1) Rosenison e sua mula manca frequentavam a igreja local todos os domingos, atraindo atenção com um baixeiro bordado na mula.
2) Algumas senhoras da igreja reclamaram com o padre sobre a frase no baixeiro, que dizia "não importa que a mula é manca, eu quero é rosetar".
3) O padre pediu a Rosenison que removesse o baixeiro para não ofender os fiéis, e na semana seguinte a mula trazia uma nova frase: "Continuo
1. A Mula e o Preconceito<br />Rosenilson e sua mula, de grande estimação, moravam em uma cidadezinha do interior de Minas. Era uma dessas cidades que, mesmo sendo muito pequena, tinha a uma praça central, um pequeno botequim e sua Matriz. <br />A igreja era muito bem “paroquiada” pelo Padre Roselli, um franciscano recém chegado da Itália, e que ainda não tinha domínio total do Português. A Matriz não era grande, mas a cidade também não, nem o botequim da praça onde Rosenilson e sua companheira freqüentavam, religiosamente, todos os domingos, enquanto aconteciam as celebrações do Padre.<br />Como se estivessem fazendo parte de alguma cerimônia, ao final da missa, Rosenilson e sua companheira deixavam o boteco e atravessam a praça central, atraindo a atenção dos fiéis. Ela mancava um pouco e, como o movimento gerado era exótico, Rosenilson providenciou um acessório para a companheira.<br />Ela trazia sempre em seu lombo um baixeiro bordado, muito bem feito com a seguinte inscrição: “não importa que a mula é manca, eu quero é rosetar”. Pensamento que Rosenilson havia concebido pelo seu passado como vaqueiro: ofício onde os desafios do dia-a-dia têm que ser vencidos com determinação, seguindo-se sempre em frente, independente das dificuldades que apareçam.<br />Ele não entendia o porque, mas percebia uma certa reação negativa que a síntese de sua filosofia particular provocam, principalmente no rebanho de Dom Roselli. As senhoras ficavam inconformadas com os dizeres e pelo fato de a cena ser repetia a cada domingo. <br />Depois da terceira vez seguida, algumas beatas foram exigir providências ao responsável pela igreja. Não seria apropriado dizer que ele ficou de saia curta, mas o padre também não conseguia entender porque a frase incomodava tanto as beatas. <br />Mas, preocupado com o seu rebanho, resolveu ter uma conversa com Rosenilson. Argumentou sobre a repercussão dos acontecimentos, as implicações e o verdadeiro trauma que estava causando na comunidade religiosa. O padre adotou uma postura compreensiva, confirmando que todos possuem liberdade para pensar, embora sejam responsáveis por todos os seus atos, dentro do livre arbítrio outorgado por Deus. <br />Rosenilson ficou perplexo. Argumentou que a frase era, na verdade, recurso de auto-ajuda, um estímulo para ele e sua companheira; os dois já calejados pelas provas do mundo mas sempre seguindo em frente. Explicou para o Padre que rosetar, na terra onde nasceu, significa usar esporas para trotar, galopar ou estimular cavalos e mulas. <br />Ponderou, pediu, insistiu, mas o Padre Roselli não abriu mão de uma providência rápida para o problema, já para a próxima missa. Rosenilson, por sua vez, não disse nem que sim nem que não.<br />Homem forte, porém humilde, refletiu e pensou a semana inteira. Não era de seu feitio desagradar ninguém, mas a sua mulinha ficava bonita demais da conta com aquela alegoria de algibeira.<br />No domingo seguinte, o padre não escondeu o seu nervosismo. A igreja estava lotada, o botequim da praça também e lá estava Ronilson com sua inseparável companheira.<br />Quando a missa acabou o padre nem esperou pelos cumprimentos, como de costume. Foi para a porta da igreja observar se a já famosa mula e seu dono estavam a caminho, torcendo para que a situação, constrangedora para muitos, não se perpetuasse. Para o desespero de Dom Roselli a primeira pessoa avistada fora do botequim era Rosenilson, ele e sua companheira. <br />Mas quando a dupla passou em frente à igreja todos os receios do padre se desfizeram. A mula não trazia mais a antiga inscrição. Trazia uma nova, com os seguintes dizeres: “Continuo querendo”.<br />