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Sopa de Massa II
Déjà vu
de Constantino Alves
Um contentor do lixo em cena, um homem (Carlos Filipe) dentro com as pernas de fora.
Um homem cego toca saxofone(pode ser um boneco). Toca qualquer coisa lenta e
quente.
Voz de Carlos Filipe – Agora toca Coltrane (músico obedece) …. Não, toca Chet
Baker… (músico toca), é muito deprimente, Getz, Stan Getz, (músico toca), Gato
Barbieri aquela que ele toca com o Santana! Isso faz pela vida. Eh! Eh, isto parece o
Royal Palace de Londres, ou o Hilton de Nova Iorque, cama larga, com vista para a rua,
música on demand. Eh! Eh! Sou o patrão da coisa. (ergue-se do contentor) Cadê os
meus colaboradores? Só um? Onde é que está o outro melro? (pausa) ficou o que não
fala? Ah?! E o que não vê! O outro, quero dizer, a gaja… Deve ter ido pró Chiado fazer
o turistame todo, e depois quando acabar a guita vem aqui outra vez bater à sopa de
massa! Mas desta vez quando andar aí corrido pelos chuis todos e ninguém lhe der
abébias, não leva nenhuma senha da Santa Casa, nem que peça misericórdia, achas que
eu não sou homem para isso?
Olha aqui pra este Armani (aponta pra o seu fato muito curto nas mangas e nas perneiras
das calças) estás a ver estes acabamentos todos (aponta para enormes nódoas no fato)
isto até fazia o Berlusconi chorar de inveja! Li noutro dia, num correio da manha
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qualquer que andava aí a rebolar no lixo, que esse gabirú tinha sido alfaiate, de fatos
percebe ele, depois é que deu-lhe aquele “de facto” tenho de comprar o mundo todo pra
mim, pra minha barriga… Ah, tu não vês nada! Pois é melhor não veres não perdes
nada… também tá tudo escuro! Que horas é isto caralho? (pausa) são horas da barriga
vazia da sede incontornável… isto tá preto, pois olha estamos iguais eu também estou
ceguinho de todo!
Tu não vês…mas se visses…Olha, se tivesse o juízo todo empacotado assim todo tipo
comercial ‘inda podia ser um top model! (faz poses) (músico toca) Sou uma espécie de
Armani man, ó seja mais tipo Armando tipo tuga- assim Armani com massa, massa mas
da sopa de massa, tas a perceber? Ah, também és mudo, nem sabes o que perdes, falar é
um dom dos diabos, desemerdamos-se assim todos de botar o paleio todo cá para fora,
extrovertemos pá, assim a coisa fica mais fácil, que isto de ficar aqui com o mundo a
dar voltas no carrocel (aponta para a sua cabeça) é coisa do diabo, não é que eu tenha
alguma coisa contra o diabo que até é um tipo com muita piada, assim todo em pulgas,
vermelhinho tipo Benfica, danadinho pra chatear a malta… é …era o que eu precisava
alguém que me chateasse de vez em quando…ficava a coisa mais picante…o que eu
dava por uma bebidinha, o sacana do Antunes a esta hora tem a tasca fechada, mas
quem lá vem…El rei D.Sebastião? Um deja vu?
(pausa)
Eh pá se vem lá o Sebastião, como era a canção? Sebastião come tudo tudo tudo, é mais
um que vem para comer…mais um à sopa de massa! Olha, é pá, caralho de vida é mais
com os bolsos a abanar, isto está pior que merda cada vez mais gente em stand by…
(pega no saco da sopa) A Massa! Massa com massa! Não, sopa de massa é isso mesmo,
a minha velha sopa de massa, não a servem de outra maneira, mentira, às vezes põem
agriões…e cifrões a mais, tá visto por mais que digam que façam, que lutem que
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esbracejem, a massa é que interessa, o segredo está na massa, somos todos muito
amiguinhos, mas na hora da massa, nem, há misericórdia que valha, nem Banco
Portugal, nem FMI –o cego tenta tirar-lhe a sopa- eh pá qué lá isso? Primeiro é aqui o
chefe, le patron, quanto é que fizeste hoje? Nada! Quem não trabuca não manduca, estás
a perceber, ou seja quem não lucra não manduca (vai comendo) eu vou-te explicar a
sociedade humana é como uma pirâmide do Gize- do Zé, pronto do Zé! Tas a perceber,
Lá em cima és o chefe, o que tem o power tas a perceber, mandas muito e carregas
pouco, cá em baixo, carregas muito e mandas pouco, é assim, ainda não se inventou
melhor. Agora percebe, eu estou lá em cima e tu estás cá em baixo estás a perceber a
nossa relação bilateral: estamos assim (põe-se ao lado do outro) estamos lado a lado,
mas eu lá em cima da pirâmide do gize e tu cá em baixo bilateralmente falando. (utiliza
o caixote do lixo para fazer a demonstração) (fica lá em cima)
Cá de cima é que é! O mundo à disposição
Toca aí o hino (o cego toca a portuguesa)
Não é esse, esse agora está em contenção orçamental
Toca outro!
(o cego toca o hino americano)
Acaso estamos em wash ping pong?
Não, o outro
(Toca o hino da Liga dos campeões (UE))
Esse, esses é que somos nós agora
Tão lindo, parece que estamos no cimo de uma montanha
Ich bin ein berliner!
A Merkel até deu um sorrisinho nas virilhas coitadinha!(aparte)
Um mundo desigual, mas tão bonitinho!
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(Canta)
Do império do Gengis Kahn
À Europa de toda a gente à rasca
O pobre sempre rapa bem a sertã
Ou só lhe resta beber copos na tasca
Olha pra eu aqui a fazer rimas…
Enquanto não vem o D.Sebastião
Tudo parece um deja vu
Uns ricos que bem almoçam
Outros pobres levam no….
Eh pá tá-me a dar pra piada….
É tudo um caralho de vida, mas um … das Caldas
Se é que inda dão emprego a caralhos,
Quero dizer aos caralhos das caldas,
O caralho dos empregados das caldas…
Senão ficam desempregados…como o meu…coitadinho meio mirradinho…
É do briol…
Por falar em briol, temos que ir ao tintol
Ora vamos lá ver o orçamento,
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Quanto tens aí? De quê?
De massa do que havia de ser
Ora tabém 7 heróis, mais, 3 moedas de 5 cts faz 7, 15
Tira o sapato, mais 60 cts do tesouro nacional
Vai às cuecas, e da reserva em divisa um cheque de 5 heróis
O que fizeste aos 2 heróis que te dei ontem?
Ah pois não falas toca na escala
(Músico toca um Sol)
Ora Sol é vinho, pois foste ao vinho
Mas havia troco, ou não?
(Toca 3 ré)
Ré é 5 cts- ah tabém, 5x3 15 cts- ah são os 15 cts que acabei de contabilizar
Correcto confere.
…
Olha para começar não tá mau…!
O Carlos, o dr. Carlos esse imperador das avenidas, dizia-me ele:
Jorge!
Não chega procurar o lado A da vida! Andar aí a caguinchar uma sopa, uma esmolinha,
uma caridadezinha, tu tens de mudar! Dizia-me ele do alto dos seus vinte anos de rua,
O mal está em ti. Queres ser vadio toda a vida? Não passar de gato-sapato? Seres a
chacota dos outros. O lado A vive em ti, tens de o encontrar! Ah já sei, retorquia eu, é
como o ying e o yang não é? Aquelas coisas dos chinocas? Ò Sr., Carlos tenha piedade,
dizia-lhe eu, isso é coisa do diabo, não quero ficar com os olhos em bico, não se pode
fazer isso com um copo de vinho branco e outro de tinto?
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- Brincadeiras Sr. Jorge você é um brincalhão dos diabos, você para melhorar tem de
perder essa coisa de tuga que está apegada ao seu coiro original
-Perder o tuga? Mas isso é demoníaco, é coisa de masoquista, qual é o tuga que quer
deixar de ser tuga?
Dirige-se ao público
- Você aí! Conseguia perder o seu tuga, deixar de tirar macacos no nariz e limpar às
calças? Conseguia, você é um herói; você também é um bocado branquela, deve
descender do franciú qualquer. ; deixar de escarrar pró chão, mijar atrás de uma árvore;
não respeitar as regras de trânsito; deixar de coçar a colhoeira em público, deixar de
satirizar qualquer figura pública? Não, Sr., Carlos, deixar de ser tuga não, era com se me
tirassem as vísceras, era perder a minha identidade, deixar de ser e não ser, e a poesia?
Como eu iria viver sem ela, perder este santo pasmo às coisas, largar este fado de
perdedor inato, ser incorruptível Sr., Carlos, como iria sobreviver sem ser às custas do
estado, sem a inveja ao vizinho, como iria florir a minha planta do ódio que rego todos
os dias com a dúvida a tudo ou com a ironia anedótica? Sem sarcasmo? Como iria fazer
a digestão sem arrotar e peidar-me em público? Piedade Sr. Carlos não me tire por favor
o meu sebastianismo heróico a minha aversão à vitória, à pequenez da minha ambição,
- Calma, calma sr. Jorge, não (escarra) chegarei tão longe, perder o tuga nos dias que
correm é como beijar a pila do FMI e depois acabar enrrabado. À falta de melhor temos
de ter sempre o nosso tuga à mão, é como um extintor de serviço, Quando vierem aí os
hipócritas todos das Europas, a gente beija-lhes a mão Mas faz fisgas ao diabo, que se
não é português é pelo menos luso descendente.
-Não, o que você deve fazer é montar um negócio, tornar-se empreendedor!
- Emprenhador Sr. Carlos? Mas eu já estou na casa dos 50 e vejo-me à rasca para
arranjar viagra…
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- Em-pre-en-de-dor!
- Em…. de dor. O que é isso, coisa que magoa?
- Empreendedor Sr. Carlos é a coisa mais nobre do ser humano
Um empreendedor é, Sr. Filipe, ao enviés de si, um homem que não se resigna ao vazio
da estagnação, um homem positivo, inovador, que vê onde se não vê, um homem de
horizontes, criativo que descobre novos caminhos para o progresso, para o
desenvolvimento pessoal e social, um homem que decidiu virar costas ao infortúnio,
à pobreza, que visa a riqueza através de métodos capazes de fazer abrir fendas na
escuridão da ignorância, um homem que traz à humanidade uma luz de novo
conhecimento, fermento de novas estratégias e métodos de trabalho capazes de
alavancar o seu desenvolvimento.
- Isto o que é, seu Filipe? (apanha uma pedra)
- É um calhau.
- O que faria com ele?
- Não sei, geralmente aproveito-os para atirar aos cães que me andam sempre a ver se
me comem a sopa de massa.
- Não Sr. Filipe, isto não é um calhau, para um verdadeiro empreendedor isto é mais que
um calhau sem utilidade nenhuma. Este calhau é muito simples um elemento gerador de
capacidade criativa e produtiva. Deste calhau como lhe chama, um empreendedor pode
ver um pedaço de rocha, capaz de conter algumas micas e cristais de quartzo, para um
empreendedor, ele é capaz de produzir a partir deste simples “calhau” meia dúzia de
anéis com cristais de quartzo, por exemplo, arregimentar meia dúzia de vadios como o
sr, tornando-os novos colaboradores seus, que devidamente instruídos, imbuídos de
conhecimentos de marketing, employment branding, poderão distribuir em larga escala
este produto, que na natureza não cumpriam função nenhuma, e assim foram dotados de
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capacidade de produzir riqueza tanto para o empreendedor como para os seus
colaboradores. Ou de outra maneira, olhando este calhau um empreendedor pode ver
muito simplesmente uma fonte de riqueza, no simples exercício de coleccionismo,
(o músico reage com som)
- Como assim?
- Como sabe Sr. Filipe, os calhaus não são todos iguais, no exercício do trabalho
científico de marketing, o nosso empreendedor pode criar o desejo ou a simples vontade
no comprador coleccionista, o interesse em este adquirir vários tipos de calhaus como
meio, por exemplo de coleccionar exemplares rochosos característicos de determinada
região…
- Muito bem pensado, nunca pensei que um calhau pudesse dar tanto trabalho
- Trabalho Sr. Filipe, é uma dádiva do céu, nos dias que correm…
- Alto lá! Trabalho já tenho eu com fartura, pôr estes ossos a funcionar, para palmilhar
várias léguas à procura de sustento
- Sr. Filipe, não se resigne, para dizer a verdade o empreendedor não visa procurar
trabalho, o empreendedor visa mais além, a sua própria progressão, a melhoria da sua
condição de vida
- Ah! Isso é que é falar dessa gramática já percebo eu, visa, qualquer coisa cá pró
“mois”
- Pois pró “mois”, isso Sr. Filipe para si e para chegar com algum ao fim do “mois”, tá
entender?
- Fiquei a macucar naquilo.
Ó mudo, tas a ver, tens de continuar a confiar em mim eu é que sou o verdadeiro
empreendedor.
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Temos de dar a volta à situação, não basta esta coisa do mudinho e do ceguinho a pedir
esmola, temos de ser mais criativos ser mais “emprenhadores” (o músico toca uma nota
em tom de negação)…pois aquela coisa de empresário.
Bem, o que temos:
Recursos humanos, ou melhor dizendo sub-humanos: tu, eu, a Mariazita, uma boa
charola de vadios, recursos dotados de capacidade produtiva?! Só estou a ver nós
próprios… a sopa de massa e o lixo! O que se faz com o lixo? (pega no lixo) Eh pá o
que eu dava por uma boa litrada, parece-me que o vinho também é um bom recurso com
capacidade criativa. O caraças da tasca do Antunes, que horas são isto, seis da manhã
pra aí, deve estar aquele melro a dormir a bom sono solto e deixa aqui os seus melhores
clientes apeados, isto já não há moral nenhum, o cliente tem sempre razão, pulhas do
caraças são todos uma cambada de chulos…
(voz de fora) – Vamos a calar, que há gente a descansar, amanhã é dia de trabalho!
- Levante-se mais cedo, seu trabalhador passivo do rebéubéu pardais ao ninho- você está
a incomodar um emprenhador, um criativo que está à procura do auge do seu génio
produtivo.
- Beba menos vinho seu vadio do caralho
- Veja com quem fala, pois pode muito estar a falar com um futuro Bill Gates lusófono.
Olha-me só esta gente, lá porque são licenciados no horário das 9 às 7, pensam que são
os donos do mundo!
Bem onde é que a gente ia? No lixo, pois então, o que fazemos com isto?
(começa a mexer no lixo)
- Garrafas de Coca-Cola, eh pá são mais de 20, este individuo devia estar com um sede
imperialista americana, deve estar agora com uma diarreia também bem imperial (toca o
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músico) querias uma imperial? Pois isso só te faz mal, inda se fosse de tintol da reserva
do Antunes…que é isto? Dois botins, um chapéu de coco avariado e um chapéu-de-
chuva esventrado, que diabo faz a gente com isto? Uma manta cheia de bolor, latas de
sardinha, uma rede de pesca, esta gente é maluca, põem tudo no lixo.
Eh pá!
Chega-te aqui mais pra mim
Dá uma volta! (o músico obedece)
Músico temos.
Parlapeador também, jusque moi
A Mariazita quando aparecer até pode fazer um strip ou qualquer coisa de….
De….
É é.
De CABARET! Arte! Eu só faço arte! Alguém falou em strip? (pega num funil do lixo)
eu só faço Arte! Eu sou um artista (dirige-se se ao público) o nu é divino, ó seu tuga do
cassetete! Até parece que não gostava de andar pra aí de pirilau à mostra?
Vamos fazer um cabaret mano
(Montam um cabaret com material do lixo.)
Enquanto montam o palco toca música de banda sonora
Eminem déjà vu
Carlos Filipe monta tudo em mímica cómica, dando ordens constantemente ao músico
cego. Este não faz nada só anda de um lado para outro sem fazer nada de jeito.
Não te embebedes de tanto trabalhar
Vamos lá a isto,
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Toca!
(música toca “the entertainer”)
(Carlos Filipe imita um sapateado todo avariado, truque com o chapéu, truque com
lenço)
Madamas messieurs,
Senhoras e Senhores
Público em geral, todo o mundo em particular…
(chega a Mariazita)
Filipe – Chegas mesmo a tempo, começámos mesmo há pouco um emprenhimento
Que nos vai catapultar de nós mesmos do lado B, para nós mesmos do lado A- assim
um loop, uma espécie de déjà vu à portuguesa tas a ver? A merda é a mesma, cheira ao
mesmo mas com a novidade do dinheiro, de vira-lata pra bate-chapa, mas dos grandes
tipo face oculta internacional.
Mariazita – Eh pá! E já começaram os treinos? Tou cá cum orgasmo pra ser vedeta…!
Filipe – Isto não são treinos, chamam-se ensaios, estamos no teatro caraças!
Mariazita – Eu gosto mais de cinema, dá mais Hollywood (faz o gesto com os dedos de
dinheiro)
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Filipe – Mas do teatro ao cinema é um pulo, podes até vir a ser mais que a mandona ou
a Gaga, garganta não te falta!
Mariazita – Ah, pois não, havias de ver no Chiado os gritos que eu dava das dores
supostas do meu outro…
Filipe – Útero, queres dizer.
Mariazita – Pois do outro. O turistame é que não estava pelos ajustes, só juntei 5 cts
depois apareceram os chuis e tive cavar pela rua do Carmo abaixo. Rua do Carmo!
(canta)
Filipe – Ganda maluca! Até me dás comichões no coração. Mas olha, podias fazer essa
prosápia das canções aqui no cabaret, ou desfrangalhar as calças e fazer da Shaquica ou
lá o que é… ou ainda melhor calçavas umas meias e fazíamos um cabaret a sério, tipo
Lisa Minnelli “à rasca”
Mariazita – Tas-me a pedir um strip, olha que sou só nódoas negras… não! E o teatro
não me interessa verdadeiramente.
Filipe – O teatro…Mariazita, o teatro é o lado A da vida, dizia-me assim o Doutor
Carlos:
- É a vida sem lados melhor dizendo, sem margens, é a vida contrita e não contrariada
Sr. Filipe…
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Mariazita – Mas quem é esse Carlos…tu chamas-te também Carlos, Carlos Filipe, não
será que…
Filipe (incomodado) – Não me interrompas! O teatro, Sr. Filipe é o “Se”, se a vida fosse
assim, se pensássemos assim ou assado (inflexão) (Mariazita esfrega a barriga); é a
ficção, a extraordinária projecção de nós mesmos sobre uma vida hipotética, especial
que nos sublima e eleva a um zen que faz renascer os espectadores como novos seres
humanos. O Homem diante do Homem, o conflito alquímico do pensamento humano,
heróis, deuses ou mundanos, a formidável aventura do homem sobre a Terra. Guerras e
paixões, recônditos sentimentos, conceitos e preconceitos, costumes e virtudes, o
espelho para além do espelho, o belo, o grotesco, sexo, a luxúria ou pecado, o homem
no homem, o mundo no palco….
Mariazita – Eh pá, tanta fruta, nunca tinha visto o teatro por esse lado…
Filipe – Qual lado Mariazita? O teatro é o mais belo emprenhimento do homem, só nos
pode conduzir ao nosso próprio lado A…
Mariazita – Falas como se fosses tu próprio o Carlos, esse Dr. Carlos, quem és tu?
Quem foste tu?
Filipe – Quem fui eu? (destroçado) Mariazita já não sei quem fui…algures perdi-me…
Estou cansado…que dia é hoje?
Mariazita (faz-lhe uma festa) (o músico toca serenade) – um dia de Primavera, algures
neste mundo as flores já abrem ao Sol…
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Filipe olha para ela admirado de a ver falar naquele tom.
Mariazita – Eu também andei na escola!
Músico toca nessum dorma ou playback
Filipe e Mariazita dançam…
Filipe - Mariazita se isto não der certo quero-te mesmo assim a meu lado
Mariazita - Ó Filipe! Olha que eu sou mulher pra dois e dois serem quatro!
Filipe - (entusiasmado) Cinco ou seis Mariazita, podemos ter um teatro, quem sabe um
dia aparecer no 5 pra meia noite
Mariazita – Eu amo você! Eu amo você!
Filipe – Ó Mariazita tou surpreendido
Mariazita - Eu amo você! Nunca viste o programa do Nilton? Eu amo você!
Filipe - Nunca vi, mas digo-te aqui em nome da maior erecção que já tive, eu também
amo você, se isto do teatro der certo podes crer que até te monto casa em Carachi, ou no
maior bairro de lata que houver, se for preciso
Mariazita - Não eu adorava uma casa na favela do rio de Janeiro, sabes o pôr-do-sol na
baía, ou passear no calçadão…
(o músico toca uma nota em falso) F – claro Tu também vais! Serás o nosso
outsourcing! Isto é que é emprenhimentorismo!
(olham-se os dois enternecidos)
Filipe - Sair daqui
Mariazita – Melhorar a nossa bitola
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Filipe – Rumar a nova vida
Mariazita – Enveredar por novos arruamentos
Filipe – Prospecturar
Mariazita - Fomentar os caparros dos nossos skills
Filipe – Emprenhorar
Mariazita - Eh pá tem lá cuidado, não ma rebentes o outro
Filipe - E quando ultrapassarmos os horizontes do amanhã, chegaremos à cereja no topo
Mariazita - Eh pá falas-me pró outro e para a barriga, eu vou contigo pá
Quando a música acaba…
Filipe – Podemos ser quem quisermos… (continua como sonâmbulo)
“Ser ou não ser…” (ajoelha-se com o cotovelo no joelho e o punho no queixo)
Mariazita – “Eis a questão” (dramatizam) (dá uma cambalhota e ergue-se abrindo os
braços em “apresentação”)
Filipe – Isso, vamos ao trabalho: “Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e
arremessos do fado sempre adverso, (coloca as mãos na zona do coração)
Mariazita – “…ou armar-se contra um mar
de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes?” (em silhueta os dois – Mariazita
que pega no chapéu de chuva só com varetas, desfecha-o no peito de Filipe “varando-o”
em falso)
Filipe – (cai, varado quase morto) - Morrer... dormir... mais nada... Imaginar que um
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sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a
natural herança da carne, é solução para almejar-se. Morrer.., dormir... dormir...
(esfregando-se no chão)
Mariazita – Talvez sonhar!? (num registo vulgar, dirigindo-se a Filipe)
Filipe – “É aí que bate o ponto”, precisamente Mariazita.
(agora Filipe coloca-se fora do palco onde estavam declamando em representação
dramática, agora como de encenador se tratasse, Mariazita “envolve-se” no papel de
Hamlet)
É aí que bate o ponto! (imperativo como encenador dando ordens) – repete!
Mariazita – Talvez sonhar!? (noutro registo, ingénuo)
Filipe – Repete!
Mariazita – Talvez sonhar!? (noutro registo, heróico)
Filipe – Repete!
Mariazita – Talvez sonhar!? (noutro registo, patético)
Filipe – Repete!
Mariazita – Tás m’a dar a volta à cornucópia- Eh pá! Toca aí qualquer coisa caliente!
(músico toca Gato Barbieri) Talvez sonhar!?(lasciva) (faz strip, põe óculos escuros)
Filipe – Ora aí está! Qualquer coisa que se veja!
Mariazita – “O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando por
fim desenrolarmos toda a meada mortal, (tira mais roupa) nos põe suspensos. (tem umas
cuecas com suspensórios)
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Filipe – Eh pá! Não te sabia tão avariada! Espera aí! (traz um varão que o coloca no
suporte de uma roda de automóvel) agora já te podes espraiar pra aí toda!
Mariazita – (continua lasciva) – “O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da
morte, quando por fim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos.”
(suspensa no varão)
Filipe – Touché! (entusiasmado louco) – “É essa ideia que torna verdadeira calamidade
a vida assim tão longa!” rouge! Metam rouge, red, encarnado, essa panóplia toda de
holofotes caralho, quero isto mais “hot” quero o parlamento todo a arder” mais pesado
que a crise patriótica – mais perverso que o juro da dívida soberana - Teatro! Luz!
Acção!
(Toca música de cabaret)
Mariazita – (dança como no “cabaret” com uma cadeira) “Pois quem suportaria o
escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, a
agonia do amor não retribuído, as leis amorosas, a implicância dos chefes e o desprezo
da inépcia contra o mérito paciente, se estivesse em suas mãos obter sossego com um
punhal? Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo, se não por temer algo
após a morte - terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou - que nos inibe
a vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refúgio noutros
males ignorados? De todos faz covardes a consciência. Desta arte o natural frescor de
nossa resolução definha sob a máscara do pensamento, e empresas momentosas se
desviam da meta diante dessas reflexões, e até o nome de…”
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Filipe – Acção! Comecem as rodagens! Carreguem os pianos, dobrem o pano da tenda,
liguem o motor de arranque dos camiões- temos teatro caralhos! Isto vai dar panos pra
mangas, pode ser melhor que ganhar o Euromilhões ou ser deputado na Lusotugânia,
melhor que ir à lua montado num foguetão:
O grande teatro de vaudeville- parece que já tou a ver no parque Mayer sempre em
obras “Filpe e& Mariazita e o…coiso!” live Show-
É pá podíamos ir até ao Capitólio com isto, isto é teatro de alto gabarito- Se o
Shakespeare aqui estivesse e visse isto até se babava todo em direitos de autor na praia
do Dubai. Isto é demais, até quase fiquei sóbrio com a prosápia da rapariga – Oh
Mariazita tens é de tratar da depilação e fazer qualquer coisa por esses sovacos – tá cá
um cheiro
Mariazita – Qué que queres? Querias a Winnona Ryder on the rock logo à primeira?
Filipe – Já nos tou a ver na Broadway, em letras garrafais “Filipe, Mariazita & o coiso”
Mariazita - É pá é tão lindo!
Filipe - Conquistaremos o mundo, iremos a tudo o que é talk show na tv
Mariazita - E podemos fazer anúncios até aos detergentes de lava louça
Filipe – Teremos um pequeno apartamento na torre do Dubai
Mariazita – Claro que vai, vai ele e vou eu também!
Filipe - Poderemos até ter um carro híbrido ou talvez painéis solares em nossa vivenda
Mariazita - Poderemos comer todas as pipocas do mundo vendo novelas do mundo
inteiro
Filipe – Posso até ser primeiro-ministro de um país desenvolvido
Mariazita - Claro! E eu posso ser a tua ministrazinha do tesouro
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Filipe - Ai meu tesouro (agarra-a) até te dou o aqueduto das águas livres ou as cataratas
do Niágara
Mariazita - Só me dás água?
Filipe - Beberás champanhe num jacuzzi de ouro
Mariazita - Ai Filipe! Até me psicanaliso toda se isto for pra frente
Filipe – Dotar-te – ei de um livro de cheques com mais páginas que a bíblia
Mariazita - Ai que linda literatura! Sabes falar-me ao coração e à carteira,
Filipe - Teremos uma famí…
(as luzes acendem e apagam)
- Eh pá, quem lá vem? É um vulto pessoano, três heterónimos mas com a mesma farda,
devem ter republicado o Fernando Pessoa. Pois bom dia também para ustedes Ah! Não
são Filipes, quer dizer castelhanos? Não vêm fazer mal cá ao tuga pois não? é que eu
sou do tempo da guerra da Independência, do nosso herói D. Nuno, daquele santo que
matou 4 mil em 3 quartos de hora, pois claro que tenho documentação, tenho aqui
mesmo no bolso a crónica do Fernão Lopes, e o tratado das Tordesilhas no bolso
esquerdo, eu acho que o tinha aqui…armado em engraçado eu?
Ora aqui está pronto o cartão de eleitor? Não dá? Só tenho isso e umas senhas do banco.
Está-se a rir é do banco alimentar contra a fome. Não tenho mais nada, só um guarda-
chuva um rádio e 3 pensos rápidos, também penso rápido quando quero, quer dizer
quando lhe apetece (aponta para a cabeça)
Ó seus caralhos! Vêm foderem-me o negócio- Olhem seus chuis do caralho- olhem que
eu tenho licença de porte de arma! Querem tirar-me a ….o massa! Licença? Mas desde
quando é que o passeio público não é pró público. Eu estou a dar teatro às massas Sr.,
policia-chui, sou diplomado em sopa de massa pela entidade reguladora da santa casa da
misericórdia,
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Filipe - Para onde vou? Vou para o lado A…e não são vocês que me vão impedir, não
toquem aí no meu teatro isto é tereno sagrado, quem pensam que são? Vêm a mando de
quem? Não (abre a camisa) para desfazerem o teatro têm de me desferir balas no meu
peito….(desfalece)
Mariazita – Não me levem o homem! (melodramática)
Filipe – Mariazita! Vou desta pra melhor (simula desmaio) ai que agora é que dói o
ribonuckleico do fígado, o ácido úrico perfura-me o angioma, passe tenso no …ai
Mariazita do meu coração! (cai como morto)
Apagam-se as luzes a piscar
(o cego toca um requium qualquer)
Chora como uma verdadeira carpideira
Filipe acorda – Eles já se foram?
Mariazita – Ai meu malandrola, tavas a fingir…
Filipe – Onde foram eles?
Mariazita – Buscar reforços e qualquer gaita do Eminem
Filipe – Do Inem, a ambulância.
Ah Ah bem os enganei
Mariazita – Mas temos que dar corda aos sapatos – eles vão escavacar isto tudo
Filipe – Pois é!
Rapaziada, (põe-se de pé)
22
Voltamos à sopa de massa, a massa essa espécie de substância que abona a sopa dos
pobres e a bolsa dos ricos. Ai meu Afonso Henriques, diz-me lá do alto dos teus 900
anos, o que fazer? (finge que ouve) …o quê bater na minha mãe, espadeirar por aí fora e
fazer um novo Portugal, tu estás louco Henriques? Mas eu pobre de mim coitadinho que
posso fazer por esta espécie de país? Os tempos são outros, Afonsinho, agora é preciso
fazer vénias aos chineses e lamber as mãos lá aos hambúrgueres dos alemões. O que nos
resta é a sopa e o … (olha pra os outros)
Mariazita – O Antunes?
Filipe – Antunes meu infante dom Henrique põe-me a navegar, cá vou descobrindo
novas rotas marítimas para o Antunes, por vinhos nunca antes apaladados, tragados de
uma só vez….pra além da Taprobana (sai)
Mariazita – E trocas-me pelo Antunes
(aproxima-se dela enamorado)
Não meu love
O Antunes é um entreposto
Daqui vamos pr´~oooooooo…..Porto do porto pra Amesterdão, faremos operetas em
Paris, FAREMOS GARRET NO SCALADE Milão! Recitaremos Camões nos maiores
teatros (olha para ela)
Tu és o meu lado A!
Mariazita – Carlos Filipe! Dr. Carlos!
Filipe - Olha um deja vu! Mas foi há muito tempo…
Filipe – Sim sou eu, é uma longa estória
23
Mas que vejo, é D. Sebastião? Claro Antunes põe mais bagaço na zurrapa, falaremos de
História e emprenhendorismo… Sabes quem sou? Sou o teu coach branding, podemos
falar de negócios Antunes…podemos transformar esta taberna num activo importante,
recursos tens, mas teremos que ver se são tóxicos, sabes na economia…. (vai saindo)
…………………….
Mariazita –“Sic”, Dr. Carlos Filipe! (pausa) Pensava que eras um cona de sabão! (sai
atrás)
Músico toca A Wonderful World de L.Armstrong
Fim

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  • 1. 1
  • 2. 2 Sopa de Massa II Déjà vu de Constantino Alves Um contentor do lixo em cena, um homem (Carlos Filipe) dentro com as pernas de fora. Um homem cego toca saxofone(pode ser um boneco). Toca qualquer coisa lenta e quente. Voz de Carlos Filipe – Agora toca Coltrane (músico obedece) …. Não, toca Chet Baker… (músico toca), é muito deprimente, Getz, Stan Getz, (músico toca), Gato Barbieri aquela que ele toca com o Santana! Isso faz pela vida. Eh! Eh, isto parece o Royal Palace de Londres, ou o Hilton de Nova Iorque, cama larga, com vista para a rua, música on demand. Eh! Eh! Sou o patrão da coisa. (ergue-se do contentor) Cadê os meus colaboradores? Só um? Onde é que está o outro melro? (pausa) ficou o que não fala? Ah?! E o que não vê! O outro, quero dizer, a gaja… Deve ter ido pró Chiado fazer o turistame todo, e depois quando acabar a guita vem aqui outra vez bater à sopa de massa! Mas desta vez quando andar aí corrido pelos chuis todos e ninguém lhe der abébias, não leva nenhuma senha da Santa Casa, nem que peça misericórdia, achas que eu não sou homem para isso? Olha aqui pra este Armani (aponta pra o seu fato muito curto nas mangas e nas perneiras das calças) estás a ver estes acabamentos todos (aponta para enormes nódoas no fato) isto até fazia o Berlusconi chorar de inveja! Li noutro dia, num correio da manha
  • 3. 3 qualquer que andava aí a rebolar no lixo, que esse gabirú tinha sido alfaiate, de fatos percebe ele, depois é que deu-lhe aquele “de facto” tenho de comprar o mundo todo pra mim, pra minha barriga… Ah, tu não vês nada! Pois é melhor não veres não perdes nada… também tá tudo escuro! Que horas é isto caralho? (pausa) são horas da barriga vazia da sede incontornável… isto tá preto, pois olha estamos iguais eu também estou ceguinho de todo! Tu não vês…mas se visses…Olha, se tivesse o juízo todo empacotado assim todo tipo comercial ‘inda podia ser um top model! (faz poses) (músico toca) Sou uma espécie de Armani man, ó seja mais tipo Armando tipo tuga- assim Armani com massa, massa mas da sopa de massa, tas a perceber? Ah, também és mudo, nem sabes o que perdes, falar é um dom dos diabos, desemerdamos-se assim todos de botar o paleio todo cá para fora, extrovertemos pá, assim a coisa fica mais fácil, que isto de ficar aqui com o mundo a dar voltas no carrocel (aponta para a sua cabeça) é coisa do diabo, não é que eu tenha alguma coisa contra o diabo que até é um tipo com muita piada, assim todo em pulgas, vermelhinho tipo Benfica, danadinho pra chatear a malta… é …era o que eu precisava alguém que me chateasse de vez em quando…ficava a coisa mais picante…o que eu dava por uma bebidinha, o sacana do Antunes a esta hora tem a tasca fechada, mas quem lá vem…El rei D.Sebastião? Um deja vu? (pausa) Eh pá se vem lá o Sebastião, como era a canção? Sebastião come tudo tudo tudo, é mais um que vem para comer…mais um à sopa de massa! Olha, é pá, caralho de vida é mais com os bolsos a abanar, isto está pior que merda cada vez mais gente em stand by… (pega no saco da sopa) A Massa! Massa com massa! Não, sopa de massa é isso mesmo, a minha velha sopa de massa, não a servem de outra maneira, mentira, às vezes põem agriões…e cifrões a mais, tá visto por mais que digam que façam, que lutem que
  • 4. 4 esbracejem, a massa é que interessa, o segredo está na massa, somos todos muito amiguinhos, mas na hora da massa, nem, há misericórdia que valha, nem Banco Portugal, nem FMI –o cego tenta tirar-lhe a sopa- eh pá qué lá isso? Primeiro é aqui o chefe, le patron, quanto é que fizeste hoje? Nada! Quem não trabuca não manduca, estás a perceber, ou seja quem não lucra não manduca (vai comendo) eu vou-te explicar a sociedade humana é como uma pirâmide do Gize- do Zé, pronto do Zé! Tas a perceber, Lá em cima és o chefe, o que tem o power tas a perceber, mandas muito e carregas pouco, cá em baixo, carregas muito e mandas pouco, é assim, ainda não se inventou melhor. Agora percebe, eu estou lá em cima e tu estás cá em baixo estás a perceber a nossa relação bilateral: estamos assim (põe-se ao lado do outro) estamos lado a lado, mas eu lá em cima da pirâmide do gize e tu cá em baixo bilateralmente falando. (utiliza o caixote do lixo para fazer a demonstração) (fica lá em cima) Cá de cima é que é! O mundo à disposição Toca aí o hino (o cego toca a portuguesa) Não é esse, esse agora está em contenção orçamental Toca outro! (o cego toca o hino americano) Acaso estamos em wash ping pong? Não, o outro (Toca o hino da Liga dos campeões (UE)) Esse, esses é que somos nós agora Tão lindo, parece que estamos no cimo de uma montanha Ich bin ein berliner! A Merkel até deu um sorrisinho nas virilhas coitadinha!(aparte) Um mundo desigual, mas tão bonitinho!
  • 5. 5 (Canta) Do império do Gengis Kahn À Europa de toda a gente à rasca O pobre sempre rapa bem a sertã Ou só lhe resta beber copos na tasca Olha pra eu aqui a fazer rimas… Enquanto não vem o D.Sebastião Tudo parece um deja vu Uns ricos que bem almoçam Outros pobres levam no…. Eh pá tá-me a dar pra piada…. É tudo um caralho de vida, mas um … das Caldas Se é que inda dão emprego a caralhos, Quero dizer aos caralhos das caldas, O caralho dos empregados das caldas… Senão ficam desempregados…como o meu…coitadinho meio mirradinho… É do briol… Por falar em briol, temos que ir ao tintol Ora vamos lá ver o orçamento,
  • 6. 6 Quanto tens aí? De quê? De massa do que havia de ser Ora tabém 7 heróis, mais, 3 moedas de 5 cts faz 7, 15 Tira o sapato, mais 60 cts do tesouro nacional Vai às cuecas, e da reserva em divisa um cheque de 5 heróis O que fizeste aos 2 heróis que te dei ontem? Ah pois não falas toca na escala (Músico toca um Sol) Ora Sol é vinho, pois foste ao vinho Mas havia troco, ou não? (Toca 3 ré) Ré é 5 cts- ah tabém, 5x3 15 cts- ah são os 15 cts que acabei de contabilizar Correcto confere. … Olha para começar não tá mau…! O Carlos, o dr. Carlos esse imperador das avenidas, dizia-me ele: Jorge! Não chega procurar o lado A da vida! Andar aí a caguinchar uma sopa, uma esmolinha, uma caridadezinha, tu tens de mudar! Dizia-me ele do alto dos seus vinte anos de rua, O mal está em ti. Queres ser vadio toda a vida? Não passar de gato-sapato? Seres a chacota dos outros. O lado A vive em ti, tens de o encontrar! Ah já sei, retorquia eu, é como o ying e o yang não é? Aquelas coisas dos chinocas? Ò Sr., Carlos tenha piedade, dizia-lhe eu, isso é coisa do diabo, não quero ficar com os olhos em bico, não se pode fazer isso com um copo de vinho branco e outro de tinto?
  • 7. 7 - Brincadeiras Sr. Jorge você é um brincalhão dos diabos, você para melhorar tem de perder essa coisa de tuga que está apegada ao seu coiro original -Perder o tuga? Mas isso é demoníaco, é coisa de masoquista, qual é o tuga que quer deixar de ser tuga? Dirige-se ao público - Você aí! Conseguia perder o seu tuga, deixar de tirar macacos no nariz e limpar às calças? Conseguia, você é um herói; você também é um bocado branquela, deve descender do franciú qualquer. ; deixar de escarrar pró chão, mijar atrás de uma árvore; não respeitar as regras de trânsito; deixar de coçar a colhoeira em público, deixar de satirizar qualquer figura pública? Não, Sr., Carlos, deixar de ser tuga não, era com se me tirassem as vísceras, era perder a minha identidade, deixar de ser e não ser, e a poesia? Como eu iria viver sem ela, perder este santo pasmo às coisas, largar este fado de perdedor inato, ser incorruptível Sr., Carlos, como iria sobreviver sem ser às custas do estado, sem a inveja ao vizinho, como iria florir a minha planta do ódio que rego todos os dias com a dúvida a tudo ou com a ironia anedótica? Sem sarcasmo? Como iria fazer a digestão sem arrotar e peidar-me em público? Piedade Sr. Carlos não me tire por favor o meu sebastianismo heróico a minha aversão à vitória, à pequenez da minha ambição, - Calma, calma sr. Jorge, não (escarra) chegarei tão longe, perder o tuga nos dias que correm é como beijar a pila do FMI e depois acabar enrrabado. À falta de melhor temos de ter sempre o nosso tuga à mão, é como um extintor de serviço, Quando vierem aí os hipócritas todos das Europas, a gente beija-lhes a mão Mas faz fisgas ao diabo, que se não é português é pelo menos luso descendente. -Não, o que você deve fazer é montar um negócio, tornar-se empreendedor! - Emprenhador Sr. Carlos? Mas eu já estou na casa dos 50 e vejo-me à rasca para arranjar viagra…
  • 8. 8 - Em-pre-en-de-dor! - Em…. de dor. O que é isso, coisa que magoa? - Empreendedor Sr. Carlos é a coisa mais nobre do ser humano Um empreendedor é, Sr. Filipe, ao enviés de si, um homem que não se resigna ao vazio da estagnação, um homem positivo, inovador, que vê onde se não vê, um homem de horizontes, criativo que descobre novos caminhos para o progresso, para o desenvolvimento pessoal e social, um homem que decidiu virar costas ao infortúnio, à pobreza, que visa a riqueza através de métodos capazes de fazer abrir fendas na escuridão da ignorância, um homem que traz à humanidade uma luz de novo conhecimento, fermento de novas estratégias e métodos de trabalho capazes de alavancar o seu desenvolvimento. - Isto o que é, seu Filipe? (apanha uma pedra) - É um calhau. - O que faria com ele? - Não sei, geralmente aproveito-os para atirar aos cães que me andam sempre a ver se me comem a sopa de massa. - Não Sr. Filipe, isto não é um calhau, para um verdadeiro empreendedor isto é mais que um calhau sem utilidade nenhuma. Este calhau é muito simples um elemento gerador de capacidade criativa e produtiva. Deste calhau como lhe chama, um empreendedor pode ver um pedaço de rocha, capaz de conter algumas micas e cristais de quartzo, para um empreendedor, ele é capaz de produzir a partir deste simples “calhau” meia dúzia de anéis com cristais de quartzo, por exemplo, arregimentar meia dúzia de vadios como o sr, tornando-os novos colaboradores seus, que devidamente instruídos, imbuídos de conhecimentos de marketing, employment branding, poderão distribuir em larga escala este produto, que na natureza não cumpriam função nenhuma, e assim foram dotados de
  • 9. 9 capacidade de produzir riqueza tanto para o empreendedor como para os seus colaboradores. Ou de outra maneira, olhando este calhau um empreendedor pode ver muito simplesmente uma fonte de riqueza, no simples exercício de coleccionismo, (o músico reage com som) - Como assim? - Como sabe Sr. Filipe, os calhaus não são todos iguais, no exercício do trabalho científico de marketing, o nosso empreendedor pode criar o desejo ou a simples vontade no comprador coleccionista, o interesse em este adquirir vários tipos de calhaus como meio, por exemplo de coleccionar exemplares rochosos característicos de determinada região… - Muito bem pensado, nunca pensei que um calhau pudesse dar tanto trabalho - Trabalho Sr. Filipe, é uma dádiva do céu, nos dias que correm… - Alto lá! Trabalho já tenho eu com fartura, pôr estes ossos a funcionar, para palmilhar várias léguas à procura de sustento - Sr. Filipe, não se resigne, para dizer a verdade o empreendedor não visa procurar trabalho, o empreendedor visa mais além, a sua própria progressão, a melhoria da sua condição de vida - Ah! Isso é que é falar dessa gramática já percebo eu, visa, qualquer coisa cá pró “mois” - Pois pró “mois”, isso Sr. Filipe para si e para chegar com algum ao fim do “mois”, tá entender? - Fiquei a macucar naquilo. Ó mudo, tas a ver, tens de continuar a confiar em mim eu é que sou o verdadeiro empreendedor.
  • 10. 10 Temos de dar a volta à situação, não basta esta coisa do mudinho e do ceguinho a pedir esmola, temos de ser mais criativos ser mais “emprenhadores” (o músico toca uma nota em tom de negação)…pois aquela coisa de empresário. Bem, o que temos: Recursos humanos, ou melhor dizendo sub-humanos: tu, eu, a Mariazita, uma boa charola de vadios, recursos dotados de capacidade produtiva?! Só estou a ver nós próprios… a sopa de massa e o lixo! O que se faz com o lixo? (pega no lixo) Eh pá o que eu dava por uma boa litrada, parece-me que o vinho também é um bom recurso com capacidade criativa. O caraças da tasca do Antunes, que horas são isto, seis da manhã pra aí, deve estar aquele melro a dormir a bom sono solto e deixa aqui os seus melhores clientes apeados, isto já não há moral nenhum, o cliente tem sempre razão, pulhas do caraças são todos uma cambada de chulos… (voz de fora) – Vamos a calar, que há gente a descansar, amanhã é dia de trabalho! - Levante-se mais cedo, seu trabalhador passivo do rebéubéu pardais ao ninho- você está a incomodar um emprenhador, um criativo que está à procura do auge do seu génio produtivo. - Beba menos vinho seu vadio do caralho - Veja com quem fala, pois pode muito estar a falar com um futuro Bill Gates lusófono. Olha-me só esta gente, lá porque são licenciados no horário das 9 às 7, pensam que são os donos do mundo! Bem onde é que a gente ia? No lixo, pois então, o que fazemos com isto? (começa a mexer no lixo) - Garrafas de Coca-Cola, eh pá são mais de 20, este individuo devia estar com um sede imperialista americana, deve estar agora com uma diarreia também bem imperial (toca o
  • 11. 11 músico) querias uma imperial? Pois isso só te faz mal, inda se fosse de tintol da reserva do Antunes…que é isto? Dois botins, um chapéu de coco avariado e um chapéu-de- chuva esventrado, que diabo faz a gente com isto? Uma manta cheia de bolor, latas de sardinha, uma rede de pesca, esta gente é maluca, põem tudo no lixo. Eh pá! Chega-te aqui mais pra mim Dá uma volta! (o músico obedece) Músico temos. Parlapeador também, jusque moi A Mariazita quando aparecer até pode fazer um strip ou qualquer coisa de…. De…. É é. De CABARET! Arte! Eu só faço arte! Alguém falou em strip? (pega num funil do lixo) eu só faço Arte! Eu sou um artista (dirige-se se ao público) o nu é divino, ó seu tuga do cassetete! Até parece que não gostava de andar pra aí de pirilau à mostra? Vamos fazer um cabaret mano (Montam um cabaret com material do lixo.) Enquanto montam o palco toca música de banda sonora Eminem déjà vu Carlos Filipe monta tudo em mímica cómica, dando ordens constantemente ao músico cego. Este não faz nada só anda de um lado para outro sem fazer nada de jeito. Não te embebedes de tanto trabalhar Vamos lá a isto,
  • 12. 12 Toca! (música toca “the entertainer”) (Carlos Filipe imita um sapateado todo avariado, truque com o chapéu, truque com lenço) Madamas messieurs, Senhoras e Senhores Público em geral, todo o mundo em particular… (chega a Mariazita) Filipe – Chegas mesmo a tempo, começámos mesmo há pouco um emprenhimento Que nos vai catapultar de nós mesmos do lado B, para nós mesmos do lado A- assim um loop, uma espécie de déjà vu à portuguesa tas a ver? A merda é a mesma, cheira ao mesmo mas com a novidade do dinheiro, de vira-lata pra bate-chapa, mas dos grandes tipo face oculta internacional. Mariazita – Eh pá! E já começaram os treinos? Tou cá cum orgasmo pra ser vedeta…! Filipe – Isto não são treinos, chamam-se ensaios, estamos no teatro caraças! Mariazita – Eu gosto mais de cinema, dá mais Hollywood (faz o gesto com os dedos de dinheiro)
  • 13. 13 Filipe – Mas do teatro ao cinema é um pulo, podes até vir a ser mais que a mandona ou a Gaga, garganta não te falta! Mariazita – Ah, pois não, havias de ver no Chiado os gritos que eu dava das dores supostas do meu outro… Filipe – Útero, queres dizer. Mariazita – Pois do outro. O turistame é que não estava pelos ajustes, só juntei 5 cts depois apareceram os chuis e tive cavar pela rua do Carmo abaixo. Rua do Carmo! (canta) Filipe – Ganda maluca! Até me dás comichões no coração. Mas olha, podias fazer essa prosápia das canções aqui no cabaret, ou desfrangalhar as calças e fazer da Shaquica ou lá o que é… ou ainda melhor calçavas umas meias e fazíamos um cabaret a sério, tipo Lisa Minnelli “à rasca” Mariazita – Tas-me a pedir um strip, olha que sou só nódoas negras… não! E o teatro não me interessa verdadeiramente. Filipe – O teatro…Mariazita, o teatro é o lado A da vida, dizia-me assim o Doutor Carlos: - É a vida sem lados melhor dizendo, sem margens, é a vida contrita e não contrariada Sr. Filipe…
  • 14. 14 Mariazita – Mas quem é esse Carlos…tu chamas-te também Carlos, Carlos Filipe, não será que… Filipe (incomodado) – Não me interrompas! O teatro, Sr. Filipe é o “Se”, se a vida fosse assim, se pensássemos assim ou assado (inflexão) (Mariazita esfrega a barriga); é a ficção, a extraordinária projecção de nós mesmos sobre uma vida hipotética, especial que nos sublima e eleva a um zen que faz renascer os espectadores como novos seres humanos. O Homem diante do Homem, o conflito alquímico do pensamento humano, heróis, deuses ou mundanos, a formidável aventura do homem sobre a Terra. Guerras e paixões, recônditos sentimentos, conceitos e preconceitos, costumes e virtudes, o espelho para além do espelho, o belo, o grotesco, sexo, a luxúria ou pecado, o homem no homem, o mundo no palco…. Mariazita – Eh pá, tanta fruta, nunca tinha visto o teatro por esse lado… Filipe – Qual lado Mariazita? O teatro é o mais belo emprenhimento do homem, só nos pode conduzir ao nosso próprio lado A… Mariazita – Falas como se fosses tu próprio o Carlos, esse Dr. Carlos, quem és tu? Quem foste tu? Filipe – Quem fui eu? (destroçado) Mariazita já não sei quem fui…algures perdi-me… Estou cansado…que dia é hoje? Mariazita (faz-lhe uma festa) (o músico toca serenade) – um dia de Primavera, algures neste mundo as flores já abrem ao Sol…
  • 15. 15 Filipe olha para ela admirado de a ver falar naquele tom. Mariazita – Eu também andei na escola! Músico toca nessum dorma ou playback Filipe e Mariazita dançam… Filipe - Mariazita se isto não der certo quero-te mesmo assim a meu lado Mariazita - Ó Filipe! Olha que eu sou mulher pra dois e dois serem quatro! Filipe - (entusiasmado) Cinco ou seis Mariazita, podemos ter um teatro, quem sabe um dia aparecer no 5 pra meia noite Mariazita – Eu amo você! Eu amo você! Filipe – Ó Mariazita tou surpreendido Mariazita - Eu amo você! Nunca viste o programa do Nilton? Eu amo você! Filipe - Nunca vi, mas digo-te aqui em nome da maior erecção que já tive, eu também amo você, se isto do teatro der certo podes crer que até te monto casa em Carachi, ou no maior bairro de lata que houver, se for preciso Mariazita - Não eu adorava uma casa na favela do rio de Janeiro, sabes o pôr-do-sol na baía, ou passear no calçadão… (o músico toca uma nota em falso) F – claro Tu também vais! Serás o nosso outsourcing! Isto é que é emprenhimentorismo! (olham-se os dois enternecidos) Filipe - Sair daqui Mariazita – Melhorar a nossa bitola
  • 16. 16 Filipe – Rumar a nova vida Mariazita – Enveredar por novos arruamentos Filipe – Prospecturar Mariazita - Fomentar os caparros dos nossos skills Filipe – Emprenhorar Mariazita - Eh pá tem lá cuidado, não ma rebentes o outro Filipe - E quando ultrapassarmos os horizontes do amanhã, chegaremos à cereja no topo Mariazita - Eh pá falas-me pró outro e para a barriga, eu vou contigo pá Quando a música acaba… Filipe – Podemos ser quem quisermos… (continua como sonâmbulo) “Ser ou não ser…” (ajoelha-se com o cotovelo no joelho e o punho no queixo) Mariazita – “Eis a questão” (dramatizam) (dá uma cambalhota e ergue-se abrindo os braços em “apresentação”) Filipe – Isso, vamos ao trabalho: “Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, (coloca as mãos na zona do coração) Mariazita – “…ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes?” (em silhueta os dois – Mariazita que pega no chapéu de chuva só com varetas, desfecha-o no peito de Filipe “varando-o” em falso) Filipe – (cai, varado quase morto) - Morrer... dormir... mais nada... Imaginar que um
  • 17. 17 sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne, é solução para almejar-se. Morrer.., dormir... dormir... (esfregando-se no chão) Mariazita – Talvez sonhar!? (num registo vulgar, dirigindo-se a Filipe) Filipe – “É aí que bate o ponto”, precisamente Mariazita. (agora Filipe coloca-se fora do palco onde estavam declamando em representação dramática, agora como de encenador se tratasse, Mariazita “envolve-se” no papel de Hamlet) É aí que bate o ponto! (imperativo como encenador dando ordens) – repete! Mariazita – Talvez sonhar!? (noutro registo, ingénuo) Filipe – Repete! Mariazita – Talvez sonhar!? (noutro registo, heróico) Filipe – Repete! Mariazita – Talvez sonhar!? (noutro registo, patético) Filipe – Repete! Mariazita – Tás m’a dar a volta à cornucópia- Eh pá! Toca aí qualquer coisa caliente! (músico toca Gato Barbieri) Talvez sonhar!?(lasciva) (faz strip, põe óculos escuros) Filipe – Ora aí está! Qualquer coisa que se veja! Mariazita – “O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando por fim desenrolarmos toda a meada mortal, (tira mais roupa) nos põe suspensos. (tem umas cuecas com suspensórios)
  • 18. 18 Filipe – Eh pá! Não te sabia tão avariada! Espera aí! (traz um varão que o coloca no suporte de uma roda de automóvel) agora já te podes espraiar pra aí toda! Mariazita – (continua lasciva) – “O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando por fim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos.” (suspensa no varão) Filipe – Touché! (entusiasmado louco) – “É essa ideia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa!” rouge! Metam rouge, red, encarnado, essa panóplia toda de holofotes caralho, quero isto mais “hot” quero o parlamento todo a arder” mais pesado que a crise patriótica – mais perverso que o juro da dívida soberana - Teatro! Luz! Acção! (Toca música de cabaret) Mariazita – (dança como no “cabaret” com uma cadeira) “Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, a agonia do amor não retribuído, as leis amorosas, a implicância dos chefes e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente, se estivesse em suas mãos obter sossego com um punhal? Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo, se não por temer algo após a morte - terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou - que nos inibe a vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refúgio noutros males ignorados? De todos faz covardes a consciência. Desta arte o natural frescor de nossa resolução definha sob a máscara do pensamento, e empresas momentosas se desviam da meta diante dessas reflexões, e até o nome de…”
  • 19. 19 Filipe – Acção! Comecem as rodagens! Carreguem os pianos, dobrem o pano da tenda, liguem o motor de arranque dos camiões- temos teatro caralhos! Isto vai dar panos pra mangas, pode ser melhor que ganhar o Euromilhões ou ser deputado na Lusotugânia, melhor que ir à lua montado num foguetão: O grande teatro de vaudeville- parece que já tou a ver no parque Mayer sempre em obras “Filpe e& Mariazita e o…coiso!” live Show- É pá podíamos ir até ao Capitólio com isto, isto é teatro de alto gabarito- Se o Shakespeare aqui estivesse e visse isto até se babava todo em direitos de autor na praia do Dubai. Isto é demais, até quase fiquei sóbrio com a prosápia da rapariga – Oh Mariazita tens é de tratar da depilação e fazer qualquer coisa por esses sovacos – tá cá um cheiro Mariazita – Qué que queres? Querias a Winnona Ryder on the rock logo à primeira? Filipe – Já nos tou a ver na Broadway, em letras garrafais “Filipe, Mariazita & o coiso” Mariazita - É pá é tão lindo! Filipe - Conquistaremos o mundo, iremos a tudo o que é talk show na tv Mariazita - E podemos fazer anúncios até aos detergentes de lava louça Filipe – Teremos um pequeno apartamento na torre do Dubai Mariazita – Claro que vai, vai ele e vou eu também! Filipe - Poderemos até ter um carro híbrido ou talvez painéis solares em nossa vivenda Mariazita - Poderemos comer todas as pipocas do mundo vendo novelas do mundo inteiro Filipe – Posso até ser primeiro-ministro de um país desenvolvido Mariazita - Claro! E eu posso ser a tua ministrazinha do tesouro
  • 20. 20 Filipe - Ai meu tesouro (agarra-a) até te dou o aqueduto das águas livres ou as cataratas do Niágara Mariazita - Só me dás água? Filipe - Beberás champanhe num jacuzzi de ouro Mariazita - Ai Filipe! Até me psicanaliso toda se isto for pra frente Filipe – Dotar-te – ei de um livro de cheques com mais páginas que a bíblia Mariazita - Ai que linda literatura! Sabes falar-me ao coração e à carteira, Filipe - Teremos uma famí… (as luzes acendem e apagam) - Eh pá, quem lá vem? É um vulto pessoano, três heterónimos mas com a mesma farda, devem ter republicado o Fernando Pessoa. Pois bom dia também para ustedes Ah! Não são Filipes, quer dizer castelhanos? Não vêm fazer mal cá ao tuga pois não? é que eu sou do tempo da guerra da Independência, do nosso herói D. Nuno, daquele santo que matou 4 mil em 3 quartos de hora, pois claro que tenho documentação, tenho aqui mesmo no bolso a crónica do Fernão Lopes, e o tratado das Tordesilhas no bolso esquerdo, eu acho que o tinha aqui…armado em engraçado eu? Ora aqui está pronto o cartão de eleitor? Não dá? Só tenho isso e umas senhas do banco. Está-se a rir é do banco alimentar contra a fome. Não tenho mais nada, só um guarda- chuva um rádio e 3 pensos rápidos, também penso rápido quando quero, quer dizer quando lhe apetece (aponta para a cabeça) Ó seus caralhos! Vêm foderem-me o negócio- Olhem seus chuis do caralho- olhem que eu tenho licença de porte de arma! Querem tirar-me a ….o massa! Licença? Mas desde quando é que o passeio público não é pró público. Eu estou a dar teatro às massas Sr., policia-chui, sou diplomado em sopa de massa pela entidade reguladora da santa casa da misericórdia,
  • 21. 21 Filipe - Para onde vou? Vou para o lado A…e não são vocês que me vão impedir, não toquem aí no meu teatro isto é tereno sagrado, quem pensam que são? Vêm a mando de quem? Não (abre a camisa) para desfazerem o teatro têm de me desferir balas no meu peito….(desfalece) Mariazita – Não me levem o homem! (melodramática) Filipe – Mariazita! Vou desta pra melhor (simula desmaio) ai que agora é que dói o ribonuckleico do fígado, o ácido úrico perfura-me o angioma, passe tenso no …ai Mariazita do meu coração! (cai como morto) Apagam-se as luzes a piscar (o cego toca um requium qualquer) Chora como uma verdadeira carpideira Filipe acorda – Eles já se foram? Mariazita – Ai meu malandrola, tavas a fingir… Filipe – Onde foram eles? Mariazita – Buscar reforços e qualquer gaita do Eminem Filipe – Do Inem, a ambulância. Ah Ah bem os enganei Mariazita – Mas temos que dar corda aos sapatos – eles vão escavacar isto tudo Filipe – Pois é! Rapaziada, (põe-se de pé)
  • 22. 22 Voltamos à sopa de massa, a massa essa espécie de substância que abona a sopa dos pobres e a bolsa dos ricos. Ai meu Afonso Henriques, diz-me lá do alto dos teus 900 anos, o que fazer? (finge que ouve) …o quê bater na minha mãe, espadeirar por aí fora e fazer um novo Portugal, tu estás louco Henriques? Mas eu pobre de mim coitadinho que posso fazer por esta espécie de país? Os tempos são outros, Afonsinho, agora é preciso fazer vénias aos chineses e lamber as mãos lá aos hambúrgueres dos alemões. O que nos resta é a sopa e o … (olha pra os outros) Mariazita – O Antunes? Filipe – Antunes meu infante dom Henrique põe-me a navegar, cá vou descobrindo novas rotas marítimas para o Antunes, por vinhos nunca antes apaladados, tragados de uma só vez….pra além da Taprobana (sai) Mariazita – E trocas-me pelo Antunes (aproxima-se dela enamorado) Não meu love O Antunes é um entreposto Daqui vamos pr´~oooooooo…..Porto do porto pra Amesterdão, faremos operetas em Paris, FAREMOS GARRET NO SCALADE Milão! Recitaremos Camões nos maiores teatros (olha para ela) Tu és o meu lado A! Mariazita – Carlos Filipe! Dr. Carlos! Filipe - Olha um deja vu! Mas foi há muito tempo… Filipe – Sim sou eu, é uma longa estória
  • 23. 23 Mas que vejo, é D. Sebastião? Claro Antunes põe mais bagaço na zurrapa, falaremos de História e emprenhendorismo… Sabes quem sou? Sou o teu coach branding, podemos falar de negócios Antunes…podemos transformar esta taberna num activo importante, recursos tens, mas teremos que ver se são tóxicos, sabes na economia…. (vai saindo) ……………………. Mariazita –“Sic”, Dr. Carlos Filipe! (pausa) Pensava que eras um cona de sabão! (sai atrás) Músico toca A Wonderful World de L.Armstrong Fim