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Leônia não é invisível. Leônia é aqui!
Por Nurit Bensusan1
A Leônia de Italo Calvino, uma de suas cidades invisíveis, assemelha-se tanto às
nossas cidades que chega a dar medo. Em Leônia, todas as coisas se transformam em
lixo cotidianamente para dar lugar às coisas novas, e as coias velhas, novas no dia
anterior, amontoam-se nas periferias da cidade. A ânsia pelas coias novas é constante,
bem como o descarte das já usadas. Se olharmos para as cidades em desenvolvimento
no mundo, veremos que elas possuem, cada vez mais, um lado leonês. Basta lembrar
que, no Brasil, 36,6% da população urbana vive em favelas, o que significa 51,7 milhões
de pessoas.
O excessivo consumo na nossa sociedade, derivado do constante desejo por
coisas novas – as que substituem as já não tão novas e as novas atrações do mercado –,
além de produzir lixo pelo descarte dos objetos pretensamente obsoletos, gera
montanhas de lixo constituídas por embalagens dos novos produtos. Aparentemente
inofensivas, aquelas sacolinhas de plástico que qualquer supermercado nos fornece de
bom grado representa cerca de 10% do lixo do Brasil, E esses saquinhos podem demorar
meio século para se decompor...
Quem prefere os computadores às compras tampouco está livre da
responsabilidade da geração de lixo. Estima-se que o descarte desses equipamentos
gere cerca de 50 milhões de toneladas de lixo por ano. Parte desse lixo é tóxica, pois
algumas peças de computadores contêm metais pesados, como mercúrio, cádmo,
chumbo e cromo, que podem representar risco para a saúde e contaminar fontes de
abastecimento de água. Além disso, a fabricação de um computador gasta em média 240
quilos de combustíveis fósseis e 1.500 litros de água. Um único chip de memória RAM
consome 1,7 quilo de combustíveis fósseis e substâncias químicas para ser produzido, o
que corresponde a cerca de quatrocentas vezes o seu peso. Consequentemente, possuir
sempre o último modelo de computador significa contribuir para o aquecimento global.
E nem falamos dos celulares... Esses, mais do que tudo, ícones do consumo e de
status, quase descartáveis por natureza. Só no Brasil há cerca de 100 milhões de linhas
de celular. A maior parte dos pontos de vendas recolhe baterias usadas, mas há o resto
do aparelho, desprezado como obsoleto a cada novo lançamento.
Há um outro aspecto do lixo, talvez, ainda mais perverso: estima-se que no Brasil,
um país onde 50 milhões de pessoas convivem com a fome e com a desnutrição, são
descartadas 39.000 toneladas de alimentos todos os dias. Esse “lixo” poderia alimentar
satisfatoriamente, por dia, algo em torno de 19 milhões de pessoas.
Diante de tanto lixo, com nosso passaporte de Leônia, seguiremos pelo mundo
afora produzindo mais lixo, ou nos inspiraremos na invisibilidade de Leônia para promover
a invisibilidade do lixo, diminuindo significativamente sua produção?
1 Extraído do livro “Meio Ambiente. E eu com isso? Editora Petrópolis.

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