de
trabalho adequado em todos os horários
e com o funcionamento da nova sede,
prevêem-se grupos e atendimentos que
não estejam reduzidos aos atuais
horários de 2ª, 4ª e 6ª feiras à tarde, para
não deixar a sede ociosa, atendendo-se a
um maior número possível de crianças
cardiopatas. Os voluntários não
precisam de formação específica, mas
sim de treinamento e informação para
atender às necessidades do público. Esse
treinamento deve estar baseado numa
sistematização dos grupos de mães,
como, por exemplo, temas e conteúdos a
serem abordados, como criar um clima
favorável à troca de vivências etc. Para
os grupos de recreação e terapia
ocupacional, as atividades a serem
sugeridas devem ser esquematizadas,
criando-se um programa variado e
estimulante para que se possa incentivar
o retorno e a freqüência mais assídua.
b) Programa de Atendimento à Criança
Cardiopata
• Criar uma rotina de entrevista
psicossocial para fichamento de cada
caso, devendo abranger, além de dados
pessoais e médicos, as necessidades
socioeconômicas de alimento, escola,
transporte e medicamentos. Deve haver
acompanhamento de freqüência às
consultas e aos grupos de mães/crianças,
de recebimento de auxílios e de
encaminhamentos necessários.
• Prover recursos, via doação e parcerias,
para atender às necessidades do programa
em conjunto com a coordenação
administrativa.
• Divulgar o programa para atrair
voluntários e doadores, via Programa de
Ação Voluntária da SAC.
c) Programa Odontológico
• Com a nova sede, a implementção do
consultório dentário permitirá um
atendimento adequado.
• Há necessidade de captação de recursos
para o efetivo tratamento dos pacientes.
45
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• Voluntários, nesse caso, só com formação
específica. Talvez seja possível algum
convênio com faculdades de odontologia
em que alunos já em períodos finais de
formação possam prestar atendimento sob a
supervisão de profissional da área.
d) Programa de Ação Voluntária
• Como este programa atende a todos os
outros mencionados, deve ser preparado
para as necessidades que se ampliarão
bastante com o funcionamento das
atividades na nova sede.
• Há necessidade de sistematização para
uma efetiva divulgação, visando à adesão
de voluntários e também de doadores. Tal
procedimento deve ser constante e
realizado por meio de impressos,
palestras e outros eventos em escolas,
clubes e outras associações. Manter uma
home page sempre atualizada e atraente
também é um bom veículo,
principalmente se possibilitar o
cadastramento de interessados no
voluntariado ou em doação.
• É interessante diversificar o tipo de
colaboração, que pode ser:
– voluntário especializado;
– voluntário sem especialização;
– sócio-contribuinte, que faria
contribuições periódicas e espontâneas; e
– sócio-padrinho, que se responsabilizaria
por um tempo preestabelecido para
doação de bolsas alimentares, auxílio
para transporte ou bolsa de
medicamentos.
• Sistematização da seleção e treinamento
dos voluntários:
– recrutamento – inscrição após alguma
divulgação, visita ou internet;
– seleção por meio de entrevista;
– informação do serviço prestado pela SAC;
– treinamento/estágio de observação nas
diversas áreas;
– indicação da área em que atuará o
voluntário; e
– período de experiência.
• Convênios com faculdades para recrutar
voluntários-estagiários com supervisão
(médicos, dentistas, psicólogos).
e) Programa de Atendimento Médico
Assistido
• A questão relativa aos ambulatórios/
consultórios mais adequados está sendo
resolvida com a nova sede da SAC.
• O aumento de horários disponíveis para
atendimento acarretará também maior
demanda de profissionais médicos
voluntários para não deixar as instalações
ociosas. Nesse caso, também é possível,
como no atendimento odontológico, fazer
convênios com faculdades para que
alunos/acadêmicos possam ser
voluntários sob supervisão.
46
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• O acesso aos exames de ECG e EcoCG
parece ser essencial ao diagnóstico
precoce de problemas cardíacos e
também para a intervenção rápida e
adequada para que não haja maiores
danos físicos, prevenindo-se intervenções
e gastos hospitalares maiores no futuro.
Na situação atual, a SAC depende
unicamente da aparelhagem do HGVF, o
que representa um fator de risco, pois se
trata de um hospital público, que está
sujeito a mudanças de direção periódicas
que nem sempre estará de acordo com os
objetivos da SAC, podendo não
disponibilizar o uso dos aparelhos para
pacientes que não sejam exclusivamente
do hospital. Além disso, corre-se o risco
de esses aparelhos sofrerem avarias, que
não são corrigidas rapidamente no
serviço público devido à falta de verba,
entre outros aspectos.
f) Coordenação Administrativa
• Uma das principais tarefas ainda a
realizar é a captação de recursos
humanos e financeiros:
– voluntários para doação de serviço;
– voluntários contribuintes com
mensalidades;
– voluntários contribuintes com doações de
alimentos, medicamentos, auxílio de
transporte e outros materiais;
– parcerias para troca de
serviços/colaboração, como, por
exemplo, de custeio dos exames ECG e
EcoCG, de auxílio ou passe livre para
transporte, de encaminhamento para
emprego de pais/mães sem recursos e de
auxílio de cestas básicas para famílias de
baixíssima renda;
– convênios com postos de saúde/hospitais
do município e arredores para facilitação
dos encaminhamentos; e
– divulgação/marketing das atividades da
SAC, como informativos, palestras,
impressos, eventos, página na internet,
com a finalidade de captar recursos de
todos os tipos.
• Relação com o HGVF:
– estabelecimento de convênio formal, no
qual se definam bem os papéis de cada
um dos parceiros para que não haja
surpresas repentinas, como:
· a direção do HGVF, não concordando
com as atividades da SAC, proibir a
passagem tanto dos pacientes quanto dos
voluntários, devido ao fato de a sede
estar localizada em terreno com acesso
pelo hospital;
· a atuação das médicas que são funcionárias
públicas lotadas no HGVF, pois a direção
pode, se assim desejar, transferi-las para
outro hospital e impedir o acesso das
mesmas à sede (a atual direção já se referiu
ao problema da carga horária que elas
devem dar no HGVF, e que não poderá
coincidir com as atividades na SAC);
47
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
· impedimento no acesso aos exames
complementares de ECG e EcoCG por
danos na aparelhagem ou não
concordância com o projeto da SAC, o
que pode impedir ou provocar demora no
diagnóstico precoce; e
– realização de um programa de divulgação
e interação com todos os funcionários do
HGVF para torná-los o mais favorável
possível aos programas da SAC, o que é
importante principalmente quando das
mudanças de direção do hospital.
• Aprimorar os instrumentos contábeis da
SAC, que, como mencionado
anteriormente, está em processo de
mudança da firma que realiza toda a sua
contabilidade, o que permitirá o
desenvolvimento de indicadores
econômico-financeiros. Os três
instrumentos contábeis já apurados pela
SAC são o demonstrativo de resultados, o
balanço patrimonial e o balancete
analítico, que atendem aos requisitos para
que se tenha um planejamento financeiro,
conforme preconiza a Ashoka. A
avaliação desses demonstrativos pela
equipe do Latec/UFF levantou as
seguintes questões:
– a transparência nas atividades da SAC
deverá ser aumentada a curto prazo,
porque ela passará a ser auditada; e
– a inexistência de um orçamento na SAC
inviabilizava o levantamento dos
investimentos necessários à sua operação
e desenvolvimento. Para contornar esse
problema, a consultoria sugeriu que
fossem usados demonstrativos
financeiros passados e perspectivas
futuras de custos e receitas, para a
elaboração de um orçamento anual para
2001, em base mensal, a partir de junho
de 2001. A partir dessa constatação, a
SAC preparou também uma proposta
orçamentária para o primeiro semestre de
2002, que contempla o efetivo
funcionamento de seu Centro de
Cardiologia Pediátrica.
As possibilidades de reprodução do
empreendimento SAC
O fator primordial para a reprodução de
iniciativas como a da SAC é a ampla
divulgação dessa experiência em instituições
e organizações ligadas à saúde da criança. A
divulgação contribui também para
sensibilizar stakeholders doadores,
financiadores e voluntários no apoio direto
ou indireto à “causa” e, no caso da FR, para
ajudar ainda na conscientização sobre a
importância da prevenção da doença por
meio de campanhas de esclarecimento e
pela disponibilização do antibiótico
apropriado.
Outra questão diz respeito à possibilidade
de criar empreendedores sociais. Embora
muitas características sejam inatas, o grau de
motivação faz com que muitas pessoas
superem suas limitações, quer de forma
autodidata, quer por meio de treinamentos
48
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
específicos, e outras complementem as
habilidades necessárias ao desenvolvimento
do trabalho. O aperfeiçoamento tem sido
uma tônica dos responsáveis pela criação da
SAC.
Considerando-se a questão da aderência
ao tratamento da FR, podem surgir
iniciativas de caráter mais simples do que a
proposta da SAC, a exemplo do caso da
ONG Solidariedade, na Baixada Fluminense,
que busca a aderência ao tratamento da
tuberculose, ofertando cestas básicas aos
pacientes que comprovem estar em dia com
a medicação associada ao tratamento. Como
características fundamentais para as pessoas
que queiram desenvolver uma proposta
semelhante à da SAC podem ser
considerados três fatores principais:
• motivação: constatação de que alguma
coisa precisa ser feita para minorar o
sofrimento das crianças cardiopatas de
famílias de baixa renda;
• liderança: os líderes desse processo
precisam ter ou buscar a pessoa que tenha
o perfil de empreendedor social para que
possam ser superadas as barreiras que
surgem no decorrer da implantação da
iniciativa; e
• voluntariado: outro aspecto importante é
a capacidade de atrair e manter
voluntários que sejam seduzidos pelo
ideal e pelos valores da proposta, pois da
união e do crescimento desse grupo
depende o processo de expansão e
consolidação da iniciativa, que tende a se
estruturar como uma ONG.
Ao se avaliar a evolução da SAC,
torna-se nítida a importância desses três
fatores – motivação, empreendedorismo
social e voluntariado – como requisitos
mínimos para a replicação da experiência,
uma vez que os demais fatores
subordinam-se a eles.
49
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
PA RT E 4 C ON C LUSÕES E RECOMENDAÇÕES
CONCLUSÕES
Acompanhar a trajetória da SAC,
buscando contribuir para aprimorar sua
gestão, foi uma experiência enriquecedora
para todos os parceiros envolvidos nesse
trabalho. A iniciativa que redundou na
criação da SAC mostra como a indignação
com determinada situação pode ser
canalizada para a construção, com muita
criatividade, de alternativas viáveis para
enfrentar o problema.
As principais conclusões deste trabalho
são de que, para a replicação de um projeto
semelhante ao da SAC, é fundamental que se
tenha no grupo inicial pelo menos uma
pessoa com as inúmeras características e
habilidades do empreendedor social e que se
consiga agregar e manter motivados
voluntários que incorporem os ideais do
grupo ou da pessoa responsável pela
iniciativa.
A avaliação dos aspectos médicos das
cardiopatias infantis mostra a importância de
iniciativas como a da SAC, não só do ponto de
vista humanitário, reduzindo o número de
óbitos e melhorando a qualidade de vida dos
pacientes, mas também o econômico, uma vez
que o custo da prevenção e do tratamento
continuado das crianças é significativamente
menor que o do número de cirurgias
decorrentes de falta de aderência ao
tratamento, como no caso da FR, ou de
complicações causadas pela falta de tratamento
odontológico especializado. No caso da FR, a
atuação da SAC aumentou a aderência ao
tratamento, reduziu as internações de casos
com forma leve de FR e possibilitou a
avaliação precoce de novos casos com o
ecocardiograma. A atuação da SAC contribui
para baixar o número de cirurgias e melhorar a
qualidade de vida das crianças.
O apoio e a disponibilização de recursos
financeiros de entidades de peso e estáveis,
como o BNDES, são de primordial
importância para que iniciativas como a da
SAC possam se estabelecer e tenham
garantidas as condições mínimas adequadas
para poderem atingir com sucesso as metas
às quais se propõem.
A missão da SAC é abrangente:
“restabelecer a saúde e a cidadania da
criança cardiopata por meio de um
atendimento integral e integrado”. Essa
abrangência é necessária face à problemática
da população de baixa renda com crianças
cardiopatas. O restabelecimento da saúde
53
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  • 1. Apresentação O BNDES vem apoiando, no âmbito do Programa de Apoio a Crianças e Jovens em Situação de Risco Social, com recursos não-reembolsáveis advindos do Fundo Social, instituições que, em articulação com hospitais públicos, promovem o atendimento extra-hospitalar voltado a crianças e jovens provenientes de famílias pobres. Essas instituições têm surgido a partir da percepção de profissionais da área de saúde de que um dos grandes problemas para as famílias de baixa renda com crianças portadoras de doenças graves é vencer o círculo vicioso “miséria – doença – internação – alta – reinternação – morte”. Muitas dessas doenças exigem acompanhamento e controle constantes da evolução das condições de saúde dessas crianças, inclusive com o fornecimento de medicamentos e a orientação para tratamentos adicionais, o que representa um tipo de assistência da maior relevância para a sua recuperação. Assim, diversas entidades vêm atuando em parceria com hospitais públicos, provendo atendimento a essas crianças e suas famílias e realizando atividades complementares aos serviços hospitalares públicos, com metodologias inovadoras e exemplares, passíveis de reprodução. Uma das instituições financiadas foi a Sociedade Amigos de Coração (SAC), que atua em parceria com o Hospital Getulio Vargas Filho, hospital público municipal de Niterói (RJ). Os recursos foram aplicados na construção e equipagem do Centro de Cardiologia Pediátrica. Ao conhecer a qualidade da metodologia da SAC para crianças e jovens cardiopatas, o BNDES decidiu promover a realização de estudo de avaliação que identificasse a sistemática desse procedimento, conduzido pelo Laboratório de Tecnologia, Gestão de Negócios e Meio Ambiente da Universidade Federal Fluminense (Latec/UFF). Os resultados desse estudo foram objeto do seminário A criança cardiopata: avaliação e sistematização de uma proposta de atendimento integral e integrado – o caso da Sociedade Amigos de Coração, realizado em dezembro de 2001, na sede do BNDES. O objetivo foi reunir profissionais de saúde da rede pública e privada, secretários de saúde municipais e estaduais, representantes de ONGs que prestam serviços de atendimento extra-hospitalar e titulares das cadeiras de pediatria e cardiologia das universidades para discutir os resultados clínicos alcançados, os problemas detectados e as recomendações apresentadas pelos pesquisadores. Nesta publicação apresentamos os resultados finais do trabalho realizado, no intuito de contribuir para a disseminação de experiências inovadoras e a multiplicação de novas e melhores práticas de atendimento extra-hospitalar.
  • 2.
  • 3. Sumário PARTE 1: A SOCIEDADE AMIGOS DE CORAÇÃO .......... 7 Antecedentes ............................................................................................ 9 A nova sede............................................................................................... 12 PARTE 2: CARDIOPATIAS INFANTIS .................................... 13 Conceitos básicos ..................................................................................... 15 Cardiopatias congênitas............................................................................. 15 Cardiopatias adquiridas ............................................................................. 16 Importância econômica da febre reumática............................................... 17 Cardiopatias infantis no Hospital Getulio Vargas Filho ............................ 18 PARTE 3: AVALIAÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DE CORAÇÃO ..................................................................... 21 Introdução ................................................................................................ 23 Aspectos conceituais da avaliação.......................................................... 24 Como avaliar a SAC? ................................................................................ 24 A validade da proposta da SAC................................................................. 24 A prática inovadora da SAC ................................................................ 25 A prática dos atendimentos na SAC (caso de febre reumática)........... 26 O ciclo de vida das organizações............................................................... 28 Os desafios gerenciais já enfrentados pela SAC ....................................... 30 Missão e flexibilidade estratégica........................................................ 30 Atração e motivação de pessoas .......................................................... 32 Obtenção de fundos e recursos ............................................................ 34 Controle e autonomia gerencial e administrativa ................................ 34 Definição e medida do sucesso............................................................ 35 Indicadores e avaliação de resultados da SAC...................................... 38 A transparência necessária......................................................................... 38 A relação da SAC com o HGVF ............................................................... 39 As experiências de outras ONGs............................................................... 40 A questão da liderança............................................................................... 42 O trabalho em rede para resgate da cidadania........................................... 44 Sugestões para os programas da SAC ....................................................... 44 As possibilidades de reprodução do empreendimento SAC...................... 48
  • 4. PARTE 4: CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ............... 51 Conclusões................................................................................................ 53 Próximas etapas no desenvolvimento da SAC ...................................... 55 ANEXO 1: CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ............................ 59 Introdução ................................................................................................ 61 Principais cardiopatias congênitas acianóticas..................................... 61 Principais cardiopatias congênitas cianóticas....................................... 64 ANEXO 2: CARDIOPATIAS ADQUIRIDAS ............................ 67 ANEXO 3: ASPECTOS ECONÔMICOS ASSOCIADOS À FEBRE REUMÁTICA ............................................ 73 ANEXO 4: ESTUDO DESENVOLVIDO NO HOSPITAL GETULIO VARGAS FILHO..................................... 79 Metodologia de avaliação das crianças com cardiopatia congênita.... 81 Metodologia de avaliação das crianças com febre reumática.............. 81 Resultados obtidos................................................................................... 83 Resultados da avaliação clínica ........................................................... 83 Resultados da avaliação das crianças com cardiopatias congênitas .... 83 Resultados da avaliação das crianças com FR..................................... 86 Discussão dos resultados da avaliação clínica....................................... 90 Cardiopatias congênitas ....................................................................... 90 Cardiopatias adquiridas........................................................................ 91 ANEXO 5: RELATÓRIO DA VISITA AO PROJETO RENASCER.................................................................... 95 ANEXO 6: RELATÓRIO DA VISITA À CASA RONALD MCDONALD E À ASSOCIAÇÃO DE APOIO À CRIANÇA COM NEOPLASIA ........................... 99 ANEXO 7: EMPREENDEDORISMO ........................................... 107 ANEXO 8: PROJETO PARA ANÁLISE, SUPERVISÃO E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL EM INSTITUIÇÃO: MODELO SISTÊMICO VIVENCIAL .................................................................. 111 Introdução ................................................................................................ 113 Considerações teóricas ............................................................................ 114 Aspectos práticos ..................................................................................... 114 Etapas do trabalho .................................................................................. 114 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................ 117
  • 5. PA RT E 1 A S OC IEDADE AMIGOS DE CORAÇÃO
  • 6.
  • 7. ANTECEDENTES Na área de saúde pública, um dos problemas que o Brasil enfrenta é a grande incidência, ainda pouco conhecida, da febre reumática, doença cardíaca adquirida que atinge crianças e adolescentes e se manifesta após amigdalites causadas por estreptococos. Já em 1988, o Ministério da Saúde estimou uma incidência entre 15 mil e 18 mil novos casos de febre reumática por ano. Nas populações carentes de países em desenvolvimento, especialmente as que residem em áreas superpovoadas, verifica-se uma freqüência maior de casos de cardiopatias adquiridas, situação agravada pela falta de recursos das famílias e, inúmeras vezes, por deficiências nos serviços públicos de saúde. Os prognósticos para muitas das crianças cardiopatas em famílias carentes são bastante desfavoráveis. Para intervir nesse problema, é vital que se faça o diagnóstico o mais breve possível, para que se possa iniciar um tratamento ou realizar uma intervenção cirúrgica, sob pena de se prejudicar irreversivelmente a qualidade de vida do paciente e mesmo de se ampliar as estatísticas de mortalidade infantil, com casos que poderiam ser evitados. Uma vez feito o diagnóstico, a criança deve tomar antibiótico específico a cada 21 dias, até completar 21 anos de idade. Por outro lado, as doenças do coração encontradas na infância resultam, na sua maioria, de anormalidades congênitas que acometem um número ainda mais importante: das crianças nascidas vivas em todo o mundo, cerca de 1% é portadora de uma cardiopatia congênita, que pode variar de lesões com pouca repercussão clínica e desaparecimento espontâneo até situações de extrema gravidade, em que a cirurgia paliativa ou corretiva de emergência é imprescindível. Em ambos os casos, as cardiopatias infantis, quer sejam congênitas ou adquiridas, têm relevância em nosso país, o que pode ser avaliado pela alta incidência entre escolares e pelos altos custos econômicos e sociais dessas doenças. O convívio diário com esse quadro dramático para a criança cardiopata e a indignação causada pela virtual impotência para solucionar esse problema dentro do paradigma de atendimento público existente levaram à criação e à concretização da 9
  • 8. experiência da organização não-governamental Sociedade Amigos de Coração (SAC). Em 1996, foram iniciados os primeiros atendimentos em cardiologia pediátrica no Hospital Getulio Vargas Filho (HGVF) – hospital público municipal de Niterói (RJ) que presta assistência pediátrica –, com a participação das médicas Juliana B. Ceddia e Anna Esther A. Silva, especializadas nessa área. No começo, como acontece em muitas outras instituições, as médicas realizavam os necessários ecocardiogramas em outros hospitais, pois o HGVF não possuía esse tipo de equipamento. Em 1997, com a evolução dos atendimentos realizados e com o significativo empenho das cardiopediatras, o hospital se mobilizou e conseguiu alugar um aparelho, possibilitando os exames no próprio local e aumentando muito a produtividade da equipe no atendimento. Em 1999, com recursos obtidos junto à Fundação Municipal de Saúde, foi comprado um moderno aparelho de ecocardiograma, que até hoje se encontra em atividade, prestando serviços no setor de cardiologia pediátrica do hospital. A história do atendimento a crianças cardiopatas no HGVF corre paralelamente à implantação do Programa Amigos de Coração (PAC), em julho de 1997, e ao surgimento SAC, em 1998. O PAC foi criado pelas médicas Juliana e Anna Esther e por duas voluntárias – a professora Ana Lúcia T. Schilke e a aluna de terapia ocupacional Maria Alcina M. Souza –, com o objetivo de proporcionar um atendimento diferenciado às crianças portadoras de febre reumática acompanhadas no ambulatório ou internadas na enfermaria do hospital. Inspirado no trabalho do Dr. Franco Sbaffi, um dos idealizadores do Grupo de Trabalho para a Febre Reumática, no Rio de Janeiro, o PAC permite uma abordagem integral e integrada de todos os aspectos relacionados direta ou indiretamente à doença, envolvendo não só os pacientes como também seus familiares. No ano decorrido após a sua criação, as atividades e o comprometimento da equipe existente propiciaram o amadurecimento necessário e o melhor entendimento do papel que caberia a profissionais de saúde na sociedade brasileira. Ficou claro para todos na equipe que o fato de viver uma realidade e senti-la remetia fatalmente à ação e que isso podia representar uma força de transformação social. Assim, com o sucesso adquirido no tratamento dos pacientes portadores de febre reumática, e como resultado da percepção de que o atendimento hospitalar, embora realizado da forma mais eficaz e eficiente possível, estava limitado em seu escopo, a equipe decidiu criar a SAC, visando a um atendimento de qualidade, universal, gratuito, eficaz e viável, que contemplasse todas as 10 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 9. necessidades das crianças cardiopatas, garantindo-lhes qualidade de vida e cidadania. Em junho de 1998, a ONG foi regulamentada. A diretoria e o conselho consultivo eram compostos por apenas seis integrantes. Conforme apontado pela Drª Juliana Ceddia, atual presidente da SAC, foi o sentimento de indignação diante do sofrimento das famílias dos pacientes e do imobilismo dos que põem a culpa no governo ou apenas criticam que uniu aquele grupo de pessoas em torno de um ideal comum. A idéia da SAC não era substituir as ações do Estado e sim formalizar uma parceria entre o poder público e a sociedade civil, em um movimento de solidariedade e de entendimento no qual todos são responsáveis. A ação idealizada pela equipe inicialmente formada estava baseada em uma abordagem, identificada como transdisciplinar, que abrangia consulta médica, realização de exames, atendimentos psicológico, odontológico, fonoaudiológico e terapêutico-ocupacional e que possibilitava um atendimento integral e integrado às crianças e adolescentes cardiopatas. Eram realizadas reuniões semanais com grupos separados de familiares e de crianças e adolescentes, coordenados inicialmente pelas voluntárias. Nessa fase, participavam de três a seis pacientes e seus respectivos acompanhantes. Uma cardiopediatra também atuava nesses atendimentos, que sempre antecediam as consultas. Com a existência da SAC e a sua maior liberdade de ação, a equipe começou a receber as primeiras doações, e as atividades começaram a se diversificar, abrangendo encaminhamentos para outras instituições e distribuição de lanches, vales-transporte e medicamentos. Outras atividades de apoio também eram realizadas: bazar de roupas e de utensílios com baixo custo; passeios com grupos de jovens; capacitação de voluntários (com leituras e discussões de textos e artigos); e divulgação das atividades da SAC por meio de palestras em eventos científicos, reportagens em jornais, revistas e Internet. No início de 1998, a equipe de voluntários organizou, junto com as crianças, a Revistinha da Turma dos Amigos de Coração, impressa pela Prefeitura de Niterói e que tinha o objetivo de divulgar os atendimentos entre os pacientes e “criar o hábito” da participação nas reuniões em grupo. Em meados de 2000, com o sucesso do PAC, o atendimento transdisciplinar foi estendido ao grupo de crianças com cardiopatia congênita, iniciando-se o Programa de Atendimento à Criança Cardiopata (PACc). A SAC tem merecido a atenção de diversas entidades que apóiam iniciativas do Terceiro Setor, tendo sua dirigente, 11 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 10. Drª Juliana Ceddia, sido escolhida em 2000 como fellow da Ashoka.* A NOVA SEDE No início de 1999, com a multiplicação das ações, o entusiasmo e a chegada de novos voluntários, surgiu a necessidade de instalações físicas mais adequadas, para oferecer um atendimento de excelência aos pacientes e onde pudessem ser proporcionadas melhores condições de trabalho aos profissionais e voluntários que ocupam temporariamente instalações no hospital. Nessa época, uma das voluntárias soube que o BNDES disponibilizava recursos não-reembolsáveis para entidades com o perfil da SAC, por meio do Programa de Apoio a Crianças e Jovens em Situação de Risco Social. Em abril de 1999, a SAC encaminhou ao BNDES o projeto de construção e equipagem de um Centro de Diagnóstico e Tratamento para Crianças Cardiopatas, a ser instalado em área anexa às das instalações do HGVF. Após a visita à SAC de profissionais do BNDES, em outubro de 1999, o projeto foi enquadrado no Programa de Apoio a Crianças e Jovens em Situação de Risco Social. O contrato com o BNDES levou mais de um ano para ser assinado, em virtude de dificuldades na obtenção da documentação do HGVF. O projeto da SAC requereu um grande esforço de todos os envolvidos, tendo sido realizados diversos acordos que envolveram a prefeitura, o estado e vários órgãos públicos, entre eles as Procuradorias Gerais do Estado e do Município. Também foi firmado um convênio de cooperação técnica com a prefeitura para a cessão do terreno onde o imóvel seria construído, sendo necessário promover uma ação de usucapião em favor do estado para que este pudesse, com a intermediação do município, ceder o espaço à SAC. O Centro de Diagnóstico e Tratamento para Crianças Cardiopatas foi finalizado no início de 2002, possibilitando à SAC ampliar o atendimento, além de ofertar novas atividades às crianças cardiopatas assistidas. 12 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O * Organização internacional, presente em 42 países, que promove a profissionalização do empreendedor social, buscando o aperfeiçoamento e fortalecimento do Terceiro Setor.
  • 11. PA RT E 2 C A R D IOPATIAS INFANTIS
  • 12.
  • 13. CONCEITOS BÁSICOS Diferentemente da população adulta com doença cardíaca, na qual predomina a coronariopatia, o grupo de crianças com cardiopatia é bastante heterogêneo. Uma diversidade de condições médicas, que variam com a faixa etária, do recém-nascido até o adolescente, pode ser observada. Isso aumenta as dificuldades em se estabelecer uma padronização do cuidado e do manejo clínico desses pacientes. A identificação das crianças com doença cardíaca é de suma importância não só por questões terapêuticas, mas também pra que medidas profiláticas sejam iniciadas, dentre as quais estão aquelas relacionadas à prevenção da endocardite bacteriana, complicação infecciosa não rara e geralmente severa, que pode ocorrer entre os pacientes com doença cardíaca. Nesse sentido, são importantes os cuidados com a higiene oral, orientando-se quanto à necessidade de escovação diária dos dentes, consultas odontológicas periódicas e uso de antibiótico profilático para algumas intervenções odontológicas e médicas, como em situações de manipulação cirúrgica e não-cirúrgica, com instrumental, do sistema geniturinário e do trato gastrointestinal. A doença cardíaca na infância pode ser dividida em dois grandes grupos, de acordo com a época de ocorrência: cardiopatias congênitas e cardiopatias adquiridas. Cardiopatias congênitas A doença cardiovascular congênita é definida como uma anormalidade na estrutura cardiovascular ou na sua função, que está presente intra-útero e pode ser descoberta durante o período gestacional, ao nascimento ou, em alguns casos, somente muito mais tarde. As doenças cardiovasculares encontradas na infância resultam, na sua maioria, de anormalidades congênitas [Lauer e Sanders (2001)]. As cardiopatias congênitas ocorrem em quase 1% das crianças nascidas vivas em todo o mundo e provavelmente são causadas pela interação entre predisposição genética e fatores ambientais [Harris (2000)]. Em 1998, aproximadamente 29 mil crianças nos Estados Unidos nasceram com um defeito cardíaco congênito e, dependendo da pesquisa considerada, entre 25% e 50% dessas crianças apresentaram sintomas e 15
  • 14. foram encaminhados para cateterismo cardíaco e/ou cirurgia, ou morreram durante a infância. Atualmente, a correção cirúrgica paliativa ou curativa é possível para 90% dos casos [Moss e Adam (1995)]. Para a determinação exata das incidências de cardiopatias congênitas, é indispensável que sejam estabelecidos diagnósticos precisos de todas as crianças portadoras da doença. Vários fatores são importantes para que isso ocorra. Primeiramente, é necessário um sistema médico eficiente que permita que os diagnósticos dessas lesões sejam feitos por cardiologistas pediátricos habilitados e que o acesso a esses profissionais seja possível para toda a população. Além disso, os pediatras devem estar sempre alertas para a suspeita clínica de doença cardíaca, especialmente em crianças sem sintomas específicos de doença cardiovascular ou com sintomas mínimos, a fim de encaminhá-las em tempo hábil para uma avaliação especializada. No entanto, se o acesso ao cardiologista infantil for limitado, as chances para um diagnóstico efetivo de doença cardíaca ainda na infância diminuem muito mais, levando ao risco de complicações, muitas vezes irremediáveis, na idade adulta. No manuseio das crianças portadoras de cardiopatias congênitas no primeiro ano de vida, o diagnóstico clínico constitui o elemento de maior dificuldade. A classificação das cardiopatias nesse grupo, em formas clínicas de exteriorização, visa a uma orientação mais racional no reconhecimento e diagnóstico de malformações cardíacas. Insuficiência cardíaca, cianose, sopro e arritmias cardíacas são as formas mais importantes de manifestação clínica de cardiopatia congênita nessa fase da vida. As cardiopatias congênitas podem ser divididas em dois grandes grupos: cianóticas, quando há deficiência na oxigenação do sangue e conseqüente coloração azulada da pele; e acianóticas, quando não se apresenta tal fato. Em alguns casos de cardiopatias acianóticas, a perpetuação e o agravamento do quadro podem levar ao aparecimento de cianose, que está relacionada a um pior prognóstico para o paciente. Para melhor entendimento dessa diversidade de malformações cardíacas congênitas, serão descritas, no Anexo 1, algumas características das cardiopatias congênitas mais comuns, separando-as pela presença ou não de cianose. Em alguns casos, estão presentes duas ou mais dessas características simultaneamente. Cardiopatias adquiridas As cardiopatias adquiridas são aquelas que ocorrem após o nascimento e incluem um número de patologias de origens diversas que podem resultar em morbidade e mortalidade significativas. Especificamente, 16 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 15. essas doenças cardiovasculares incluem febre reumática, cardiomiopatias, endocardite infecciosa, miocardite, pericardite e doença de Kawasaki, que estão descritas no Anexo 2. A febre reumática (FR), causa mais comum de doença cardíaca infantil e juvenil adquirida nos países em desenvolvimento, tem sido associada historicamente à pobreza e, em especial, às condições precárias de habitação e aos agrupamentos e cuidados médicos inadequados. A doença desapareceu quase por completo nos países desenvolvidos, tendência que reflete principalmente a melhora no nível de vida. Entretanto, o ressurgimento recente em famílias de classe média nos Estados Unidos voltou a destacar a importância que ela também apresenta nos países desenvolvidos, o que reforçou a crença de que a doença não vai desaparecer até que seja entendida completamente [Silva e Pereira (1997)]. Em países em desenvolvimento como o Brasil, a FR constitui-se num importante problema de saúde pública, que é ainda maior devido à dificuldade que esses países têm em obter dados confiáveis sobre a incidência dessa enfermidade e à prevalência de sua seqüela, a cardiopatia reumática. Importância econômica da febre reumática Dados de 1993 do Ministério da Saúde/ Sistema Único de Saúde mostram que os custos hospitalares com a FR corresponderam a cerca de 25% dos gastos com todas as doenças cardiovasculares, tendo consumido em 1992 o equivalente a US$ 46 milhões [Alves, Castilho e Barros (1995)]. O custo da FR é muito alto devido às consultas ambulatoriais repetidas, às hospitalizações em decorrência de seqüelas e nas fases agudas da doença, aos gastos com o tratamento clínico e cirúrgico e ao impacto físico e psicológico causado aos pacientes e seus familiares. Ainda soma-se a esses custos, a perda considerável de produtividade para a sociedade, além do sofrimento individual [Terreri (1998)]. Os aspectos econômicos da FR no Brasil – detalhados no Anexo 3 – indicam gastos expressivos. O número de cirurgias valvulares decorrentes da FR financiadas pelo serviço público é de aproximadamente 10 mil por ano, o que corresponde a cerca de 30% do total das cirurgias cardíacas realizadas no país. Como as estatísticas internacionais estimam o custo unitário dessas cirurgias para os governos em aproximadamente US$ 9 mil [Snitcowsky, apud Terreri (1998)], uma outra estimativa, utilizando-se esse dado, seria um custo anual de cirurgias decorrentes da FR de cerca de US$ 90 milhões. Em um estudo sobre pacientes com FR realizado em ambulatório na cidade de São Paulo [Terreri (1998)], verificou-se que os 17 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 16. principais gastos do paciente público estão relacionados à compra de medicamentos (54%) e ao transporte (38%). Para a sociedade, os principais custos do paciente público com FR são os gastos hospitalares (72%) e os custos indiretos decorrentes das faltas ao trabalho do responsável pelo paciente (21%). O custo total para o paciente e para a sociedade foi estimado, em 1998, em cerca de R$ 370 anuais por paciente. Diante desse quadro, qualquer iniciativa que leve a um diagnóstico precoce da FR, à aderência ao tratamento e à adoção de medidas preventivas é economicamente justificada, não só do ponto de vista dos benefícios para os pacientes, mas também da redução de custos para a sociedade. Um programa de informações dirigidas a profissionais de saúde e à população para a profilaxia da FR, por exemplo, foi realizado com êxito, durante 10 anos, em algumas ilhas do Caribe [Bach, apud Terreri (1998)]. Nos quatro primeiros anos de maior ação, o custo do programa foi de US$ 89 mil e fez com que o custo com a FR, excluindo as seqüelas tardias, caísse de US$ 1.426 mil para US$ 100 mil. Na próxima seção, é apresentado o estudo sobre a FR nos casos de cardiopatia identificados no HGVF, onde pôde ser observada a diminuição dos gastos dos pacientes e da sociedade com essa doença a partir da implementação dos programas da SAC em parceria com o hospital. CARDIOPATIAS INFANTIS NO HOSPITAL GETULIO VARGAS FILHO Com o objetivo de proceder a uma avaliação clínica das crianças com doenças cardíacas acompanhadas pelo Serviço de Cardiologia Infantil do HGVF, no período compreendido entre janeiro de 1996 e junho de 2001, foram analisados dados de prontuários, fichas ambulatoriais e laudos de ecocardiograma de 426 pacientes com cardiopatias congênitas (265) e adquiridas (161), sendo 137 com FR. O acompanhamento dessas crianças foi realizado, desde o começo, pelas Dras Anna Esther Silva e Juliana Ceddia, cardiologistas pediátricas responsáveis pelos dados médicos analisados neste estudo. Pela grande diferença nas características gerais das crianças com cardiopatias adquiridas e congênitas, a análise dos dados foi realizada de forma separada. Pelo maior número de casos de FR encontrados entre as cardiopatias adquiridas, tanto em termos absolutos como relativos, e ainda pelo maior enfoque dado a esse grupo em virtude do atendimento transdisciplinar adotado pela SAC, o estudo concentrou-se na análise dos dados das crianças com doença cardíaca adquirida por FR. No Anexo 4 é apresentado o estudo desenvolvido pela Drª Ivany Yparraguirre, no HGVF, sobre crianças com doenças cardíacas, compreendendo a metodologia, a avaliação clínica e a 18 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 17. discussão dos resultados. Uma importante conclusão do trabalho foi a de que a população de crianças acompanhadas pela SAC não difere, quanto aos dados demográficos e clínicos, de uma forma geral, daquela encontrada em outros trabalhos da literatura. A evolução clínica das crianças com FR foi melhor do que a observada em estudos semelhantes de outros autores brasileiros, com menor número de recidivas, provavelmente pelo menor número de abandonos da profilaxia antibiótica e de indicação cirúrgica. A característica de transdisciplinaridade do grupo de trabalho da SAC muito deve ter contribuído para esse resultado, levando a uma diminuição dos casos de abandono com conseqüente maior número de crianças com menos recidiva e melhor evolução clínica. Também foi observado que, após a introdução do PAC, um maior número de crianças com FR e características clínicas de gravidade foi encaminhado para acompanhamento no HGVF. Da mesma forma, antes do PAC, um maior número de crianças com uma leve FR era internado, o que pode refletir uma melhora da capacitação dos profissionais engajados no programa para acompanhar esses pacientes em nível ambulatorial. Outro fato observado que merece ser enfatizado é o número de crianças diagnosticadas com FR sem alterações clínicas sugestivas de acometimento cardíaco, porém com alterações ecocardiográficas características de lesão valvular leve. Provavelmente, contribuíram de forma relevante para esse resultado a facilitação promovida pelo PAC para avaliação precoce especializada, a realização de exame complementar efetivo para diagnóstico de lesão valvular, o ecocardiograma bidimensional com doppler, realizados em todos os pacientes com FR. Esses dados podem sugerir que a doença valvular silenciosa pode estar presente em muitas crianças com FR sem sintomas ou sinais de doença cardíaca e que a sua identificação pode prover um melhor prognóstico para essas crianças, uma vez que a profilaxia antibiótica deve ser diferenciada para os casos de FR com cardite e a sua não-realização pode levar a riscos de piora da lesão cardíaca. Quanto à população de crianças com cardiopatia congênita com indicação cirúrgica aqui analisada, chamou a atenção o baixo percentual de realização de cirurgia cardíaca até o início deste estudo. Esse é um fato real, observado no dia-a-dia das crianças cardiopatas do Brasil, dependentes do serviço de saúde pública. O aprimoramento no acompanhamento ambulatorial desenvolvido pela equipe transdisciplinar do PACc pode melhorar a qualidade de vida de algumas dessas crianças até à realização da cirurgia. Além 19 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 18. disso, no programa existe um intercâmbio com hospitais de referência de cirurgia cardíaca infantil, o que acelera todo o processo. Atualmente, a perspectiva de melhorias no atendimento oferecido pelo Hospital de Cardiologia de Laranjeiras, facilitando a realização de cirurgias das crianças cardiopatas do Rio de Janeiro, deve resultar em números melhores e, conseqüentemente, em menor morbidade e mortalidade desses pacientes. Diferentemente do Programa de Acompanhamento de Crianças com FR, que existe aproximadamente há quatro anos, o PACc, que atende às cardiopatias congênitas, é um programa que ainda se encontra em fase inicial, funcionando aproximadamente há um ano. 20 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 19. PA RT E 3 AVA L IA ÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DE CORAÇÃO
  • 20.
  • 21. INTRODUÇÃO A avaliação da experiência vivida pela SAC até o segundo semestre de 2001 representou um desafio para a equipe do Latec/UFF responsável pelo estudo. Com relação ao BNDES, esse foi o primeiro estudo realizado dessa forma, e sua elaboração exigiu a participação ativa dos profissionais e executivos da Área de Desenvolvimento Social nas reuniões mensais de avaliação do trabalho conduzido pela equipe do Latec/UFF, cujas preocupações para a sua realização podem ser assim sintetizadas: • necessidade de utilizar critérios de avaliação que fizessem “sentido”, ou seja, que permitissem examinar um empreendimento social em sua fase inicial de vida – uma efetiva “fotografia” do estágio atual da SAC – e que levassem a uma percepção dos desafios a serem enfrentados pela ONG no futuro próximo – uma visão “dinâmica”; • importância do estudo em desenvolvimento para o possível – e provável – surgimento de iniciativas semelhantes às da SAC em outros locais; e • impacto da “interferência” da equipe nas atividades da SAC durante a realização do trabalho de avaliação, já que as responsáveis pela ONG participaram ativamente das reuniões e discussões e também contribuíram com sugestões e documentos para o relatório final. Dessa forma, esta parte do relatório procurará destacar os principais tópicos abordados, utilizando a seguinte estrutura: • como avaliar a SAC?; • a validade da proposta da SAC; • o ciclo de vida das organizações; • os desafios gerenciais enfrentados pela SAC; • a transparência necessária; • a relação da SAC com o HGVF; • as experiências de outras ONGs; • a questão da liderança; • o trabalho em rede para resgate da cidadania; • sugestões para os programas da SAC; e • as possibilidades de reprodução do empreendimento SAC. 23
  • 22. ASPECTOS CONCEITUAIS DA AVALIAÇÃO Como avaliar a SAC? Uma forma de realizar um trabalho de avaliação de uma organização como a SAC é examinar a existência ou a implantação efetiva de planos de ação e orçamentos, uma estrutura organizacional apropriada, manuais de processos (administrativos) internos em funcionamento, definição clara e apuração efetiva de medidas de desempenho, existência de instrumentos de obtenção de recursos para investimentos ou custeio, procedimentos para atração e manutenção de voluntários e outros. No entanto, não se pode esquecer que a SAC é uma organização em formação, uma start-up, com múltiplas necessidades e problemas típicos dessa condição, e que devem ser resolvidos por uma equipe pequena, cujas habilidades e competências lhes têm possibilitado, até o momento, algumas significativas realizações. A validade da proposta da SAC Na parte conceitual deste relatório procurou-se identificar, na reduzida bibliografia disponível, a importância econômica da FR, uma cardiopatia adquirida. Conforme citado anteriormente, segundo dados do Ministério da Saúde e de estudo considerado neste trabalho, os custos hospitalares no Brasil com a FR corresponderam, em 1993, a cerca de 25% dos gastos com todas as doenças cardiovasculares e, em 1992, consumiram o equivalente a US$ 46 milhões. Outras estimativas forneceram valores ainda maiores. Isso sem contar o impacto físico e psicológico causado aos pacientes e seus familiares. A adoção de medidas preventivas e de procedimentos que conduzam a um diagnóstico precoce da FR e, principalmente, à aderência ao longo tratamento é economicamente justificável, não só pelos benefícios auferidos pelos pacientes, mas também pela redução de custos para a sociedade. No entanto, limitações ainda existentes na área da saúde, entre outros aspectos, têm restringido a aderência ao tratamento, que é condição essencial para o sucesso no combate aos efeitos da FR. No Brasil, isso ocorre também no combate à tuberculose, que requer tratamento contínuo por seis meses. Segundo matéria recentemente publicada no jornal O Globo [“Erros afetam o combate à tuberculose no Brasil” (16.11.01, p. 8)], as principais dificuldades no tratamento da tuberculose são o abandono do tratamento pelos pacientes (por vários motivos, entre eles a falta de dinheiro até para a condução), a qualidade do serviço prestado, o relacionamento dos pacientes com os médicos e a distribuição dos medicamentos. De acordo com a professora Maria Lúcia F. Penna, da Universidade do Estado do Rio de 24 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 23. Janeiro (Uerj), citada na referida reportagem, o doente precisa saber que “está fazendo um bem a si mesmo ao seguir o tratamento”. A SAC desenvolve um trabalho de forma a complementar a atuação do poder público, por meio de uma abordagem integral e integrada que considera todos os aspectos relacionados direta ou indiretamente à doença, envolvendo não só os pacientes como também seus familiares. Desde a sua constituição, a SAC vem diversificando suas atividades, visando garantir a aderência ao tratamento. São elas: • facilitação do acesso aos atendimentos em cardiologia no HGVF; • envolvimento dos familiares das crianças e adolescentes doentes; • atendimentos individuais e em grupo nas especialidades de psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, nutrição, assistência social, odontologia (em número limitado, até o momento); • encaminhamento para outras instituições de atendimento à saúde; e • distribuição de medicamentos, vales-transporte e lanches, com recursos obtidos em bazar de roupas e utensílios com baixo custo. A prática inovadora da SAC O conceito de atendimento integral e integrado que norteia os trabalhos da SAC foi aprimorado a partir da monografia sobre o programa de FR, de autoria de Maria Alcina M. Souza, atual diretora da entidade, apresentada para conclusão de disciplina no curso de graduação em Terapia Ocupacional. Dessa monografia, foram identificadas as considerações a seguir relatadas. Para as crianças cardiopatas e suas famílias, uma simples prescrição médica, um olhar de compaixão, uma palavra de consolo ou a explicação clínica da doença não são atitudes suficientes. “Há de se levar em conta o que esses indivíduos têm a nos dizer ou nos fazer entender, suas ansiedades, suas fantasias e suas necessidades. Daí a importância de uma equipe com atenção integral ao paciente.” O conceito de atendimento integral deve ser entendido a partir das seguintes definições de Piaget, conforme ensaio feito por Chaves (1998): • disciplina – constitui um corpo específico de conhecimento ensinável, com seus próprios antecedentes de educação, treinamento, procedimentos, métodos e áreas de conteúdo; • multidisciplinaridade – ocorre quando “a solução de um problema torna necessário obter informação de duas ou mais ciências ou setores do conhecimento sem que as disciplinas envolvidas no processo sejam elas mesmas modificadas ou enriquecidas”; 25 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 24. • interdisciplinaridade – é utilizado para designar “o nível em que a interação entre várias disciplinas ou setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações reais, a uma certa reciprocidade no intercâmbio, levando a um enriquecimento mútuo”; e • transdisciplinaridade – o conceito envolve “não só as interações ou reciprocidade entre projetos especializados de pesquisa, mas a colocação dessas relações dentro de um sistema total, sem quaisquer limites rígidos entre as disciplinas”. A transdisciplinaridade é muitas vezes confundida com a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade, porque as três vão além da disciplina. Mas, como o prefixo trans indica, a transdisciplinaridade lida com o que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das disciplinas e além de todas as disciplinas [Chaves (1998)]. Ainda segundo Chaves, não se pode negar a necessidade das disciplinas para o avanço da ciência, mas ao mesmo tempo é imperativa a transdisciplinaridade para a compreensão do mundo. A SAC entende que a transdisciplinaridade se enquadra na sua maneira de atuar, em que os conhecimentos dos profissionais se permeiam e se perpassam e as competências individuais passam a ser articuladas com a finalidade da compreensão do mundo atual, onde a busca é do conhecimento relevante, que possa gerar ações que redundem em benefício do ser humano. O trabalho em equipe propõe uma abordagem que pode ser um processo transformador das situações e das pessoas envolvidas. Considera-se que, sem esse viés, pode ocorrer uma duplicidade de esforços e serviços, impedindo a expansão e comprometendo a qualidade do trabalho. Esse novo caminho partiu do interesse em construir, no hospital, um trabalho em saúde que pudesse repercutir na qualidade de vida dos pacientes e seus familiares. A descoberta de novas possibilidades de pensar e agir em saúde favorece a intensidade das trocas, a integração e a interação propriamente ditas, contribuindo, também, para a formação e o crescimento profissional. Na SAC, o enfoque transdisciplinar levou à constituição de uma equipe com profissionais diversos – cardiopediatra, psicóloga, fonoaudióloga, pedagoga e terapeuta ocupacional – que está sempre aberta a novas contribuições. A prática dos atendimentos na SAC (caso de febre reumática) O texto a seguir é baseado na monografia de autoria de Maria Alcina M. Souza, anteriormente citada, e foi editado para efeito de concisão e inclusão neste documento. 26 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 25. Assim que é feito o diagnóstico da doença, a criança é cadastrada no PAC, iniciando-se o atendimento imediatamente. Se houver necessidade de internação hospitalar, o atendimento é individualizado, feito no próprio leito do paciente, com informações sobre a doença, sua evolução e tratamento, e sobre o Programa em que ela está sendo engajada. Após a alta hospitalar, ou se o paciente não precisou de internação, durante o primeiro mês após o diagnóstico, ele deve comparecer semanalmente à consulta médica, previamente marcada, no ambulatório do HGVF. Antes da consulta médica são constituídos dois grupos: o de sala de espera com as mães e um outro com as crianças e adolescentes. São, então, desenvolvidas atividades lúdicas, expressivas e pedagógicas, direcionadas aos problemas que eles enfrentam, tais como ansiedades e fantasias em relação à doença, medo da morte e da medicação dolorosa, entre outros. Nesses encontros, são debatidos assuntos como informações sobre a doença, sua evolução e conscientização sobre o tratamento. Nos atendimentos em grupos, procura-se integrar as crianças com consulta marcada com aquelas que estão internadas com FR. É importante salientar que todos os membros da equipe participam de todas as atividades propostas, com as crianças ou com os familiares, possibilitando a criação de um canal de compreensão mais eficaz do mecanismo da doença. Após essas atividades, é realizada a consulta médica e, em seguida, a equipe se reúne para discussão dos casos em acompanhamento. Informações obtidas durante os trabalhos em grupo podem ser elementos importantes para a tomada de decisão sobre a conduta do tratamento. A reunião de equipe e de estudos é a ocasião em que todos os aspectos são discutidos e reavaliados. Com relação à medicação, são realizados o controle e a distribuição da penicilina benzatina. Algumas crianças tomam a injeção no próprio hospital e outras em postos de saúde ou farmácias perto de suas residências. Toda criança inscrita no programa é encaminhada para atendimento odontológico, com ênfase na prevenção bucal, pois a boca, por ser a principal porta de entrada de bactérias, torna-se uma facilitadora de infecções cardíacas (endocardite). Freqüentemente, os odontólogos têm certo receio em atender crianças cardiopatas, tornando, assim, imprescindível que esse tratamento seja executado por profissionais cientes da filosofia de atendimento e que prestem assistência odontológica diferenciada. Depois do primeiro mês de adesão ao programa, as consultas vão sendo marcadas 27 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 26. com um intervalo maior, desde que os terapeutas tenham alguma evidência que os levem a pensar que a criança está engajada no programa e não irá abandonar o tratamento. O ciclo de vida das organizações Diferentes modelos sobre o ciclo de vida das organizações, apresentados por importantes autores, têm contribuído para um melhor entendimento do comportamento das organizações ao longo do tempo. Algumas pesquisas [citadas em Jawahar e McLaughlin (2001)] identificaram quatro estágios do ciclo de vida (parcialmente superpostos): inicial (start-up), crescimento emergente, maturidade e renascimento (ou revival). Em cada um deles, as características da organização são distintas, e variam não só as pressões, ameaças e oportunidades nos ambientes externos e internos, como também a importância relativa dos stakeholders da organização, que podem ser definidos como “todo e qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou ser afetado pelo atingimento dos objetivos da organização” [Freeman (1984), apud Jawahar e McLaughlin (2001)]. Nadler e Tushman (1997) apresentaram um modelo de congruência, resultado de trabalhos por eles desenvolvidos a partir dos anos 70, o qual estabelece que “os componentes de qualquer organização co-existem em vários estados de equilíbrio (balance) e consistência, denominado de ‘adequação’ (fit). Quanto maior o grau de adequação – ‘ou congruência’ – entre os diversos componentes, mais eficaz a organização” (p. 28). Os componentes da organização, criticamente interdependentes, são: os processos e fluxos de trabalho/tarefas, as pessoas e suas capacidades e competências, os arranjos organizacionais formais e a organização informal (também referenciada como cultura e ambiente operacional da organização). Entretanto, para cada um desses componentes, uma organização em sua fase inicial se caracterizaria por: • processos administrativos internos menos rígidos (ou pouco definidos); • estrutura organizacional mais informal, menos hierárquica; e • cultura menos rígida. Segundo Schein (1988), a cultura pode ser definida como “um padrão de pressupostos básicos – inventados, descobertos ou desenvolvidos por um determinado grupo à medida que aprende a enfrentar problemas de adaptação externa e de integração interna – que tem funcionado de maneira satisfatória e que pode ser considerado válido e, dessa forma, é ensinado aos novos membros [da organização] como a maneira correta de perceber, pensar e sentir em relação àqueles problemas”. Christensen (2001) argumenta 28 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 27. que a ênfase inicial da organização repousa sobre os recursos (pessoas, equipamentos, tecnologia, dinheiro, informação, relacionamentos e outros). A importância dos processos (padrões de interação, coordenação, comunicação e tomada de decisão através dos quais os recursos são transformados em produtos e serviços de maior valor) e dos valores (critérios pelos quais se tomam as decisões sobre as prioridades da organização) aumenta nas fases seguintes da vida da organização. O amadurecimento permite a emergência da cultura organizacional, com ênfase nas competências e capacidades “empreendedoras”, que levam à busca de oportunidades e a assumir riscos calculados. Essa característica permite a comparação com as capacidades e competências de natureza gerencial (vendas, produção, administração, serviços e outras) necessárias em outra fase da vida da organização. A SAC se enquadra nas descrições acima de uma organização no estágio inicial do seu ciclo de vida. Dessa forma, era de se esperar que seu desenvolvimento até agora repousasse nos recursos principais representados pelos seus dirigentes e alguns voluntários, e que a principal busca de outros recursos e de apoio estivesse concentrada naquilo que pudesse viabilizar a ONG: disponibilidade de equipamentos; doações de medicamentos; dinheiro necessário para atender às demandas ainda pequenas de medicamentos, lanches e vales-transporte para os doentes e seus familiares; maior disponibilidade de espaço (se possível uma sede); obtenção do apoio da prefeitura e do HGVF para a construção da sede da SAC, com financiamento do BNDES; e criação de uma rede de relacionamentos que pudesse “confirmar” e divulgar a atuação da SAC. Alguns processos administrativos internos foram sendo definidos e implementados à medida que se revelavam essenciais para a coordenação de pessoas, o uso adequado dos recursos financeiros e a formalização de elementos importantes para a SAC. Dentre eles estão disponíveis: Estatuto, Regimento Interno, Programa Ação Voluntária para Capacitação de Voluntários e Estagiários, minuta de proposta de plano de ação para os cinco próximos anos, orçamento abrangendo também o primeiro semestre de 2002, compilação de medidas de desempenho financeiras e não-financeiras (em implantação) e proposta de novo organograma (junho de 2001). Outras normas, relacionadas ao tratamento contábil, estão em fase de definição e implementação, após o início dos trabalhos da empresa de auditoria independente BKR Lopes, Machado Ltda., na SAC, em julho de 2001. 29 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 28. Os desafios gerenciais já enfrentados pela SAC Em Oberfield e Dees (1992), autores de vários textos na área de empreendedorismo social, ambos da Harvard Business School na época, são listados os desafios gerenciais enfrentados por novos empreendimentos sociais, considerando os seguintes aspectos: • missão e flexibilidade estratégica; • atração e motivação de pessoas; • obtenção de fundos/recursos; • controle e autonomia gerencial e administrativa; e • definição e medida do sucesso. Esse trabalho é aqui utilizado como uma referência para as considerações sobre a atuação da SAC. Missão e flexibilidade estratégica Segundo Oberfield e Dees (1992), “o que traz os principais stakeholders (doadores, membros do conselho, voluntários e a equipe profissional) para uma organização sem fins lucrativos é a singularidade da sua missão (distinctive mission). O compromisso dessas pessoas com a missão pode ser um enorme ativo da organização, e isso pode motivá-los de uma forma que as recompensas financeiras não conseguiriam”. A SAC estabeleceu como sua missão restabelecer a saúde e a cidadania da criança cardiopata por meio de atendimento integral e integrado. No documento “Sociedade Amigos de Coração: Missão”, apresentado em maio de 2000, a presidente da SAC, Drª Juliana Ceddia, já demonstrava perceber claramente a importância da credibilidade da missão: “Escrever a missão é fácil, difícil é fazer com que todos acreditem nela... A chave para uma organização voltada para a sua missão não é a declaração em si, mas como ela é aplicada no dia-a-dia das pessoas”. E, em seguida, definia os valores que deveriam guiar as ações diárias dos membros da organização: • atendimento universal: acesso de quaisquer pacientes, pela rede pública ou particular, de forma gratuita; • tecnologia com qualidade: excelência no atendimento em todos os níveis; • atendimento integral: não há tratamento da patologia separada do indivíduo; • atendimento transdisciplinar: os conhecimentos e as competências individuais dos profissionais envolvidos no tratamento se permeiam e se perpassam e são articulados para gerar ações que redundem em benefício do ser humano; • empatia: em relação aos pacientes e também em relação aos membros da equipe; • credibilidade: atuação da equipe com compromisso, preocupação, consistência, ética, bom senso e clareza; 30 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 29. • crescimento pessoal dos profissionais envolvidos: desafios, satisfação pessoal, autonomia de iniciativa e responsabilidade; • envolvimento de todos os setores da sociedade: incentivo à colaboração (inclusive das famílias das crianças atendidas) para as ações que potencializem a atuação hospitalar; • resgate da cidadania: colocar os pacientes e suas famílias em condições de assumir o controle de suas vidas (“saúde compreende o bem-estar físico, mental e social”); • custos viáveis: assistência de alta qualidade e de eficácia em termos de custo-benefício, tendo em vista a escassez de recursos; e • ambição apropriada: ser uma organização de referência, gratuita, com atendimento de ponta, integral, transdisciplinar, eficiente, eficaz e com baixos custos; queremos difundir o conceito de saúde como o estado capaz de potencializar a capacidade humana (orgânica, intelectiva, afetiva) de estabelecer uma vida social, de acordo com a necessidade de uma existência geradora de transformações individuais e coletivas e em que os profissionais de saúde se tornam parceiros de seus pacientes, enfrentando adoecimentos e condições especiais de saúde nas lutas da vida e não pela vida. Uma análise da missão e dos valores que deverão guiar a atuação da SAC nos próximos anos indica: • a missão, fácil de memorizar e clara, introduz a idéia de “restabelecimento da cidadania”, que, embora possa ser explicada, se torna mais difícil de medir (esse aspecto será discutido mais adiante, no item “Definição e medida do sucesso”); • o “atendimento universal”, significando tratar pacientes de qualquer origem e não apenas aqueles recebidos do HGVF, pode representar um encargo superior aos recursos humanos e materiais eventualmente disponíveis na SAC; que recentemente tem indicado que deverá rever essa postura; • a “ambição apropriada”, como indicado acima, pode ser considerada (ou ajustada) de forma a refletir a visão da organização, que, de acordo com o material de referência para “Treinamento do Prêmio Empreendedor Social”, preparado pela Ashoka Empreendimentos Sociais em 2000, define “o entendimento comum do que se deseja ser”, enquanto a missão é a “expressão da razão da existência de uma organização”; e • no que se refere a valores, a mesma Ashoka os define como o “principal 31 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 30. sistema de valores comportamentais” da organização. Da forma como estão definidos, os valores da SAC têm efetivamente essa característica, restando apenas atender à recomendação, fruto da experiência da Ashoka, de que “organizações de sucesso não possuem mais de 3-6 valores”. O menor número de valores deve facilitar a sua “internalização” pelos membros da organização. Essa consolidação dos valores da SAC não apresenta qualquer dificuldade. Os autores acima citados [Oberfield e Dees (1992)] chamam a atenção para a necessidade de que a missão seja “suficientemente específica para inspirar o compromisso, ao mesmo tempo em que deve ser suficientemente aberta para permitir o redirecionamento estratégico quando necessário”. A partir da análise realizada neste estudo, a percepção da equipe é de que a SAC tem aprimorado periodicamente a sua missão e seus valores. Atração e motivação de pessoas A SAC foi fundada e se mantém até hoje com trabalho voluntário. No seu Programa de Ação Voluntária, ela procura capacitar profissionais e voluntários para operar nas diversas áreas de sua atuação. Até recentemente, os voluntários que a integravam eram da área de saúde ou ligados à educação artística e se integravam à equipe transdisciplinar. Com a inauguração do Centro de Cardiologia Pediátrica (Cecape), verifica-se a necessidade de formação de um quadro de apoio, composto de voluntários que não possuam necessariamente uma formação específica. Essa idéia foi formalizada, em setembro de 2001, com a consolidação e aprimoramento de normas já existentes para a capacitação de voluntários e estagiários na SAC. Em novembro de 2001, seu quadro de voluntários era composto de 18 pessoas: • 2 diretoras; • 1 dentista; • 3 psicólogas (2 com atuação na equipe e 1 com os pacientes); • 1 nutricionista; • 2 arte-educadoras; • 2 fonoaudiólogas; • 1 terapeuta ocupacional; • 1 assistente social; • 1 jornalista; • 3 auxiliares administrativos; e • 1 colaboradora na elaboração de projetos. Outro aspecto que tem merecido a atenção da direção da SAC é o turnover elevado, característico de muitas das organizações que trabalham com voluntários, causado, entre outros motivos, pela incompatibilidade de horários ou pelo aparecimento de oportunidades de trabalho 32 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 31. remunerado. No caso de voluntários sem formação específica, a experiência da Casa Ronald McDonald (ver comentários mais adiante) pode ser útil para a SAC. A saída de uma das diretoras da SAC, no início de 2001, causou uma crise que levou a direção a buscar supervisão terapêutica para todos os voluntários da organização, com 33 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O PLANO DE AÇÃO DA SAC Objetivos Ações Estratégicas Indicadores de Sucesso 1. Obter espaço físico – Conclusão da construção do Cecape – Conclusão da obra (previsão: dezembro 2001) 2. Obter recursos para pagamento de pessoal 3. Auto-sustentabilidade – Convênio de subvenção com as prefeituras da região metropolitana II – Sensibilização do Segundo Setor para financiamento de pessoal – Identificar entidades com o mesmo público-alvo que possam ser parceiras – Número de funcionários remunerados – % de recursos próprios/recursos totais 4. Ampliar o atendimento médico 5. Ampliar o atendimento odontológico 6. Distribuir medicamentos 7. Fortalecer o trabalho em equipe – Programas específicos – Agregar novos membros à equipe – Supervisão institucional – Número de pacientes atendidos – Número de pacientes operados – Número de pacientes atendidos na odontologia – Número de crianças beneficiadas com medicamentos – Número de atendimentos em grupo Atenção à Cidadania: 8. Fortalecer o voluntariado – Programas específicos – Parcerias estratégicas – Pesquisa: grau de satisfação dos voluntários – Número de voluntários > funcionários 9. Promover pesquisa – Apresentar projetos aos institutos de pesquisa, Capes, CNPq etc. – Número de trabalhos científicos publicados 10. Treinar os gerentes – Treinamento na Ashoka – Curso MBA executivo na UFF – Número de membros da OSC com treinamento gerencial (Ashoka, MBA etc.) 11. Divulgar a organização – Criação da Assessoria de Comunicação – Número de boletins, adesivos, material de divulgação e campanhas publicitárias implementadas 12. Divulgar e multiplicar a iniciativa – Co-participação na cartilha do BNDES que objetiva multiplicar a idéia – Número de unidades replicadas 13. Ampliar o número de sócios-doadores – Campanhas para atrair novos doadores – Aumento de sócios-doadores 14. Dar transparência aos resultados – Buscar auditoria externa – Auditoria externa
  • 32. bons resultados. As características dessa supervisão estão descritas no Anexo 8. A SAC está procurando firmar um convênio com a Prefeitura de Niterói com o objetivo de prover remuneração para as principais funções de coordenação que hoje são exercidas por voluntários A efetivação desse convênio irá criar uma situação nova na organização, pois parte da equipe passará a ser remunerada. Nas palavras da Drª Juliana, esse será mais um desafio para a SAC: “Os funcionários remunerados são uma exigência para se ter pesquisas sendo desenvolvidas pelos profissionais”. Para ela, é fundamental ter “médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais trabalhando em tempo integral porque a transdisciplinaridade assim o exige. A SAC não vai se enfraquecer se tiver funcionários remunerados. Pelo contrário, há que se ressaltar que a organização se enfraquecerá nos seus objetivos se depender apenas de voluntários. Receber pelo trabalho realizado não é ruim para uma ONG; apenas os valores devem ser mantidos, bem como a convivência com voluntários”. Obtenção de fundos e recursos Segundo Oberfield e Dees (1992), “encontrar doadores cujos interesses estejam afinados com os objetivos do novo empreendimento não é tarefa fácil... e os ‘mercados’ para doações importantes são complexos e muito competitivos”. No caso específico da SAC, os recursos a serem obtidos tomam várias formas: recursos para programas de maior duração, capital para eventuais investimentos em infra-estrutura, dinheiro para despesas operacionais continuadas etc. Com a inauguração do Cecape e a ampliação das atividades, será necessária a formulação e implementação de uma estratégia de captação de recursos que vá além das ações já realizadas pela organização e que possa estar sintonizada com os diversos tipos de doadores e seus interesses, ao mesmo tempo em que mantenha a organização dentro da sua missão. Segundo os autores acima mencionados, “a obtenção de fundos (fund raising) provavelmente será uma parte importante do trabalho do empreendedor social, mesmo após o empreendimento ter ‘deslanchado’.” Em novembro de 2001, a SAC possuía 16 doadores com uma média mensal de contribuição da ordem de R$ 10. De acordo com uma proposta de orçamento da SAC para o primeiro semestre de 2002, os gastos mensais, após a conclusão do Cecape, ficarão em torno de R$ 3.720. Controle e autonomia gerencial e administrativa Oberfield e Dees (1992) alertam para a necessidade de a organização avaliar a sua “capacidade de motivar e liderar voluntários, a sua credibilidade para obter o respeito dos profissionais e as suas habilidades para desenvolver e manter um consenso entre os 34 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 33. diferentes stakeholders, os quais são essenciais para o sucesso da organização”. Ao longo dos últimos anos, desde a criação do PAC, as fundadoras e suas mais próximas colaboradoras têm demonstrado possuir as qualidades e habilidades para liderar e motivar outros profissionais e voluntários, além de gerenciar seus projetos voltados para o atingimento da missão da SAC. Adicionalmente, a SAC não tem medido esforços no sentido de obter recursos e apoio para seus projetos e atividades e de divulgar sua causa em prol da criança cardiopata. A administração da SAC tem procurado pautar suas ações por programas, atividades e projetos claramente identificados e compreendidos, o que facilita o gerenciamento e deverá permitir uma melhor adequação das medidas de desempenho necessárias à organização. A seguir, são apresentados os programas, atividades e projetos da SAC: • Programa Amigos de Coração Atendimento às crianças e aos familiares (grupo de mães e crianças). O PAC foi a ação que deu origem à SAC. Iniciado em 1997, objetiva a adesão ao tratamento dos portadores de FR, através de parceria entre paciente, família e equipe, garantindo a manutenção do plano terapêutico do paciente. • Programa de Atendimento à Criança Cardiopata Atendimento psicossocial em fase de implantação. Estende para os portadores de cardiopatias congênitas a mesma abordagem conferida às crianças portadoras de FR, respeitando suas particularidades. • Programa Odontológico Serviço ainda em implantação, oferece atendimento específico às necessidades da criança cardiopata. • Programa de Medicamentos Tem como objetivo o acesso aos medicamentos necessários ao tratamento adequado. Embora não se descartem doações de medicamentos, a base do programa será a doação de recursos para a compra a ser feita na farmácia universitária da UFF, onde o preço é muito mais barato e ainda se oferece um desconto. • Programa de Ação Voluntária Capacitação de voluntários e planos para grupo de estudo. • Atendimentos Médicos Assistidos Ambulatório/consultas e exames ECG e EcoCG. • Coordenação Administrativa Cuida da administração dos diversos projetos e dos processos burocráticos e contábeis inerentes à organização. Definição e medida do sucesso A avaliação de resultados de uma organização sem fins lucrativos deve permitir que possa ser feita a medição do sucesso no atingimento de sua missão. 35 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 34. Embora fácil de definir, essa tarefa se revela bastante difícil na prática. Na maioria das vezes, a possível solução para isso surge com a adoção de um conjunto de indicadores, que poderiam ser classificados em quatro tipos: • tipicamente financeiros; • relacionados ao sucesso na mobilização/ obtenção de recursos para a organização; • relativos à competência/eficácia e à eficiência do pessoal da organização na realização de suas atividades específicas; e • relacionados ao progresso no atingimento da missão da organização. A figura a seguir ilustra o relacionamento entre os diferentes indicadores. Um maior detalhamento desses indicadores é apresentado a seguir: a) Indicadores financeiros Construídos a partir de informações contábeis complementadas por outros dados, esses indicadores permitiriam acompanhar, por exemplo, a evolução da participação de determinados tipos de despesas em relação ao total de recursos obtidos. b) Mobilização de recursos A obtenção de recursos pode ser subdividida em dois tipos principais: • Recursos para a ONG Nesse item deve ser avaliado o sucesso da ONG na captação de recursos para os 36 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O INDICADORES DE DESEMPENHO DA ORGANIZAÇÃO
  • 35. mais diversos fins, como investimentos em instalações e equipamentos, despesas operacionais, projetos e programas específicos, desenvolvimento de competências e outros. • Recursos para a “causa” Um indicador de sucesso da atuação da ONG é, por exemplo, o volume de recursos alocados pelo governo ou por outras instituições para atividades, programas, projetos, instituições e outros que estivessem relacionados à atuação da ONG. c) Competência e eficácia/eficiência das equipes transdisciplinar e administrativa da ONG Nesse grupo, vários indicadores podem ser considerados úteis, tais como: • Indicadores de desempenho das equipes Nesses indicadores estão aqueles que, por exemplo, permitem avaliar o desempenho da equipe transdisciplinar no diagnóstico de doenças específicas ou na sua prevenção. Poderiam incluir também as avaliações de processos administrativos internos relevantes para o sucesso da ONG. Nesse grupo também podem ser considerados os resultados dos esforços da equipe da ONG visando à alocação de recursos para a “causa” (conforme mencionado acima). • Indicadores relacionados ao sucesso na criação de parcerias e no surgimento de “complementadores” A realização de parcerias constitui um fator crítico para a atuação da ONG, e o sucesso obtido em sua formação e evolução pode atestar a qualidade e o resultado da atuação das equipes. Muito embora a ONG tenha todo o empenho no sentido de resolver ou prevenir determinados tipos de problemas médicos, sua atuação pode não ser suficiente, como nos casos em que a miséria é um fator relevante. Nessas situações, torna-se importante estimular o surgimento de organizações “complementadoras” que se disponham a cuidar desses outros tipos de problemas, sem que sejam necessariamente parceiras da SAC. Os resultados do trabalho da equipe da SAC no sentido de viabilizar ou estimular o surgimento de complementadores devem ser considerados em sua avaliação. d) Missão da organização Nesse grupo estão incluídos aqueles indicadores relacionados mais especificamente à medida do: • progresso no atingimento da missão da organização, o que poderá ser facilitado ou dificultado pela forma como a missão estiver formulada; 37 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 36. • progresso no atingimento de metas específicas e na implementação de estratégias consubstanciadas em programas e projetos; e • sucesso da organização em comparação com benchmarks externos disponíveis ou resultantes de estudos específicos realizados (como exemplo, uma tentativa de avaliação do “valor agregado” pela aderência por maior tempo ao tratamento médico essencial). É importante observar que a necessária “transparência” no uso dos recursos pela organização está intimamente ligada à existência e periódica apuração de indicadores como os dos tipos descritos acima. Conforme demonstrado na tabela anterior, a SAC apresentou no seu Plano de Ação os indicadores de desempenho que adota para medir o seu sucesso na realização das ações estratégicas lá definidas. Esses indicadores atendem ao especificado acima, neste tópico. Adicionalmente, após a discussão dos seus diferentes tipos de indicadores de desempenho e da sua relevância para a avaliação da organização com a equipe do Latec/UFF, a administração da SAC iniciou a montagem de uma relação ampliada de realizações e atividades no período julho de 1998/julho de 2001. Nesse documento, serão incluídas muitas atividades relevantes da SAC (como, por exemplo, todo o trabalho em prol da “causa”) que, até então, não estavam sendo compiladas ou devidamente classificadas. No período considerado, dentre os importantes resultados da atuação da SAC e suas parcerias podem ser citados: o investimento do BNDES na implantação do Cecape; a escolha da Drª Juliana Ceddia como fellow da Ashoka, uma ONG internacional dedicada ao desenvolvimento de empreendedores sociais; a crescente importância do HGVF em cardiopediatria; o constante aprimoramento de sua prática, o atendimento transdisciplinar; a ampliação dos programas e projetos; e as muitas apresentações e palestras visando à divulgação das atividades da SAC e à promoção da causa defendida. INDICADORES E AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DA SAC A transparência necessária Um aspecto essencial para o sucesso de uma ONG é a necessária transparência no uso dos recursos captados. Para isso, muitas organizações têm procurado conseguir, de forma prioritária, a colaboração de empresas de auditoria independente que se disponham a verificar e certificar o uso adequado dos recursos captados. Recentemente, a SAC conseguiu o compromisso da BKR Lopes, Machado Ltda., participante de uma rede internacional de empresas de auditoria independente, que 38 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 37. se prontificou a rever a sua documentação até o final de 2001 e já é responsável também por sua contabilidade e auditoria, em 2002. Esses serviços não representarão qualquer ônus para a SAC. A relação da SAC com o HGVF Uma característica especial da SAC é possuir a sede dentro de um hospital público. Essa proximidade com o HGVF, referência em pediatria, é positiva, uma vez que as pessoas procuram hospitais e postos de saúde e não ONGs, em primeira instância. Por outro lado, é vital estabelecer uma boa relação com os funcionários e a direção do hospital, sob pena de gerar conflitos de difícil solução. Hoje, essa relação é informal. Em entrevista com a atual direção, verificou-se que ainda estão sendo estudadas normas que regulem a convivência entre a SAC e o HGVF, cuja diretora entende que cabe à Fundação Municipal de Saúde de Niterói a iniciativa para definição dessas normas. Os funcionários não têm muitas informações sobre a atuação dos voluntários da SAC, mas a consideram positiva para o hospital, embora haja muito receio de uma participação mais ativa, provavelmente por implicações administrativas. São necessárias definições dos papéis de cada uma das entidades e formalização escrita dessa parceria. Um trabalho de grupo interprofissional, que incluísse tanto funcionários do HGVF como participantes da SAC, com reuniões orientadas por psicólogo mediador, talvez fosse um caminho para uma integração positiva dos dois ambientes. A atual direção do HGVF entende que as médicas devem dar 20 horas semanais de trabalho ao hospital, estando então liberadas para atuação na SAC. Em relação às atividades da entidade no HGVF, ela considera que a definição dos papéis de ambos é prioritária. Até então, só houve “conversas”. A direção vê a SAC como uma instituição privada, enquanto o hospital é público. Apesar de considerar que ela contribui muito para complementar a atuação do hospital, vê a localização de sua sede dentro do hospital com reservas, pois acredita na possibilidade do surgimento de dificuldades se ela, eventualmente, estabelecer convênios particulares com outras entidades. No entanto, a SAC tem repetidamente enfatizado que não buscará a remuneração de seus serviços. A atual direção do HGVF espera que a SAC tenha uma estrutura própria autônoma e separada e não vê possibilidade de dar ajuda financeira nem ceder funcionários. É também favorável à celebração de um convênio com a Fundação Municipal de Saúde, em que o hospital ofereça um número determinado de atendimentos de ecocardiograma ou eletrocardiograma, por exemplo. 39 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 38. Com a inauguração da nova sede, estão sendo disponibilizados novos consultórios, adequados para os programas médico e odontológico, bem como salas que atenderão a todos os outros programas da SAC. As novas instalações se destacarão e destoarão em relação aos ambientes do HGVF, que carecem de atualização e têm manutenção precária, o que também pode gerar áreas de atrito. Na situação atual, com a sede localizada em terreno cujo acesso se dá pelo ambiente do hospital, o HGVF se constitui no mais importante stakeholder da SAC. A adequada condução desse relacionamento no futuro será essencial para o sucesso da SAC. Além disso, é necessária uma contínua atualização das relações da SAC com os funcionários do HGVF, que devem ser convencidos dos aspectos positivos do trabalho ali realizado, informados das atividades e dos benefícios trazidos aos pacientes e convidados a participar das atividades, a fim de tê-los como colaboradores ativos, se não dentro, ao menos fora da SAC, como força de apoio. Nas entrevistas realizadas, a equipe do Latec/UFF percebeu que essas questões estão sendo tratadas pela SAC com a devida importância. A opção da entidade foi a de desenvolver suas ações dentro de um hospital público e em parceria com os seus profissionais de saúde e administrativos. É um desafio gerencial. Um outro aspecto que chama a atenção na relação entre a SAC e o HGVF é a questão de como devem interagir as políticas públicas e as iniciativas a ela complementares. Muitas ONGs de atuação recente devem passar a ser consideradas e contempladas quando da formulação de políticas públicas, pois são iniciativas que ampliam e aprimoram o atendimento à população em situação de risco social. As experiências de outras ONGs O objetivo dessa atividade do trabalho foi conhecer as escolhas ou opções “estratégicas” de outras ONGs bem-sucedidas que pudessem servir de marcos referenciais ou benchmarks e também alguns dos processos/procedimentos por elas implementados. Embora bem diferentes da SAC na sua missão e forma de atuação, as experiências vividas pelas equipes da Casa Ronald McDonald – ligada à Associação de Apoio à Criança com Neoplasia (AACN-RJ) – e do Renascer puderam efetivamente suscitar considerações e avaliações por parte das equipes do Latec/UFF e da SAC em relação aos desafios enfrentados. Renascer No caso do Renascer, alguns fatores críticos de sucesso podem ser ressaltados: a) Busca permanente de credibilidade e de transparência nas suas atividades. Isso é estimulado por incentivo a visitas, acesso 40 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 39. às informações de todo tipo (especialmente sobre origem e aplicação de recursos), auditoria externa (quando possível) e variado material de divulgação (folhetos, book com fotos, documentação de casos, cartas das mães e vídeos). b) Definição clara do foco do trabalho, já que é inviável atender a todos os que têm necessidade do apoio prestado pela ONG. c) Busca ativa de doadores de fundos e de alimentos e remédios. Há um grupo especificamente dedicado a esse trabalho. É enfatizada a busca de sócios voluntários (doação em dinheiro) e de padrinhos/madrinhas (doação de alimentos e remédios). Para angariar fundos, são realizadas palestras em bancos, escolas, no Rotary e em outras instituições. Cada família beneficiada tem uma pasta exclusiva, com documentos onde são discriminadas as doações e também confirmados, por meio de assinatura, os efetivos recebimentos, pela família (Anexo 5). Casa Ronald McDonald Na Casa Ronald McDonald (CRM), os aspectos relevantes dizem respeito à organização (prepara-se para certificar-se pela ISO 9000) e à forma como é administrada a questão do voluntariado (Anexo 6): a) Uma forma de se ter voluntários como sócios contribuintes é usar a experiência da CRM, onde existe um cadastro de sócios contribuintes que recebem periodicamente por mala direta um boleto bancário sem valor. A média mensal das contribuições está entre R$ 13 e R$ 14. Há sete mil pessoas cadastradas e cerca de quatro mil contribuições regulares. A captação de sócios é feita em eventos como bingos, serestas, bailes e festas de “outros”. Também se dá através de palestras sobre câncer infantil em escolas particulares de ensino médio e empresas. Em seguida, durante algum tempo, monta-se na escola ou empresa um estande de vendas de artigos com a marca, distribuem-se folhetos informativos e faz-se o cadastro de pessoas interessadas em contribuir. O boleto bancário só é enviado a quem estiver previamente cadastrado. b) Quanto ao voluntariado de serviços, não é exigida nenhuma profissionalização, tendo em vista o tipo de trabalho realizado. Os voluntários trabalham em turnos semanais de quatro horas de duração e com as seguintes características: • há um contrato de experiência em que a entidade e o voluntário se avaliam após um determinado período de trabalho; • a vinculação com a reputação do McDonald’s gera solidez e credibilidade 41 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 40. (há uma lista de espera de 200 candidatos, que chegam a aguardar um ano para serem chamados); e • os benefícios para o voluntário são: – facilidade de comunicar seu trabalho, que é imediatamente reconhecido e legitimado; e – condições favoráveis para desenvolver seu trabalho (bom ambiente, treinamento, organização), o que tem resultado em uma baixa rotatividade (10%). c) Outro aspecto interessante são as ações em prol da causa do câncer infantil realizadas pelas organizações (AACN-RJ, CRM, Instituto Ronald McDonald e Casa de Apoio): • mobilização da comunidade; • gestão das casas de apoio, programas suplementares e relações intersetoriais; • avaliação de resultados e das necessidades comunitárias; e • replicação das experiências bem-sucedidas. d) São também interessantes as questões relativas à prevenção. Seguindo uma tendência em muitos países onde atua, em 1999 o McDonald’s criou o Instituto Ronald McDonald, que tem como missão atuar para a redução da taxa de mortalidade do câncer infantil no Brasil, por meio das seguintes ações: • conscientização quanto ao diagnóstico precoce; • pesquisa e disponibilização de dados sobre a doença; • mobilização de novos voluntários; e • criação sistemática de um esquema de arrecadação que vá além das contribuições obtidas pelas campanhas com o McDonald’s. A questão da liderança Ao se avaliar a proposta da SAC, ficou claro o perfil de empreendedora social de sua presidente e o papel determinante desse perfil para a replicação de experiências semelhantes. Assim sendo, procedeu-se a uma pesquisa bibliográfica para destacar as características psicológicas e atitudinais típicas de pessoas com o perfil de empreendedor e de empreendedor social. O empreendedor precisa ter, além das características de um bom administrador, que são planejar, organizar, dirigir e controlar, outras características que tornem possível que de uma simples idéia surja um empreendimento inovador. Como o empreendedor gerou o negócio/ empreendimento a partir de uma idéia sua, ele conhece a fundo em que área atua, considerando-se que para isso também teve que empenhar algum tempo e experiência pessoal. Como é visionário, planeja comumente a partir de visões de futuro. 42 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 41. O empreendedor possui qualidades como a de ser um excelente identificador de oportunidades, podendo tornar-se exageradamente oportunista. Além disso, tem iniciativa para criar, sendo bastante criativo ao trabalhar com os recursos disponíveis, e é um apaixonado pela causa, assumindo riscos, o que requer ousadia e perseverança, mesmo diante de fracassos. Embora possa parecer que só pessoas com habilidades inatas se enquadrem nesse perfil, é possível também aprender hábitos e mudar atitudes, desde que se tome essa decisão pessoalmente e se esteja motivado para tal. Do material pesquisado, as principais características do empreendedor são: visão, concretização de idéias, curiosidade, perseverança, comprometimento, motivação, autoconfiança, independência, liderança e relacionamentos (Anexo 7). Considera-se que a maioria das características do empreendedor de negócios é semelhante à do empreendedor social. Mas há alguns aspectos, como o retorno financeiro, que não podem jamais ser o foco de um empreendedor social, que deve ser mais flexível quanto às adaptações às condições para a implantação de sua idéia, devendo aceitar compor uma equipe à qual possa delegar funções e na qual possa confiar, fazendo-a também se apaixonar pela causa. Essa equipe deve ser capaz de prosseguir com o empreendimento, independente de sua presença. Porque lida com voluntários, o empreendedor social não pode exigir a mesma dedicação exclusiva de todos os colaboradores, pois cada um tem seu grau de motivação e disponibilidade. Ele deve saber aproveitar ao máximo o que cada um pode dar dentro dos limites que disponibiliza. Uma citação de Gandhi que norteia a direção da SAC é: “Liderança um dia teve a ver com força. Hoje tem a ver com relacionamento com as pessoas. Para se relacionar bem com as pessoas, é preciso entender as razões que as levam a ser do jeito que são. Sem esse entendimento não há liderança.” Como referência, são apresentadas a seguir as características dos líderes da CRM, conforme relatadas na visita feita àquela instituição pela equipe do Latec/UFF: • ter visão e saber compartilhá-la; • atendimento e captação de recursos; • formação técnica para controle e planejamento; • liderança: harmonização de conflitos e moderação; • transparência; • disciplina nas atribuições e na conduta; e • não parar de sonhar. É importante ressaltar, neste trabalho, que todas as providências anteriormente 43 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 42. descritas, relativas ao terreno do hospital, foram tomadas pelas dirigentes da SAC. Para outros futuros empreendedores sociais, fica aqui demonstrada a variedade das atividades exigidas para a implantação de uma ONG e a relevância do efetivo compromisso e disposição do empreendedor para também se ocupar com aspectos desse tipo. E tudo isso sem contar com a realização da “atividade-fim” imposta pela missão da organização. O trabalho em rede para resgate da cidadania Um dos componentes da missão da SAC é o resgate da cidadania. Quando se verifica a dimensão desse problema no Brasil, percebe-se a necessidade de que a SAC promova relações intersetoriais, de modo a atuar em rede com outras organizações que têm como foco o atendimento à criança e às famílias carentes, como o Renascer. Nesse sentido, de acordo com as palavras da própria presidente da SAC, seria importante que houvesse uma outra organização que distribuísse cestas básicas e/ou vales-transporte para os pacientes e seus responsáveis. A necessidade de se ter esse tipo de apoio foi verificada pela equipe do Latec/UFF em entrevistas com os responsáveis pelos pacientes quando avaliou a participação destes nas atividades oferecidas pela SAC. Cerca de 88% dos entrevistados participam apenas às vezes das atividades oferecidas pela SAC nos dias das consultas. Mesmo avaliando esses grupos como bons e confirmando que trazem benefícios para eles, as pessoas indicaram várias dificuldades que impedem maior participação, como a distância, o tempo disponível e o custo elevado da condução. Calcula-se que, se tivessem também benefícios sociais, além dos psicológicos, e não pagassem o transporte, os entrevistados aumentariam substancialmente sua participação. Sugestões para os programas da SAC Apresentam-se, a seguir, sugestões específicas para os programas em desenvolvimento na SAC. a) Programa Amigos de Coração • Espaço adequado – Durante o estudo, um dos itens identificados; foi a falta de espaço adequado para as diversas atividades a que se propõe o programa. Isso passará a ser sanado com a inauguração da sede própria da SAC, onde estão previstos os diversos ambientes para atender a esse projeto. • Material para os trabalhos de apoio psicossocial – Mesmo que muitos trabalhos tenham fins informativos, o objetivo seria alcançado de forma mais ampla se houvesse material didático/ 44 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 43. informativo que pudesse inclusive ser distribuído aos responsáveis. As vivências de troca nos grupos de mães precisam de um lugar acolhedor e confortável, pois o atual é muito carente (cadeiras de crianças e pouco espaço). Isso também estará sendo resolvido com a nova sede. • Material para recreação e grupos de terapia ocupacional – Embora muito se possa realizar com material de sucata, há necessidade de acondicionamento dos mesmos e também de outros materiais e instrumentos complementares. • Voluntários com treinamento – Com a disponibilidade de um espaço de trabalho adequado em todos os horários e com o funcionamento da nova sede, prevêem-se grupos e atendimentos que não estejam reduzidos aos atuais horários de 2ª, 4ª e 6ª feiras à tarde, para não deixar a sede ociosa, atendendo-se a um maior número possível de crianças cardiopatas. Os voluntários não precisam de formação específica, mas sim de treinamento e informação para atender às necessidades do público. Esse treinamento deve estar baseado numa sistematização dos grupos de mães, como, por exemplo, temas e conteúdos a serem abordados, como criar um clima favorável à troca de vivências etc. Para os grupos de recreação e terapia ocupacional, as atividades a serem sugeridas devem ser esquematizadas, criando-se um programa variado e estimulante para que se possa incentivar o retorno e a freqüência mais assídua. b) Programa de Atendimento à Criança Cardiopata • Criar uma rotina de entrevista psicossocial para fichamento de cada caso, devendo abranger, além de dados pessoais e médicos, as necessidades socioeconômicas de alimento, escola, transporte e medicamentos. Deve haver acompanhamento de freqüência às consultas e aos grupos de mães/crianças, de recebimento de auxílios e de encaminhamentos necessários. • Prover recursos, via doação e parcerias, para atender às necessidades do programa em conjunto com a coordenação administrativa. • Divulgar o programa para atrair voluntários e doadores, via Programa de Ação Voluntária da SAC. c) Programa Odontológico • Com a nova sede, a implementção do consultório dentário permitirá um atendimento adequado. • Há necessidade de captação de recursos para o efetivo tratamento dos pacientes. 45 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 44. • Voluntários, nesse caso, só com formação específica. Talvez seja possível algum convênio com faculdades de odontologia em que alunos já em períodos finais de formação possam prestar atendimento sob a supervisão de profissional da área. d) Programa de Ação Voluntária • Como este programa atende a todos os outros mencionados, deve ser preparado para as necessidades que se ampliarão bastante com o funcionamento das atividades na nova sede. • Há necessidade de sistematização para uma efetiva divulgação, visando à adesão de voluntários e também de doadores. Tal procedimento deve ser constante e realizado por meio de impressos, palestras e outros eventos em escolas, clubes e outras associações. Manter uma home page sempre atualizada e atraente também é um bom veículo, principalmente se possibilitar o cadastramento de interessados no voluntariado ou em doação. • É interessante diversificar o tipo de colaboração, que pode ser: – voluntário especializado; – voluntário sem especialização; – sócio-contribuinte, que faria contribuições periódicas e espontâneas; e – sócio-padrinho, que se responsabilizaria por um tempo preestabelecido para doação de bolsas alimentares, auxílio para transporte ou bolsa de medicamentos. • Sistematização da seleção e treinamento dos voluntários: – recrutamento – inscrição após alguma divulgação, visita ou internet; – seleção por meio de entrevista; – informação do serviço prestado pela SAC; – treinamento/estágio de observação nas diversas áreas; – indicação da área em que atuará o voluntário; e – período de experiência. • Convênios com faculdades para recrutar voluntários-estagiários com supervisão (médicos, dentistas, psicólogos). e) Programa de Atendimento Médico Assistido • A questão relativa aos ambulatórios/ consultórios mais adequados está sendo resolvida com a nova sede da SAC. • O aumento de horários disponíveis para atendimento acarretará também maior demanda de profissionais médicos voluntários para não deixar as instalações ociosas. Nesse caso, também é possível, como no atendimento odontológico, fazer convênios com faculdades para que alunos/acadêmicos possam ser voluntários sob supervisão. 46 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 45. • O acesso aos exames de ECG e EcoCG parece ser essencial ao diagnóstico precoce de problemas cardíacos e também para a intervenção rápida e adequada para que não haja maiores danos físicos, prevenindo-se intervenções e gastos hospitalares maiores no futuro. Na situação atual, a SAC depende unicamente da aparelhagem do HGVF, o que representa um fator de risco, pois se trata de um hospital público, que está sujeito a mudanças de direção periódicas que nem sempre estará de acordo com os objetivos da SAC, podendo não disponibilizar o uso dos aparelhos para pacientes que não sejam exclusivamente do hospital. Além disso, corre-se o risco de esses aparelhos sofrerem avarias, que não são corrigidas rapidamente no serviço público devido à falta de verba, entre outros aspectos. f) Coordenação Administrativa • Uma das principais tarefas ainda a realizar é a captação de recursos humanos e financeiros: – voluntários para doação de serviço; – voluntários contribuintes com mensalidades; – voluntários contribuintes com doações de alimentos, medicamentos, auxílio de transporte e outros materiais; – parcerias para troca de serviços/colaboração, como, por exemplo, de custeio dos exames ECG e EcoCG, de auxílio ou passe livre para transporte, de encaminhamento para emprego de pais/mães sem recursos e de auxílio de cestas básicas para famílias de baixíssima renda; – convênios com postos de saúde/hospitais do município e arredores para facilitação dos encaminhamentos; e – divulgação/marketing das atividades da SAC, como informativos, palestras, impressos, eventos, página na internet, com a finalidade de captar recursos de todos os tipos. • Relação com o HGVF: – estabelecimento de convênio formal, no qual se definam bem os papéis de cada um dos parceiros para que não haja surpresas repentinas, como: · a direção do HGVF, não concordando com as atividades da SAC, proibir a passagem tanto dos pacientes quanto dos voluntários, devido ao fato de a sede estar localizada em terreno com acesso pelo hospital; · a atuação das médicas que são funcionárias públicas lotadas no HGVF, pois a direção pode, se assim desejar, transferi-las para outro hospital e impedir o acesso das mesmas à sede (a atual direção já se referiu ao problema da carga horária que elas devem dar no HGVF, e que não poderá coincidir com as atividades na SAC); 47 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 46. · impedimento no acesso aos exames complementares de ECG e EcoCG por danos na aparelhagem ou não concordância com o projeto da SAC, o que pode impedir ou provocar demora no diagnóstico precoce; e – realização de um programa de divulgação e interação com todos os funcionários do HGVF para torná-los o mais favorável possível aos programas da SAC, o que é importante principalmente quando das mudanças de direção do hospital. • Aprimorar os instrumentos contábeis da SAC, que, como mencionado anteriormente, está em processo de mudança da firma que realiza toda a sua contabilidade, o que permitirá o desenvolvimento de indicadores econômico-financeiros. Os três instrumentos contábeis já apurados pela SAC são o demonstrativo de resultados, o balanço patrimonial e o balancete analítico, que atendem aos requisitos para que se tenha um planejamento financeiro, conforme preconiza a Ashoka. A avaliação desses demonstrativos pela equipe do Latec/UFF levantou as seguintes questões: – a transparência nas atividades da SAC deverá ser aumentada a curto prazo, porque ela passará a ser auditada; e – a inexistência de um orçamento na SAC inviabilizava o levantamento dos investimentos necessários à sua operação e desenvolvimento. Para contornar esse problema, a consultoria sugeriu que fossem usados demonstrativos financeiros passados e perspectivas futuras de custos e receitas, para a elaboração de um orçamento anual para 2001, em base mensal, a partir de junho de 2001. A partir dessa constatação, a SAC preparou também uma proposta orçamentária para o primeiro semestre de 2002, que contempla o efetivo funcionamento de seu Centro de Cardiologia Pediátrica. As possibilidades de reprodução do empreendimento SAC O fator primordial para a reprodução de iniciativas como a da SAC é a ampla divulgação dessa experiência em instituições e organizações ligadas à saúde da criança. A divulgação contribui também para sensibilizar stakeholders doadores, financiadores e voluntários no apoio direto ou indireto à “causa” e, no caso da FR, para ajudar ainda na conscientização sobre a importância da prevenção da doença por meio de campanhas de esclarecimento e pela disponibilização do antibiótico apropriado. Outra questão diz respeito à possibilidade de criar empreendedores sociais. Embora muitas características sejam inatas, o grau de motivação faz com que muitas pessoas superem suas limitações, quer de forma autodidata, quer por meio de treinamentos 48 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 47. específicos, e outras complementem as habilidades necessárias ao desenvolvimento do trabalho. O aperfeiçoamento tem sido uma tônica dos responsáveis pela criação da SAC. Considerando-se a questão da aderência ao tratamento da FR, podem surgir iniciativas de caráter mais simples do que a proposta da SAC, a exemplo do caso da ONG Solidariedade, na Baixada Fluminense, que busca a aderência ao tratamento da tuberculose, ofertando cestas básicas aos pacientes que comprovem estar em dia com a medicação associada ao tratamento. Como características fundamentais para as pessoas que queiram desenvolver uma proposta semelhante à da SAC podem ser considerados três fatores principais: • motivação: constatação de que alguma coisa precisa ser feita para minorar o sofrimento das crianças cardiopatas de famílias de baixa renda; • liderança: os líderes desse processo precisam ter ou buscar a pessoa que tenha o perfil de empreendedor social para que possam ser superadas as barreiras que surgem no decorrer da implantação da iniciativa; e • voluntariado: outro aspecto importante é a capacidade de atrair e manter voluntários que sejam seduzidos pelo ideal e pelos valores da proposta, pois da união e do crescimento desse grupo depende o processo de expansão e consolidação da iniciativa, que tende a se estruturar como uma ONG. Ao se avaliar a evolução da SAC, torna-se nítida a importância desses três fatores – motivação, empreendedorismo social e voluntariado – como requisitos mínimos para a replicação da experiência, uma vez que os demais fatores subordinam-se a eles. 49 S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
  • 48.
  • 49. PA RT E 4 C ON C LUSÕES E RECOMENDAÇÕES
  • 50.
  • 51. CONCLUSÕES Acompanhar a trajetória da SAC, buscando contribuir para aprimorar sua gestão, foi uma experiência enriquecedora para todos os parceiros envolvidos nesse trabalho. A iniciativa que redundou na criação da SAC mostra como a indignação com determinada situação pode ser canalizada para a construção, com muita criatividade, de alternativas viáveis para enfrentar o problema. As principais conclusões deste trabalho são de que, para a replicação de um projeto semelhante ao da SAC, é fundamental que se tenha no grupo inicial pelo menos uma pessoa com as inúmeras características e habilidades do empreendedor social e que se consiga agregar e manter motivados voluntários que incorporem os ideais do grupo ou da pessoa responsável pela iniciativa. A avaliação dos aspectos médicos das cardiopatias infantis mostra a importância de iniciativas como a da SAC, não só do ponto de vista humanitário, reduzindo o número de óbitos e melhorando a qualidade de vida dos pacientes, mas também o econômico, uma vez que o custo da prevenção e do tratamento continuado das crianças é significativamente menor que o do número de cirurgias decorrentes de falta de aderência ao tratamento, como no caso da FR, ou de complicações causadas pela falta de tratamento odontológico especializado. No caso da FR, a atuação da SAC aumentou a aderência ao tratamento, reduziu as internações de casos com forma leve de FR e possibilitou a avaliação precoce de novos casos com o ecocardiograma. A atuação da SAC contribui para baixar o número de cirurgias e melhorar a qualidade de vida das crianças. O apoio e a disponibilização de recursos financeiros de entidades de peso e estáveis, como o BNDES, são de primordial importância para que iniciativas como a da SAC possam se estabelecer e tenham garantidas as condições mínimas adequadas para poderem atingir com sucesso as metas às quais se propõem. A missão da SAC é abrangente: “restabelecer a saúde e a cidadania da criança cardiopata por meio de um atendimento integral e integrado”. Essa abrangência é necessária face à problemática da população de baixa renda com crianças cardiopatas. O restabelecimento da saúde 53