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Sobre a repercussão de um beijo de cinco segundos
Fonte: Site Revista Veja
O amor é um assunto antigo, desde sempre esteve
presente em diversas expressões artísticas, e no Brasil,
principalmente nas telenovelas. Acontece que, com o passar
dos anos, algumas abordagens com a representação do afeto
precisaram ser repensadas, para acompanhar as mudanças
sociais e culturais.
Com isso, podemos notar que certos escritores sentiram a
necessidade de dar visibilidade ao amor em suas diferentes
formas e não apenas no que as pessoas durante muitos anos
classificaram como "natural" e assim, um "padrão". Afinal,
existem regras no amor e em suas representações artísticas?
E se a diversidade existe na sociedade, porque os escritores
fechariam os olhos para ela?
Em 2013, a telenovela produzida pela Rede Globo, "Amor à
vida", exibiu o primeiro "beijo gay", em seu capítulo final. Na
época, a cena despertou a discussão sobre o assunto na
internet, discussão que já dividia opiniões sobre tal cena ser
transmitida em horário nobre. O beijo "gay" se repetiu
recentemente nas novelas. Desta vez, em "O outro lado do
paraíso", também produzida pela Globo, a cena foi
transmitida no dia 8 de maio e mesmo cinco anos depois
desde a exibição do primeiro beijo gay entre dois homens na
maior emissora de televisão brasileira, a internet e os veículos
de comunicação trataram o assunto como algo "anormal".
O beijo entre os atores Eriberto Leão e Rafael Zulu, da novela
"O outro lado do paraíso", durou cinco segundos. Porém, na
internet, a pauta rendeu por dias com o surgimento de
diversos pronunciamentos, sendo assuntos nos jornais, alvo
de textos nas redes sociais daquelas famílias que dizem se
preocupar com as crianças ao assistirem a cena e, como
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sempre, deputados cristãos, indignados com a Globo pela
exibição.
O principalmente argumento dentro da internet é sobre as
crianças assistirem a cena. Com isso, podemos perceber que
algumas pessoas insistem em fechar os olhos para aquilo que
se é natural e preferem, assim, transmitir o seu discurso
homofóbico com um argumento completamente sem nexo. A
novela além de transmitir várias cenas de beijos e de sexo
entre casais heterossexuais (cenas que nunca incomodaram)
recomenda antes de todas as suas exibições que seja
assistida apenas por pessoas maiores de 14 anos, embora,
ao contrário do que é alegado nos discursos de ódio, uma
criança ao assistir uma cena romântica de um casal
homossexual, não irá se tornar homossexual, pelo ao
contrário, irá aprender a respeitar o amor em suas diferentes
formas. A orientação sexual se refere como os seres
humanos se sentem em relação a afetividade e sexualidade,
o que não é uma opção ou influência, e sim, algo que nasce
com o indivíduo desde a sua existência.
O beijo como uma representação de amor e afeto, deve ser
tratado como algo natural, seja por um casal homossexual ou
heterossexual. Um dos fatos que é interessante analisar, é
que os jornais ainda se preocupam em noticiar a exibição do
tão polêmico "beijo gay". Conforme notamos nos exemplos a
seguir, com os jornais e suas respectivas chamadas das
notícias: Jornal Estadão "Em 'O Outro lado do paraíso',
Globo mostra beijo gay novamente em horário nobre",
JMNotícias "Deputado Eli Borges repudia beijo gay da novela
O Outro lado do paraíso" e a Veja "Em 'O Outro lado do
paraíso', beijo gay fica maior e mais romântico".
O beijo deve ser tratado como um simples beijo, sem
nenhuma classificação e com naturalidade, quanto a isso, a
cena da novela cumpriu o seu papel. Porém, os jornais, que
possuem grande responsabilidade social sobre o tema, ao
publicidade a notícia sem um posicionamento específico,
apenas a fim de noticiar o fato (como vimos nos exemplos dos
títulos acima), levam o leitor a associar aquilo como um
evento e não como algo natural.
Um exemplo disso é pensar como seria se todos os beijos e
cenas de afeto entre casais heterossexuais virassem notícia
diariamente. Isso não acontece, pois tanto o jornalismo
quanto a totalidade das pessoas enxergam tal acontecimento
3
com naturalidade. Pensando nisso, se os veículos de
comunicação abrissem mão de pautas com esse tipo de
abordagem, daríamos um importante passo para que o afeto
entre pessoas do mesmo sexo se tornasse, simplesmente,
um afeto como outro qualquer, ou seja, seria somente um
beijo, sem a classificação "beijo gay".
Cabe a cada um cumprir o seu papel social. A existência de
um casal homossexual em uma novela contribuiu com as
visibilidades das diversidades de gênero, sendo
extremamente importante para enfrentar as milhares de
'famílias tradicionais' existentes no país, que muitas vezes
classificam o relacionamento homossexual como aberração.
Dentro disso, esse diálogo e o despertar sobre aceitar "por
bem ou por mal" as diversidades, pode ser um dos motivos
que levou a uma significativa transformação no tema e, assim,
há cinco anos o primeiro beijo entre casais do mesmo sexo,
foi transmitido pela Globo.
A sociedade e seus comunicadores têm muito o que refletir
sobre a abordagem do tema LGBT. Mas, espero que não seja
utópico acreditar que no futuro os classificados "beijos gays"
sejam apenas beijos, que um selinho de cinco segundos não
incomode ninguém e que as pessoas deixem de achar
argumentos para espalhar sua homofobia e seu ódio.
Portanto, que trate esse seu ódio consigo mesmo. É o amor e
o afeto contra o ódio do incomodado, que deseja que a sua
verdade seja absoluta.
A comunicação tem o poder de desenvolver esse aspecto
social e deve escolher o seu lado do jogo, pois, ficando em
cima do muro, só irá dar oportunidade para discursos
homofóbicos.
Autora
Amanda Humer Eid
Graduanda de Publicidade e Propaganda

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Sobre a repercussão de um beijo de cinco segundos

  • 1. 1 Sobre a repercussão de um beijo de cinco segundos Fonte: Site Revista Veja O amor é um assunto antigo, desde sempre esteve presente em diversas expressões artísticas, e no Brasil, principalmente nas telenovelas. Acontece que, com o passar dos anos, algumas abordagens com a representação do afeto precisaram ser repensadas, para acompanhar as mudanças sociais e culturais. Com isso, podemos notar que certos escritores sentiram a necessidade de dar visibilidade ao amor em suas diferentes formas e não apenas no que as pessoas durante muitos anos classificaram como "natural" e assim, um "padrão". Afinal, existem regras no amor e em suas representações artísticas? E se a diversidade existe na sociedade, porque os escritores fechariam os olhos para ela? Em 2013, a telenovela produzida pela Rede Globo, "Amor à vida", exibiu o primeiro "beijo gay", em seu capítulo final. Na época, a cena despertou a discussão sobre o assunto na internet, discussão que já dividia opiniões sobre tal cena ser transmitida em horário nobre. O beijo "gay" se repetiu recentemente nas novelas. Desta vez, em "O outro lado do paraíso", também produzida pela Globo, a cena foi transmitida no dia 8 de maio e mesmo cinco anos depois desde a exibição do primeiro beijo gay entre dois homens na maior emissora de televisão brasileira, a internet e os veículos de comunicação trataram o assunto como algo "anormal". O beijo entre os atores Eriberto Leão e Rafael Zulu, da novela "O outro lado do paraíso", durou cinco segundos. Porém, na internet, a pauta rendeu por dias com o surgimento de diversos pronunciamentos, sendo assuntos nos jornais, alvo de textos nas redes sociais daquelas famílias que dizem se preocupar com as crianças ao assistirem a cena e, como
  • 2. 2 sempre, deputados cristãos, indignados com a Globo pela exibição. O principalmente argumento dentro da internet é sobre as crianças assistirem a cena. Com isso, podemos perceber que algumas pessoas insistem em fechar os olhos para aquilo que se é natural e preferem, assim, transmitir o seu discurso homofóbico com um argumento completamente sem nexo. A novela além de transmitir várias cenas de beijos e de sexo entre casais heterossexuais (cenas que nunca incomodaram) recomenda antes de todas as suas exibições que seja assistida apenas por pessoas maiores de 14 anos, embora, ao contrário do que é alegado nos discursos de ódio, uma criança ao assistir uma cena romântica de um casal homossexual, não irá se tornar homossexual, pelo ao contrário, irá aprender a respeitar o amor em suas diferentes formas. A orientação sexual se refere como os seres humanos se sentem em relação a afetividade e sexualidade, o que não é uma opção ou influência, e sim, algo que nasce com o indivíduo desde a sua existência. O beijo como uma representação de amor e afeto, deve ser tratado como algo natural, seja por um casal homossexual ou heterossexual. Um dos fatos que é interessante analisar, é que os jornais ainda se preocupam em noticiar a exibição do tão polêmico "beijo gay". Conforme notamos nos exemplos a seguir, com os jornais e suas respectivas chamadas das notícias: Jornal Estadão "Em 'O Outro lado do paraíso', Globo mostra beijo gay novamente em horário nobre", JMNotícias "Deputado Eli Borges repudia beijo gay da novela O Outro lado do paraíso" e a Veja "Em 'O Outro lado do paraíso', beijo gay fica maior e mais romântico". O beijo deve ser tratado como um simples beijo, sem nenhuma classificação e com naturalidade, quanto a isso, a cena da novela cumpriu o seu papel. Porém, os jornais, que possuem grande responsabilidade social sobre o tema, ao publicidade a notícia sem um posicionamento específico, apenas a fim de noticiar o fato (como vimos nos exemplos dos títulos acima), levam o leitor a associar aquilo como um evento e não como algo natural. Um exemplo disso é pensar como seria se todos os beijos e cenas de afeto entre casais heterossexuais virassem notícia diariamente. Isso não acontece, pois tanto o jornalismo quanto a totalidade das pessoas enxergam tal acontecimento
  • 3. 3 com naturalidade. Pensando nisso, se os veículos de comunicação abrissem mão de pautas com esse tipo de abordagem, daríamos um importante passo para que o afeto entre pessoas do mesmo sexo se tornasse, simplesmente, um afeto como outro qualquer, ou seja, seria somente um beijo, sem a classificação "beijo gay". Cabe a cada um cumprir o seu papel social. A existência de um casal homossexual em uma novela contribuiu com as visibilidades das diversidades de gênero, sendo extremamente importante para enfrentar as milhares de 'famílias tradicionais' existentes no país, que muitas vezes classificam o relacionamento homossexual como aberração. Dentro disso, esse diálogo e o despertar sobre aceitar "por bem ou por mal" as diversidades, pode ser um dos motivos que levou a uma significativa transformação no tema e, assim, há cinco anos o primeiro beijo entre casais do mesmo sexo, foi transmitido pela Globo. A sociedade e seus comunicadores têm muito o que refletir sobre a abordagem do tema LGBT. Mas, espero que não seja utópico acreditar que no futuro os classificados "beijos gays" sejam apenas beijos, que um selinho de cinco segundos não incomode ninguém e que as pessoas deixem de achar argumentos para espalhar sua homofobia e seu ódio. Portanto, que trate esse seu ódio consigo mesmo. É o amor e o afeto contra o ódio do incomodado, que deseja que a sua verdade seja absoluta. A comunicação tem o poder de desenvolver esse aspecto social e deve escolher o seu lado do jogo, pois, ficando em cima do muro, só irá dar oportunidade para discursos homofóbicos. Autora Amanda Humer Eid Graduanda de Publicidade e Propaganda