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Pantagruel

Na obra estudada percebe-se o modo como Rabelais utiliza-se do cômico para tecer
críticas à sociedade de sua época. Ele subverte as hierarquias de poder, mostrando a
figura de Panurge, que era um rei, de maneira satirizada.

No decorrer da obra, percebe-se que o ambiente é de dúvida. Panurge quer
ensandecidamente ser convencido de que não irá ser traído, porém ele não consegue
sanar essa dúvida. A grande maestria de Rabelais é que Panurge é um indivíduo
arrasado pela dúvida, no entanto ele torna-se obcecado por ela. Ele vai ao encontro do
Oráculo, e sempre interpreta os presságios de maneira otimista. É a busca pelo
autoengano.

O espaço na obra não ganha muita ênfase. São poucos os deslocamentos dos
personagens e em curtas distâncias. Os acontecimentos ocorrem num espaço
relativamente curto, eles não precisam viajar por dias para visitarem o Oráculo, por
exemplo. O que é importante são as ideologias, o mundo psicológico dos personagens.

Na construção cronotópica de Rabelais, a noção de tempo é uma noção cíclica da vida
natural. O tempo não é computado de forma que seja perceptível a duração de uma ação
ou de sucessões de acontecimentos dentro da obra.

Como foi dito anteriormente, Panurge é movido pela dúvida. Ele procura ser
convencido de que não irá ser traído, porém a dúvida nunca o deixa. Esse desejo pelo
autoengano obviamente não elimina á dúvida, ela sempre volta, fazendo com que ele se
auto repita. Nesse clima de dúvida, entra Pantagruel que aparece como o “senhor da
razão” e diante das evidências encontradas ao longo do enredo, age como um
observador neutro. Pantagruel não desperdiça seu tempo tentando convencer Panurge de
algum tipo de verdade. É um típico personagem cartesiano de Rabelais.

Rabelais descreve o universo mental de seus personagens. Penetra no íntimo deles,
explorando de forma cômica seus conflitos internos, no caso de Panurge, a dúvida.

Rabelais pega a máxima pretensão do saber de sua época, trazendo essa máxima
pretensão para um assunto corriqueiro, banal, cotidiano, no entanto importante.

Na obra, Rabelais explora a imagem do corpo humano num aspecto anatômico. O corpo
apresenta-se como um mediador do mundo e seu valor para o homem. Na estética
rabelaisiana, a imagem do corpo opõe-se àquela imagem suja e grosseira da ideologia
medieval. Ele quer devolver ao corpo a sua realidade e materialidade.

Portanto, nota-se que Rabelais utiliza-se da figura de Panurge, o rei obcecado pela
dúvida da traição, para satirizar a sociedade de sua época, fazendo o uso de um tema
banal para tal fim. Vê-se assim, a grande característica cômica de Rabelais.

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Rabelais e a sátira social através de Panurge

  • 1. Pantagruel Na obra estudada percebe-se o modo como Rabelais utiliza-se do cômico para tecer críticas à sociedade de sua época. Ele subverte as hierarquias de poder, mostrando a figura de Panurge, que era um rei, de maneira satirizada. No decorrer da obra, percebe-se que o ambiente é de dúvida. Panurge quer ensandecidamente ser convencido de que não irá ser traído, porém ele não consegue sanar essa dúvida. A grande maestria de Rabelais é que Panurge é um indivíduo arrasado pela dúvida, no entanto ele torna-se obcecado por ela. Ele vai ao encontro do Oráculo, e sempre interpreta os presságios de maneira otimista. É a busca pelo autoengano. O espaço na obra não ganha muita ênfase. São poucos os deslocamentos dos personagens e em curtas distâncias. Os acontecimentos ocorrem num espaço relativamente curto, eles não precisam viajar por dias para visitarem o Oráculo, por exemplo. O que é importante são as ideologias, o mundo psicológico dos personagens. Na construção cronotópica de Rabelais, a noção de tempo é uma noção cíclica da vida natural. O tempo não é computado de forma que seja perceptível a duração de uma ação ou de sucessões de acontecimentos dentro da obra. Como foi dito anteriormente, Panurge é movido pela dúvida. Ele procura ser convencido de que não irá ser traído, porém a dúvida nunca o deixa. Esse desejo pelo autoengano obviamente não elimina á dúvida, ela sempre volta, fazendo com que ele se auto repita. Nesse clima de dúvida, entra Pantagruel que aparece como o “senhor da razão” e diante das evidências encontradas ao longo do enredo, age como um observador neutro. Pantagruel não desperdiça seu tempo tentando convencer Panurge de algum tipo de verdade. É um típico personagem cartesiano de Rabelais. Rabelais descreve o universo mental de seus personagens. Penetra no íntimo deles, explorando de forma cômica seus conflitos internos, no caso de Panurge, a dúvida. Rabelais pega a máxima pretensão do saber de sua época, trazendo essa máxima pretensão para um assunto corriqueiro, banal, cotidiano, no entanto importante. Na obra, Rabelais explora a imagem do corpo humano num aspecto anatômico. O corpo apresenta-se como um mediador do mundo e seu valor para o homem. Na estética
  • 2. rabelaisiana, a imagem do corpo opõe-se àquela imagem suja e grosseira da ideologia medieval. Ele quer devolver ao corpo a sua realidade e materialidade. Portanto, nota-se que Rabelais utiliza-se da figura de Panurge, o rei obcecado pela dúvida da traição, para satirizar a sociedade de sua época, fazendo o uso de um tema banal para tal fim. Vê-se assim, a grande característica cômica de Rabelais.