1) O documento discute como situar filosoficamente a experiência do cuidado, enfatizando a teoria da sublimação de Badiou e a distinção entre saber e verdade.
2) É proposta uma teoria do cuidado que valorize os cuidadores e incentive a reflexão sobre suas práticas, sem reduzir o processo a cálculos estatísticos.
3) O relato do cuidado deve ser um ato de sublimação por parte do cuidador, que pode usar números ou narrativa para elaborar cada caso de forma singular.
COMO SE FAZ UMA TESE EM CI_NCIAS HUMANAS - UMBERTO ECO - 02.pdf
A fala na experiência do cuidado: filosofia, psicanálise e matemática
1. FILOSOFIA, PSICANÁLISE, MATEMÁTICA
O campo da fala na experiência do
cuidado
Eugênia Correia Krutzen
genacor01@gmail.com
UFPB – CCHLA – Departamento de
Psicologia
2. Agradecimentos: prof.Vicenzo Di Matteo
• Um dos pontos de partida: experiência de assessoria a uma equipe
de cuidadores em uma instituição para adolescentes infratores.
• - Susto diante da resistência da equipe para teorizar;
• - Solidariedade, ao ser aproximada essa resistência a uma recusa
aos modelos hegemônicos de registro e controle.
• - Desejo de contribuir para uma teoria capaz de valorizar os
cuidadores e incentivar que reflitam sobre suas práticas:
A experiência do cuidado exige método específico para
sistematização e teorização. A teoria da sublimação pode inspirar
o cuidador = Badiou e a distinção entre saber e verdade.
3. Filosofia, Psicanálise e Matemática
• Filosofia - programa interinstitucional RN/PB/PE -
R.Rorty, “Filosofia analítica, filosofia transformadora”
(s/d)
• História = resultado parcial dos vencedores, Rorty e
Michel Onfray (2006): história como arte da guerra.
• Crítica à tentativa de reduzir o fazer filosófico a uma
análise da linguagem.
4. Filosofia do século XX
• R. Rorty dois momentos expressivos:
• - anos 40/50 – a “guinada da linguagem”
• - anos 70 – uma filosofia do feminino
(feminista)
• - anos 00 – Psicanálise (proposta de Safatle,
Dunker, M.Souza: clínica, sublimação
5. “Como situar filosoficamente a
experiência do cuidado?”
• Safatle, C.Dunker, E.Krutzen - ênfase na clínica e teoria da
pulsão – o cuidado:
• - Pertinência do cuidador poder adequar o suporte
escolhido para demonstrar o rigor de sua prática. Relatar
um caso = sublimação e criação;
• - Crítica à redução da atividade científica à aplicação de
cálculos estatísticas pré-elaborados, aritmetizando o
processo, destituindo o “relato” do cuidado de sua
conotação sublimatória.
• - Proposta de que o formato do relatório seja afeito ao
clínico e ao que se passou.
• - Sair da dicotomia quali x quanti – em prol de outro
contraste: sublimar ou reproduzir escalas em série.
6. Alain Badiou: verdade e sujeito
• - A forma do relato induz a dinâmica do
cuidado. Cuidado e relato, então, supõem um
“dar de si”: sublimação, sujeito.
• Badiou: “verdade” distinta de “saber”
• Verdade = surpresa, estética, crítica à
adequação à forma do juízo: verdade é
percurso.
• Saber = o que transmite deliberadamente e
repete.
7. Qual o sentido de matemática na
clínica?
• - Lacan, A.Badiou, Natalie Charraud e Mônica Jacob: espaço da formalização fundada no só-
depois da experiência: compatibilizar esforços na mesma direção. Saber e verdade.
• - Denise Vilela - tese de doutorado sobre Filosofia da Matemática. Etnomatemática,
modulada pelos “jogos de linguagem” de Wittgenstein.
• Vilela (2007 p.6): “(…) os significados existem dentro dos jogos de linguagem, relacionados -
por sua vez a formas de vida, e não convergem para uma essência quando os jogos são
diferentes, isto é, não são os mesmos em diferentes práticas matemáticas.”
• O “número” na rua = litros, metros, horas, jamais sendo encontrado em estado “puro”.
• Não existe “matemática pura” nem puramente lógica. Nem a lógica é fechada nem a emoção
é caótica.
• Na relação transferencial não há “um”, não se forma um conjunto fechado e finito.
• A transformatividade possível na relação de cuidado = não faz “um” e se abre para o infinito.
• Cantor – comparação entre os conjuntos numéricos – indecidibilidade e convenção de um
símbolo matemático para o infinito. Aproximação com o “objeto a” de Lacan.
8. 1º filme: “O escafandro e a borboleta”.
• Cuidador detém as pernas do Paciente, e é objeto da
pesquisa da fonoaudióloga. Cumplicidade destruída
quando o tema é incompatível com fantasia da
cuidadora.
• Foto: paciente na cadeira de rodas e cuidadora
empurrando.
• - Fantasia = não o reino da imaginação sem realidade.
Só se compartilha a realidade partir da fantasia. Só é
possível haver movimento psíquico a partir e em
função de mudanças de lugar no contexto da fantasia.
9.
10. “Como situar filosoficamente a fala na
experiência do cuidado”?
• Ênfase no código – a comunicação enquadrada:
• - Insuficiência do modelo da comunicação
•
• Se o grafo puder ser considerado como anteparo para a sessão, observa-se as pulsões
representadas pelo matema S/vD(S barrado punção de D). O conjunto das letras sendo ampliado
para o “tesouro dos significantes”, uma bateria de elementos que é antecipada no corpo, cravada
por lugares marcados por um corte. São as pulsões que permitirão que a linguagem encontre
esteio, exigindo que o código considere o caráter humano da mensagem ali vivenciada.
•
• Solha (2009,p. 40), no romance “Relato de Prócula” – Corrinha: “capaz de me proporcionar
constantes espetáculos interiores, como o céu nos dá os exteriores, ainda que sejam necessárias
superproduções com raios e constelações, crepúsculos, furacões, trovões, auroras boreais e
austrais.”
• Revista “Science” (Folha de S.Paulo de 16/2/2007): o cérebro humano é capaz de fazer novos
neurônios, viabilizando o tratamento de doenças neurodegenerativas. O estudo feito com
ressonância magnética demonstra que as células nascem em outra parte do cérebro (diferente
daquela que tinha sido atingida) e migram para o bulbo olfativo, onde cheiros são processados.
11.
12. 2º filme: Hitchcock, “Janela
Indiscreta”:
• - Newton da Costa, citado por Safatle e Dunker ( ): é impossível formalizar exaustivamente a dialética. Sempre se
exigirá um meio de exposição irredutivelmente conceitual-narrativo para se dar conta do acontecimento humano.
Safatle cita Badiou: de um lado, o poema, de outro o matema.
• Safatle tomaria a via do poema
• A meu ver o matema opera como um poema.
• Lacan: é imprescindível explicá-lo, contextualizá-lo colocando em uso a linguagem corrente = “momento estético
do conceito”
• Não há contradição entre poema e matema, mas modulações, tal como o número inteiro é diferente do número
irracional, embora sejam ambos números. Poema ou matema, tanto faz, pois o que interessa é a
transformatividade operada, o efeito que M.Mannonni situava no corpo, ao sublinhar que um mito, ao ser lido em
certas circunstâncias, provoca efeito nas vísceras.
• O mais importante no relato é a articulação possível entre saber e verdade. A irredutível heterogeneidade entre os
registros e o esforço (vão) em compatibilizá-los.
13. • Nó borromeu- segunda fase de Lacan: o sintoma no lugar do objeto
a.
•
• - Relatar o caso = elaboração psíquica. Queiroz (2002): seja com
números ou palavras, a escrita do caso é uma modalidade de
“escritura”, um ato simbólico, metamorfoseando o ato clínico em
texto metapsicológico.
• Trata-se, portanto, de uma construção sublimatória por parte do
cuidador, que pode ou não lançar mão de números ou matemas, já
que o relato será diferente a cada vez. Se o leitor, o cuidador e o
contexto narrativo são partes fundamentais no processo
• Essa perda na exatidão – diferente de uma ausência, um deficit ou
um defeito - Safatle aproxima ao negativo da dialética, fundando o
sujeito.
•
14.
15. •
• - História da matemática - tipos de número – criação de universos,
ao invés de duplicação ou relatório da realidade “única” do cuiddor.
• - Tipos de fala - a escultura de Nuno Ramos A viscosidade do mel, a
aderência da laca, também presente no gesto antigo de lacrar envelopes e
mensagens, está presente no campo semântico evocado pelo escultor, que
mistura laca e mármore, em uma tensão incontornável.
•
• Transformatividade, aderência, desconforto, corte, endereçamento,
limite.
• O cuidado não é caridade nem compaixão. Não é manipulação nem
controle ou contabilidade de custos/benfícios. Sua demonstração exige
que o cuidador dê de si, perca seu equilíbrio, não somente ao realizar o
ato clínico, mas também ao tentar dar conta dele.
•
16. • Em que consiste esse elemento, mítico e saboroso, a maçã, precariamente equilibrada nas costas
de alguém?
•
• No texto “ Kant com Sade” Lacan lê a definição kantiana de objeto à luz de Sade. Para Sade o
objeto inacessível é regido pelo imperativo categórico enquanto que para Lacan é o circuito
libidinal, o significante enraizando (“emredizando”) linguagem e corpo.
•
• Em Kant, o sulco por onde circula o sujeito é a voz da consciência, o raciocínio, a reflexão
logicamente orientada e universalmente justificada. Em Lacan, o sulco é construido pela libido, o
significante barrando o universal, desfazendo sua completude e dando lugar ao sujeito do
inconsciente.
• A clínica que se apresenta como sublimação admite a passagem entre cuidador e paciente, maçãs e
costas trocando de lugar, atuando tanto por “via de porre” (pintura- um acréscimo de cores e
formas é acrescentado ao paciente) como por “via de levare” (a escultura retira do paciente aquilo
que lhe pesa, que é excesso e dejeto). Por isso toda explicação se ancora no corpo, toda
transmissão sintoniza ou não uma rede de associações onde se faz possível encontrar um espaço
para o sujeito se alojar.
17. •
• REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
•
• - Abibon, Richard – Conferências em João Pessoa, 2009.
•
• Badiou, Alain – Le nombre et le numero
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• Correia Krutzen, Eugênia - “Do risco à escritura: oficinas de histórias com crianças e adolescentes em situação de
risco social”. Tese de doutorado. Orientador: Norberto Abreu e Silva, UnB, 1999.
• Dunker, Christian – “Apresentação de “A paixão do negativo” – Lacan e a Dialética” – V.Safatle – Revista Acheronta
– WWW.psicomundol.com
•
• - Juranville, Alain - Lacan e a Filosofia
• - Lacan, J. – Autres Écrits. Paris: Seuil, 2001.
• - Onfray, Michel – Les Sagesses antiques: contre-histoire de La philosophie. Paris: Grasset& Fraschelle, 2006.
• - Pommier, G. Comment les neurosciences demontren la Psychanalyse.
• - Queiroz, Edilene - “O estatuto do caso clínico” - Revista Pulsional, ano XV, nº 157, pp 33-40, S.Paulo: Pulsional,
2001.
• - R.Rorty, “Filosofia analítica, filosofia transformadora” (s/d) (Portal Brasileiro de Filosofia)
• - Saflate, Vladimir – A paixão do negativo: Lacan e a dialética. S.Paulo: UNESP, 2006
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