O padre italiano Vito Miracapillo foi expulso do Brasil em 1980 durante a ditadura por se recusar a rezar uma missa comemorativa da independência do país. Ele tenta há quase uma década obter novamente um visto de permanência para retornar à paróquia em Pernambuco, mas enfrenta dificuldades burocráticas. Políticos que apoiaram sua expulsão na época, como Severino Cavalcanti, não se opõem mais ao seu retorno.
1. Domingo, 4 de setembro de 2011 O GLOBO O PAÍS ●
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Padre expulso do país pela ditadura tenta voltar
Italiano busca há quase uma década reaver visto de permanência para retornar a paróquia em Pernambuco
D.A.Press
Letícia Lins a agroindústria açucareira do independência do povo”, reduzi- — Esses padres subversi-
leticia.lins@oglobo.com.br estado, considerada área de ten- do “à condição de pedinte e de- vos precisam ser observados
são social pelos órgãos oficiais. samparado dos seus direitos”. — disse na época.
● RECIFE. Expulso do Brasil em Em plena ditadura no Brasil, o Tido como subversivo por A expulsão envolveu uma ba-
1980 — em um polêmico pro- padre foi incluído na Lei de Se- usineiros e donos de engenho, talha jurídica, com ordens e con-
cesso que contribuiu para agra- gurança Nacional e atingido pelo foi criticado na Assembleia Le- traordens, que mobilizou advo-
var ainda mais o conflito entre então recém-promulgado Estatu- gislativa pelo então deputado es- gados da CNBB e chegou ao Su-
Igreja e Estado —, o padre italia- to do Estrangeiro, por ter se re- tadual Severino Cavalcanti (PDS) premo Tribunal Federal, que de-
no Vito Miracapillo tenta inutil- cusado a atender pedido da pre- — o mesmo que mais tarde se cidiu pela expulsão do sacerdo-
mente, há quase uma década, feitura para que celebrasse mis- tornaria presidente da Câmara te. O decreto também mobilizou
reaver o visto de permanência sa comemorativa da Indepen- dos Deputados e renunciaria o clero no Nordeste, que promo-
no país, onde pretende retomar dência do Brasil, em 7 de setem- com o escândalo do mensalinho, veu em Ribeirão uma missa de
o trabalho pastoral interrompi- bro de 1980 — alegando que o acusado de obter propina. desagravo ao italiano que termi-
do durante o regime militar. Brasil, sob ditadura, não era in- Severino invocou o Estatuto nou em pancadaria. Donos de
O padre quer voltar ao muni- dependente. Num ofício ao pre- do Estrangeiro pela primeira engenhos, fornecedores de cana
cípio de Ribeirão, a 87 quilôme- feito de Ribeirão, Salomão Cor- vez no país, quando fez um e usineiros exibiram armas na
tros de Recife, do qual foi páro- reia Brasil (PDS), o padre justifi- apelo ao então ministro da igreja e usaram o mastro de uma
co. E residir na Zona da Mata de cou a recusa, entre outros moti- Justiça, Ibrahim Abi Ackel, pa- bandeira do Brasil para dissol-
PADRE VITO: expulso porque não quis rezar missa pela Independência Pernambuco, onde se concentra vos, devido “à não efetivação da ra que expulsasse o padre: ver a multidão de fiéis. ■
Até hoje,
constrangimento
ao vir ao Brasil
Severino: ‘Não me
arrependo, ele
merecia punição’
● RECIFE. O decreto de expulsão,
assinado pelo então presidente
João Baptista Figueiredo, foi re-
vogado em 1993 pelo presidente
Itamar Franco. Mas isso não li-
vrou o sacerdote de constrangi-
mentos quando vem ao Brasil e
precisa passar pelo visto da Po-
lícia Federal. Nunca deram baixa
do decreto de expulsão na PF.
Os agentes lhe perguntam os
motivos da expulsão, fazem in-
dagações e ratificam para ele to-
mar cuidado. Só pode ficar três
meses, como turista.
Hoje com 64 anos, o padre
não entende por que o gover-
no cria tantas dificuldades pa-
ra ele, mas concede asilo a Ce-
sare Battisti, condenado à pri-
são perpétua na Itália.
— São dois casos muito dife-
rentes, mas não consigo ver co-
mo ele (o ativista) conseguiu lo-
go a solução do caso. Realmente
não entendo essa situação —
afirmou ele por telefone, de An-
dria, onde reside atualmente.
Na próxima semana, seus ad-
vogados, Pedro Eurico de Barros
e Albézio Farias, vão a Brasília
encaminhar a solicitação do pa-
dre diretamente ao ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo.
Caso o impasse permaneça, vão
apelar às cortes superiores.
Miracapillo acha estranho não
terem dado baixa do decreto de
expulsão na PF. Lembra que o
Brasil mudou, que o próprio Es-
tatuto do Estrangeiro foi altera-
do e que os exilados voltaram.
— É o último exilado — ironi-
za Pedro Eurico, que reclama
dos entraves burocráticos e da
falta de interesse do governo.
Os dois advogados ressal-
tam que não vão pedir novo
visto de permanência, mas que
o anterior seja revalidado.
— Houve revogação do de-
creto de expulsão, então, que se
devolvam a ele as condições an-
teriores, o status quo que tinha
— diz Farias.
A reação foi liderada na época
pelo Sindicato dos Cultivadores
de Cana. Hoje, o seu presidente,
Gerson Carneiro Leão, afirma
não temer mais o padre:
— Junto de outras coisas que
aconteceram no Brasil, como o
MST, ele pode ser considerado
um pinto (algo insignificante). É
bem-vindo hoje. Na época, éra-
mos aliados do governo militar,
e ele insuflava os trabalhadores
nos canaviais; gostava dos po-
bres e era tido como incendiá-
rio. Mas a mentalidade hoje é
outra. Podem vir dez Vito Mira-
capillos. A gente tinha medo do
governo Lula e ele foi o melhor
presidente para nossa categoria.
Por que ter medo desse padre?
Responsável pela confusão
que terminou em expulsão, o
hoje prefeito de João Alfredo,
Severino Cavalcanti (PP), tam-
bém não se opõe ao seu retorno.
Mas diz que não se arrepende:
— Já se passaram muitos
anos, ele deve ter refletido mui-
to sobre a atitude que tomou,
desvalorizando o Brasil. É bom
que venha agora para ver como
mudou o país que tanto criticou.
Não me arrependo do pronun-
ciamento, nem de ter pedido a
expulsão, porque ele merecia
punição diante da tentativa de
desestabilizar o governo. ■