1. A ÚLTIMA HORA DE ELIZABETH
A meteorologiapreviaumafrente friaque aindanãochegara naquelamanhã,masElizabeth
sabiaque elessempre erravammesmo,entãoseriabobagemesperaralgumacertodessavez.
Ela fezsua mala,mesmosabendoque,prolugarque elairia,nãoprecisariade roupasou
qualquerbemmaterial que porventurativesse conseguidojuntarnessavida.Sóque oato de
fazeras malas,escolherasroupasera um ato simbólicode mudança,de deixarumlugarque
elafoi infelizpratráse recomeçarde outra forma.
Muita coisahaviaacontecidonesse últimoanomaspoucacoisa valiaa penalembrar.Foi no
invernoque elaconheceuogrande amorde suavida,enfrentouafamíliapara viveresse amor,
mas foi trocada por outrapessoae agora estavasozinha,semfamília,nemseuamor.
“O que maispoderiadar errado?”Elase perguntouquandoentrounaprimavera.A vidaentão
se encarregoude responderestaperguntaparaela.
Perdeuseuempregode tantosanos(Seuchefe alegouquedade produtividade,oque
provavelmente fosse verdade),oque contribuiuparasuadepressão,oficialmente
diagnosticadanofimdoano. Virouamigaíntimados remédios,dainsônia,daslágrimas,das
cançõesde fossae do seuinseparável edredom,lembrançadaquelemalditoamor.Oânimo
para sair era inversamente proporcional avontade que cresciapoucoapouco emteupeito,de
dar um fima essaamargura. Todosos motivosque a levavamapermanecercomvidaeram
ínfimosperante essavidaingloriosaque ultimamente elalevava.
Já era outono quandose decidiue planejoutudo.Seriarápido,eficaz,semchance parafalhas.
Quemporventuralamentassesuaperdaseriamasmesmaspessoasque aconduzirama essa
situação.Que não ligaramumaúnica vezsequer.Que aexcluíramde seucotidiano,a
deserdaram,adeletaramde redessociais,queimaramsuasfotos.Paraeles,elajáestava
morta mesmo,faltavaoficializarapenas.
E agora, o invernovoltara,trazendoumturbilhãode pensamentos,sensaçõese sentimentos.
O contrato de aluguel estavavencendoe oproprietáriopediuoimóvel de volta.Oque seria
outro revésparaalguémque carregavao pesodo sofrimentotãoimpregnadoemsuaalma?
Seriahoje e semmaisadiamentos.
Já se passara uma hora do horárioque elamarcou comosua derradeirapresençaneste
mundo.Sólhe faltavacoragem.Pensandonisso,elasorriude cantode boca,ao lembrarque
sempre achavaque quemdesse fimasua própriavidaera fraco e agora justamente lhe faltava
coragempara serfraca. O mundodá voltasmesmo.
Ela colocousua canção favoritapra tocar, assoviouosolode guitarrae pensouque BobDylan
era um maldito,sempre cantavaaquiloque elasentia.Outalvezelasentiaaquiloque ele
cantava. Nãosabiamuitobemo que achar, na verdade.
Começoua rascunhar umbilhete de despedida,masachoucafonae piegasseucomeço.Jogou
a folhafora.O mundopassariabemsem suadespedida.