SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
AS HASTES
    DO VEADO
     VAIDOSO
  E ra uma vez um veado que tinha em grande apreço as
suas hastes recortadas, que lhe davam à cabeça um ar de
majestade.
   Quando ia dessedentar-se no lago, tanto bebia como se
mirava.
   – Que gloriosos chifres os meus! Nenhum animal de
cornos os tem tão formosos.
   Em contrapartida, as patas delgadinhas desgostavam-no.
Debruçado para a água, comparava-as com a volumosa e
artística cornadura, e dizia:
   – As minhas pernas estão desproporcionadas com os
extremos do meu corpo. Não fossem elas assim tão
estreitas e eu seria o mais elegante dos animais.
   Nisto, o veado ouviu, não longe, o uivo de trompas de
caça. Ele sabia o que aquela música significava. Fugiu.
                           1
Caçadores a cavalo perseguiram-no. Corriam os cavalos
a galope e corria o veado, com quantas pernas tinha.
   Ágeis, as pernas, no arremesso do medo, saltavam
barrancos, venciam precipícios, quase voavam. O veado só
pedia que o vigor das pernas não o abandonasse.
   Mas, num túnel de ramos, os galhos do veado
embaraçaram-se nos troncos e suspenderam-lhe a corrida.
Já se aproximavam os cavaleiros. Os belos chifres estavam
a deitá-lo a perder.
   Sentindo-se perdido, o veado deu um sacão ao corpo e
metade de um chifre, que estava preso, partiu-se. Deixá-lo.
O veado livrou-se.
   As pernas retomaram a fogosa carreira da salvação e o
veado conseguiu escapar dos caçadores.
   Já livre de perigo, o veado pôs-se a pensar no que lhe
sucedera. As pernas, que ele há pouco desprezava,
tinham-no salvo. As hastes da sua vaidade por pouco que
não o atraiçoavam.

  FIM




                            2

Mais conteúdo relacionado

Mais de neolookcitnes

03.08 o tigre e a mulher do lavrador
03.08   o tigre e a mulher do lavrador03.08   o tigre e a mulher do lavrador
03.08 o tigre e a mulher do lavradorneolookcitnes
 
03.07 o urso com insónias
03.07   o urso com insónias03.07   o urso com insónias
03.07 o urso com insóniasneolookcitnes
 
03.06 o sonho do rei
03.06   o sonho do rei03.06   o sonho do rei
03.06 o sonho do reineolookcitnes
 
03.06 o sonho do rei
03.06   o sonho do rei03.06   o sonho do rei
03.06 o sonho do reineolookcitnes
 
03.05 o queixo queixoso
03.05   o queixo queixoso03.05   o queixo queixoso
03.05 o queixo queixosoneolookcitnes
 
Os doze trabalhos de hercules
Os doze trabalhos de herculesOs doze trabalhos de hercules
Os doze trabalhos de herculesneolookcitnes
 
o romeiro, o vento e o sol
   o romeiro, o vento e o sol   o romeiro, o vento e o sol
o romeiro, o vento e o solneolookcitnes
 
03.03 o cavalo mecânico
03.03   o cavalo mecânico03.03   o cavalo mecânico
03.03 o cavalo mecâniconeolookcitnes
 
03.02 o papagaio bem ensinado
03.02   o papagaio bem ensinado03.02   o papagaio bem ensinado
03.02 o papagaio bem ensinadoneolookcitnes
 
03.01 comichão de cão
03.01   comichão de cão03.01   comichão de cão
03.01 comichão de cãoneolookcitnes
 
01.29 o rei dos soldados
01.29   o rei dos soldados01.29   o rei dos soldados
01.29 o rei dos soldadosneolookcitnes
 
01.27 a galinha ruiva
01.27   a galinha ruiva01.27   a galinha ruiva
01.27 a galinha ruivaneolookcitnes
 
01.23 boneco de neve
01.23   boneco de neve01.23   boneco de neve
01.23 boneco de neveneolookcitnes
 
01.22 o urso dá conselhos
01.22   o urso dá conselhos01.22   o urso dá conselhos
01.22 o urso dá conselhosneolookcitnes
 
01.20 podiam ser amigas
01.20   podiam ser amigas01.20   podiam ser amigas
01.20 podiam ser amigasneolookcitnes
 
01.18 não é camelo
01.18   não é camelo01.18   não é camelo
01.18 não é cameloneolookcitnes
 
01.17 os anjos da guarda
01.17   os anjos da guarda01.17   os anjos da guarda
01.17 os anjos da guardaneolookcitnes
 

Mais de neolookcitnes (20)

03.08 o tigre e a mulher do lavrador
03.08   o tigre e a mulher do lavrador03.08   o tigre e a mulher do lavrador
03.08 o tigre e a mulher do lavrador
 
03.07 o urso com insónias
03.07   o urso com insónias03.07   o urso com insónias
03.07 o urso com insónias
 
03.06 o sonho do rei
03.06   o sonho do rei03.06   o sonho do rei
03.06 o sonho do rei
 
03.06 o sonho do rei
03.06   o sonho do rei03.06   o sonho do rei
03.06 o sonho do rei
 
03.05 o queixo queixoso
03.05   o queixo queixoso03.05   o queixo queixoso
03.05 o queixo queixoso
 
Os doze trabalhos de hercules
Os doze trabalhos de herculesOs doze trabalhos de hercules
Os doze trabalhos de hercules
 
o romeiro, o vento e o sol
   o romeiro, o vento e o sol   o romeiro, o vento e o sol
o romeiro, o vento e o sol
 
03.03 o cavalo mecânico
03.03   o cavalo mecânico03.03   o cavalo mecânico
03.03 o cavalo mecânico
 
03.02 o papagaio bem ensinado
03.02   o papagaio bem ensinado03.02   o papagaio bem ensinado
03.02 o papagaio bem ensinado
 
03.01 comichão de cão
03.01   comichão de cão03.01   comichão de cão
03.01 comichão de cão
 
01.29 o rei dos soldados
01.29   o rei dos soldados01.29   o rei dos soldados
01.29 o rei dos soldados
 
01.27 a galinha ruiva
01.27   a galinha ruiva01.27   a galinha ruiva
01.27 a galinha ruiva
 
01.26 o papagaio
01.26   o papagaio01.26   o papagaio
01.26 o papagaio
 
01.23 boneco de neve
01.23   boneco de neve01.23   boneco de neve
01.23 boneco de neve
 
01.22 o urso dá conselhos
01.22   o urso dá conselhos01.22   o urso dá conselhos
01.22 o urso dá conselhos
 
01.21 pancrácia
01.21   pancrácia01.21   pancrácia
01.21 pancrácia
 
01.20 podiam ser amigas
01.20   podiam ser amigas01.20   podiam ser amigas
01.20 podiam ser amigas
 
01.19 três cavalos
01.19   três cavalos01.19   três cavalos
01.19 três cavalos
 
01.18 não é camelo
01.18   não é camelo01.18   não é camelo
01.18 não é camelo
 
01.17 os anjos da guarda
01.17   os anjos da guarda01.17   os anjos da guarda
01.17 os anjos da guarda
 

01.12 as astes do veado vaidoso

  • 1. AS HASTES DO VEADO VAIDOSO E ra uma vez um veado que tinha em grande apreço as suas hastes recortadas, que lhe davam à cabeça um ar de majestade. Quando ia dessedentar-se no lago, tanto bebia como se mirava. – Que gloriosos chifres os meus! Nenhum animal de cornos os tem tão formosos. Em contrapartida, as patas delgadinhas desgostavam-no. Debruçado para a água, comparava-as com a volumosa e artística cornadura, e dizia: – As minhas pernas estão desproporcionadas com os extremos do meu corpo. Não fossem elas assim tão estreitas e eu seria o mais elegante dos animais. Nisto, o veado ouviu, não longe, o uivo de trompas de caça. Ele sabia o que aquela música significava. Fugiu. 1
  • 2. Caçadores a cavalo perseguiram-no. Corriam os cavalos a galope e corria o veado, com quantas pernas tinha. Ágeis, as pernas, no arremesso do medo, saltavam barrancos, venciam precipícios, quase voavam. O veado só pedia que o vigor das pernas não o abandonasse. Mas, num túnel de ramos, os galhos do veado embaraçaram-se nos troncos e suspenderam-lhe a corrida. Já se aproximavam os cavaleiros. Os belos chifres estavam a deitá-lo a perder. Sentindo-se perdido, o veado deu um sacão ao corpo e metade de um chifre, que estava preso, partiu-se. Deixá-lo. O veado livrou-se. As pernas retomaram a fogosa carreira da salvação e o veado conseguiu escapar dos caçadores. Já livre de perigo, o veado pôs-se a pensar no que lhe sucedera. As pernas, que ele há pouco desprezava, tinham-no salvo. As hastes da sua vaidade por pouco que não o atraiçoavam. FIM 2