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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
Ricardo Cunha Palheiros Junior
PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA:
Análise Histórica, Evolução, Custos e Impactos Sobre a Sociedade
Brasileira
Rio de Janeiro
2013
i
Ricardo Cunha Palheiros Junior
PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA:
Análise Histórica, Evolução, Custos e Impactos Sobre a Sociedade Brasileira
Monografia apresentada à banca examinadora do
Curso Superior de Ciências Econômicas do Campus
Centro I da Universidade Estácio de Sá, como
requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em
Ciência Econômicas.
Orientador: Prof. Fernando da Silva Santiago
Universidade Estácio de Sá
Rio de Janeiro
2013
ii
Ricardo Cunha Palheiros Junior
PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA:
Análise Histórica, Evolução, Custos e Impactos Sobre a Sociedade Brasileira
Esta monografia foi apresentada em 04 de dezembro de 2013 e julgada adequada para
obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas, por ter sido aprovada em sua forma
final pela banca examinadora do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estácio de
Sá, com o conceito _______ (_____________________).
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________________
Orientador – Fernando da Silva Santiago
Universidade Estácio de Sá
____________________________________________________
Examinador – Prof.
Universidade Estácio de Sá
____________________________________________________
Examinador – Prof.
Universidade Estácio de Sá
Rio de Janeiro
2013
iii
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia à minha amada esposa,
Fabiana, sem a qual a tarefa de terminar este ciclo da
minha vida seria muito mais difícil ou até mesmo
impossível. Seu amor, carinho, paciência, compreensão,
apoio psicológico, conselho e os seus empurrões me
deram as forças necessárias para cruzar a linha de
chegada. Dedico aos meus pais, Ricardo e Iracélia, e
irmãs, Aline e Monica, que, além de muito apoio e
carinho, nunca deixaram de acreditar na minha
capacidade e de vibrar por mim. Dedico também ao
meu sobrinho e afilhado, Tyler, que apesar de ser tão
pequeno e de estar tão longe, ocupa sempre um lugar
em meus pensamentos e em meu coração. Por fim e não
menos importante, aos meus amigos, tão presentes e
que muitas vezes compartilharam as alegrias e tristezas,
acadêmicas ou da própria vida, especialmente Beto,
Débora, Daniel e Michelle.
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço sinceramente ao meu Orientador,
Fernando da Silva Santiago, e ao Professor de
TCC, Vicente Eudes, pelo apoio, direcionamento
e cooperação na elaboração deste trabalho, assim
como aos professores pelos quais passei e de
quem absorvi conhecimento no decorrer deste
curso.
v
EPÍGRAFE
Com 40 anos de Políticas Públicas de Transferência
de Renda, há apenas uma certeza: O Brasil ainda
está muito distante de uma solução final para os
problemas da desigualdade e da pobreza.
Ricardo Cunha Palheiros Junior
vi
RESUMO
Acreditando ser possível para o Governo Brasileiro adotar uma política diferente no que diz
respeito aos Programas de Transferência de Renda e à redução da pobreza e da desigualdade,
este trabalho tem por objetivo o empreendimento de uma análise histórica destes programas,
desde sua criação, nos anos 1970, até os dias de hoje. A análise realizada foi fundamentada
em dados históricos que mostrarão os objetivos, abrangência e custos dos Programas de
Transferência de Renda. O início do trabalho conta com uma breve introdução ao conceito por
trás das transferências de renda. É intento final desta análise concluir que, apesar de contribuir
como estratégia de redução da pobreza e aumento do bem-estar social, os Programas de
Transferência de Renda não se mostram capazes, por si só, de mudar o panorama da pobreza e
da desigualdade no Brasil, considerando-se ainda que podem existir outras saídas para o
enfrentamento do problema, como a educação, por exemplo. Assim, a análise que será feita
pretende embasar a conclusão de que, apesar de importantes, devido ao poder de cobertura da
população carente, aos baixos custos que geram e ao aumento de bem-estar social que
proporcionam, os Programas de Transferência de Renda devem ser apenas uma pequena parte
da engrenagem social e não ponto fundamental para a redução da pobreza.
Palavras-chave: Programas de Transferência de Renda, Benefícios Assistenciais, Bolsa
Família.
vii
ABSTRACT
Believing to be possible for the Brazilian Government to adopt a different policy regarding
Cash Transfer Programs, this work is dedicated to the development of a historical analysis of
these programs since its inception in the 1970s until the present day. The analysis was based
on historical data that will show the objectives, scope and costs of the Cash Transfer
Programs. The beginning includes a brief introduction to the concept behind the cash. It is the
final purpose of this work to show that, even with the important contributions brought by
those programs and working as a strategy for reducing poverty and increasing social welfare,
they do not show itself able to change the picture of poverty and inequality in Brazil,
considering further that could be other solutions to deal with the problem like education
investments. Therefore, the analysis will help to support the conclusion that although
important, due to their coverage power of the poor population, the low costs they generate and
the increase of social welfare provided, the Cash Transfer Programs must be only a small part
of a bigger social gear and not the key element for poverty reduction.
Key-words: Cash Transfer Programs, Welfare Benefits, Bolsa Família.
viii
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 1: Número de Benefícios Assistenciais Concedidos (1980 – 2011) ........................... 15
Tabela 2: Número de Benefícios Assistenciais Mantidos (1980 – 2003) ............................... 17
Tabela 3: Número de Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011) ................................ 19
Tabela 4: Dispêndio dos Benefícios Assistenciais Emitidos (R$) .......................................... 20
Tabela 5: Evolução do Salário Mínimo (2005 – 2013) ........................................................... 21
Tabela 6: Evolução do Bolsa Escola Federal (2001 – 2009) .................................................. 29
Tabela 7: Novos Programas de Transferência de Renda (2002 – 2004) ................................. 32
Tabela 8 Bolsa Família – Famílias x Dispêndios (2004 – 2011) ............................................ 35
Tabela 9 Comparativo – Benefícios Assistenciais x Bolsa Família (2001 – 2011) ................ 37
Tabela 10 Transferências em percentuais do PIB e do Orçamento da Seguridade Social ..... 39
ix
LISTA DE FIGURAS
Página
Figura 1: Evolução do Número de Beneficiários do RMI ..................................................... 07
Figura 2: Evolução do Valor do Benefício do RMI em Euros (2001 – 2012) ....................... 08
Figura 3: Valorização do RMI – RSA x Valorização do IPC ................................................ 09
Figura 4: Número de Benefícios Assistenciais Concedidos (1980-2011) .............................. 16
Figura 5: Número de Benefícios Assistenciais Mantidos (1980 – 2003) ............................... 18
Figura 6: Número de Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011) ................................ 19
Figura 7: Dispêndio dos Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011) ........................... 21
Figura 8: Distribuição de Benefícios Assistenciais Emitidos (2011) ..................................... 22
Figura 9: Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais (2011) ................................. 22
Figura 10: Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais por Clientela (2011) ......... 33
Figura 11: Evolução do Bolsa Escola Federal (2001 – 2009) ................................................ 29
Figura 12: Novos Programas de Transferência de Renda (2002 - 2004) ............................... 32
Figura 13: Bolsa Família – Famílias x Dispêndios (2004 - 2011) ......................................... 36
Figura 14: Comparativo – Benefícios Assistenciais x Bolsa Família (2001 – 2011) ............. 38
Figura 15: Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% PIB) ................. 40
Figura 16: Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% OSS) ................ 40
x
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................vi
ABSTRACT .......................................................................................................................vii
LISTA DE TABELAS ......................................................................................................viii
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 1
1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA............................... 3
1.1 CASO BOLSA FAMÍLIA: UM EXEMPLO DE PROGRAMA BRASILEIRO ......... 4
1.2 REVENU MINIMUM D’INSERTION: CASO FRANCÊS ....................................... 5
2 ANÁLISE HISTÓRICA DA TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL.............. 10
2.1 RENDA MENSAL VITALÍCIA E AMPAROS ASSISTENCIAIS ............................ 10
2.2 BOLSA ESCOLA ...................................................................................................... 24
2.3 BOLSA FAMÍLIA ..................................................................................................... 30
3 ANÁLISE COMPARATIVA DAS TRANSFERÊNCIAS DE RENDA NO BRASIL.. 37
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 42
5 REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 45
1
INTRODUÇÃO
Esta Monografia objetiva o estudo da trajetória dos Programas de Transferência de
Renda criados e adotados como política de redução de pobreza e aumento de bem-estar social
no Brasil, a partir dos anos 1970. O foco da análise são os programas que não exigem
contrapartida financeira da sociedade, conhecidos como Benefícios Assistenciais, cuja
condicionalidade principal é a insuficiência de renda e os programas com condicionalidades
que vão além da renda, como o Bolsa Escola e o Bolsa Família. Para iniciar a ambientação em
torno do assunto, no início do capítulo 2 do trabalho, onde será iniciada a análise histórica,
será apresentado um dos programas pioneiros de transferência de renda no Brasil, o Renda
Mensal Vitalícia (RMV), que, em sua forma inicial, exigia a contribuição para a Previdência
Social, como condicionalidade.
A história dos Programas de Transferência de Renda no Brasil começou em meados
dos anos 1970, com a criação do RMV em 1974, cujo objetivo principal era garantir uma
renda de meio salário mínimo para idosos e portadores de deficiência, que não fossem
comprovadamente capazes de obter seu próprio sustento. Este foi o principal programa até a
Constituição de 1988, quando foi instituído o Sistema de Seguridade Social Brasileiro, que
unificou as diversas políticas existentes até então e criou novos mecanismos para assegurar os
direitos sociais recém-estabelecidos.
Este trabalho também examinará o período que passa pela criação da Lei Orgânica de
Assistência Social1
(LOAS), em 1993, e sua aplicação, em 1996, que gerou mudanças
importantes no sistema de transferência de renda, com a substituição do RMV pelos Amparos
Assistenciais. Posteriormente, serão analisados o Bolsa Escola e como se deu seu surgimento
e os motivos do seu fracasso a nível nacional e o Bolsa Família, Programa de Transferência de
Renda, atualmente em vigor, que se consolida cada vez mais como carro-chefe da política
social do governo atual.
Esta análise histórica terá como suporte, no capítulo 1, uma breve definição e
conceituação das políticas de transferência de renda, assim como seus objetivos e
implicações. Esta parte contemplará também um exemplo nacional (o próprio Bolsa Família
de forma breve) e um internacional, o francês Revenu Minimum D’Insertion (Renda Mínima
de Inserção), de tais políticas, com o objetivo de criar uma ambientação acerca dos
1
Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a
organização da Assistência Social, incluindo a Previdência Social. Esta lei foi criada com o objetivo de prover ao
menos o atendimento às necessidades básicas do cidadão, através de um conjunto integrado de ações de
iniciativa pública e da sociedade.
2
mecanismos básicos do funcionamento dos Programas de Transferência de Renda. Não houve
nenhum critério específico, além da semelhança com alguns aspectos dos programas
brasileiros, para a escolha do Programa francês.
O capítulo 2 compreenderá a análise histórica em si e examinará os Programas RMV,
Amparos Assistenciais, Bolsa Escola e Bolsa Família, de forma mais detalhada e com
respaldo de dados quantitativos dos números de beneficiários e dos dispêndios associados, a
partir das seguintes fontes: Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS), Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). As referidas fontes
mostrarão a evolução dos programas ao longo do tempo em termos de crescimento de sua
clientela-alvo e de seu dispêndio.
O objetivo do capítulo 3 deste trabalho refere-se ao exercício de comparação entre os
Programas de Transferência de Renda, tendo inclusive como base comparativa dados do PIB
brasileiro, assim como dados do Orçamento da Seguridade Social, que ajudarão a entender
melhor a relação custo-benefício envolvida na manutenção dos Programas de Transferência
de Renda. Os dados relativos ao Orçamento da Seguridade Social foram obtidos no site da
Secretaria de Orçamento Federal (SOF).
Por fim, no capítulo 4, serão apresentados brevemente os impactos da transferência de
renda na pobreza e na desigualdade, o que levará a questionamentos sobre a verdadeira
eficiência dos Programas de Transferência de Renda como solução final para a questão
brasileira, chegando-se, assim, às conclusões finais sobre o estudo realizado.
3
1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA
No Brasil, os Programas de Transferência de Renda começam a surgir apenas em
meados dos anos 1970, final do século XX. Todavia as primeiras ideias para aumento do bem-
estar social já eram formadas por pensadores liberais no século XVIII e consistiam em “criar
uma rede de proteção social para as populações mais pobres, através de uma transferência de
renda complementar” (LAVINAS, 1998, p. 1).
Em países desenvolvidos como a Dinamarca, Alemanha e outros da Europa, os
programas de transferência começaram a surgir no período 1930 – 1950, como Programas de
Garantia de Renda Mínima (PGRM), onde, a renda era praticamente o único fator
condicionante para a entrada.
Para Soares (2010, p. 4), “a base teórica por trás do estabelecimento de políticas e
Programas de Transferência de Renda tem como ponto de partida o papel que o Estado deve
ter na sociedade e, mais especificamente, qual o tamanho do Estado na economia”. Segundo
Barr (2004), citado por Soares (2010, p. 4), “autores liberais, como Friedman e Hayek,
defendem o Estado mínimo, tendo apenas o papel de regulador em última instância”, ou seja,
para eles o Estado deve somente intervir no sentido de aplicação de políticas sociais pontuais
e focalizadas, a fim de evitar situações de pobreza e privação absoluta de determinada parcela
da sociedade.
Novamente, de acordo com Barr (2004), citado por Soares (2010, p. 5) outros autores
como Sweezy e Laski, defendiam a participação do Estado como regulador do bem-estar
social, sendo ele forte responsável por promover este bem-estar através da geração de
equidade entre os indivíduos da sociedade.
Pode-se, ainda, citar a corrente com influências do utilitarismo e dos princípios da
justiça de Rawls, que defende a intervenção estatal em graus diferenciados, com o objetivo de
gerar maior equidade e eficiência na economia, gerando condições mais favoráveis ao
crescimento (SOARES, 2010, p. 5).
Neste trabalho, será tratada a intervenção estatal que é realizada por diversos países
com o intuito de combater a pobreza e a desigualdade. Intervenção sob a forma de
transferências de renda do Estado para a sociedade, mais especificamente, aquelas que
independem de contribuições prévias, como dependem as da Previdência Social Brasileira.
As condições de entrada nos Programas de Transferência de Renda estão em sua
grande maioria, atreladas à situação de pobreza enfrentada por determinada parcela da
sociedade, caracterizada pela incapacidade de obtenção de uma renda suficiente para manter
4
seu próprio sustento. Assim, a falta ou a precariedade de renda recebida por certo membro da
sociedade deve ser avaliada e então classificada, dentro de determinado nicho, que obedecerá
a determinadas regras para que este indivíduo seja, então, beneficiado pelos Programas de
Transferência de Renda.
1.1 CASO BOLSA FAMÍLIA: UM EXEMPLO DE PROGRAMA BRASILEIRO
A história dos programas de transferência de renda brasileiros é bastante extensa e
complexa. Por este motivo, o foco deste trabalho prioriza os programas em que não há
contrapartida prévia dos beneficiados em termos financeiros, ou seja, são transferências
simples e puras do Estado para a população-alvo, quando atendidas as condicionalidades de
renda ou outras dependendo do público e objetivos do programa.
O Programa Bolsa Família será, a seguir, brevemente apresentado, apenas para
exemplificar os mecanismos básicos dos Programas de Transferência de Renda. Os detalhes
sobre sua evolução serão tratados mais a frente, nos capítulos 2 e 3 do trabalho.
Segundo a definição do site do Ministério do Desenvolvimento e Combate a Fome
(MDS), o Bolsa Família é:
Um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de
pobreza e de extrema pobreza em todo o País. O Bolsa Família integra o Plano
Brasil Sem Miséria (BSM), que tem como foco de atuação os 16 milhões de
brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais, e está baseado na
garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos.[...]
A seleção das famílias para o PBF é feita com base nas informações registradas pelo
município no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal,
instrumento de coleta de dados que tem como objetivo identificar todas as famílias
de baixa renda existentes no Brasil.
Percebe-se que a principal condição para a entrada de determinado indivíduo no Bolsa
Família é a análise da renda e que para esta análise são utilizados os dados do Cadastro Único.
Assim, descrever o funcionamento do Cadastro Único, ajudará a entender melhor as
condições para a elegibilidade ao Bolsa Família. Segundo o site do MDS, o
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) é um
instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, entendidas como
aquelas que têm:
 Renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa; ou
 Renda mensal total de até três salários mínimos.
O Cadastro Único permite conhecer a realidade socioeconômica dessas famílias,
trazendo informações de todo o núcleo familiar, das características do domicílio, das
formas de acesso a serviços públicos essenciais [...] devendo ser obrigatoriamente
utilizado para seleção de beneficiários de Programas sociais do Governo Federal,
como o Bolsa Família. [...]
Famílias com renda superior a meio salário mínimo também podem ser cadastradas,
desde que sua inserção esteja vinculada à inclusão e/ou permanência em programas
sociais implementados pelo poder público nas três esferas do Governo.
5
Além dos dados do Cadastro Único, o Bolsa Família também conta com as suas
principais condicionalidades dispostas na Lei 10.836 de 2004, a saber:
a) benefício básico de R$ 50,00 para as famílias com renda percapita inferior a R$
50,00 por mês;
b) benefício variável de R$15,00 por criança de 0 a 15 anos até o limite de três
benefícios para as famílias com renda percapita inferior a R$ 50,00 por mês;
c) benefício variável de R$15,00 por criança de 0 a 15 anos até o limite de três
benefícios para as famílias com renda percapita entre R$ 50,00 e R$ 100,00 por
mês. Neste caso, o benefício básico não poderia ser recebido.
O sistema de inclusão do Bolsa Família está condicionado a várias regras dispostas na
lei do Bolsa Família. Como já dito, os detalhes e resultados do Programa serão analisados
mais a frente, onde serão abordados alguns dos programas de transferência de renda
brasileiros mais importantes para a análise realizada neste trabalho.
1.2 REVENU MINIMUM D’INSERTION: CASO FRANCÊS
Criado em 1988, pelo Governo do então primeiro-ministro Michel Rocard e adotado,
desde 1989, o Revenu Minimum d'Insertion (Renda Mínima de Inserção – RMI), foi um
programa francês de transferência de renda, que procurou incentivar a reinserção profissional,
social e econômica da população carente. Por ser um programa parcialmente descentralizado,
foi possível garantir uma boa adequação entre a demanda por auxílio e a resposta do Estado.
Segundo Lavinas (1998, p. 5), dados da Comissão Interministerial da Renda Mínima
de Inserção indicam que um pouco mais de um milhão de pessoas (1997) era beneficiada pelo
RMI a cada ano, o que implicaria em um gasto anual da ordem de 4,6 bilhões de dólares.
Estima-se que a cobertura do Programa tenha sido bastante abrangente, dado seu público-alvo
e uma vez que, desde o final de 1993, as taxas observadas de inclusão de novos beneficiários
foram decrescentes. Entende-se que este decréscimo no número de novos beneficiários, tenha
ocorrido devido ao fato de que o RMI já cobria uma grande fatia de sua população-alvo.
Para ter direito ao RMI o requerente deveria:
a) residir no país e possuir uma autorização de residência mesmo quando não tivesse
nacionalidade francesa;
b) ser maior de 25 anos. Se menor de 25, o indivíduo poderia ser elegível no caso de
ter uma criança que dele dependesse ou ter um futuro dependente (caso das
mulheres grávidas);
6
c) ser carente de recursos para custear suas despesas básicas. Este ponto seria
investigado trimestralmente, podendo acarretar em perda do benefício caso fosse
descumprido.
Para Lavinas (1998, p. 5), três grandes grupos são identificados como principais
beneficiários da RMI: os marginais (em geral, homens adultos solteiros, sem apoio familiar);
os assistidos socialmente (mulheres chefes de família pobres); e os fragilizados (mais
sensíveis ao desemprego e à instabilidade social).
O valor máximo pago mensalmente a um beneficiário girava em torno de US$ 400,
cerca de 2400 FRF2
(1997), e estava condicionado ao não recebimento de auxílio moradia,
diminuindo caso este último fosse recebido. Vale ressaltar que nesta época, o gasto francês
com moradia chegava a 80 bilhões de francos em 1996, sendo bastante superior ao gasto com
a RMI de cerca de 24,6 bilhões.
Cada membro da família teria direito ao benefício, recebendo o cônjuge o equivalente
a 50% do auxílio do primeiro adulto, com acréscimos de 30% por criança até o quarto filho.
Os demais receberiam quantias fixas per capita da ordem de FRF 900. Uma família composta
por dois adultos e três crianças, por exemplo, com insuficiência de renda poderia receber
aproximadamente FRF 6.000 por mês (o equivalente a um salário mínimo por membro da
família, à época).
O beneficiário deveria participar obrigatoriamente dos contratos de inserção, o que
significava colocar-se à disposição do governo municipal com o objetivo de obter um
emprego ou de realizar cursos de treinamento e recapacitação. No entanto, somente metade da
população da RMI assumiu, de fato, tal compromisso.
Não havia restrições para o tempo de permanência no Programa. O benefício seria
automaticamente (mas não imediatamente) suspenso, caso o beneficiado superasse as
condições mínimas financeiras de sobrevivência, ou ao obtivesse um emprego. “A regra
vigente em 1997 estabelecia que o exercício de uma atividade remunerada por mais de 750
horas consecutivas implicaria desligamento do programa” (LAVINAS, 1998, p. 6). No final
das contas, cerca de 1/3 dos beneficiários permaneceria menos de um ano no sistema,
usufruindo temporariamente do mesmo, que funcionou para muitos como uma espécie de
válvula de escape social.
2
FRF – Franco francês – Moeda oficial da França até 2002, quando foi substituída pelo Euro. Um dólar norte-
americano valia cerca seis francos franceses em 31/12/1997, segundo dados da OANDA, organização
especializada em conversão de moedas do mundo todo.
7
Em geral, pode-se dizer que o balanço do programa francês foi positivo, uma vez que
a RMI contribuiu para ampliar o espaço de participação social dos pobres na economia.
O gráfico a seguir, foi elaborado a partir de dados obtidos no site do RMI3
e mostra a
evolução do número de beneficiários (em unidades) de 2000 até 2009, quando foi substituído
pelo Revenu de Solidarité Active (Renda de Solidariedade Ativa – RSA).
900.000
950.000
1.000.000
1.050.000
1.100.000
1.150.000
1.200.000
1.250.000
1.300.000
FIGURA 1 Evolução do Número de Beneficiários do RMI
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do site do Renda Mínima de Inserção
O próximo gráfico mostra a evolução do valor do benefício em Euros de 2001 até
2012.
3
Website do RMI - http://www.rmi-fr.com/. Dados sobre números de beneficiários disponíveis em:
http://www.rmi-fr.com/allocataires-rmi.htm. Acesso em: 07 out. 2013.
Evolução do Número de Beneficiários
do RMI (2000 - 2009)
8
380,00
390,00
400,00
410,00
420,00
430,00
440,00
450,00
460,00
470,00
480,00
€
FIGURA 2 Evolução do Valor do Benefício do RMI em Euros (2001 – 2012)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do site do Renda Mínima de Inserção
Como dito anteriormente, o RMI foi substituído pelo RSA, em junho de 2009, que é
atualmente o programa de transferência utilizado pelo Governo Francês. Seus principais
objetivos são:
a) proporcionar uma sobrevivência digna para a população carente de recursos;
b) assegurar que o aumento do trabalho represente um aumento da renda disponível
para o trabalhador, ou seja, que o trabalhador seja compensado da forma
apropriada desde sua primeira hora trabalhada;
c) complementar os recursos dos cidadãos que regressam ao trabalho para reduzir a
pobreza na força de trabalho; e
d) simplificar os mecanismos e condições dos programas de solidariedade para torná-
los mais elegíveis à população carente.
Por ser baseado no sistema de direitos e deveres, o RSA dá ao beneficiado além do
direito à ajuda financeira, treinamento para resolver problemas sociais e melhorar a sua
empregabilidade. Estabelece também obrigações como, por exemplo, a procura de emprego,
ou incentiva o indivíduo a tentar iniciar sua própria atividade ou a empreender ações
necessárias para melhorar sua integração social e profissional. O cidadão pode ser liberado de
tais comprovações, quando já possui algum emprego, mesmo que a renda obtida com este seja
pequena (renda média durante o trimestre de referência inferior a 500 Euros por mês).
RMI RSA
Evolução do Valor do Benefício do
RMI em Euros (2001 – 2012)
9
É interessante observar como os Programas de Transferência de Renda afetam a
economia e a sociedade em si e por isso, o gráfico a seguir, exibe uma comparação entre o
aumento médio do RMI/RSA e o aumento médio do IPC4
no período 2002 – 2012.
2,24% 2,00% 1,96% 1,56% 2,02% 1,24% 2,82% 0,71% 1,10% 1,75% 2,35%
1,85%
1,50% 1,50%
1,80% 1,80% 1,80%
1,60%
1,50%
1,20%
1,50%
1,70%
0,00%
0,30%
0,60%
0,90%
1,20%
1,50%
1,80%
2,10%
2,40%
2,70%
3,00%
Valorização do IPC Valorização do benefício (RMI - RSA)
FIGURA 3 Valorização do RMI – RSA x Valorização do IPC
Fonte: Site do Renda de Solidariedade Ativa
5
Pode-se observar que no período analisado, o IPC apresentou uma variação acima da
variação do RMI – RSA em vários momentos, sendo a maior discrepância em favor do IPC,
em 2008, quando sua variação atingiu 2,82% contra apenas 1,60% do RMI – RSA. O IPC
teve uma aumento médio de 1,80% no período analisado enquanto o benefício teve um
aumento médio abaixo da inflação, de 1,60%. Isto mostra que apesar ser importante, o
programa deve funcionar com maior foco na realocação da força de trabalho do que como
paliativo para os problemas socioeconômicos do país. No final de 2010, o número de
beneficiários do já então, RSA, chegou a 1,8 milhão e hoje é de cerca de 2,1 milhões.
Com a apresentação destes dois programas (Bolsa Família e RMI) e do embasamento
conceitual por trás da transferência de renda, pode-se dar início a análise histórica dos
programas de transferência de renda brasileiros, foco principal do trabalho.
4
IPC – Índice de Preços ao Consumidor.
5
Website do RSA: http://rsa-revenu-de-solidarite-active.com/. Dados disponíveis em: http://rsa-revenu-de-
solidarite-active.com/actualite-rsa/139-rsa-2012.html. Acesso em: 07 out. 2013.
Valorização do RMI - RSA x
Valorização do IPC
10
2 ANÁLISE HISTÓRICA DA TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL
Este capítulo aborda o surgimento dos Programas de Transferência de Renda, dos anos
1970 aos dias atuais. Serão descritas as mudanças trazidas pela Constituição de 1988,
passando pela a criação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993, sua
aplicação em 1996 e os impactos desta nos Programas de Transferência de Renda, conhecidos
como Benefícios Assistenciais. São eles o Renda Mensal Vitalícia (RMV) e os Amparos
Assistenciais, que não exigem hoje contribuições prévias à Previdência Social para a
concessão do benefício.
Além dos Benefícios Assistenciais, serão também analisados, o Bolsa Escola e o Bolsa
Família, sendo este último, o principal Programa de Transferência de Renda, atualmente em
vigor. Cabe ainda ressaltar a existência do Pensão Mensal Vitalícia (PMV) que não será
abordado em detalhes por apresentar em sua história um número de beneficiários e um
dispêndio associado muito pequeno se comparado aos demais programas e por isso, se torna
comparativamente aos outros, pouco relevante.
2.1 RENDA MENSAL VITALÍCIA E AMPAROS ASSISTENCIAIS
Criado em 1974, o RMV visava basicamente o ataque à pobreza e utilizava a renda
como critério de avaliação da situação de pobreza de sua clientela. O Programa foi
considerado uma iniciativa acima dos padrões de alguns países desenvolvidos que ainda
lutavam para estabelecer seus sistemas de seguridade social. Apesar de ser uma iniciativa
destacável, o Programa não teve a visibilidade pretendida, em função de possuir uma
cobertura um tanto quanto limitada, atacando o problema da pobreza somente para os idosos e
portadores de deficiência, com renda insuficiente para garantir sua sobrevivência.
O RMV era um componente do sistema previdenciário, que visava “garantir uma
transferência de renda de meio salário mínimo a idosos e portadores de deficiência em
famílias de baixa renda” (ROCHA, 2013, p. 2). Uma característica interessante do Programa é
que ele visava justamente atender o público citado acima, que chegou a contribuir para o
fundo previdenciário, porém não por tempo suficiente para ter direito ao recebimento do
benefício. Foi criado através da Lei 6.1796
, de 11 de dezembro de 1974. Tal lei foi sancionada
6
A lei 6.179 de 1974 instituiu amparo previdenciário para maiores de setenta anos de idade e para inválidos.
11
pelo então presidente, General Ernesto Geisel, no período conhecido como ditadura militar7
.
Nesta época o Brasil ainda vivia os efeitos do milagre econômico brasileiro8
, quando o país
apresentou elevadas taxas de crescimento econômico, tendo chegado a 13,97% no ano de
1974.
Apesar de o país estar vivendo uma época de grande crescimento, ao mesmo tempo,
pesquisas estatísticas vinham apontando para um aumento crescente da desigualdade na
distribuição de renda. O coeficiente de Gini, índice usado como uma das formas de medir o
grau de concentração da renda de uma localidade, região ou sociedade (CACCIAMALI, 1995,
p. 4), mostrava que a desigualdade de renda aumentou consideravelmente9
nos anos 1970. “O
brilho das altas taxas de crescimento do produto obtidas pelo Brasil no período do milagre
econômico estava, portanto, sendo ofuscado pelas evidências relativas o aumento da
desigualdade de renda” (ROCHA, 2013, p. 3, grifo da autora).
Para entender melhor o RMV, cabe analisar alguns aspectos básicos da lei 6.179, que
o criou.
Quanto ao público-alvo, como já dito, o Programa tinha por objetivo, atender aos
cidadãos acima de 70 anos e portadores de deficiência, porém, existiam algumas
condicionalidades que acabavam por restringir sua clientela. São elas:
a) o cidadão não podia ser mantido por pessoa de quem dependesse obrigatoriamente;
b) o cidadão não poderia ter outro meio de sustento;
c) a renda familiar per capita deveria ser igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo
vigente; e
d) o cidadão deveria ter contribuído para o sistema previdenciário por pelo menos 12
meses e ter tido atividade remunerada por pelo menos 5 anos.
“Essas condições caracterizam o benefício no âmbito da Previdência Social”
(ROCHA, 2013, p. 5).
7
A ditadura ou regime militar no Brasil foi o regime autoritário que governou o país de 1964 até 1985. Começou
com a derrubada do presidente constitucional João Goulart, pelas forças armadas, no Golpe de 1964. Uma de
suas principais características foi a tomada de ações militares como forma de proteger o interesse da segurança
nacional em tempos de crise.
8
O "milagre econômico brasileiro" ocorreu no período de 1968 – 1974 e foi uma época de excepcional
crescimento econômico ocorrido durante o regime militar no Brasil. Foi caracterizado por um fortíssimo
investimento na indústria e infraestrutura brasileira por parte dos governos militares, o que gerou sim, um grande
crescimento a PIBs jamais vistos, porém gerou também uma concentração de renda. Além disso, deixaria de
herança para os governos pós-ditadura, a conhecida tríade de problemas macroeconômicos brasileiros: inflação,
déficit público e déficit no balanço de pagamentos.
9
O coeficiente de Gini aumentou de 0,497 para 0,565 neste período, representando um aumento de quase 14%
da concentração de renda e, portanto, da desigualdade.
12
Quanto ao benefício em si, o valor era de meio salário mínimo para os que se
qualificavam. A assistência médica era garantida seguindo os moldes dos beneficiados pela
previdência social.
Quanto ao custo do RMV, por ser um benefício previdenciário, era financiado pelo
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Seu limite para gastos era de 0,4% da folha
de contribuição do INPS para os benefícios de área urbana e 0,4% do FUNRURAL10
para os
benefícios de área rural. Segundo Rocha (2013, p. 6) “embora a estimativa do dispêndio total
seja necessariamente indireta e imprecisa, seu valor parece ter ultrapassado, o limite de 0,4%
em relação à receita previdenciária como estabelecido em lei”.
Quanto ao atendimento ao seu público-alvo, os poucos dados existentes da época da
implementação do RMV indicam um avanço veloz. No ano seguinte ao seu lançamento, ou
seja, em 1975, os pagamentos começaram a ser realizados. Em 1976, os cadastrados chegaram
a 1 milhão, alcançando a marca de 1,2 milhão até o final da década.
Com o dispêndio do Programa ultrapassando a meta e o número de beneficiários
aumentando vertiginosamente, as finanças da Previdência sofreram um ônus imprevisto. As
estimativas apontam que dos 0,4% inicialmente previstos, os custos tenham chegado a cerca
de 5% da receita previdenciária, mostrando um pulo enorme do previsto para os gastos com o
RMV. A Previdência Social “sofreria” por cerca de 10 anos com este problema de
financiamento do RMV, uma vez que o mesmo só seria resolvido com a Constituição de
1988, quando a responsabilidade do custeio dos benefícios de caráter assistencial passou a ser
do Tesouro Nacional e com a implementação da LOAS, em 1996. Embora o foco do trabalho
seja os Programas de Transferência de Renda que não exigem contribuições prévias da
clientela à Previdência Social, foi importante traçar a história inicial do RMV, pois foi com
ele que começaram de forma mais estruturada, as transferências de renda no Brasil que
objetivavam a redução da pobreza e da desigualdade.
A Constituição de 1988 trouxe importantes novidades no âmbito dos direitos sociais,
como, por exemplo, a desvinculação do RMV da Previdência Social. As transferências
assistenciais foram universalizadas para todos os idosos e portadores de deficiência definidos
como pobres, independentemente de suas contribuições passadas. O salário mínimo passou a
servir de piso para os benefícios assistenciais e previdenciários. Essas mudanças parecem
10
O FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – Fundo criado nos anos 1960
para prover benefícios de aposentadoria aos trabalhadores rurais acima de 60 anos, no caso dos homens e 55
anos para as mulheres. A maioria dos trabalhadores rurais não tinha acesso ao sistema de Previdência Social
brasileiro nesta época, cenário que só foi realmente modificado na constituição de 1988, quando estes passaram a
ter os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos.
13
ampliar, positivamente, o acesso da população carente aos Programas de Transferência de
Renda. Todavia, uma mudança em particular parecia destoar das anteriores, pois aumentaria o
rigor de tais políticas. As transferências assistenciais deixaram de ser um direito vitalício e a
condição para recebimento dos benefícios, a renda, deveria ser reavaliada a cada dois anos. O
sistema de reavaliação acabou não funcionando corretamente, permitindo que na realidade o
benefício continuasse sendo oferecido de forma vitalícia, conforme era pelo RMV antes da
Constituição de 1988.
A mesma Constituição instituiu o Benefício de Prestação Continuada da Assistência
Social (BPC), que foi mais tarde regulamentado pela LOAS de 1993 e, no decorrer dos anos,
por outras leis e decretos. Segundo a definição do site do Ministério do Desenvolvimento e
Combate à Fome (MDS) o BPC:
É um benefício individual, não vitalício e intransferível, que assegura a transferência
mensal de 1 (um) salário mínimo ao idoso, com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais,
e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo,
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, [...]. Em ambos os casos, devem
comprovar não possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por
sua família. A renda mensal familiar per capita deve ser inferior a ¼ (um quarto) do
salário mínimo vigente.
Os recursos do BPC provêm da Seguridade Social, sendo administrado pelo MDS e
repassado ao INSS, por meio do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS).
Para efeitos deste trabalho o termo BPC englobará os benefícios pagos mensalmente
de forma contínua ao longo do tempo, como por exemplo, a RMV, as aposentadorias e os
Amparos Assistenciais da LOAS, assim como os benefícios pagos, pelo sistema de
Seguridade Social. Segundo o site da Previdência11
:
Benefícios de prestação continuada são caracterizados por pagamentos mensais
contínuos, até que alguma causa (a morte, por exemplo) provoque sua cessação.
Enquadram-se nesta categoria as aposentadorias, pensões por morte, auxílios, rendas
mensais vitalícias, abonos de permanência em serviço e os salários-família e
maternidade.
Assim, deve-se entender que os BPCs incluem os Benefícios Assistenciais e os
Benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sendo os primeiros, aqueles
concedidos independentemente de contribuições efetuadas pelos cidadãos desde que
obedecidas as condicionalidades de renda inferior a ¼ do salário mínimo e incapacidade de
obtenção de sustento próprio, como a RMV, os Amparos Assistenciais e o PMV12
. Já os
Benefícios do RGPS, são aqueles que, em sua maioria, dependem de um período de carência,
11
Acesso em: 10 out. 2013 - http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/aeps-2011-secao-i-beneficios-2/
14
como as aposentadorias, as pensões por morte, os auxílios, o salário-família e o salário-
maternidade, por exemplo.
Como já foi colocado, o trabalho versará somente sobre os benefícios que não
dependem de contrapartida do cidadão, ou seja, que são simples transferências de renda do
Estado para a população carente e, portanto, somente os Benefícios Assistenciais, que
englobarão o RMV e os Amparos Assistenciais, uma vez que como já colocado, o PMV não
será abordado.
O RMV mostrou um forte crescimento continuado, até meados de 1984, quando
atingiu cerca de 126 mil novos benefícios. A partir de então, teve início um declínio na
concessão de benefícios, explicado pela criação da LOAS, em 1993. A LOAS regulamentou o
dispositivo nacional que tratava dos Benefícios Assistenciais aos idosos e portadores de
deficiência. Esse declínio é explicado também pelo início da concessão dos Amparos
Assistenciais, em 1996, que foram rapidamente substituindo o RMV, atendendo ao mesmo
público-alvo. Conforme o portal do MDS, atualmente, o Renda Mensal Vitalícia é mantido
apenas para aqueles que já eram beneficiários, encontrando-se, portanto, em fase de extinção.
Serão apresentadas, a seguir, algumas análises, que mostrarão a evolução do RMV e
dos Amparos Assistenciais, por meio de tabelas e gráficos elaborados a partir de dados do
Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS). Antes de realizar estas análises, cabe fazer
uma breve conceituação dos tipos de benefícios que serão apresentados, para que os dados
sejam entendidos da forma correta. Os conceitos apresentados se encontram no site da
previdência social e são:
a) benefícios concedidos – são aqueles cujo pedido é analisado, deferido, e liberado
para pagamento. Correspondem ao fluxo de entrada de novos benefícios no
sistema previdenciário;
b) benefícios mantidos – incorporam os benefícios ativos mais os suspensos
temporariamente. Esta metodologia foi utilizada até o final 2003, quando o
conceito foi substituído pelo conceito de benefícios ativos;
c) benefícios ativos – substituíram os benefícios mantidos a partir de 2004 e
correspondem aos benefícios que efetivamente geram pagamentos mensais ao
beneficiário e que são incorporados ao cadastro logo após serem concedidos, o que
implica pagamentos mensais até que cesse o direito ao seu recebimento. O
12
PMV – Pensão Mensal Vitalícia – “Mecanismo especial voltado para situações pontuais e valores definidos
por regras específicas” (ROCHA, 2013, P. 7). Um exemplo de PMV são as indenizações mensais pagas às
pessoas afetadas pelo acidente radioativo de Goiânia com o césio 137.
15
pagamento pode ser interrompido e depois retomado em casos de suspensão
temporária;
d) benefícios emitidos – correspondem aos créditos emitidos para pagamento de
benefícios que se encontram ativos no cadastro e para os quais são gerados
créditos para o pagamento.
Com base nestes conceitos, serão apresentados, a seguir, diversos dados que mostram
a evolução do RMV e dos Amparos Assistenciais sob a ótica dos tipos de benefícios aqui
conceituados.
A primeira análise mostra a evolução da concessão do número de novos benefícios
(em unidades) no período de 1980 a 2011, para o RMV e para os Amparos Assistenciais,
lembrando que em 1980 o RMV já se encontrava em pleno funcionamento.
TABELA 1 Número de Benefícios Assistenciais Concedidos (1980 – 2011)
Ano
Benefícios Concedidos
RMV
Benefícios Concedidos
Amparos Assistenciais (LOAS)
1980 90.897 -
1981 112.319 -
1982 117.319 -
1983 123.242 -
1984 126.260 -
1985 124.004 -
1986 92.050 -
1987 76.198 -
1988 80.150 -
1989 89.660 -
1990 85.143 -
1991 71.530 -
1992 61.925 -
1993 82.419 -
1994 70.725 -
1995 53.200 -
1996 16.798 385.068
1997 4.806 310.451
1998 2.727 268.160
1999 1.297 224.778
2000 522 215.348
2001 277 178.398
2002 189 284.051
2003 155 235.500
2004 57 458.201
2005 41 317.614
2006 34 305.459
2007 12 326.497
2008 10 377.314
2009 5 362.085
2010 3 376.435
2011 3 341.288
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos)
16
É possível observar na Tabela 1 e na Figura 4, os momentos de maior mudança, que se
dão nos anos de 1984, ápice do crescimento do RMV em termos de novos beneficiados e
1996, ano de implementação da LOAS e dos Amparos Assistenciais.
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
Benefícios Concedidos RMV
Benefícios Concedidos Amparos Assistenciais (LOAS)
Unidades
FIGURA 4 Número de Benefícios Assistenciais Concedidos (1980-2011)
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos).
A análise dos benefícios concedidos mostra, claramente, o momento em que o RMV
praticamente deixa de ser concedido, enquanto que os Amparos Assistenciais começam a ser
implementados e evoluem, de forma não muito constante, porém dentro de uma média de 300
mil benefícios a partir de 1996.
A próxima análise mostra o número de benefícios mantidos (em unidades) de 1980 até
2003, limitada a este ano devido ao fato já explicado de que a partir de 2004, os benefícios
mantidos foram substituídos pelos benefícios ativos.
Número de Benefícios Assistenciais
Concedidos (1980 – 2011)
17
TABELA 2 Número de Benefícios Assistenciais Mantidos (1980 – 2003)
ANO RMV
Amparos Assistenciais
(LOAS)
1980 1.245.732 -
1981 1.303.587 -
1982 1.354.732 -
1983 1.356.030 -
1984 1.393.904 -
1985 1.433.568 -
1986 1.439.397 -
1987 1.443.645 -
1988 1.439.248 -
1989 1.447.647 -
1990 1.451.514 -
1991 1.427.399 -
1992 1.439.370 -
1993 1.428.309 -
1994 1.390.754 -
1995 1.333.034 -
1996 1.253.805 328.705
1997 1.166.045 635.040
1998 1.083.423 845.436
1999 1.004.386 1.031.465
2000 936.727 1.206.733
2001 870.652 1.333.552
2002 797.338 1.553.847
2003 612.582 1.691.318
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos)
18
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
RMV Amparos Assistenciais (LOAS)
Unidades
FIGURA 5 Número de Benefícios Assistenciais Mantidos (1980 – 2003)
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos)
O número de benefícios mantidos caiu da faixa de 1,4 milhão, em 1986, para cerca de
600 mil em 2003. Enquanto isso, após seu início, em 1996, os Amparos Assistenciais
cresceram de forma vertiginosa indo de cerca de 300 mil para 1,6 milhão em sete anos, um
crescimento não tão expressivo quanto a de seu predecessor, o RMV, mas ainda assim, muito
destacável.
A Tabela 3 e a Figura 6 apresentam a evolução do número de Benefícios Assistenciais
Emitidos (em unidades) no período 1993 – 2011.
Número de Benefícios Assistenciais
Mantidos (1980 – 2003)
19
TABELA 3 Número de Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011)
Ano RMV
Amparos Assistenciais
(LOAS)
1993 1.257.701 -
1994 1.258.821 -
1995 1.203.285 -
1996 1.126.727 346.219
1997 1.042.617 645.894
1998 959.498 848.299
1999 885.724 1.032.573
2000 812.781 1.209.927
2001 747.384 1.339.119
2002 673.834 1.560.854
2003 611.471 1.701.240
2004 551.093 2.061.013
2005 498.575 2.277.365
2006 446.409 2.477.485
2007 399.998 2.680.823
2008 362.094 2.934.472
2009 322.397 3.166.845
2010 287.680 3.401.541
2011 254.558 3.595.337
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos)
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
4.000.000
RMV Amparos Assistenciais (LOAS)
Unidades
FIGURA 6 Número de Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011)
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos)
Número de Benefícios Assistenciais
Emitidos (1993 – 2011)
20
Os dispêndios dos Benefícios Emitidos do RMV e dos Amparos Assistenciais serão
analisados na Tabela 4 e na Figura 7.
TABELA 4 Dispêndio dos Benefícios Assistenciais Emitidos (R$)
Ano RMV (R$) Amparos Assistenciais (R$)
1993 37.265.579,18 -
1994 1.050.322.942,40 -
1995 1.768.935.787,27 -
1996 1.779.806.530,22 172.342.940,26
1997 1.527.333.418,85 769.732.677,82
1998 1.518.962.712,53 1.134.199.299,42
1999 1.479.644.866,02 1.533.122.422,42
2000 1.497.308.758,17 2.001.468.219,43
2001 1.616.398.474,78 2.694.021.512,16
2002 1.656.306.432,77 3.428.100.224,70
2003 1.769.392.633,00 4.533.221.506,00
2004 1.761.416.844,00 5.814.283.017,00
2005 1.800.473.513,00 7.523.861.442,00
2006 1.908.365.635,74 9.718.787.580,68
2007 1.881.530.047,27 11.548.344.924,84
2008 1.856.219.137,63 13.785.788.691,10
2009 1.875.954.434,67 16.859.412.605,72
2010 1.852.547.875,92 20.104.033.027,29
2011 1.755.004.799,67 22.854.838.824,09
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos)
Como pode ser visto, os dispêndios com o RMV cresceram até 1996, quando foram
paulatinamente substituídos pelos Amparos Assistenciais da LOAS, que em 2011 refletiam
um custo da ordem de R$ 20 bilhões para o Governo Brasileiro. No entanto, nota-se que os
dispêndios do RMV mantiveram-se em torno da média de R$ 1,8 bilhão. A explicação para tal
fato está na amarração do valor do benefício pago, ao salário mínimo. Assim, mesmo com o
decréscimo de beneficiários, o Programa manteve um custo alto. Ao observar o período de
2005 até 2012, por exemplo, pode-se entender rapidamente este comportamento uma vez que,
apesar do número de beneficiários ter caído pela metade até o final de 2011, o salário mínimo
mais do que dobrou até o início de 2012, anulando assim o efeito que a redução de
beneficiários poderia ter no dispêndio. A Tabela 5 a seguir mostra a evolução do salário
mínimo de 2005 até 2013.
21
TABELA 5 Evolução do Salário Mínimo (2005 – 2013)
Vigência Valor Mensal (R$) Normal Legal
mai/05 300,00 Lei 11.164/2005
abr/06 350,00 MP 288/2006
abr/07 380,00 Lei 11.498/2007
mar/08 415,00 Lei 11.709/2008
fev/09 465,00 Lei 11.944/2009
jan/10 510,00 Lei 12.255/2010
jan/11 540,00 MP 516/2010
mar/11 545,00 Lei 12.382/2011
jan/12 622,00 Decreto 7.655/2011
jan/13 678,00 Decreto 7.872/2012
Fonte: Elaboração própria a partir das Normas Legais (decretos, leis e MPs) citadas na própria Tabela 5
A Figura 7 apresenta graficamente a evolução dos dispêndios do RMV e dos Amparos
Assistenciais.
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
Dispêndio dos Benefícios Assistenciais emitidos
(1993 - 2011)
RMV (R$) Amparos Assistenciais (R$)
R$ bilhões
FIGURA 7 Dispêndio dos Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011)
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos)
Além das quantidades e dispêndios dos benefícios emitidos, é interessante também
mostrar como estão distribuídos estes 3,8 milhões de benefícios emitidos em termos de tipo de
benefício e clientela atendida. Para tal análise serão utilizados os valores do ano de 2011.
Dispêndio dos Benefícios Assistenciais
Emitidos (1993 – 2011)
22
3.849.895
3.595.337
Portador de Deficiência 1.907.511
Idoso 1.687.826
Pensão Mensal Vitalícia 13.608
254.558
RMV Invalidez 195.018
RMV Idade 59.540
BENEFÍCIOS
ASSISTENCIAIS
EMITIDOS
Amparos Assistenciais
Rendas Mensais Vitalícias
FIGURA 8 Distribuição de Benefícios Assistenciais Emitidos (2011)
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos).
Amparos
Assistenciais
93,06%
PMV
0,35%
RMV
6,59%
FIGURA 9 Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais (2011)
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos).
Fica bastante claro que os Amparos Assistenciais assumem quase que toda a cota dos
benefícios assistenciais, e obviamente dos dispêndios, cabendo ao RMV somente a
manutenção dos benefícios remanescentes, até que sejam totalmente cessados. Os benefícios
do PMV são pouco expressivos, não chegando a 1% do total dos benefícios e, por isso, seus
números não impactam a análise e, portanto, sua abordagem torna-se pouco relevante.
A seguir, é apresentada a distribuição percentual por clientela do RMV e dos Amparos
Assistenciais.
Distribuição Percentual dos Benefícios
Assistenciais (2011)
23
RMV
Invalidez
77%
RMV
Idade
23% Portadores
de
Deficiência
53%
Idosos
47%
FIGURA 10 Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais por Clientela
(2011)
Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos).
É difícil avaliar o grau de sucesso do RMV, em razão da carência de dados exatos dos
dispêndios para o período anterior ao ano de 1994. Pela análise de sua trajetória, é possível
inferir que apesar de ter tido um rápido crescimento inicial e contribuir para redução da
pobreza, o RMV não teve grande destaque, justamente por cobrir uma parcela muito limitada
da população (idosos e portadores de deficiência), atacando apenas duas das diversas facetas
do problema da pobreza, deixando inclusive a população rural de fora, que era auxiliada
através do FUNRURAL até 1988. Adicionado a isto, ainda deixou graves problemas
previdenciários, uma vez que ultrapassou muito os custos previstos que, como já dito,
deveriam ser de 0,4% da folha de contribuição do INPS e chegaram a mais de 5% da receita
previdenciária, no período 1974 – 1988.
Já os Amparos Assistenciais, continuam sendo amplamente concedidos. Conforme a
população de idosos e portadores de deficiência cresce e por seu valor de benefício estar
atrelado ao salário mínimo, seus custos também crescem, tendo chegado à ordem de R$ 23
bilhões em 2011.
Assim, finalizam-se as análises dos Benefícios Assistenciais, no período de 1980 –
2011.
Distribuição Percentual dos Benefícios
Assistenciais por Clientela (2011)
24
2.2 BOLSA ESCOLA
Os Benefícios Assistenciais (RMV e Amparos Assistenciais) procuraram atacar o
problema da pobreza para as famílias ou indivíduos que comprovadamente não possuíssem
meios de obter seu próprio sustento. Sua clientela, porém, era limitada aos idosos e deficientes
físicos, deixando de lado outras camadas da sociedade, igualmente pobres, mas que não se
encaixavam nos requisitos acima, como os jovens, estudantes e mães e pais de família que não
possuíam meios para sustentar a si e às suas família. Assim, no início dos anos 1990 foi criado
um programa de renda mínima nacional que visou justamente atacar esta outra frente do
problema.
Nesse contexto, surgiu uma proposta de política pública de transferência de renda para
famílias pobres com crianças na idade de escolaridade obrigatória, de 7 a 14 anos, tomando
como referência, a renda familiar (ROCHA, 2013, p. 22). Estas seriam as condicionalidades
fundamentais do Bolsa Escola.
Tal proposta tinha um forte grau de atratividade, basicamente, por dois motivos
principais. Primeiramente, atenuaria a insuficiência de renda das famílias assistidas,
aumentando seu poder de consumo e obviamente seu bem-estar. Por outro lado, também
atacava uma das principais raízes do problema da pobreza e da desigualdade, a educação, ao
condicionar o benefício à comprovação da escolaridade.
Os países que mais investem e têm sucesso na área educacional, parecem ser os que
obtêm maior êxito em reduzir suas deficiências em termos de combate à pobreza e à
desigualdade. Segundo Rocha (2013, p. 24), a educação é reconhecidamente a variável que
possui maior impacto no nível de renda das pessoas.
O Bolsa Escola visava elevar a renda, como solução de curto prazo e por meio da
educação, atacar as causas estruturais da pobreza, com o objetivo de reduzi-la no longo prazo
(ROCHA, 2013, p. 24).
O Bolsa Escola foi implementado aos poucos, tendo em Campinas e no Distrito
Federal iniciativas pioneiras, onde o Programa foi criado e implementado, em 1995. Tanto em
uma quanto na outra localidade, a incidência de pobreza não atingia níveis críticos. O Distrito
Federal, por exemplo, possuía a renda média mais alta do país em 1995 e, Campinas era
considerado um município de situação financeira bastante confortável. Mesmo assim, havia a
questão da pobreza e da desigualdade em ambos os locais, sendo que neste sentido, Campinas
tinha maiores problemas que o Distrito Federal, que já possuía uma maior universalização dos
serviços de saúde, saneamento, eletricidade e educação. De toda forma, não só se justificava a
25
implementação do Programa para combater a pobreza, como também justamente pelo fato de
os locais possuírem boas condições financeiras, de implementar e manter o Bolsa Escola, uma
vez que pouco seria exigido dos seus orçamentos (cerca de 1%).
Em Campinas, mostrou um crescimento rápido após sua criação, contemplando 1.982
famílias, em dezembro de 1995. O número de famílias beneficiadas ficou relativamente
estacionado em torno da média de 3.100 famílias desde 2003 até os dias atuais.
Quanto ao dispêndio, foi cumprido o objetivo de não ultrapassar 1% do orçamento
municipal com despesas para os pagamentos. Vale ressaltar que o Programa mantém suas
características básicas de operação até hoje, sendo, portanto, o Bolsa Escola mais antigo do
país ainda em operação. Segundo Rocha (2013, p. 27) “atualmente estão sendo estudadas
propostas de mudanças no programa, como a universalização do benefício a todas as famílias
pobres, inclusive as que não tenham crianças”, o que junto a outras mudanças o aproximaria
do Bolsa Família Federal.
No Distrito Federal, o Bolsa Escola foi implementado em maio de 1995 e também teve
um crescimento rápido, atingindo 14.786 famílias até março de 1996 e 22 mil em dezembro
de 1997. Mesmo com a rápida expansão, o Programa ficou aquém de sua meta, que era de 26
mil famílias em 1996, e aquém de seu público-alvo, que seria de cerca de 35 mil famílias13
.
Isto ocorreu não por ineficiência do Programa, mas sim em razão dos frequentes abandonos
ou exclusões de beneficiários em função da mobilidade residencial e melhoria das rendas
familiares.
O custo total do Bolsa Escola nunca ultrapassou 1% do orçamento do Distrito Federal.
Para Rocha (2013, p. 31) o Bolsa Escola foi considerado um ótimo exemplo de transferência
de renda em um contexto relativamente privilegiado em termos de renda e acesso a serviços
básicos.
A partir destas iniciativas, o Bolsa Escola se tornara um programa de sucesso junto à
sua clientela potencial, que via uma oportunidade de aumentar sua renda. Assim, como era de
se esperar, houve outras tentativas locais de implementação, porém, estas se deram em locais
onde as condições de desigualdade e pobreza eram muito mais severas e que não possuíam os
mesmos aportes financeiros de Campinas ou do Distrito Federal. Basicamente por estes
motivos, além de outros detalhes mais específicos de cada local, estas implementações não
obtiveram sucesso satisfatório, como foi o caso de Belém e de Belo Horizonte.
13
Número estimado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 1995.
26
Nesse contexto, o Governo Federal aprovou um projeto de lei prevendo o apoio
financeiro aos governos municipais para a implantação de um programa nos moldes do Bolsa
Escola, ou seja, os municípios seriam ajudados pelo Governo Federal na implementação de
Programas de Transferência de Renda atrelados a ações socioeducativas.
Em dezembro de 1997, foi autorizado o apoio financeiro aos municípios que
decidissem implementar programas nos moldes do Bolsa Escola. O apoio começaria pelos
municípios mais pobres, cobrindo 20% por ano, com a meta de cobrir todos os municípios
brasileiros em cinco anos. A concessão do apoio dar-se-ia mediante a implementação do
Bolsa Escola e um convênio com o Ministério da Educação (MEC), órgão encarregado de
detalhar a forma de funcionamento do Programa Federal. O custeamento seria realizado a
partir de orçamento específico arrecadado, a partir de 1998 e, por isso, os repasses só seriam
iniciados a partir de 1999.
A gestão do Programa ocorreria de forma descentralizada, cabendo aos municípios, a
seleção das famílias qualificadas para receber o benefício e a operacionalização da
componente educacional. Além disso, ainda era compromisso dos municípios arcar com 50%
do valor dos benefícios junto ao Governo Federal. O Bolsa Escola Federal, assim como as
iniciativas pioneiras, fundamentava suas condições em critérios de renda e frequência escolar,
que deveria se manter em pelo menos 85%. Assim, os parâmetros que definiam a sua
população-alvo são:
a) famílias com crianças na faixa etária de 7 a 14 anos; e
b) renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo.
O critério de renda, no entanto, era apenas uma forma inicial de seleção, pois na
prática, só seriam beneficiadas as famílias cujo benefício assumisse um valor positivo,
segundo a fórmula a seguir:
B = (R$ 15 x número de crianças de 0 a 14 anos) – (0,5 renda familiar per capita)
Estes R$ 15 correspondiam ao valor mínimo do benefício, então estabelecido em lei.
O cálculo apresentado se tornou um critério que reduzia a população-alvo, uma vez que nas
famílias que, por exemplo, tinham 2 crianças na idade referida e renda per capita de meio
salário mínimo14
, esta conta se igualava a zero, desqualificando estas famílias, ou seja, sua
renda percapita deveria ser inferior a meio salário mínimo ou o número de crianças deveria
ser superior a 2 para que a conta fosse positiva e a família tivesse direito ao benefício.
Obviamente como o salário mínimo foi gradativamente valorizado desde 1997, as rendas das
14
O salário mínimo vigente em dezembro de 1997 era de R$ 120,00.
27
famílias foram aumentando, de forma que o número (B) foi se tornando cada vez menos
positivo, resultando em um número menor de famílias qualificáveis ao recebimento do
benefício.
A população-alvo estimada a nível nacional era de cerca de 5 milhões de famílias e o
dispêndio estimado para o pagamento dos benefícios seria de R$ 1,2 bilhão por ano15
,
equivalente a 1,3% do PIB de 1997. Nos dois primeiros anos de sua implementação (1999 e
2000), o Programa não levou a cabo as metas estabelecidas, não conseguindo atingir os 20%
dos municípios por ano, sendo os repasses irregulares do Governo Federal, menores do que o
necessário para atender toda a população-alvo estimada, um dos maiores problemas
observados. Assim, cabia aos municípios achar soluções para atender a clientela do Programa.
Dentre as soluções possíveis para este problema pode-se citar, a redução do valor do
benefício, para atender a uma clientela maior, ou simplesmente, não atender a totalidade da
população-alvo e ambas as ações foram tomadas. Ao final de 2000, era evidente que o
Programa Federal não havia obtido sucesso e que seriam necessárias mudanças para corrigir o
rumo do mesmo. As principais razões para o fracasso foram:
a) fragilidades no cadastramento e seleção dos beneficiários;
b) fraca adesão dos municípios devido à obrigatoriedade da contrapartida de 50% por
parte destes;
c) baixo valor do repasse potencial do Governo Federal;
d) definição desatualizada do público-alvo do benefício16
;
e) dificuldades de articulação entre o MEC e os municípios quanto aos trâmites
operacionais e administrativos;
f) desinteresse das famílias devido ao baixo valor do benefício, causado pela falta de
alinhamento entre o Governo Federal e os municípios;
g) interrupção e irregularidade no pagamento dos benefícios às famílias, também
causadas pela falta de alinhamento.
Os impactos do Bolsa Escola Federal foram poucos, uma vez que a população pobre
não foi atendida da forma esperada, sendo esta muito maior do que a capacidade de
atendimento do Programa. Segundo Rocha (2013, p. 56), o valor transferido em 1999, por
exemplo, correspondeu a apenas 4% do necessário para elevar a renda familiar per capita dos
15
Não estão incluídos os custos administrativos do Programa, mas apenas o dispêndio com o pagamento dos
benefícios.
16
Esta definição deveria utilizar o Censo Demográfico, porém o mais recente era o de 1991.
28
pobres acima da linha de pobreza. Ao final desta fase, em 2001, era evidente que o Bolsa
Escola havia fracassado.
Ainda em março de 2001, o Governo Federal anunciou uma nova fase do Bolsa Escola
com o intuito de corrigir as falhas que provocaram o seu fracasso, como o valor do benefício,
abrangência, contrapartida dos municípios e a sistemática de pagamentos. Esta nova fase se
iniciaria no segundo semestre do mesmo ano.
As primeiras medidas compreenderam o alargamento da faixa etária para crianças de 6
a 15 anos e a mudança do valor do benefício, abandonando o cálculo anterior e estabelecendo
o valor de R$ 15,00 para cada criança por mês, mantendo a condicionalidade de frequência
escolar. O benefício ficou limitado ao teto de R$ 45,00. A contrapartida dos municípios para o
benefício foi eliminada, o que ajudou a aumentar a atratividade do Programa tanto para os
municípios quanto para a população-alvo, uma vez que no modelo anterior, muitas vezes a
contrapartida do município era paga em ações socioeducativas e não em dinheiro.
O plano gradativo de inclusão de 20% dos municípios, ano a ano, também foi
abandonado e todos passaram a ser qualificáveis ao novo Bolsa Escola, desde que a
população-alvo cumprisse suas condicionalidades.
A meta prevista para 2001 era a de atender cerca de 5,8 das 6,4 milhões de famílias
elegíveis a um custo total de R$ 1,7 bilhão, e os recursos para tal viriam do Fundo de
Combate à Pobreza e do Orçamento da União, sendo a maior parte (R$ 1,2 bilhão)
proveniente do Fundo17
.
Uma inovação importante desta segunda fase se deu no âmbito operacional. Os
pagamentos deixaram de ser realizados em dinheiro para as famílias e passaram a ser
creditados em conta bancária, à qual o beneficiário tinha acesso através do uso de um cartão
magnético individual, facilitando muito a logística de pagamentos.
Estas medidas reduziram os problemas do Bolsa Escola, porém não foram suficientes
para fazer com que o Programa atingisse as metas estabelecidas. Os problemas de interação
entre o MEC e os municípios continuaram ocorrendo, por não haver uma estrutura gerencial,
capaz de resolver conflitos. O critério de renda apesar de ter melhorado ainda excluía muitas
famílias, uma vez que muitas delas obtinham sua renda informalmente e não podiam
comprová-la. Questões como essas indicavam que dificilmente o Programa alcançaria suas
metas e teria sucesso.
17
Neste momento, o Fundo de Combate à Pobreza possuía R$ 2,3 bilhões em recursos e mais da metade destes
foram absorvidos pelo Bolsa Escola.
29
Em dezembro de 2001, mesmo com as dificuldades ainda enfrentadas pelo Bolsa
Escola, foi observada uma adesão de 83% da meta estabelecida para a população-alvo,
chegando ao número de 4,8 milhões de famílias atendidas. Em 2002, o Programa chegou ao
número de 5,1 milhões de famílias atendidas, mostrando um crescimento modesto e ficando
aquém dos 6,4 milhões de famílias elegíveis. Os dados da evolução do número de famílias
atendidas (em unidades) e dos dispêndios pagos pelo Bolsa Escola Federal no período de
2001 a 2009 são exibidos a seguir.
TABELA 6 Evolução do Bolsa Escola Federal (2001 – 2009)
ANO Número de Famílias Dispêndio (R$ bilhões)
2001 4.793.983 408.583.920,00
2002 5.106.509 1.531.277.441,00
2003 3.771.199 1.424.144.340,00
2004 3.042.794 961.836.180,00
2005 1.783.913 626.763.720,00
2006 36.481 131.972.925,00
2007 5.860 3.862.035,00
2008 179 357.135,00
2009 6 16.050,00
Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos de Rocha, 2013, p. 77.
A Figura 11 mostra graficamente a evolução do Bolsa Escola Federal de 2001 a 2009
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
2,0
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
5,0
5,5
Número de Famílias (em milhões)
Dispêndio (R$ bilhões)
Famílias
(milhões)
Dispêndio
(R$ bilhões)
FIGURA 11 Evolução do Bolsa Escola Federal (2001 – 2009)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos de Rocha (2013, p. 77)
Evolução do Bolsa Escola Federal
(2001 – 2009)
30
A queda no número de benefícios pagos se deve ao fato de que, a partir de 2003, o
Bolsa Escola, assim como outros Programas de Transferência de Renda como o Bolsa
Alimentacão e o Auxílio Gás, foi incorporado ao Bolsa Família.
2.3 BOLSA FAMÍLIA
Em 2003, o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu a Presidência da República
através de seu candidato, Luis Inácio Lula da Silva, ou simplesmente Lula. Um dos principais
braços da campanha de Lula, assim como seria do seu governo, era o crescimento econômico
com justiça social e erradicação da fome e da pobreza. Assim que eleito, o governo petista
lançou o Fome Zero, Programa mote de sua campanha que pretendia combater a fome por
meio da Política Nacional de Segurança Alimentar de um mutirão contra a fome que
envolveria tanto as esferas dos governos municipais, estaduais e Federal, quanto a sociedade
civil. No entanto, apesar de ser importante e de estar funcionado como campanha de
popularização do Governo, o acesso a alimentos pelos mais pobres não era há tempos o cerne
da pobreza brasileira, sendo mais crítico em algumas áreas rurais e locais muito
marginalizados das cidades.
Dentre as ações do Fome Zero, vale destacar a de transferência de renda embutida no
Cartão Alimentação, que dava continuidade aos programas criados ainda no Governo FHC. O
Cartão Alimentação utilizava o critério de renda familiar percapita igual ou inferior a meio
salário mínimo para a seleção das famílias beneficiárias, porém não possuía outros parâmetros
como o Bolsa Escola, que visava atender às famílias pobres com crianças em idade escolar. O
Cartão Alimentação ampliava o leque de sua população-alvo para todas as famílias pobres,
dentro do critério de renda estabelecido. Além de aumentar a população-alvo, o novo Cartão
Alimentação pretendia também estabelecer o valor do benefício em R$ 50,00 por família, o
que já aumentaria em duas vezes o valor médio do benefício que era pago, pelo Bolsa Escola
no final de 2002. Estas duas medidas deveriam gerar um impacto positivo sobre a pobreza,
porém na prática foram observados problemas tanto no desenho quanto na execução do
Programa que levaram ao seu fracasso e à sua substituição ainda em outubro de 2003 pelo
Bolsa Família.
O Bolsa Família tinha como um de seus objetivos, unificar os Programas de
Transferência de Renda anteriores como o Bolsa Escola, o Cartão Alimentação, o Auxílio Gás
e o Bolsa Alimentação. Com o intuito de corrigir os erros anteriores, o Bolsa Família
31
introduziu novas mudanças, sendo a primeira delas em relação ao critério de renda, que
determinou dois grupos de famílias como potenciais beneficiárias:
a) o primeiro grupo era o de famílias com renda percapita inferior a R$ 50,00 por
mês. Estas receberiam um benefício básico de R$ 50,00 por família por mês e um
benefício variável de R$ 15,00 para cada criança com idade entre 0 e 15 anos, com
o limite máximo de três benefícios.
b) o segundo grupo era o das famílias com renda percapita entre R$ 50,00 e R$
100,00 por mês. Neste caso, as famílias só poderiam receber o benefício variável
nos mesmos moldes do grupo anterior (R$ 15,00 para cada criança com idade entre
0 e 15 anos, com o limite máximo de três benefícios).
Assim, as famílias que se encaixassem no grupo com faixa de renda entre R$ 50,00 e
R$ 100,00, mas que não tivessem crianças em sua composição, não eram elegíveis ao Bolsa
Família.
A segunda mudança também diz respeito ao critério de renda, que passaria a ser
nominal e não mais atrelado ao salário mínimo ou a qualquer outro indexador de preços,
dando maior liberdade orçamentária ao Governo Federal (ROCHA, 2013, p. 91) para
aumentar o diminuir o valor do benefício de acordo com a situação em que se encontrassem
as finanças públicas.
Em conjunto, essas mudanças sugeriam que a clientela do Bolsa Família poderia sofrer
uma certa redução se comparada a do Cartão Alimentação, pois apesar de ainda haver uma
certa universalização e a garantia de alguma renda extra mesmo para as famílias sem crianças,
no caso do primeiro grupo, as famílias no segundo grupo não teriam acesso ao benefício caso
não tivessem crianças.
No entanto, em dezembro de 2003 o Bolsa Família chegou à marca de 3,6 milhões de
famílias atendidas, número muito superior aos 350 mil beneficiados pelo Cartão Alimentação,
que vinha sendo aposentado, e muito próximo ao do Bolsa Escola, que chegava, como já
relatado, a cerca de 3,7 milhões de famílias beneficiadas. Nesta época o Bolsa Família ainda
não englobava os outros programas, mas estava sendo implementado para que, em um futuro
próximo, viesse a incorporá-los ao seu conjunto de ações.
A comparação a seguir mostra a evolução acumulada do número de famílias (em
unidades) no período de dezembro de 2002 a setembro de 2004 de alguns dos programas que
viriam a ser futuramente incorporados ao Bolsa Família. Os números da Tabela 7 para o ano
de 2002 se encontram aproximados, apenas para que seja possível fazer uma comparação
superficial entre o Bolsa Família e os programas que naquele momento ainda funcionavam de
32
forma paralela. Este grupo de programas, com alguns tendo sido implementados ainda do
Governo FHC, ficou conhecido como Novos Programas de Transferência de Renda, sendo o
termo “Novos” utilizado para diferenciá-los dos Benefícios Assistenciais que foram os
primeiros Programas de Transferência de Renda.
TABELA 7 Novos Programas de Transferência de Renda (2002 - 2004)18
Programas Dez / 2002 Dez / 2003 Set / 2004
Bolsa Família - 3.615.596 5.035.660
Cartão Alimentação - 346.300 322.317
Bolsa Escola 5.106.000 3.771.199 3.381.486
Bolsa Alimentação 966.000 369.556 251.459
Auxílio Gás 8.846.000 6.931.699 1.304.571
Fonte: Elaboração própria a partir de dados de Rocha (2013, p. 96 e p. 106). Fonte original citada MDS
0
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
7.000.000
8.000.000
9.000.000
Bolsa Família
Cartão Alimentação
Bolsa Escola
Bolsa Alimentação
Auxílio Gás
Unidades
FIGURA 12 Novos Programas de Transferência de Renda (2002 - 2004)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados de Rocha (2013, p. 96 e p.106). Fonte original citada MDS
Enquanto observam-se as reduções nos benefícios do Bolsa Alimentação, do Bolsa
Escola e do Auxílio Gás, é possível ver o surgimento do Cartão Alimentação, de forma bem
modesta e o rápido crescimento do Bolsa Família em 2003 e 2004.
Obviamente, assim como os outros programas, o Bolsa Família também enfrentou
fortes dificuldades, principalmente em seu início, dentre elas:
18
Número acumulado de benefícios em cada ano.
Novos Programas de Transferência
de Renda (2002 - 2004)
33
a) dificuldades de cadastro e acompanhamento das famílias por ser um programa
nacional e não possuir uma rede de ancoragem, como possuía o Bolsa Escola
(ancorado na rede escolar) e o Bolsa Alimentação (ancorado nas redes de postos de
saúde). Além disso, por ter o objetivo de incorporar os programas já existentes, o
Bolsa Família teria que unificar os cadastros e as políticas de transferência de
renda de diversos programas, voltados para diferentes clientelas;
b) dificuldades para manter o cadastro atualizado, de forma que a verificação das
condições de elegibilidade das famílias fosse feita a cada dois anos de forma
eficiente, evitando assim que famílias que já tinham superado os critérios de renda
continuassem a receber o benefício;
c) dificuldades para garantir os recursos orçamentários necessários para atender a
população-alvo, não só com a transferência de renda, mas com um serviço de
assistência social eficiente.
Mesmo com essas dificuldades, o Bolsa Família chegou ao número de 3,6 milhões de
famílias atendidas ainda em 2003, tornando-se o grande destaque da política social do
Governo Lula.
Os dados exibidos mostram que em setembro de 2004, quando o Bolsa Família já
atendia cerca de 5 milhões de famílias, o Bolsa Escola e o Auxílio Gás ainda tinham uma
clientela muito grande com aproximadamente 3,4 e 1,3 milhões de famílias atendidas
respectivamente. Mesmo com o crescimento do Bolsa Família, ainda não havia chegado até
2004 o ponto em que ele, junto aos demais novos programas superariam, os dispêndios dos
Benefícios Assistenciais, que alcançaram R$ 8,2 bilhões em 2004 contra os R$ 5,8 bilhões do
Bolsa Família agregado aos outros programas.
Em dezembro de 2006, o Bolsa Família alcançou a meta de cobrir a sua população-
alvo, chegando assim ao número de 11 milhões de famílias beneficiadas. Um feito, ainda mais
importante foi a concretização da incorporação dos demais novos programas. A realização da
integração contribuiu para a redução da superposição de transferências concedidas às famílias,
que foi sendo eliminada aos poucos. Com isso o Bolsa Família se consolidava como carro-
chefe da política social do Governo.
Ainda em 2006, ocorreu a primeira mudança no Bolsa Família, com a alteração de
seus parâmetros de renda R$ 50,00 e R$ 100,00 para R$ 60,00 e R$ 120,00, porém o valor do
benefício só aumentou em 2007 chegando a R$ 58,00 para o benefício básico e R$ 18,00 para
o variável. Outros ajustes nos valores dos benefícios foram realizados em 2008, 2009 e 2011
quando chegaram a R$ 70,00 para o básico e R$ 32,00 para o variável. Nota-se que, embora o
34
valor básico não tenha tido um aumento significativo até 2011 e se situasse aquém da
correção inflacionária em relação a 2003, o valor variável aumentou bastante, mais do que
dobrando e ficando bem acima da correção da inflação. De certa forma, pode-se dizer que a
matemática aplicada nos aumentos dos benefícios visou dar um maior apoio às famílias que
eram elegíveis ao recebimento do benefício variável, ou seja, àquelas que apresentavam
crianças em sua composição.
Em março de 2008, engessado por ter atingido a meta de 11 milhões de famílias
beneficiadas, o Bolsa Família apresentou uma nova mudança. Uma vez que não se justificava
o aumento da população-alvo do Programa, e que este já havia atingido a sua meta, restava
buscar uma expansão de sua clientela através de outros critérios. Assim, os jovens passaram a
integrar a clientela do Bolsa Família. O novo benefício foi limitado a dois por família e seriam
elegíveis aquelas famílias já assistidas pelo Bolsa Família, que tivessem a presença de jovens
entre 16 e 17 anos frequentando a escola.
Em 2009, o Governo decidiu fixar novas metas para o Bolsa Família, ignorando
possíveis repercussões negativas a respeito da ampliação da cobertura. A nova meta seria de
12,9 milhões de famílias para o final de 2010. Nos recadastramentos do Programa, que
ocorriam a cada dois anos, parte das famílias beneficiadas eram descredenciadas, permitindo
assim a inclusão de novos beneficiários. Esta troca de beneficiários ajudaria a alcançar a meta
estimada de 13 milhões de famílias para que a cobertura fosse total.
Em 2011, novas mudanças foram realizadas, beneficiando ainda mais as famílias com
crianças em sua composição:
a) Elevação do número máximo de crianças na faixa etária de 0 a 15 anos, de 3 para
5, aumentando o valor e o número de benefícios possíveis para uma família;
b) Concessão do benefício variável para gestantes e nutrizes, durante 9 meses e 6
meses, respectivamente.
Cabe ressaltar que os benefícios variáveis passíveis de recebimento por uma família,
não poderiam ultrapassar o número de cinco, não podendo assim haver sobreposição das
novas regras “a” e “b”. Assim, em 2011, uma família que se encaixasse em todas as formas
de benefícios possíveis receberia um total de R$ 306 reais (R$ 70 do benefício básico + R$ 32
x 5 do benefício variável vinculado à criança e mais R$ 38 x 2 do benefício variável
vinculado ao jovem), o que é bem acima dos R$ 142 correspondentes ao valor do início do
Bolsa Família corrigido pela inflação.
A trajetória descrita se reflete em alterações na Lei 10.836, que em sua forma atual
assume as seguintes condicionalidades para o Bolsa Família:
35
I – benefício básico – destinado a unidades familiares que se encontrem em situação
de extrema pobreza;
II – benefício variável – destinado a unidades familiares que se encontrem em
situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes,
nutrizes, crianças entre 0 (zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes até 15 (quinze)
anos, sendo pago até o limite de 5 (cinco) benefícios por família;
III – benefício variável – vinculado ao adolescente, destinado a unidades familiares
que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua
composição, adolescentes com idade entre 16 (dezesseis) e 17 (dezessete) anos,
sendo pago até o limite de 2 (dois) benefícios por família.
IV – benefício para superação da extrema pobreza, no limite de um por família,
destinado às unidades familiares beneficiárias do Programa Bolsa Família e que,
cumulativamente: a) tenham em sua composição crianças e adolescentes de 0 (zero)
a 15 (quinze) anos de idade; e b) apresentem soma da renda familiar mensal e dos
benefícios financeiros previstos nos incisos I a III igual ou inferior a R$ 70,00
(setenta reais) per capita.
Em 2011, o Bolsa Família beneficiou 13,3 milhões de famílias, enquanto o valor
médio do benefício foi de R$ 120,19. Os recursos repassados pelo Bolsa Família para
pagamento destes benefícios totalizaram cerca de R$ 17 bilhões no mesmo ano, ou
aproximadamente 0,4% do PIB (que alcançou aproximadamente R$ 4,1 trilhões), um número
relativamente baixo de investimento em relação ao PIB, considerando o bom impacto de
contribuição do Programa na redução da pobreza e da desigualdade.
Números mais recentes apontam que o Bolsa Família beneficiou 13,8 milhões de
famílias, que receberam benefícios com valor médio de R$ 152,3519
no mês de setembro de
2013.
Os dados apresentados na Tabela 8 mostram a evolução do Bolsa Família em termos
de número de famílias beneficiadas (em unidades) e dispêndios.
TABELA 8 Bolsa Família – Famílias x Dispêndios (2004 - 2011)
Ano
Número de Famílias
Beneficiadas
Dispêndio Total
(R$ )
2004 6.571.842 3.791.785.038,00
2005 8.700.451 5.691.667.041,00
2006 10.965.810 7.524.641.322,00
2007 11.043.076 8.965.499.608,00
2008 10.557.996 10.606.500.193,00
2009 12.370.915 12.454.702.501,00
2010 12.778.220 14.372.702.865,00
2011 13.361.503 17.360.387.445,00
Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos do MDS20
.
19
Dados obtidos no site do MDS em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php#Visão Geral
Brasil. Acesso em: 04 nov. 2013.
20
Dados obtidos na aplicação SAGI, que se encontra disponível no site do MDS em:
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/MONIB2/index_all_drop_down.php?p_id=572&p_global_ibge=&p_ferrament
as=1&p_sem_legenda=1. Acesso em: 04 nov. 2013.
36
A Figura 13 exibida a seguir mostra graficamente a evolução do Bolsa Família. Os
dispêndios exibidos consideram os valores acumulados no período.
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
14,0
16,0
18,0
20,0
0,0
1,5
3,0
4,5
6,0
7,5
9,0
10,5
12,0
13,5
15,0
Famílias Beneficiadas (milhões) Dispêndio Total (R$ )
Famílias
(milhões)
Dispêndio
(R$ bilhões)
FIGURA 13 Bolsa Família – Famílias x Dispêndios (2004 - 2011)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MDS.
Números mais atuais do MDS indicam que os dispêndios ultrapassaram os R$ 21
bilhões em 2012, e até o mês de outubro de 2013 estavam em R$ 20,6 bilhões.
O capítulo 3 trará uma breve análise comparativa entre os Programas de Transferência
de Renda vistos até o momento, além de dados comparativos com PIB brasileiro e com o
Orçamento da Seguridade Social, que poderão dar uma ideia melhor do verdadeiro custo dos
Programas de Transferência de Renda.
Bolsa Família – Famílias x
Dispêndios (2004 - 2011)
37
3 ANÁLISE COMPARATIVA DAS TRANSFERÊNCIAS DE RENDA NO
BRASIL
No capítulo anterior, foi apresentada a trajetória dos programas de transferência de
renda brasileiros, a partir da década de 1970, com a criação do RMV, até os dias atuais, com a
implementação do Bolsa Família.
Neste capítulo, será realizada uma análise comparativa entre Benefícios Assistenciais
(RMV + Amparos Assistenciais) e o Bolsa Família. A análise recairá sobre estes programas
em razão de sua abrangência, de seus elevados custos, e finalmente pelo fato de estarem em
plena operação até os dias atuais. Outra análise irá comparar os dispêndios destes programas
ao PIB21
brasileiro e ao Orçamento da Seguridade Social22
, que contempla as despesas com
saúde, previdência e assistência social. Os benefícios aqui analisados se encontram nesta
última categoria.
A primeira comparação mostra a evolução do número de benefícios23
(em unidades) e
dos dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família.
TABELA 9 Comparativo – Benefícios Assistenciais x Bolsa Família (2001 – 2011)
Ano
Benefícios
Assistenciais
Bolsa
Família
Benefícios Assistenciais Bolsa Família
2001 2.086.503 - 4.310.419.986,94 -
2002 2.234.688 - 5.084.406.657,47 -
2003 2.312.711 ... 6.302.614.139,00 ...
2004 2.612.106 6.571.842 7.575.699.861,00 3.791.785.038,00
2005 2.775.940 8.700.451 9.324.334.955,00 5.691.667.041,00
2006 2.923.894 10.965.810 11.627.153.216,42 7.524.641.322,00
2007 3.080.821 11.043.076 13.429.874.972,11 8.965.499.608,00
2008 3.296.566 10.557.996 15.642.007.828,73 10.606.500.193,00
2009 3.489.242 12.370.915 18.735.367.040,39 12.454.702.501,00
2010 3.689.221 12.778.220 21.956.580.903,21 14.372.702.865,00
2011 3.849.895 13.361.503 24.609.843.623,76 17.360.387.445,00
Número de Benefícios Dispêndios (R$)
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coletados do AEPS e do MDS.
A mesma evolução pode ser vista graficamente na Figura 14 a seguir.
21
Dados obtidos em cada ano corrente desde 1970 no site do IPEA (http://www.ipeadata.gov.br). Acesso em: 05
nov. 2013.
22
Dados obtidos no site da Secretaria de Orçamento Federal (SOF). Acesso em: 07 nov. 2013. Estatísticas
Fiscais disponíveis em: http://www.orcamentofederal.gov.br/.
23
No caso do Bolsa Família, vale lembrar que o número de benefícios reflete o número de famílias beneficiadas.
38
0
5
10
15
20
25
30
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Benefícios Assistenciais (milhões) Bolsa Família (milhões de famílias)
Benefícios Assistenciais (R$ bilhões) Bolsa Família (R$ bilhões)
Benefícios
(milhões)
Dispêndio
(R$ bilhões)
FIGURA 14 Comparativo – Benefícios Assistenciais x Bolsa Família (2001 – 2011)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do AEPS e MDS.
Observando os dados apresentados e o gráfico acima, uma análise interessante a ser
realizada é que os Benefícios Assistenciais, apesar de possuírem uma clientela cerca de 3,5
vezes menor do que a do Bolsa Família em 2011, por exemplo, apresentaram dispêndios cerca
de 1,5 vez maior no mesmo ano. As razões para tal comportamento estão na história e formato
que os programas adotaram ao longo do tempo.
Como já visto, a partir de 1988, além dos Benefícios Assistenciais terem sido
universalizados, o valor de piso do benefício foi atrelado ao salário mínimo. Segundo Rocha
(2013, p. 161), este fato explica a subida contínua do dispêndio ao longo do tempo, uma vez
que, nos últimos 15 anos, o Governo Brasileiro vem praticando uma política de valorização
do salário mínimo. Mesmo com uma clientela menor, como o valor do benefício é
relativamente alto, os custos totais dos Benefícios Assistenciais superam os do Bolsa Família.
Já o Bolsa Família, evoluiu do Bolsa Escola, como um programa de clientela muito
mais ampla. Englobava todas as famílias carentes que tivessem crianças em idade escolar,
aquelas que não tivessem crianças, porém com maiores problemas de renda, adicionando
ainda, os jovens, gestantes e nutrizes mais a frente. O Programa conseguiu combinar uma
clientela enorme com transferências de baixo valor, conseguindo, portanto, atender uma
Comparativo - Benefícios Assistenciais
x Bolsa Família (2001 – 2011)
39
parcela da população pobre cerca de 3,5 maior do que a dos Benefícios Assistenciais, com um
custo menor.
Para entender melhor a questão dos dispêndios dos Programas de Transferência de
Renda, apresentados, é importante ter uma noção da relação destes custos com o PIB nacional
e com o Orçamento da Seguridade Social, que é parte do Orçamento Federal. A partir desta
análise será possível ver o quanto do PIB foi investido nesta parte da questão social brasileira
nos últimos anos.
A Tabela 10 exibe os dados do PIB Brasileiro a preços de cada ano, o Orçamento da
Seguridade Social e os percentuais destas variáveis econômicas gastos com os Benefícios
Assistenciais e com o Bolsa Família.
TABELA 10 Transferências em Percentuais do PIB e do Orçamento da Seguridade Social
Ano PIB ano corrente (R$)
Orçamento da
Seguridade Social -
OSS (R$)
Benefícios
Assistenciais
(% PIB)
Bolsa
Família
(% PIB)
Benefícios
Assistenciais
(% OSS)
Bolsa
Família
(% OSS)
2001 1.302.136.000.000,00 147.257.612.110,00 0,33 - 2,93 -
2002 1.477.822.000.000,00 170.419.633.455,00 0,34 - 2,98 -
2003 1.699.948.000.000,00 197.400.455.349,00 0,37 ... 3,19 ...
2004 1.941.498.000.000,00 229.966.333.097,00 0,39 0,20 3,29 1,65
2005 2.147.239.000.000,00 265.538.703.952,95 0,43 0,27 3,51 2,14
2006 2.369.484.000.000,00 303.693.484.456,00 0,49 0,32 3,83 2,48
2007 2.661.344.000.000,00 337.574.504.401,00 0,50 0,34 3,98 2,66
2008 3.032.203.000.000,00 371.645.496.050,00 0,52 0,35 4,21 2,85
2009 3.239.404.000.000,00 428.467.549.332,00 0,58 0,38 4,37 2,91
2010 3.770.084.872.000,00 475.428.615.295,00 0,58 0,38 4,62 3,02
2011 4.143.013.338.000,00 531.428.610.862,46 0,59 0,42 4,63 3,27
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do AEPS, IPEA, SOF e MDS.
A Figura 15 apresenta graficamente os dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do
Bolsa Família em percentuais do PIB brasileiro.
40
0,33 0,34 0,37 0,39 0,43 0,49 0,50 0,52 0,58 0,58 0,59
0,20
0,27
0,32 0,34 0,35
0,38 0,38 0,42
0,00
0,20
0,40
0,60
0,80
1,00
1,20
Bolsa Família (% PIB) Benefícios Assistenciais (% PIB)
% PIB
FIGURA 15 Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% PIB)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do AEPS, IPEA, SOF e MDS
A Figura 16 apresenta graficamente os dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do
Bolsa Família em percentuais do Orçamento da Seguridade Social (OSS).
2,93 2,98 3,19 3,29 3,51 3,83 3,98 4,21 4,37 4,62 4,63
1,65
2,14
2,48 2,66
2,85 2,91
3,02 3,27
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
7,00
8,00
9,00
Bolsa Família (% OSS) Benefícios Assistenciais (% OSS)
% OSS
FIGURA 16 Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% OSS)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do AEPS, IPEA, SOF e MDS.
Dispêndios dos Benefícios Assistenciais
e do Bolsa Família (% PIB)
Dispêndios dos Benefícios Assistenciais
e do Bolsa Família (% OSS)
41
Pelos dados apresentados pode-se concluir que o impacto dos Programas de
Transferência de Renda no PIB é muito pequeno, sendo um pouco maior no Orçamento da
Seguridade Social. O que é interessante descobrir é se existe uma relação custo benefício
positiva em relação à transferência de renda aqui exposta. É preciso saber se mesmo com
custos tão baixos estes programas conseguem ao menos reduzir de alguma forma a situação
da pobreza e da desigualdade no Brasil, motivo principal de sua existência.
42
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Rocha (2013, p. 166), os Programas de Transferência de Renda tornaram-se
o elemento-chave da política antipobreza, devido à sua forte expansão e ao sucesso em
atender a clientela-alvo. A grande questão é entender o tamanho de seu sucesso em relação ao
seu principal objetivo, que seria a redução da pobreza e da desigualdade, índices
historicamente elevados no Brasil.
Uma análise realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a partir
de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2009), avaliou a
distribuição de renda no Brasil entre 1995 e 2009. Esta análise revelou que o coeficiente de
Gini, índice que mede o grau de concentração da renda, apresentou um declínio sustentado em
11 anos, indo de 0,597, em 1998, para 0,538 até o final de 200924
, o que representou uma
melhoria de 5,9 pontos percentuais na questão da desigualdade, neste período. Apesar do
desempenho positivo das transferências de renda no atendimento à população pobre,
principalmente a partir de 1996, com a Lei Orgânica da Assistência Social, elas não foram as
únicas responsáveis ou tampouco foram o fator mais importante para a queda no índice de
Gini, o que poderia ser pensado em razão da coincidência das datas.
A mesma análise mostrou que o rendimento obtido pelo trabalho foi o principal fator
para a diminuição da desigualdade, com um peso de quase 73%, na renda total das famílias.
Este número é muito superior ao 1,3% (0,7% do Bolsa Família e 0,6% dos Benefícios
Assistenciais), que representou o rendimento obtido com transferências de renda em 2009.
Rocha (2013, p. 152) aponta que, no período de 1997 a 2009, o coeficiente de Gini apresentou
uma queda de 0,599 para 0,538, ou 6,1 pontos percentuais. Destes 6,1 pontos percentuais, 4,2
foram associados ao rendimento do trabalho, enquanto 1,1 originou-se das transferências de
renda. Estes dados mostram que, mesmo tendo uma participação de apenas 1,3% na renda das
famílias, as transferências de renda representaram 18% da responsabilidade pela queda de 6,1
pontos percentuais do índice de Gini.
No que diz respeito à redução da pobreza, os indicadores se mantiveram estáveis de
1995 a 2003, apresentando algumas poucas e pequenas variações. Apesar de não terem
contribuído para a redução da pobreza no período citado, as transferências de renda tiveram
um papel de grande importância, funcionando como uma espécie de barragem para evitar o
24
Coeficiente de Gini relativo à Renda Familiar per capita, que é o relevante para medir o bem-estar da
população como um todo (ROCHA, 2013, p. 152).
43
agravamento da pobreza que poderia ter ocorrido naquele momento de conjuntura econômica
adversa, caracterizado por uma queda real de 19% na renda das famílias obtida pelo trabalho.
A partir de 2004, houve uma retomada do crescimento econômico e a melhoria do
rendimento do trabalho, que, mais uma vez, assim como no caso da desigualdade, mostrou-se
o fator mais importante para a redução da pobreza. Segundo estimativas feitas para o ano de
200725
, as transferências de renda tiveram um impacto de 6,4% na redução da pobreza, sendo
3,1% devido aos Benefícios Assistenciais e 3,3% ao Bolsa Família. Apesar de parecer um
número modesto, estes 6,4% têm grande importância, principalmente considerando os baixos
custos dos programas que no mesmo ano chegaram a somente 0,84% do PIB.
Pode-se concluir que, apesar de terem papel fundamental como política social para
aumento do bem-estar da sociedade e de apresentarem resultados positivos, em relação aos
baixos custos que exibem, os Programas de Transferência de Renda não são suficientes para
combater de forma eficiente o ciclo vicioso da pobreza brasileira. Mesmo sendo muito
importantes, devem ser apenas parte de um conjunto muito maior de ações capazes de
combater a questão da pobreza brasileira. Dentre as ações possíveis, encontra-se a melhoria
do sistema educacional, considerada por muitos estudiosos uma peça fundamental no combate
a pobreza, uma vez que, através da educação, o indivíduo teria maior capacidade de melhorar
a sua renda no longo prazo.
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) mostram
que em 2011 o Governo Brasileiro investiu um total de 6,1% do PIB brasileiro em educação,
o que, apesar de ser um bom percentual, não gera impactos positivos se não for corretamente
alocado. Acredita-se que, aumentando o investimento em termos do PIB e garantindo que este
seja corretamente investido, sem desperdícios ou fraudes, seja possível realizar mudanças
mais profundas no sistema de ensino brasileiro.
No longo prazo esse investimento se reverteria em uma educação de qualidade para a
sociedade, que estaria mais qualificada para a obtenção de melhores empregos e rendimentos.
As transferências de renda poderiam ser gradualmente substituídas por mais investimentos em
educação, o que poderia, enfim, levar à quebra do ciclo vicioso da pobreza no longo prazo.
Esta alternativa deixa no ar a incerteza sobre o futuro e sobre o rumo correto a ser
tomado em relação às políticas antipobreza. Segundo Rocha (2013, p. 172),
Atualmente o governo brasileiro tem como objetivo a eliminação da pobreza
extrema até o final de 2014, o que grosso modo, significaria tomar o rumo de
25
Impactos simulados das transferências sobre a proporção de pobres, elaborados por Rocha (2013, p. 155) com
base em microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
44
aumentar ainda mais o volume dos Programas de Transferência de Renda, focando
nas famílias com renda familiar percapita abaixo da oficial de pobreza extrema.
As transferências de renda parecem ser uma solução mais confortável para o
enfrentamento da pobreza, principalmente no que concerne ao dispêndio associado às
mesmas, e, por este motivo, acredita-se que não serão simplesmente abandonadas no curto
prazo. Não se pode negar a relevância dos Programas de Transferência de Renda para a
melhoria concreta e imediata das condições de vida das famílias beneficiadas (SILVA;
YAZBEK; GIOVANNI, 2012. p. 230). Contudo, deve-se pensar em soluções paralelas e
principalmente em como conduzir os rumos educacionais do país, para que as transferências
sejam apenas uma parte, e não o pilar das políticas antipobreza no Brasil.
TCC_RICARDOPALHEIROS_11122013_FULL
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  • 1. UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS Ricardo Cunha Palheiros Junior PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA: Análise Histórica, Evolução, Custos e Impactos Sobre a Sociedade Brasileira Rio de Janeiro 2013
  • 2. i Ricardo Cunha Palheiros Junior PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA: Análise Histórica, Evolução, Custos e Impactos Sobre a Sociedade Brasileira Monografia apresentada à banca examinadora do Curso Superior de Ciências Econômicas do Campus Centro I da Universidade Estácio de Sá, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Ciência Econômicas. Orientador: Prof. Fernando da Silva Santiago Universidade Estácio de Sá Rio de Janeiro 2013
  • 3. ii Ricardo Cunha Palheiros Junior PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA: Análise Histórica, Evolução, Custos e Impactos Sobre a Sociedade Brasileira Esta monografia foi apresentada em 04 de dezembro de 2013 e julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas, por ter sido aprovada em sua forma final pela banca examinadora do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estácio de Sá, com o conceito _______ (_____________________). BANCA EXAMINADORA: ______________________________________________________ Orientador – Fernando da Silva Santiago Universidade Estácio de Sá ____________________________________________________ Examinador – Prof. Universidade Estácio de Sá ____________________________________________________ Examinador – Prof. Universidade Estácio de Sá Rio de Janeiro 2013
  • 4. iii DEDICATÓRIA Dedico esta monografia à minha amada esposa, Fabiana, sem a qual a tarefa de terminar este ciclo da minha vida seria muito mais difícil ou até mesmo impossível. Seu amor, carinho, paciência, compreensão, apoio psicológico, conselho e os seus empurrões me deram as forças necessárias para cruzar a linha de chegada. Dedico aos meus pais, Ricardo e Iracélia, e irmãs, Aline e Monica, que, além de muito apoio e carinho, nunca deixaram de acreditar na minha capacidade e de vibrar por mim. Dedico também ao meu sobrinho e afilhado, Tyler, que apesar de ser tão pequeno e de estar tão longe, ocupa sempre um lugar em meus pensamentos e em meu coração. Por fim e não menos importante, aos meus amigos, tão presentes e que muitas vezes compartilharam as alegrias e tristezas, acadêmicas ou da própria vida, especialmente Beto, Débora, Daniel e Michelle.
  • 5. iv AGRADECIMENTOS Agradeço sinceramente ao meu Orientador, Fernando da Silva Santiago, e ao Professor de TCC, Vicente Eudes, pelo apoio, direcionamento e cooperação na elaboração deste trabalho, assim como aos professores pelos quais passei e de quem absorvi conhecimento no decorrer deste curso.
  • 6. v EPÍGRAFE Com 40 anos de Políticas Públicas de Transferência de Renda, há apenas uma certeza: O Brasil ainda está muito distante de uma solução final para os problemas da desigualdade e da pobreza. Ricardo Cunha Palheiros Junior
  • 7. vi RESUMO Acreditando ser possível para o Governo Brasileiro adotar uma política diferente no que diz respeito aos Programas de Transferência de Renda e à redução da pobreza e da desigualdade, este trabalho tem por objetivo o empreendimento de uma análise histórica destes programas, desde sua criação, nos anos 1970, até os dias de hoje. A análise realizada foi fundamentada em dados históricos que mostrarão os objetivos, abrangência e custos dos Programas de Transferência de Renda. O início do trabalho conta com uma breve introdução ao conceito por trás das transferências de renda. É intento final desta análise concluir que, apesar de contribuir como estratégia de redução da pobreza e aumento do bem-estar social, os Programas de Transferência de Renda não se mostram capazes, por si só, de mudar o panorama da pobreza e da desigualdade no Brasil, considerando-se ainda que podem existir outras saídas para o enfrentamento do problema, como a educação, por exemplo. Assim, a análise que será feita pretende embasar a conclusão de que, apesar de importantes, devido ao poder de cobertura da população carente, aos baixos custos que geram e ao aumento de bem-estar social que proporcionam, os Programas de Transferência de Renda devem ser apenas uma pequena parte da engrenagem social e não ponto fundamental para a redução da pobreza. Palavras-chave: Programas de Transferência de Renda, Benefícios Assistenciais, Bolsa Família.
  • 8. vii ABSTRACT Believing to be possible for the Brazilian Government to adopt a different policy regarding Cash Transfer Programs, this work is dedicated to the development of a historical analysis of these programs since its inception in the 1970s until the present day. The analysis was based on historical data that will show the objectives, scope and costs of the Cash Transfer Programs. The beginning includes a brief introduction to the concept behind the cash. It is the final purpose of this work to show that, even with the important contributions brought by those programs and working as a strategy for reducing poverty and increasing social welfare, they do not show itself able to change the picture of poverty and inequality in Brazil, considering further that could be other solutions to deal with the problem like education investments. Therefore, the analysis will help to support the conclusion that although important, due to their coverage power of the poor population, the low costs they generate and the increase of social welfare provided, the Cash Transfer Programs must be only a small part of a bigger social gear and not the key element for poverty reduction. Key-words: Cash Transfer Programs, Welfare Benefits, Bolsa Família.
  • 9. viii LISTA DE TABELAS Página Tabela 1: Número de Benefícios Assistenciais Concedidos (1980 – 2011) ........................... 15 Tabela 2: Número de Benefícios Assistenciais Mantidos (1980 – 2003) ............................... 17 Tabela 3: Número de Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011) ................................ 19 Tabela 4: Dispêndio dos Benefícios Assistenciais Emitidos (R$) .......................................... 20 Tabela 5: Evolução do Salário Mínimo (2005 – 2013) ........................................................... 21 Tabela 6: Evolução do Bolsa Escola Federal (2001 – 2009) .................................................. 29 Tabela 7: Novos Programas de Transferência de Renda (2002 – 2004) ................................. 32 Tabela 8 Bolsa Família – Famílias x Dispêndios (2004 – 2011) ............................................ 35 Tabela 9 Comparativo – Benefícios Assistenciais x Bolsa Família (2001 – 2011) ................ 37 Tabela 10 Transferências em percentuais do PIB e do Orçamento da Seguridade Social ..... 39
  • 10. ix LISTA DE FIGURAS Página Figura 1: Evolução do Número de Beneficiários do RMI ..................................................... 07 Figura 2: Evolução do Valor do Benefício do RMI em Euros (2001 – 2012) ....................... 08 Figura 3: Valorização do RMI – RSA x Valorização do IPC ................................................ 09 Figura 4: Número de Benefícios Assistenciais Concedidos (1980-2011) .............................. 16 Figura 5: Número de Benefícios Assistenciais Mantidos (1980 – 2003) ............................... 18 Figura 6: Número de Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011) ................................ 19 Figura 7: Dispêndio dos Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011) ........................... 21 Figura 8: Distribuição de Benefícios Assistenciais Emitidos (2011) ..................................... 22 Figura 9: Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais (2011) ................................. 22 Figura 10: Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais por Clientela (2011) ......... 33 Figura 11: Evolução do Bolsa Escola Federal (2001 – 2009) ................................................ 29 Figura 12: Novos Programas de Transferência de Renda (2002 - 2004) ............................... 32 Figura 13: Bolsa Família – Famílias x Dispêndios (2004 - 2011) ......................................... 36 Figura 14: Comparativo – Benefícios Assistenciais x Bolsa Família (2001 – 2011) ............. 38 Figura 15: Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% PIB) ................. 40 Figura 16: Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% OSS) ................ 40
  • 11. x SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................................................vi ABSTRACT .......................................................................................................................vii LISTA DE TABELAS ......................................................................................................viii INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 1 1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA............................... 3 1.1 CASO BOLSA FAMÍLIA: UM EXEMPLO DE PROGRAMA BRASILEIRO ......... 4 1.2 REVENU MINIMUM D’INSERTION: CASO FRANCÊS ....................................... 5 2 ANÁLISE HISTÓRICA DA TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL.............. 10 2.1 RENDA MENSAL VITALÍCIA E AMPAROS ASSISTENCIAIS ............................ 10 2.2 BOLSA ESCOLA ...................................................................................................... 24 2.3 BOLSA FAMÍLIA ..................................................................................................... 30 3 ANÁLISE COMPARATIVA DAS TRANSFERÊNCIAS DE RENDA NO BRASIL.. 37 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 42 5 REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 45
  • 12. 1 INTRODUÇÃO Esta Monografia objetiva o estudo da trajetória dos Programas de Transferência de Renda criados e adotados como política de redução de pobreza e aumento de bem-estar social no Brasil, a partir dos anos 1970. O foco da análise são os programas que não exigem contrapartida financeira da sociedade, conhecidos como Benefícios Assistenciais, cuja condicionalidade principal é a insuficiência de renda e os programas com condicionalidades que vão além da renda, como o Bolsa Escola e o Bolsa Família. Para iniciar a ambientação em torno do assunto, no início do capítulo 2 do trabalho, onde será iniciada a análise histórica, será apresentado um dos programas pioneiros de transferência de renda no Brasil, o Renda Mensal Vitalícia (RMV), que, em sua forma inicial, exigia a contribuição para a Previdência Social, como condicionalidade. A história dos Programas de Transferência de Renda no Brasil começou em meados dos anos 1970, com a criação do RMV em 1974, cujo objetivo principal era garantir uma renda de meio salário mínimo para idosos e portadores de deficiência, que não fossem comprovadamente capazes de obter seu próprio sustento. Este foi o principal programa até a Constituição de 1988, quando foi instituído o Sistema de Seguridade Social Brasileiro, que unificou as diversas políticas existentes até então e criou novos mecanismos para assegurar os direitos sociais recém-estabelecidos. Este trabalho também examinará o período que passa pela criação da Lei Orgânica de Assistência Social1 (LOAS), em 1993, e sua aplicação, em 1996, que gerou mudanças importantes no sistema de transferência de renda, com a substituição do RMV pelos Amparos Assistenciais. Posteriormente, serão analisados o Bolsa Escola e como se deu seu surgimento e os motivos do seu fracasso a nível nacional e o Bolsa Família, Programa de Transferência de Renda, atualmente em vigor, que se consolida cada vez mais como carro-chefe da política social do governo atual. Esta análise histórica terá como suporte, no capítulo 1, uma breve definição e conceituação das políticas de transferência de renda, assim como seus objetivos e implicações. Esta parte contemplará também um exemplo nacional (o próprio Bolsa Família de forma breve) e um internacional, o francês Revenu Minimum D’Insertion (Renda Mínima de Inserção), de tais políticas, com o objetivo de criar uma ambientação acerca dos 1 Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, incluindo a Previdência Social. Esta lei foi criada com o objetivo de prover ao menos o atendimento às necessidades básicas do cidadão, através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade.
  • 13. 2 mecanismos básicos do funcionamento dos Programas de Transferência de Renda. Não houve nenhum critério específico, além da semelhança com alguns aspectos dos programas brasileiros, para a escolha do Programa francês. O capítulo 2 compreenderá a análise histórica em si e examinará os Programas RMV, Amparos Assistenciais, Bolsa Escola e Bolsa Família, de forma mais detalhada e com respaldo de dados quantitativos dos números de beneficiários e dos dispêndios associados, a partir das seguintes fontes: Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). As referidas fontes mostrarão a evolução dos programas ao longo do tempo em termos de crescimento de sua clientela-alvo e de seu dispêndio. O objetivo do capítulo 3 deste trabalho refere-se ao exercício de comparação entre os Programas de Transferência de Renda, tendo inclusive como base comparativa dados do PIB brasileiro, assim como dados do Orçamento da Seguridade Social, que ajudarão a entender melhor a relação custo-benefício envolvida na manutenção dos Programas de Transferência de Renda. Os dados relativos ao Orçamento da Seguridade Social foram obtidos no site da Secretaria de Orçamento Federal (SOF). Por fim, no capítulo 4, serão apresentados brevemente os impactos da transferência de renda na pobreza e na desigualdade, o que levará a questionamentos sobre a verdadeira eficiência dos Programas de Transferência de Renda como solução final para a questão brasileira, chegando-se, assim, às conclusões finais sobre o estudo realizado.
  • 14. 3 1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA No Brasil, os Programas de Transferência de Renda começam a surgir apenas em meados dos anos 1970, final do século XX. Todavia as primeiras ideias para aumento do bem- estar social já eram formadas por pensadores liberais no século XVIII e consistiam em “criar uma rede de proteção social para as populações mais pobres, através de uma transferência de renda complementar” (LAVINAS, 1998, p. 1). Em países desenvolvidos como a Dinamarca, Alemanha e outros da Europa, os programas de transferência começaram a surgir no período 1930 – 1950, como Programas de Garantia de Renda Mínima (PGRM), onde, a renda era praticamente o único fator condicionante para a entrada. Para Soares (2010, p. 4), “a base teórica por trás do estabelecimento de políticas e Programas de Transferência de Renda tem como ponto de partida o papel que o Estado deve ter na sociedade e, mais especificamente, qual o tamanho do Estado na economia”. Segundo Barr (2004), citado por Soares (2010, p. 4), “autores liberais, como Friedman e Hayek, defendem o Estado mínimo, tendo apenas o papel de regulador em última instância”, ou seja, para eles o Estado deve somente intervir no sentido de aplicação de políticas sociais pontuais e focalizadas, a fim de evitar situações de pobreza e privação absoluta de determinada parcela da sociedade. Novamente, de acordo com Barr (2004), citado por Soares (2010, p. 5) outros autores como Sweezy e Laski, defendiam a participação do Estado como regulador do bem-estar social, sendo ele forte responsável por promover este bem-estar através da geração de equidade entre os indivíduos da sociedade. Pode-se, ainda, citar a corrente com influências do utilitarismo e dos princípios da justiça de Rawls, que defende a intervenção estatal em graus diferenciados, com o objetivo de gerar maior equidade e eficiência na economia, gerando condições mais favoráveis ao crescimento (SOARES, 2010, p. 5). Neste trabalho, será tratada a intervenção estatal que é realizada por diversos países com o intuito de combater a pobreza e a desigualdade. Intervenção sob a forma de transferências de renda do Estado para a sociedade, mais especificamente, aquelas que independem de contribuições prévias, como dependem as da Previdência Social Brasileira. As condições de entrada nos Programas de Transferência de Renda estão em sua grande maioria, atreladas à situação de pobreza enfrentada por determinada parcela da sociedade, caracterizada pela incapacidade de obtenção de uma renda suficiente para manter
  • 15. 4 seu próprio sustento. Assim, a falta ou a precariedade de renda recebida por certo membro da sociedade deve ser avaliada e então classificada, dentro de determinado nicho, que obedecerá a determinadas regras para que este indivíduo seja, então, beneficiado pelos Programas de Transferência de Renda. 1.1 CASO BOLSA FAMÍLIA: UM EXEMPLO DE PROGRAMA BRASILEIRO A história dos programas de transferência de renda brasileiros é bastante extensa e complexa. Por este motivo, o foco deste trabalho prioriza os programas em que não há contrapartida prévia dos beneficiados em termos financeiros, ou seja, são transferências simples e puras do Estado para a população-alvo, quando atendidas as condicionalidades de renda ou outras dependendo do público e objetivos do programa. O Programa Bolsa Família será, a seguir, brevemente apresentado, apenas para exemplificar os mecanismos básicos dos Programas de Transferência de Renda. Os detalhes sobre sua evolução serão tratados mais a frente, nos capítulos 2 e 3 do trabalho. Segundo a definição do site do Ministério do Desenvolvimento e Combate a Fome (MDS), o Bolsa Família é: Um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria (BSM), que tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos.[...] A seleção das famílias para o PBF é feita com base nas informações registradas pelo município no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instrumento de coleta de dados que tem como objetivo identificar todas as famílias de baixa renda existentes no Brasil. Percebe-se que a principal condição para a entrada de determinado indivíduo no Bolsa Família é a análise da renda e que para esta análise são utilizados os dados do Cadastro Único. Assim, descrever o funcionamento do Cadastro Único, ajudará a entender melhor as condições para a elegibilidade ao Bolsa Família. Segundo o site do MDS, o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, entendidas como aquelas que têm:  Renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa; ou  Renda mensal total de até três salários mínimos. O Cadastro Único permite conhecer a realidade socioeconômica dessas famílias, trazendo informações de todo o núcleo familiar, das características do domicílio, das formas de acesso a serviços públicos essenciais [...] devendo ser obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários de Programas sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família. [...] Famílias com renda superior a meio salário mínimo também podem ser cadastradas, desde que sua inserção esteja vinculada à inclusão e/ou permanência em programas sociais implementados pelo poder público nas três esferas do Governo.
  • 16. 5 Além dos dados do Cadastro Único, o Bolsa Família também conta com as suas principais condicionalidades dispostas na Lei 10.836 de 2004, a saber: a) benefício básico de R$ 50,00 para as famílias com renda percapita inferior a R$ 50,00 por mês; b) benefício variável de R$15,00 por criança de 0 a 15 anos até o limite de três benefícios para as famílias com renda percapita inferior a R$ 50,00 por mês; c) benefício variável de R$15,00 por criança de 0 a 15 anos até o limite de três benefícios para as famílias com renda percapita entre R$ 50,00 e R$ 100,00 por mês. Neste caso, o benefício básico não poderia ser recebido. O sistema de inclusão do Bolsa Família está condicionado a várias regras dispostas na lei do Bolsa Família. Como já dito, os detalhes e resultados do Programa serão analisados mais a frente, onde serão abordados alguns dos programas de transferência de renda brasileiros mais importantes para a análise realizada neste trabalho. 1.2 REVENU MINIMUM D’INSERTION: CASO FRANCÊS Criado em 1988, pelo Governo do então primeiro-ministro Michel Rocard e adotado, desde 1989, o Revenu Minimum d'Insertion (Renda Mínima de Inserção – RMI), foi um programa francês de transferência de renda, que procurou incentivar a reinserção profissional, social e econômica da população carente. Por ser um programa parcialmente descentralizado, foi possível garantir uma boa adequação entre a demanda por auxílio e a resposta do Estado. Segundo Lavinas (1998, p. 5), dados da Comissão Interministerial da Renda Mínima de Inserção indicam que um pouco mais de um milhão de pessoas (1997) era beneficiada pelo RMI a cada ano, o que implicaria em um gasto anual da ordem de 4,6 bilhões de dólares. Estima-se que a cobertura do Programa tenha sido bastante abrangente, dado seu público-alvo e uma vez que, desde o final de 1993, as taxas observadas de inclusão de novos beneficiários foram decrescentes. Entende-se que este decréscimo no número de novos beneficiários, tenha ocorrido devido ao fato de que o RMI já cobria uma grande fatia de sua população-alvo. Para ter direito ao RMI o requerente deveria: a) residir no país e possuir uma autorização de residência mesmo quando não tivesse nacionalidade francesa; b) ser maior de 25 anos. Se menor de 25, o indivíduo poderia ser elegível no caso de ter uma criança que dele dependesse ou ter um futuro dependente (caso das mulheres grávidas);
  • 17. 6 c) ser carente de recursos para custear suas despesas básicas. Este ponto seria investigado trimestralmente, podendo acarretar em perda do benefício caso fosse descumprido. Para Lavinas (1998, p. 5), três grandes grupos são identificados como principais beneficiários da RMI: os marginais (em geral, homens adultos solteiros, sem apoio familiar); os assistidos socialmente (mulheres chefes de família pobres); e os fragilizados (mais sensíveis ao desemprego e à instabilidade social). O valor máximo pago mensalmente a um beneficiário girava em torno de US$ 400, cerca de 2400 FRF2 (1997), e estava condicionado ao não recebimento de auxílio moradia, diminuindo caso este último fosse recebido. Vale ressaltar que nesta época, o gasto francês com moradia chegava a 80 bilhões de francos em 1996, sendo bastante superior ao gasto com a RMI de cerca de 24,6 bilhões. Cada membro da família teria direito ao benefício, recebendo o cônjuge o equivalente a 50% do auxílio do primeiro adulto, com acréscimos de 30% por criança até o quarto filho. Os demais receberiam quantias fixas per capita da ordem de FRF 900. Uma família composta por dois adultos e três crianças, por exemplo, com insuficiência de renda poderia receber aproximadamente FRF 6.000 por mês (o equivalente a um salário mínimo por membro da família, à época). O beneficiário deveria participar obrigatoriamente dos contratos de inserção, o que significava colocar-se à disposição do governo municipal com o objetivo de obter um emprego ou de realizar cursos de treinamento e recapacitação. No entanto, somente metade da população da RMI assumiu, de fato, tal compromisso. Não havia restrições para o tempo de permanência no Programa. O benefício seria automaticamente (mas não imediatamente) suspenso, caso o beneficiado superasse as condições mínimas financeiras de sobrevivência, ou ao obtivesse um emprego. “A regra vigente em 1997 estabelecia que o exercício de uma atividade remunerada por mais de 750 horas consecutivas implicaria desligamento do programa” (LAVINAS, 1998, p. 6). No final das contas, cerca de 1/3 dos beneficiários permaneceria menos de um ano no sistema, usufruindo temporariamente do mesmo, que funcionou para muitos como uma espécie de válvula de escape social. 2 FRF – Franco francês – Moeda oficial da França até 2002, quando foi substituída pelo Euro. Um dólar norte- americano valia cerca seis francos franceses em 31/12/1997, segundo dados da OANDA, organização especializada em conversão de moedas do mundo todo.
  • 18. 7 Em geral, pode-se dizer que o balanço do programa francês foi positivo, uma vez que a RMI contribuiu para ampliar o espaço de participação social dos pobres na economia. O gráfico a seguir, foi elaborado a partir de dados obtidos no site do RMI3 e mostra a evolução do número de beneficiários (em unidades) de 2000 até 2009, quando foi substituído pelo Revenu de Solidarité Active (Renda de Solidariedade Ativa – RSA). 900.000 950.000 1.000.000 1.050.000 1.100.000 1.150.000 1.200.000 1.250.000 1.300.000 FIGURA 1 Evolução do Número de Beneficiários do RMI Fonte: Elaboração própria a partir de dados do site do Renda Mínima de Inserção O próximo gráfico mostra a evolução do valor do benefício em Euros de 2001 até 2012. 3 Website do RMI - http://www.rmi-fr.com/. Dados sobre números de beneficiários disponíveis em: http://www.rmi-fr.com/allocataires-rmi.htm. Acesso em: 07 out. 2013. Evolução do Número de Beneficiários do RMI (2000 - 2009)
  • 19. 8 380,00 390,00 400,00 410,00 420,00 430,00 440,00 450,00 460,00 470,00 480,00 € FIGURA 2 Evolução do Valor do Benefício do RMI em Euros (2001 – 2012) Fonte: Elaboração própria a partir de dados do site do Renda Mínima de Inserção Como dito anteriormente, o RMI foi substituído pelo RSA, em junho de 2009, que é atualmente o programa de transferência utilizado pelo Governo Francês. Seus principais objetivos são: a) proporcionar uma sobrevivência digna para a população carente de recursos; b) assegurar que o aumento do trabalho represente um aumento da renda disponível para o trabalhador, ou seja, que o trabalhador seja compensado da forma apropriada desde sua primeira hora trabalhada; c) complementar os recursos dos cidadãos que regressam ao trabalho para reduzir a pobreza na força de trabalho; e d) simplificar os mecanismos e condições dos programas de solidariedade para torná- los mais elegíveis à população carente. Por ser baseado no sistema de direitos e deveres, o RSA dá ao beneficiado além do direito à ajuda financeira, treinamento para resolver problemas sociais e melhorar a sua empregabilidade. Estabelece também obrigações como, por exemplo, a procura de emprego, ou incentiva o indivíduo a tentar iniciar sua própria atividade ou a empreender ações necessárias para melhorar sua integração social e profissional. O cidadão pode ser liberado de tais comprovações, quando já possui algum emprego, mesmo que a renda obtida com este seja pequena (renda média durante o trimestre de referência inferior a 500 Euros por mês). RMI RSA Evolução do Valor do Benefício do RMI em Euros (2001 – 2012)
  • 20. 9 É interessante observar como os Programas de Transferência de Renda afetam a economia e a sociedade em si e por isso, o gráfico a seguir, exibe uma comparação entre o aumento médio do RMI/RSA e o aumento médio do IPC4 no período 2002 – 2012. 2,24% 2,00% 1,96% 1,56% 2,02% 1,24% 2,82% 0,71% 1,10% 1,75% 2,35% 1,85% 1,50% 1,50% 1,80% 1,80% 1,80% 1,60% 1,50% 1,20% 1,50% 1,70% 0,00% 0,30% 0,60% 0,90% 1,20% 1,50% 1,80% 2,10% 2,40% 2,70% 3,00% Valorização do IPC Valorização do benefício (RMI - RSA) FIGURA 3 Valorização do RMI – RSA x Valorização do IPC Fonte: Site do Renda de Solidariedade Ativa 5 Pode-se observar que no período analisado, o IPC apresentou uma variação acima da variação do RMI – RSA em vários momentos, sendo a maior discrepância em favor do IPC, em 2008, quando sua variação atingiu 2,82% contra apenas 1,60% do RMI – RSA. O IPC teve uma aumento médio de 1,80% no período analisado enquanto o benefício teve um aumento médio abaixo da inflação, de 1,60%. Isto mostra que apesar ser importante, o programa deve funcionar com maior foco na realocação da força de trabalho do que como paliativo para os problemas socioeconômicos do país. No final de 2010, o número de beneficiários do já então, RSA, chegou a 1,8 milhão e hoje é de cerca de 2,1 milhões. Com a apresentação destes dois programas (Bolsa Família e RMI) e do embasamento conceitual por trás da transferência de renda, pode-se dar início a análise histórica dos programas de transferência de renda brasileiros, foco principal do trabalho. 4 IPC – Índice de Preços ao Consumidor. 5 Website do RSA: http://rsa-revenu-de-solidarite-active.com/. Dados disponíveis em: http://rsa-revenu-de- solidarite-active.com/actualite-rsa/139-rsa-2012.html. Acesso em: 07 out. 2013. Valorização do RMI - RSA x Valorização do IPC
  • 21. 10 2 ANÁLISE HISTÓRICA DA TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL Este capítulo aborda o surgimento dos Programas de Transferência de Renda, dos anos 1970 aos dias atuais. Serão descritas as mudanças trazidas pela Constituição de 1988, passando pela a criação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993, sua aplicação em 1996 e os impactos desta nos Programas de Transferência de Renda, conhecidos como Benefícios Assistenciais. São eles o Renda Mensal Vitalícia (RMV) e os Amparos Assistenciais, que não exigem hoje contribuições prévias à Previdência Social para a concessão do benefício. Além dos Benefícios Assistenciais, serão também analisados, o Bolsa Escola e o Bolsa Família, sendo este último, o principal Programa de Transferência de Renda, atualmente em vigor. Cabe ainda ressaltar a existência do Pensão Mensal Vitalícia (PMV) que não será abordado em detalhes por apresentar em sua história um número de beneficiários e um dispêndio associado muito pequeno se comparado aos demais programas e por isso, se torna comparativamente aos outros, pouco relevante. 2.1 RENDA MENSAL VITALÍCIA E AMPAROS ASSISTENCIAIS Criado em 1974, o RMV visava basicamente o ataque à pobreza e utilizava a renda como critério de avaliação da situação de pobreza de sua clientela. O Programa foi considerado uma iniciativa acima dos padrões de alguns países desenvolvidos que ainda lutavam para estabelecer seus sistemas de seguridade social. Apesar de ser uma iniciativa destacável, o Programa não teve a visibilidade pretendida, em função de possuir uma cobertura um tanto quanto limitada, atacando o problema da pobreza somente para os idosos e portadores de deficiência, com renda insuficiente para garantir sua sobrevivência. O RMV era um componente do sistema previdenciário, que visava “garantir uma transferência de renda de meio salário mínimo a idosos e portadores de deficiência em famílias de baixa renda” (ROCHA, 2013, p. 2). Uma característica interessante do Programa é que ele visava justamente atender o público citado acima, que chegou a contribuir para o fundo previdenciário, porém não por tempo suficiente para ter direito ao recebimento do benefício. Foi criado através da Lei 6.1796 , de 11 de dezembro de 1974. Tal lei foi sancionada 6 A lei 6.179 de 1974 instituiu amparo previdenciário para maiores de setenta anos de idade e para inválidos.
  • 22. 11 pelo então presidente, General Ernesto Geisel, no período conhecido como ditadura militar7 . Nesta época o Brasil ainda vivia os efeitos do milagre econômico brasileiro8 , quando o país apresentou elevadas taxas de crescimento econômico, tendo chegado a 13,97% no ano de 1974. Apesar de o país estar vivendo uma época de grande crescimento, ao mesmo tempo, pesquisas estatísticas vinham apontando para um aumento crescente da desigualdade na distribuição de renda. O coeficiente de Gini, índice usado como uma das formas de medir o grau de concentração da renda de uma localidade, região ou sociedade (CACCIAMALI, 1995, p. 4), mostrava que a desigualdade de renda aumentou consideravelmente9 nos anos 1970. “O brilho das altas taxas de crescimento do produto obtidas pelo Brasil no período do milagre econômico estava, portanto, sendo ofuscado pelas evidências relativas o aumento da desigualdade de renda” (ROCHA, 2013, p. 3, grifo da autora). Para entender melhor o RMV, cabe analisar alguns aspectos básicos da lei 6.179, que o criou. Quanto ao público-alvo, como já dito, o Programa tinha por objetivo, atender aos cidadãos acima de 70 anos e portadores de deficiência, porém, existiam algumas condicionalidades que acabavam por restringir sua clientela. São elas: a) o cidadão não podia ser mantido por pessoa de quem dependesse obrigatoriamente; b) o cidadão não poderia ter outro meio de sustento; c) a renda familiar per capita deveria ser igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo vigente; e d) o cidadão deveria ter contribuído para o sistema previdenciário por pelo menos 12 meses e ter tido atividade remunerada por pelo menos 5 anos. “Essas condições caracterizam o benefício no âmbito da Previdência Social” (ROCHA, 2013, p. 5). 7 A ditadura ou regime militar no Brasil foi o regime autoritário que governou o país de 1964 até 1985. Começou com a derrubada do presidente constitucional João Goulart, pelas forças armadas, no Golpe de 1964. Uma de suas principais características foi a tomada de ações militares como forma de proteger o interesse da segurança nacional em tempos de crise. 8 O "milagre econômico brasileiro" ocorreu no período de 1968 – 1974 e foi uma época de excepcional crescimento econômico ocorrido durante o regime militar no Brasil. Foi caracterizado por um fortíssimo investimento na indústria e infraestrutura brasileira por parte dos governos militares, o que gerou sim, um grande crescimento a PIBs jamais vistos, porém gerou também uma concentração de renda. Além disso, deixaria de herança para os governos pós-ditadura, a conhecida tríade de problemas macroeconômicos brasileiros: inflação, déficit público e déficit no balanço de pagamentos. 9 O coeficiente de Gini aumentou de 0,497 para 0,565 neste período, representando um aumento de quase 14% da concentração de renda e, portanto, da desigualdade.
  • 23. 12 Quanto ao benefício em si, o valor era de meio salário mínimo para os que se qualificavam. A assistência médica era garantida seguindo os moldes dos beneficiados pela previdência social. Quanto ao custo do RMV, por ser um benefício previdenciário, era financiado pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Seu limite para gastos era de 0,4% da folha de contribuição do INPS para os benefícios de área urbana e 0,4% do FUNRURAL10 para os benefícios de área rural. Segundo Rocha (2013, p. 6) “embora a estimativa do dispêndio total seja necessariamente indireta e imprecisa, seu valor parece ter ultrapassado, o limite de 0,4% em relação à receita previdenciária como estabelecido em lei”. Quanto ao atendimento ao seu público-alvo, os poucos dados existentes da época da implementação do RMV indicam um avanço veloz. No ano seguinte ao seu lançamento, ou seja, em 1975, os pagamentos começaram a ser realizados. Em 1976, os cadastrados chegaram a 1 milhão, alcançando a marca de 1,2 milhão até o final da década. Com o dispêndio do Programa ultrapassando a meta e o número de beneficiários aumentando vertiginosamente, as finanças da Previdência sofreram um ônus imprevisto. As estimativas apontam que dos 0,4% inicialmente previstos, os custos tenham chegado a cerca de 5% da receita previdenciária, mostrando um pulo enorme do previsto para os gastos com o RMV. A Previdência Social “sofreria” por cerca de 10 anos com este problema de financiamento do RMV, uma vez que o mesmo só seria resolvido com a Constituição de 1988, quando a responsabilidade do custeio dos benefícios de caráter assistencial passou a ser do Tesouro Nacional e com a implementação da LOAS, em 1996. Embora o foco do trabalho seja os Programas de Transferência de Renda que não exigem contribuições prévias da clientela à Previdência Social, foi importante traçar a história inicial do RMV, pois foi com ele que começaram de forma mais estruturada, as transferências de renda no Brasil que objetivavam a redução da pobreza e da desigualdade. A Constituição de 1988 trouxe importantes novidades no âmbito dos direitos sociais, como, por exemplo, a desvinculação do RMV da Previdência Social. As transferências assistenciais foram universalizadas para todos os idosos e portadores de deficiência definidos como pobres, independentemente de suas contribuições passadas. O salário mínimo passou a servir de piso para os benefícios assistenciais e previdenciários. Essas mudanças parecem 10 O FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – Fundo criado nos anos 1960 para prover benefícios de aposentadoria aos trabalhadores rurais acima de 60 anos, no caso dos homens e 55 anos para as mulheres. A maioria dos trabalhadores rurais não tinha acesso ao sistema de Previdência Social brasileiro nesta época, cenário que só foi realmente modificado na constituição de 1988, quando estes passaram a ter os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos.
  • 24. 13 ampliar, positivamente, o acesso da população carente aos Programas de Transferência de Renda. Todavia, uma mudança em particular parecia destoar das anteriores, pois aumentaria o rigor de tais políticas. As transferências assistenciais deixaram de ser um direito vitalício e a condição para recebimento dos benefícios, a renda, deveria ser reavaliada a cada dois anos. O sistema de reavaliação acabou não funcionando corretamente, permitindo que na realidade o benefício continuasse sendo oferecido de forma vitalícia, conforme era pelo RMV antes da Constituição de 1988. A mesma Constituição instituiu o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), que foi mais tarde regulamentado pela LOAS de 1993 e, no decorrer dos anos, por outras leis e decretos. Segundo a definição do site do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS) o BPC: É um benefício individual, não vitalício e intransferível, que assegura a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo ao idoso, com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, [...]. Em ambos os casos, devem comprovar não possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família. A renda mensal familiar per capita deve ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente. Os recursos do BPC provêm da Seguridade Social, sendo administrado pelo MDS e repassado ao INSS, por meio do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). Para efeitos deste trabalho o termo BPC englobará os benefícios pagos mensalmente de forma contínua ao longo do tempo, como por exemplo, a RMV, as aposentadorias e os Amparos Assistenciais da LOAS, assim como os benefícios pagos, pelo sistema de Seguridade Social. Segundo o site da Previdência11 : Benefícios de prestação continuada são caracterizados por pagamentos mensais contínuos, até que alguma causa (a morte, por exemplo) provoque sua cessação. Enquadram-se nesta categoria as aposentadorias, pensões por morte, auxílios, rendas mensais vitalícias, abonos de permanência em serviço e os salários-família e maternidade. Assim, deve-se entender que os BPCs incluem os Benefícios Assistenciais e os Benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sendo os primeiros, aqueles concedidos independentemente de contribuições efetuadas pelos cidadãos desde que obedecidas as condicionalidades de renda inferior a ¼ do salário mínimo e incapacidade de obtenção de sustento próprio, como a RMV, os Amparos Assistenciais e o PMV12 . Já os Benefícios do RGPS, são aqueles que, em sua maioria, dependem de um período de carência, 11 Acesso em: 10 out. 2013 - http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/aeps-2011-secao-i-beneficios-2/
  • 25. 14 como as aposentadorias, as pensões por morte, os auxílios, o salário-família e o salário- maternidade, por exemplo. Como já foi colocado, o trabalho versará somente sobre os benefícios que não dependem de contrapartida do cidadão, ou seja, que são simples transferências de renda do Estado para a população carente e, portanto, somente os Benefícios Assistenciais, que englobarão o RMV e os Amparos Assistenciais, uma vez que como já colocado, o PMV não será abordado. O RMV mostrou um forte crescimento continuado, até meados de 1984, quando atingiu cerca de 126 mil novos benefícios. A partir de então, teve início um declínio na concessão de benefícios, explicado pela criação da LOAS, em 1993. A LOAS regulamentou o dispositivo nacional que tratava dos Benefícios Assistenciais aos idosos e portadores de deficiência. Esse declínio é explicado também pelo início da concessão dos Amparos Assistenciais, em 1996, que foram rapidamente substituindo o RMV, atendendo ao mesmo público-alvo. Conforme o portal do MDS, atualmente, o Renda Mensal Vitalícia é mantido apenas para aqueles que já eram beneficiários, encontrando-se, portanto, em fase de extinção. Serão apresentadas, a seguir, algumas análises, que mostrarão a evolução do RMV e dos Amparos Assistenciais, por meio de tabelas e gráficos elaborados a partir de dados do Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS). Antes de realizar estas análises, cabe fazer uma breve conceituação dos tipos de benefícios que serão apresentados, para que os dados sejam entendidos da forma correta. Os conceitos apresentados se encontram no site da previdência social e são: a) benefícios concedidos – são aqueles cujo pedido é analisado, deferido, e liberado para pagamento. Correspondem ao fluxo de entrada de novos benefícios no sistema previdenciário; b) benefícios mantidos – incorporam os benefícios ativos mais os suspensos temporariamente. Esta metodologia foi utilizada até o final 2003, quando o conceito foi substituído pelo conceito de benefícios ativos; c) benefícios ativos – substituíram os benefícios mantidos a partir de 2004 e correspondem aos benefícios que efetivamente geram pagamentos mensais ao beneficiário e que são incorporados ao cadastro logo após serem concedidos, o que implica pagamentos mensais até que cesse o direito ao seu recebimento. O 12 PMV – Pensão Mensal Vitalícia – “Mecanismo especial voltado para situações pontuais e valores definidos por regras específicas” (ROCHA, 2013, P. 7). Um exemplo de PMV são as indenizações mensais pagas às pessoas afetadas pelo acidente radioativo de Goiânia com o césio 137.
  • 26. 15 pagamento pode ser interrompido e depois retomado em casos de suspensão temporária; d) benefícios emitidos – correspondem aos créditos emitidos para pagamento de benefícios que se encontram ativos no cadastro e para os quais são gerados créditos para o pagamento. Com base nestes conceitos, serão apresentados, a seguir, diversos dados que mostram a evolução do RMV e dos Amparos Assistenciais sob a ótica dos tipos de benefícios aqui conceituados. A primeira análise mostra a evolução da concessão do número de novos benefícios (em unidades) no período de 1980 a 2011, para o RMV e para os Amparos Assistenciais, lembrando que em 1980 o RMV já se encontrava em pleno funcionamento. TABELA 1 Número de Benefícios Assistenciais Concedidos (1980 – 2011) Ano Benefícios Concedidos RMV Benefícios Concedidos Amparos Assistenciais (LOAS) 1980 90.897 - 1981 112.319 - 1982 117.319 - 1983 123.242 - 1984 126.260 - 1985 124.004 - 1986 92.050 - 1987 76.198 - 1988 80.150 - 1989 89.660 - 1990 85.143 - 1991 71.530 - 1992 61.925 - 1993 82.419 - 1994 70.725 - 1995 53.200 - 1996 16.798 385.068 1997 4.806 310.451 1998 2.727 268.160 1999 1.297 224.778 2000 522 215.348 2001 277 178.398 2002 189 284.051 2003 155 235.500 2004 57 458.201 2005 41 317.614 2006 34 305.459 2007 12 326.497 2008 10 377.314 2009 5 362.085 2010 3 376.435 2011 3 341.288 Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos)
  • 27. 16 É possível observar na Tabela 1 e na Figura 4, os momentos de maior mudança, que se dão nos anos de 1984, ápice do crescimento do RMV em termos de novos beneficiados e 1996, ano de implementação da LOAS e dos Amparos Assistenciais. 0 100.000 200.000 300.000 400.000 500.000 Benefícios Concedidos RMV Benefícios Concedidos Amparos Assistenciais (LOAS) Unidades FIGURA 4 Número de Benefícios Assistenciais Concedidos (1980-2011) Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos). A análise dos benefícios concedidos mostra, claramente, o momento em que o RMV praticamente deixa de ser concedido, enquanto que os Amparos Assistenciais começam a ser implementados e evoluem, de forma não muito constante, porém dentro de uma média de 300 mil benefícios a partir de 1996. A próxima análise mostra o número de benefícios mantidos (em unidades) de 1980 até 2003, limitada a este ano devido ao fato já explicado de que a partir de 2004, os benefícios mantidos foram substituídos pelos benefícios ativos. Número de Benefícios Assistenciais Concedidos (1980 – 2011)
  • 28. 17 TABELA 2 Número de Benefícios Assistenciais Mantidos (1980 – 2003) ANO RMV Amparos Assistenciais (LOAS) 1980 1.245.732 - 1981 1.303.587 - 1982 1.354.732 - 1983 1.356.030 - 1984 1.393.904 - 1985 1.433.568 - 1986 1.439.397 - 1987 1.443.645 - 1988 1.439.248 - 1989 1.447.647 - 1990 1.451.514 - 1991 1.427.399 - 1992 1.439.370 - 1993 1.428.309 - 1994 1.390.754 - 1995 1.333.034 - 1996 1.253.805 328.705 1997 1.166.045 635.040 1998 1.083.423 845.436 1999 1.004.386 1.031.465 2000 936.727 1.206.733 2001 870.652 1.333.552 2002 797.338 1.553.847 2003 612.582 1.691.318 Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos)
  • 29. 18 0 200.000 400.000 600.000 800.000 1.000.000 1.200.000 1.400.000 1.600.000 1.800.000 RMV Amparos Assistenciais (LOAS) Unidades FIGURA 5 Número de Benefícios Assistenciais Mantidos (1980 – 2003) Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos) O número de benefícios mantidos caiu da faixa de 1,4 milhão, em 1986, para cerca de 600 mil em 2003. Enquanto isso, após seu início, em 1996, os Amparos Assistenciais cresceram de forma vertiginosa indo de cerca de 300 mil para 1,6 milhão em sete anos, um crescimento não tão expressivo quanto a de seu predecessor, o RMV, mas ainda assim, muito destacável. A Tabela 3 e a Figura 6 apresentam a evolução do número de Benefícios Assistenciais Emitidos (em unidades) no período 1993 – 2011. Número de Benefícios Assistenciais Mantidos (1980 – 2003)
  • 30. 19 TABELA 3 Número de Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011) Ano RMV Amparos Assistenciais (LOAS) 1993 1.257.701 - 1994 1.258.821 - 1995 1.203.285 - 1996 1.126.727 346.219 1997 1.042.617 645.894 1998 959.498 848.299 1999 885.724 1.032.573 2000 812.781 1.209.927 2001 747.384 1.339.119 2002 673.834 1.560.854 2003 611.471 1.701.240 2004 551.093 2.061.013 2005 498.575 2.277.365 2006 446.409 2.477.485 2007 399.998 2.680.823 2008 362.094 2.934.472 2009 322.397 3.166.845 2010 287.680 3.401.541 2011 254.558 3.595.337 Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos) 0 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 3.000.000 3.500.000 4.000.000 RMV Amparos Assistenciais (LOAS) Unidades FIGURA 6 Número de Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011) Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos) Número de Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011)
  • 31. 20 Os dispêndios dos Benefícios Emitidos do RMV e dos Amparos Assistenciais serão analisados na Tabela 4 e na Figura 7. TABELA 4 Dispêndio dos Benefícios Assistenciais Emitidos (R$) Ano RMV (R$) Amparos Assistenciais (R$) 1993 37.265.579,18 - 1994 1.050.322.942,40 - 1995 1.768.935.787,27 - 1996 1.779.806.530,22 172.342.940,26 1997 1.527.333.418,85 769.732.677,82 1998 1.518.962.712,53 1.134.199.299,42 1999 1.479.644.866,02 1.533.122.422,42 2000 1.497.308.758,17 2.001.468.219,43 2001 1.616.398.474,78 2.694.021.512,16 2002 1.656.306.432,77 3.428.100.224,70 2003 1.769.392.633,00 4.533.221.506,00 2004 1.761.416.844,00 5.814.283.017,00 2005 1.800.473.513,00 7.523.861.442,00 2006 1.908.365.635,74 9.718.787.580,68 2007 1.881.530.047,27 11.548.344.924,84 2008 1.856.219.137,63 13.785.788.691,10 2009 1.875.954.434,67 16.859.412.605,72 2010 1.852.547.875,92 20.104.033.027,29 2011 1.755.004.799,67 22.854.838.824,09 Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos) Como pode ser visto, os dispêndios com o RMV cresceram até 1996, quando foram paulatinamente substituídos pelos Amparos Assistenciais da LOAS, que em 2011 refletiam um custo da ordem de R$ 20 bilhões para o Governo Brasileiro. No entanto, nota-se que os dispêndios do RMV mantiveram-se em torno da média de R$ 1,8 bilhão. A explicação para tal fato está na amarração do valor do benefício pago, ao salário mínimo. Assim, mesmo com o decréscimo de beneficiários, o Programa manteve um custo alto. Ao observar o período de 2005 até 2012, por exemplo, pode-se entender rapidamente este comportamento uma vez que, apesar do número de beneficiários ter caído pela metade até o final de 2011, o salário mínimo mais do que dobrou até o início de 2012, anulando assim o efeito que a redução de beneficiários poderia ter no dispêndio. A Tabela 5 a seguir mostra a evolução do salário mínimo de 2005 até 2013.
  • 32. 21 TABELA 5 Evolução do Salário Mínimo (2005 – 2013) Vigência Valor Mensal (R$) Normal Legal mai/05 300,00 Lei 11.164/2005 abr/06 350,00 MP 288/2006 abr/07 380,00 Lei 11.498/2007 mar/08 415,00 Lei 11.709/2008 fev/09 465,00 Lei 11.944/2009 jan/10 510,00 Lei 12.255/2010 jan/11 540,00 MP 516/2010 mar/11 545,00 Lei 12.382/2011 jan/12 622,00 Decreto 7.655/2011 jan/13 678,00 Decreto 7.872/2012 Fonte: Elaboração própria a partir das Normas Legais (decretos, leis e MPs) citadas na própria Tabela 5 A Figura 7 apresenta graficamente a evolução dos dispêndios do RMV e dos Amparos Assistenciais. 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 Dispêndio dos Benefícios Assistenciais emitidos (1993 - 2011) RMV (R$) Amparos Assistenciais (R$) R$ bilhões FIGURA 7 Dispêndio dos Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011) Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos) Além das quantidades e dispêndios dos benefícios emitidos, é interessante também mostrar como estão distribuídos estes 3,8 milhões de benefícios emitidos em termos de tipo de benefício e clientela atendida. Para tal análise serão utilizados os valores do ano de 2011. Dispêndio dos Benefícios Assistenciais Emitidos (1993 – 2011)
  • 33. 22 3.849.895 3.595.337 Portador de Deficiência 1.907.511 Idoso 1.687.826 Pensão Mensal Vitalícia 13.608 254.558 RMV Invalidez 195.018 RMV Idade 59.540 BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS EMITIDOS Amparos Assistenciais Rendas Mensais Vitalícias FIGURA 8 Distribuição de Benefícios Assistenciais Emitidos (2011) Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos). Amparos Assistenciais 93,06% PMV 0,35% RMV 6,59% FIGURA 9 Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais (2011) Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos). Fica bastante claro que os Amparos Assistenciais assumem quase que toda a cota dos benefícios assistenciais, e obviamente dos dispêndios, cabendo ao RMV somente a manutenção dos benefícios remanescentes, até que sejam totalmente cessados. Os benefícios do PMV são pouco expressivos, não chegando a 1% do total dos benefícios e, por isso, seus números não impactam a análise e, portanto, sua abordagem torna-se pouco relevante. A seguir, é apresentada a distribuição percentual por clientela do RMV e dos Amparos Assistenciais. Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais (2011)
  • 34. 23 RMV Invalidez 77% RMV Idade 23% Portadores de Deficiência 53% Idosos 47% FIGURA 10 Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais por Clientela (2011) Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social (diversos anos). É difícil avaliar o grau de sucesso do RMV, em razão da carência de dados exatos dos dispêndios para o período anterior ao ano de 1994. Pela análise de sua trajetória, é possível inferir que apesar de ter tido um rápido crescimento inicial e contribuir para redução da pobreza, o RMV não teve grande destaque, justamente por cobrir uma parcela muito limitada da população (idosos e portadores de deficiência), atacando apenas duas das diversas facetas do problema da pobreza, deixando inclusive a população rural de fora, que era auxiliada através do FUNRURAL até 1988. Adicionado a isto, ainda deixou graves problemas previdenciários, uma vez que ultrapassou muito os custos previstos que, como já dito, deveriam ser de 0,4% da folha de contribuição do INPS e chegaram a mais de 5% da receita previdenciária, no período 1974 – 1988. Já os Amparos Assistenciais, continuam sendo amplamente concedidos. Conforme a população de idosos e portadores de deficiência cresce e por seu valor de benefício estar atrelado ao salário mínimo, seus custos também crescem, tendo chegado à ordem de R$ 23 bilhões em 2011. Assim, finalizam-se as análises dos Benefícios Assistenciais, no período de 1980 – 2011. Distribuição Percentual dos Benefícios Assistenciais por Clientela (2011)
  • 35. 24 2.2 BOLSA ESCOLA Os Benefícios Assistenciais (RMV e Amparos Assistenciais) procuraram atacar o problema da pobreza para as famílias ou indivíduos que comprovadamente não possuíssem meios de obter seu próprio sustento. Sua clientela, porém, era limitada aos idosos e deficientes físicos, deixando de lado outras camadas da sociedade, igualmente pobres, mas que não se encaixavam nos requisitos acima, como os jovens, estudantes e mães e pais de família que não possuíam meios para sustentar a si e às suas família. Assim, no início dos anos 1990 foi criado um programa de renda mínima nacional que visou justamente atacar esta outra frente do problema. Nesse contexto, surgiu uma proposta de política pública de transferência de renda para famílias pobres com crianças na idade de escolaridade obrigatória, de 7 a 14 anos, tomando como referência, a renda familiar (ROCHA, 2013, p. 22). Estas seriam as condicionalidades fundamentais do Bolsa Escola. Tal proposta tinha um forte grau de atratividade, basicamente, por dois motivos principais. Primeiramente, atenuaria a insuficiência de renda das famílias assistidas, aumentando seu poder de consumo e obviamente seu bem-estar. Por outro lado, também atacava uma das principais raízes do problema da pobreza e da desigualdade, a educação, ao condicionar o benefício à comprovação da escolaridade. Os países que mais investem e têm sucesso na área educacional, parecem ser os que obtêm maior êxito em reduzir suas deficiências em termos de combate à pobreza e à desigualdade. Segundo Rocha (2013, p. 24), a educação é reconhecidamente a variável que possui maior impacto no nível de renda das pessoas. O Bolsa Escola visava elevar a renda, como solução de curto prazo e por meio da educação, atacar as causas estruturais da pobreza, com o objetivo de reduzi-la no longo prazo (ROCHA, 2013, p. 24). O Bolsa Escola foi implementado aos poucos, tendo em Campinas e no Distrito Federal iniciativas pioneiras, onde o Programa foi criado e implementado, em 1995. Tanto em uma quanto na outra localidade, a incidência de pobreza não atingia níveis críticos. O Distrito Federal, por exemplo, possuía a renda média mais alta do país em 1995 e, Campinas era considerado um município de situação financeira bastante confortável. Mesmo assim, havia a questão da pobreza e da desigualdade em ambos os locais, sendo que neste sentido, Campinas tinha maiores problemas que o Distrito Federal, que já possuía uma maior universalização dos serviços de saúde, saneamento, eletricidade e educação. De toda forma, não só se justificava a
  • 36. 25 implementação do Programa para combater a pobreza, como também justamente pelo fato de os locais possuírem boas condições financeiras, de implementar e manter o Bolsa Escola, uma vez que pouco seria exigido dos seus orçamentos (cerca de 1%). Em Campinas, mostrou um crescimento rápido após sua criação, contemplando 1.982 famílias, em dezembro de 1995. O número de famílias beneficiadas ficou relativamente estacionado em torno da média de 3.100 famílias desde 2003 até os dias atuais. Quanto ao dispêndio, foi cumprido o objetivo de não ultrapassar 1% do orçamento municipal com despesas para os pagamentos. Vale ressaltar que o Programa mantém suas características básicas de operação até hoje, sendo, portanto, o Bolsa Escola mais antigo do país ainda em operação. Segundo Rocha (2013, p. 27) “atualmente estão sendo estudadas propostas de mudanças no programa, como a universalização do benefício a todas as famílias pobres, inclusive as que não tenham crianças”, o que junto a outras mudanças o aproximaria do Bolsa Família Federal. No Distrito Federal, o Bolsa Escola foi implementado em maio de 1995 e também teve um crescimento rápido, atingindo 14.786 famílias até março de 1996 e 22 mil em dezembro de 1997. Mesmo com a rápida expansão, o Programa ficou aquém de sua meta, que era de 26 mil famílias em 1996, e aquém de seu público-alvo, que seria de cerca de 35 mil famílias13 . Isto ocorreu não por ineficiência do Programa, mas sim em razão dos frequentes abandonos ou exclusões de beneficiários em função da mobilidade residencial e melhoria das rendas familiares. O custo total do Bolsa Escola nunca ultrapassou 1% do orçamento do Distrito Federal. Para Rocha (2013, p. 31) o Bolsa Escola foi considerado um ótimo exemplo de transferência de renda em um contexto relativamente privilegiado em termos de renda e acesso a serviços básicos. A partir destas iniciativas, o Bolsa Escola se tornara um programa de sucesso junto à sua clientela potencial, que via uma oportunidade de aumentar sua renda. Assim, como era de se esperar, houve outras tentativas locais de implementação, porém, estas se deram em locais onde as condições de desigualdade e pobreza eram muito mais severas e que não possuíam os mesmos aportes financeiros de Campinas ou do Distrito Federal. Basicamente por estes motivos, além de outros detalhes mais específicos de cada local, estas implementações não obtiveram sucesso satisfatório, como foi o caso de Belém e de Belo Horizonte. 13 Número estimado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 1995.
  • 37. 26 Nesse contexto, o Governo Federal aprovou um projeto de lei prevendo o apoio financeiro aos governos municipais para a implantação de um programa nos moldes do Bolsa Escola, ou seja, os municípios seriam ajudados pelo Governo Federal na implementação de Programas de Transferência de Renda atrelados a ações socioeducativas. Em dezembro de 1997, foi autorizado o apoio financeiro aos municípios que decidissem implementar programas nos moldes do Bolsa Escola. O apoio começaria pelos municípios mais pobres, cobrindo 20% por ano, com a meta de cobrir todos os municípios brasileiros em cinco anos. A concessão do apoio dar-se-ia mediante a implementação do Bolsa Escola e um convênio com o Ministério da Educação (MEC), órgão encarregado de detalhar a forma de funcionamento do Programa Federal. O custeamento seria realizado a partir de orçamento específico arrecadado, a partir de 1998 e, por isso, os repasses só seriam iniciados a partir de 1999. A gestão do Programa ocorreria de forma descentralizada, cabendo aos municípios, a seleção das famílias qualificadas para receber o benefício e a operacionalização da componente educacional. Além disso, ainda era compromisso dos municípios arcar com 50% do valor dos benefícios junto ao Governo Federal. O Bolsa Escola Federal, assim como as iniciativas pioneiras, fundamentava suas condições em critérios de renda e frequência escolar, que deveria se manter em pelo menos 85%. Assim, os parâmetros que definiam a sua população-alvo são: a) famílias com crianças na faixa etária de 7 a 14 anos; e b) renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo. O critério de renda, no entanto, era apenas uma forma inicial de seleção, pois na prática, só seriam beneficiadas as famílias cujo benefício assumisse um valor positivo, segundo a fórmula a seguir: B = (R$ 15 x número de crianças de 0 a 14 anos) – (0,5 renda familiar per capita) Estes R$ 15 correspondiam ao valor mínimo do benefício, então estabelecido em lei. O cálculo apresentado se tornou um critério que reduzia a população-alvo, uma vez que nas famílias que, por exemplo, tinham 2 crianças na idade referida e renda per capita de meio salário mínimo14 , esta conta se igualava a zero, desqualificando estas famílias, ou seja, sua renda percapita deveria ser inferior a meio salário mínimo ou o número de crianças deveria ser superior a 2 para que a conta fosse positiva e a família tivesse direito ao benefício. Obviamente como o salário mínimo foi gradativamente valorizado desde 1997, as rendas das 14 O salário mínimo vigente em dezembro de 1997 era de R$ 120,00.
  • 38. 27 famílias foram aumentando, de forma que o número (B) foi se tornando cada vez menos positivo, resultando em um número menor de famílias qualificáveis ao recebimento do benefício. A população-alvo estimada a nível nacional era de cerca de 5 milhões de famílias e o dispêndio estimado para o pagamento dos benefícios seria de R$ 1,2 bilhão por ano15 , equivalente a 1,3% do PIB de 1997. Nos dois primeiros anos de sua implementação (1999 e 2000), o Programa não levou a cabo as metas estabelecidas, não conseguindo atingir os 20% dos municípios por ano, sendo os repasses irregulares do Governo Federal, menores do que o necessário para atender toda a população-alvo estimada, um dos maiores problemas observados. Assim, cabia aos municípios achar soluções para atender a clientela do Programa. Dentre as soluções possíveis para este problema pode-se citar, a redução do valor do benefício, para atender a uma clientela maior, ou simplesmente, não atender a totalidade da população-alvo e ambas as ações foram tomadas. Ao final de 2000, era evidente que o Programa Federal não havia obtido sucesso e que seriam necessárias mudanças para corrigir o rumo do mesmo. As principais razões para o fracasso foram: a) fragilidades no cadastramento e seleção dos beneficiários; b) fraca adesão dos municípios devido à obrigatoriedade da contrapartida de 50% por parte destes; c) baixo valor do repasse potencial do Governo Federal; d) definição desatualizada do público-alvo do benefício16 ; e) dificuldades de articulação entre o MEC e os municípios quanto aos trâmites operacionais e administrativos; f) desinteresse das famílias devido ao baixo valor do benefício, causado pela falta de alinhamento entre o Governo Federal e os municípios; g) interrupção e irregularidade no pagamento dos benefícios às famílias, também causadas pela falta de alinhamento. Os impactos do Bolsa Escola Federal foram poucos, uma vez que a população pobre não foi atendida da forma esperada, sendo esta muito maior do que a capacidade de atendimento do Programa. Segundo Rocha (2013, p. 56), o valor transferido em 1999, por exemplo, correspondeu a apenas 4% do necessário para elevar a renda familiar per capita dos 15 Não estão incluídos os custos administrativos do Programa, mas apenas o dispêndio com o pagamento dos benefícios. 16 Esta definição deveria utilizar o Censo Demográfico, porém o mais recente era o de 1991.
  • 39. 28 pobres acima da linha de pobreza. Ao final desta fase, em 2001, era evidente que o Bolsa Escola havia fracassado. Ainda em março de 2001, o Governo Federal anunciou uma nova fase do Bolsa Escola com o intuito de corrigir as falhas que provocaram o seu fracasso, como o valor do benefício, abrangência, contrapartida dos municípios e a sistemática de pagamentos. Esta nova fase se iniciaria no segundo semestre do mesmo ano. As primeiras medidas compreenderam o alargamento da faixa etária para crianças de 6 a 15 anos e a mudança do valor do benefício, abandonando o cálculo anterior e estabelecendo o valor de R$ 15,00 para cada criança por mês, mantendo a condicionalidade de frequência escolar. O benefício ficou limitado ao teto de R$ 45,00. A contrapartida dos municípios para o benefício foi eliminada, o que ajudou a aumentar a atratividade do Programa tanto para os municípios quanto para a população-alvo, uma vez que no modelo anterior, muitas vezes a contrapartida do município era paga em ações socioeducativas e não em dinheiro. O plano gradativo de inclusão de 20% dos municípios, ano a ano, também foi abandonado e todos passaram a ser qualificáveis ao novo Bolsa Escola, desde que a população-alvo cumprisse suas condicionalidades. A meta prevista para 2001 era a de atender cerca de 5,8 das 6,4 milhões de famílias elegíveis a um custo total de R$ 1,7 bilhão, e os recursos para tal viriam do Fundo de Combate à Pobreza e do Orçamento da União, sendo a maior parte (R$ 1,2 bilhão) proveniente do Fundo17 . Uma inovação importante desta segunda fase se deu no âmbito operacional. Os pagamentos deixaram de ser realizados em dinheiro para as famílias e passaram a ser creditados em conta bancária, à qual o beneficiário tinha acesso através do uso de um cartão magnético individual, facilitando muito a logística de pagamentos. Estas medidas reduziram os problemas do Bolsa Escola, porém não foram suficientes para fazer com que o Programa atingisse as metas estabelecidas. Os problemas de interação entre o MEC e os municípios continuaram ocorrendo, por não haver uma estrutura gerencial, capaz de resolver conflitos. O critério de renda apesar de ter melhorado ainda excluía muitas famílias, uma vez que muitas delas obtinham sua renda informalmente e não podiam comprová-la. Questões como essas indicavam que dificilmente o Programa alcançaria suas metas e teria sucesso. 17 Neste momento, o Fundo de Combate à Pobreza possuía R$ 2,3 bilhões em recursos e mais da metade destes foram absorvidos pelo Bolsa Escola.
  • 40. 29 Em dezembro de 2001, mesmo com as dificuldades ainda enfrentadas pelo Bolsa Escola, foi observada uma adesão de 83% da meta estabelecida para a população-alvo, chegando ao número de 4,8 milhões de famílias atendidas. Em 2002, o Programa chegou ao número de 5,1 milhões de famílias atendidas, mostrando um crescimento modesto e ficando aquém dos 6,4 milhões de famílias elegíveis. Os dados da evolução do número de famílias atendidas (em unidades) e dos dispêndios pagos pelo Bolsa Escola Federal no período de 2001 a 2009 são exibidos a seguir. TABELA 6 Evolução do Bolsa Escola Federal (2001 – 2009) ANO Número de Famílias Dispêndio (R$ bilhões) 2001 4.793.983 408.583.920,00 2002 5.106.509 1.531.277.441,00 2003 3.771.199 1.424.144.340,00 2004 3.042.794 961.836.180,00 2005 1.783.913 626.763.720,00 2006 36.481 131.972.925,00 2007 5.860 3.862.035,00 2008 179 357.135,00 2009 6 16.050,00 Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos de Rocha, 2013, p. 77. A Figura 11 mostra graficamente a evolução do Bolsa Escola Federal de 2001 a 2009 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0 5,5 Número de Famílias (em milhões) Dispêndio (R$ bilhões) Famílias (milhões) Dispêndio (R$ bilhões) FIGURA 11 Evolução do Bolsa Escola Federal (2001 – 2009) Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos de Rocha (2013, p. 77) Evolução do Bolsa Escola Federal (2001 – 2009)
  • 41. 30 A queda no número de benefícios pagos se deve ao fato de que, a partir de 2003, o Bolsa Escola, assim como outros Programas de Transferência de Renda como o Bolsa Alimentacão e o Auxílio Gás, foi incorporado ao Bolsa Família. 2.3 BOLSA FAMÍLIA Em 2003, o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu a Presidência da República através de seu candidato, Luis Inácio Lula da Silva, ou simplesmente Lula. Um dos principais braços da campanha de Lula, assim como seria do seu governo, era o crescimento econômico com justiça social e erradicação da fome e da pobreza. Assim que eleito, o governo petista lançou o Fome Zero, Programa mote de sua campanha que pretendia combater a fome por meio da Política Nacional de Segurança Alimentar de um mutirão contra a fome que envolveria tanto as esferas dos governos municipais, estaduais e Federal, quanto a sociedade civil. No entanto, apesar de ser importante e de estar funcionado como campanha de popularização do Governo, o acesso a alimentos pelos mais pobres não era há tempos o cerne da pobreza brasileira, sendo mais crítico em algumas áreas rurais e locais muito marginalizados das cidades. Dentre as ações do Fome Zero, vale destacar a de transferência de renda embutida no Cartão Alimentação, que dava continuidade aos programas criados ainda no Governo FHC. O Cartão Alimentação utilizava o critério de renda familiar percapita igual ou inferior a meio salário mínimo para a seleção das famílias beneficiárias, porém não possuía outros parâmetros como o Bolsa Escola, que visava atender às famílias pobres com crianças em idade escolar. O Cartão Alimentação ampliava o leque de sua população-alvo para todas as famílias pobres, dentro do critério de renda estabelecido. Além de aumentar a população-alvo, o novo Cartão Alimentação pretendia também estabelecer o valor do benefício em R$ 50,00 por família, o que já aumentaria em duas vezes o valor médio do benefício que era pago, pelo Bolsa Escola no final de 2002. Estas duas medidas deveriam gerar um impacto positivo sobre a pobreza, porém na prática foram observados problemas tanto no desenho quanto na execução do Programa que levaram ao seu fracasso e à sua substituição ainda em outubro de 2003 pelo Bolsa Família. O Bolsa Família tinha como um de seus objetivos, unificar os Programas de Transferência de Renda anteriores como o Bolsa Escola, o Cartão Alimentação, o Auxílio Gás e o Bolsa Alimentação. Com o intuito de corrigir os erros anteriores, o Bolsa Família
  • 42. 31 introduziu novas mudanças, sendo a primeira delas em relação ao critério de renda, que determinou dois grupos de famílias como potenciais beneficiárias: a) o primeiro grupo era o de famílias com renda percapita inferior a R$ 50,00 por mês. Estas receberiam um benefício básico de R$ 50,00 por família por mês e um benefício variável de R$ 15,00 para cada criança com idade entre 0 e 15 anos, com o limite máximo de três benefícios. b) o segundo grupo era o das famílias com renda percapita entre R$ 50,00 e R$ 100,00 por mês. Neste caso, as famílias só poderiam receber o benefício variável nos mesmos moldes do grupo anterior (R$ 15,00 para cada criança com idade entre 0 e 15 anos, com o limite máximo de três benefícios). Assim, as famílias que se encaixassem no grupo com faixa de renda entre R$ 50,00 e R$ 100,00, mas que não tivessem crianças em sua composição, não eram elegíveis ao Bolsa Família. A segunda mudança também diz respeito ao critério de renda, que passaria a ser nominal e não mais atrelado ao salário mínimo ou a qualquer outro indexador de preços, dando maior liberdade orçamentária ao Governo Federal (ROCHA, 2013, p. 91) para aumentar o diminuir o valor do benefício de acordo com a situação em que se encontrassem as finanças públicas. Em conjunto, essas mudanças sugeriam que a clientela do Bolsa Família poderia sofrer uma certa redução se comparada a do Cartão Alimentação, pois apesar de ainda haver uma certa universalização e a garantia de alguma renda extra mesmo para as famílias sem crianças, no caso do primeiro grupo, as famílias no segundo grupo não teriam acesso ao benefício caso não tivessem crianças. No entanto, em dezembro de 2003 o Bolsa Família chegou à marca de 3,6 milhões de famílias atendidas, número muito superior aos 350 mil beneficiados pelo Cartão Alimentação, que vinha sendo aposentado, e muito próximo ao do Bolsa Escola, que chegava, como já relatado, a cerca de 3,7 milhões de famílias beneficiadas. Nesta época o Bolsa Família ainda não englobava os outros programas, mas estava sendo implementado para que, em um futuro próximo, viesse a incorporá-los ao seu conjunto de ações. A comparação a seguir mostra a evolução acumulada do número de famílias (em unidades) no período de dezembro de 2002 a setembro de 2004 de alguns dos programas que viriam a ser futuramente incorporados ao Bolsa Família. Os números da Tabela 7 para o ano de 2002 se encontram aproximados, apenas para que seja possível fazer uma comparação superficial entre o Bolsa Família e os programas que naquele momento ainda funcionavam de
  • 43. 32 forma paralela. Este grupo de programas, com alguns tendo sido implementados ainda do Governo FHC, ficou conhecido como Novos Programas de Transferência de Renda, sendo o termo “Novos” utilizado para diferenciá-los dos Benefícios Assistenciais que foram os primeiros Programas de Transferência de Renda. TABELA 7 Novos Programas de Transferência de Renda (2002 - 2004)18 Programas Dez / 2002 Dez / 2003 Set / 2004 Bolsa Família - 3.615.596 5.035.660 Cartão Alimentação - 346.300 322.317 Bolsa Escola 5.106.000 3.771.199 3.381.486 Bolsa Alimentação 966.000 369.556 251.459 Auxílio Gás 8.846.000 6.931.699 1.304.571 Fonte: Elaboração própria a partir de dados de Rocha (2013, p. 96 e p. 106). Fonte original citada MDS 0 1.000.000 2.000.000 3.000.000 4.000.000 5.000.000 6.000.000 7.000.000 8.000.000 9.000.000 Bolsa Família Cartão Alimentação Bolsa Escola Bolsa Alimentação Auxílio Gás Unidades FIGURA 12 Novos Programas de Transferência de Renda (2002 - 2004) Fonte: Elaboração própria a partir de dados de Rocha (2013, p. 96 e p.106). Fonte original citada MDS Enquanto observam-se as reduções nos benefícios do Bolsa Alimentação, do Bolsa Escola e do Auxílio Gás, é possível ver o surgimento do Cartão Alimentação, de forma bem modesta e o rápido crescimento do Bolsa Família em 2003 e 2004. Obviamente, assim como os outros programas, o Bolsa Família também enfrentou fortes dificuldades, principalmente em seu início, dentre elas: 18 Número acumulado de benefícios em cada ano. Novos Programas de Transferência de Renda (2002 - 2004)
  • 44. 33 a) dificuldades de cadastro e acompanhamento das famílias por ser um programa nacional e não possuir uma rede de ancoragem, como possuía o Bolsa Escola (ancorado na rede escolar) e o Bolsa Alimentação (ancorado nas redes de postos de saúde). Além disso, por ter o objetivo de incorporar os programas já existentes, o Bolsa Família teria que unificar os cadastros e as políticas de transferência de renda de diversos programas, voltados para diferentes clientelas; b) dificuldades para manter o cadastro atualizado, de forma que a verificação das condições de elegibilidade das famílias fosse feita a cada dois anos de forma eficiente, evitando assim que famílias que já tinham superado os critérios de renda continuassem a receber o benefício; c) dificuldades para garantir os recursos orçamentários necessários para atender a população-alvo, não só com a transferência de renda, mas com um serviço de assistência social eficiente. Mesmo com essas dificuldades, o Bolsa Família chegou ao número de 3,6 milhões de famílias atendidas ainda em 2003, tornando-se o grande destaque da política social do Governo Lula. Os dados exibidos mostram que em setembro de 2004, quando o Bolsa Família já atendia cerca de 5 milhões de famílias, o Bolsa Escola e o Auxílio Gás ainda tinham uma clientela muito grande com aproximadamente 3,4 e 1,3 milhões de famílias atendidas respectivamente. Mesmo com o crescimento do Bolsa Família, ainda não havia chegado até 2004 o ponto em que ele, junto aos demais novos programas superariam, os dispêndios dos Benefícios Assistenciais, que alcançaram R$ 8,2 bilhões em 2004 contra os R$ 5,8 bilhões do Bolsa Família agregado aos outros programas. Em dezembro de 2006, o Bolsa Família alcançou a meta de cobrir a sua população- alvo, chegando assim ao número de 11 milhões de famílias beneficiadas. Um feito, ainda mais importante foi a concretização da incorporação dos demais novos programas. A realização da integração contribuiu para a redução da superposição de transferências concedidas às famílias, que foi sendo eliminada aos poucos. Com isso o Bolsa Família se consolidava como carro- chefe da política social do Governo. Ainda em 2006, ocorreu a primeira mudança no Bolsa Família, com a alteração de seus parâmetros de renda R$ 50,00 e R$ 100,00 para R$ 60,00 e R$ 120,00, porém o valor do benefício só aumentou em 2007 chegando a R$ 58,00 para o benefício básico e R$ 18,00 para o variável. Outros ajustes nos valores dos benefícios foram realizados em 2008, 2009 e 2011 quando chegaram a R$ 70,00 para o básico e R$ 32,00 para o variável. Nota-se que, embora o
  • 45. 34 valor básico não tenha tido um aumento significativo até 2011 e se situasse aquém da correção inflacionária em relação a 2003, o valor variável aumentou bastante, mais do que dobrando e ficando bem acima da correção da inflação. De certa forma, pode-se dizer que a matemática aplicada nos aumentos dos benefícios visou dar um maior apoio às famílias que eram elegíveis ao recebimento do benefício variável, ou seja, àquelas que apresentavam crianças em sua composição. Em março de 2008, engessado por ter atingido a meta de 11 milhões de famílias beneficiadas, o Bolsa Família apresentou uma nova mudança. Uma vez que não se justificava o aumento da população-alvo do Programa, e que este já havia atingido a sua meta, restava buscar uma expansão de sua clientela através de outros critérios. Assim, os jovens passaram a integrar a clientela do Bolsa Família. O novo benefício foi limitado a dois por família e seriam elegíveis aquelas famílias já assistidas pelo Bolsa Família, que tivessem a presença de jovens entre 16 e 17 anos frequentando a escola. Em 2009, o Governo decidiu fixar novas metas para o Bolsa Família, ignorando possíveis repercussões negativas a respeito da ampliação da cobertura. A nova meta seria de 12,9 milhões de famílias para o final de 2010. Nos recadastramentos do Programa, que ocorriam a cada dois anos, parte das famílias beneficiadas eram descredenciadas, permitindo assim a inclusão de novos beneficiários. Esta troca de beneficiários ajudaria a alcançar a meta estimada de 13 milhões de famílias para que a cobertura fosse total. Em 2011, novas mudanças foram realizadas, beneficiando ainda mais as famílias com crianças em sua composição: a) Elevação do número máximo de crianças na faixa etária de 0 a 15 anos, de 3 para 5, aumentando o valor e o número de benefícios possíveis para uma família; b) Concessão do benefício variável para gestantes e nutrizes, durante 9 meses e 6 meses, respectivamente. Cabe ressaltar que os benefícios variáveis passíveis de recebimento por uma família, não poderiam ultrapassar o número de cinco, não podendo assim haver sobreposição das novas regras “a” e “b”. Assim, em 2011, uma família que se encaixasse em todas as formas de benefícios possíveis receberia um total de R$ 306 reais (R$ 70 do benefício básico + R$ 32 x 5 do benefício variável vinculado à criança e mais R$ 38 x 2 do benefício variável vinculado ao jovem), o que é bem acima dos R$ 142 correspondentes ao valor do início do Bolsa Família corrigido pela inflação. A trajetória descrita se reflete em alterações na Lei 10.836, que em sua forma atual assume as seguintes condicionalidades para o Bolsa Família:
  • 46. 35 I – benefício básico – destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de extrema pobreza; II – benefício variável – destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0 (zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes até 15 (quinze) anos, sendo pago até o limite de 5 (cinco) benefícios por família; III – benefício variável – vinculado ao adolescente, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua composição, adolescentes com idade entre 16 (dezesseis) e 17 (dezessete) anos, sendo pago até o limite de 2 (dois) benefícios por família. IV – benefício para superação da extrema pobreza, no limite de um por família, destinado às unidades familiares beneficiárias do Programa Bolsa Família e que, cumulativamente: a) tenham em sua composição crianças e adolescentes de 0 (zero) a 15 (quinze) anos de idade; e b) apresentem soma da renda familiar mensal e dos benefícios financeiros previstos nos incisos I a III igual ou inferior a R$ 70,00 (setenta reais) per capita. Em 2011, o Bolsa Família beneficiou 13,3 milhões de famílias, enquanto o valor médio do benefício foi de R$ 120,19. Os recursos repassados pelo Bolsa Família para pagamento destes benefícios totalizaram cerca de R$ 17 bilhões no mesmo ano, ou aproximadamente 0,4% do PIB (que alcançou aproximadamente R$ 4,1 trilhões), um número relativamente baixo de investimento em relação ao PIB, considerando o bom impacto de contribuição do Programa na redução da pobreza e da desigualdade. Números mais recentes apontam que o Bolsa Família beneficiou 13,8 milhões de famílias, que receberam benefícios com valor médio de R$ 152,3519 no mês de setembro de 2013. Os dados apresentados na Tabela 8 mostram a evolução do Bolsa Família em termos de número de famílias beneficiadas (em unidades) e dispêndios. TABELA 8 Bolsa Família – Famílias x Dispêndios (2004 - 2011) Ano Número de Famílias Beneficiadas Dispêndio Total (R$ ) 2004 6.571.842 3.791.785.038,00 2005 8.700.451 5.691.667.041,00 2006 10.965.810 7.524.641.322,00 2007 11.043.076 8.965.499.608,00 2008 10.557.996 10.606.500.193,00 2009 12.370.915 12.454.702.501,00 2010 12.778.220 14.372.702.865,00 2011 13.361.503 17.360.387.445,00 Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos do MDS20 . 19 Dados obtidos no site do MDS em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php#Visão Geral Brasil. Acesso em: 04 nov. 2013. 20 Dados obtidos na aplicação SAGI, que se encontra disponível no site do MDS em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/MONIB2/index_all_drop_down.php?p_id=572&p_global_ibge=&p_ferrament as=1&p_sem_legenda=1. Acesso em: 04 nov. 2013.
  • 47. 36 A Figura 13 exibida a seguir mostra graficamente a evolução do Bolsa Família. Os dispêndios exibidos consideram os valores acumulados no período. 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 14,0 16,0 18,0 20,0 0,0 1,5 3,0 4,5 6,0 7,5 9,0 10,5 12,0 13,5 15,0 Famílias Beneficiadas (milhões) Dispêndio Total (R$ ) Famílias (milhões) Dispêndio (R$ bilhões) FIGURA 13 Bolsa Família – Famílias x Dispêndios (2004 - 2011) Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MDS. Números mais atuais do MDS indicam que os dispêndios ultrapassaram os R$ 21 bilhões em 2012, e até o mês de outubro de 2013 estavam em R$ 20,6 bilhões. O capítulo 3 trará uma breve análise comparativa entre os Programas de Transferência de Renda vistos até o momento, além de dados comparativos com PIB brasileiro e com o Orçamento da Seguridade Social, que poderão dar uma ideia melhor do verdadeiro custo dos Programas de Transferência de Renda. Bolsa Família – Famílias x Dispêndios (2004 - 2011)
  • 48. 37 3 ANÁLISE COMPARATIVA DAS TRANSFERÊNCIAS DE RENDA NO BRASIL No capítulo anterior, foi apresentada a trajetória dos programas de transferência de renda brasileiros, a partir da década de 1970, com a criação do RMV, até os dias atuais, com a implementação do Bolsa Família. Neste capítulo, será realizada uma análise comparativa entre Benefícios Assistenciais (RMV + Amparos Assistenciais) e o Bolsa Família. A análise recairá sobre estes programas em razão de sua abrangência, de seus elevados custos, e finalmente pelo fato de estarem em plena operação até os dias atuais. Outra análise irá comparar os dispêndios destes programas ao PIB21 brasileiro e ao Orçamento da Seguridade Social22 , que contempla as despesas com saúde, previdência e assistência social. Os benefícios aqui analisados se encontram nesta última categoria. A primeira comparação mostra a evolução do número de benefícios23 (em unidades) e dos dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família. TABELA 9 Comparativo – Benefícios Assistenciais x Bolsa Família (2001 – 2011) Ano Benefícios Assistenciais Bolsa Família Benefícios Assistenciais Bolsa Família 2001 2.086.503 - 4.310.419.986,94 - 2002 2.234.688 - 5.084.406.657,47 - 2003 2.312.711 ... 6.302.614.139,00 ... 2004 2.612.106 6.571.842 7.575.699.861,00 3.791.785.038,00 2005 2.775.940 8.700.451 9.324.334.955,00 5.691.667.041,00 2006 2.923.894 10.965.810 11.627.153.216,42 7.524.641.322,00 2007 3.080.821 11.043.076 13.429.874.972,11 8.965.499.608,00 2008 3.296.566 10.557.996 15.642.007.828,73 10.606.500.193,00 2009 3.489.242 12.370.915 18.735.367.040,39 12.454.702.501,00 2010 3.689.221 12.778.220 21.956.580.903,21 14.372.702.865,00 2011 3.849.895 13.361.503 24.609.843.623,76 17.360.387.445,00 Número de Benefícios Dispêndios (R$) Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coletados do AEPS e do MDS. A mesma evolução pode ser vista graficamente na Figura 14 a seguir. 21 Dados obtidos em cada ano corrente desde 1970 no site do IPEA (http://www.ipeadata.gov.br). Acesso em: 05 nov. 2013. 22 Dados obtidos no site da Secretaria de Orçamento Federal (SOF). Acesso em: 07 nov. 2013. Estatísticas Fiscais disponíveis em: http://www.orcamentofederal.gov.br/. 23 No caso do Bolsa Família, vale lembrar que o número de benefícios reflete o número de famílias beneficiadas.
  • 49. 38 0 5 10 15 20 25 30 0 2 4 6 8 10 12 14 16 Benefícios Assistenciais (milhões) Bolsa Família (milhões de famílias) Benefícios Assistenciais (R$ bilhões) Bolsa Família (R$ bilhões) Benefícios (milhões) Dispêndio (R$ bilhões) FIGURA 14 Comparativo – Benefícios Assistenciais x Bolsa Família (2001 – 2011) Fonte: Elaboração própria a partir de dados do AEPS e MDS. Observando os dados apresentados e o gráfico acima, uma análise interessante a ser realizada é que os Benefícios Assistenciais, apesar de possuírem uma clientela cerca de 3,5 vezes menor do que a do Bolsa Família em 2011, por exemplo, apresentaram dispêndios cerca de 1,5 vez maior no mesmo ano. As razões para tal comportamento estão na história e formato que os programas adotaram ao longo do tempo. Como já visto, a partir de 1988, além dos Benefícios Assistenciais terem sido universalizados, o valor de piso do benefício foi atrelado ao salário mínimo. Segundo Rocha (2013, p. 161), este fato explica a subida contínua do dispêndio ao longo do tempo, uma vez que, nos últimos 15 anos, o Governo Brasileiro vem praticando uma política de valorização do salário mínimo. Mesmo com uma clientela menor, como o valor do benefício é relativamente alto, os custos totais dos Benefícios Assistenciais superam os do Bolsa Família. Já o Bolsa Família, evoluiu do Bolsa Escola, como um programa de clientela muito mais ampla. Englobava todas as famílias carentes que tivessem crianças em idade escolar, aquelas que não tivessem crianças, porém com maiores problemas de renda, adicionando ainda, os jovens, gestantes e nutrizes mais a frente. O Programa conseguiu combinar uma clientela enorme com transferências de baixo valor, conseguindo, portanto, atender uma Comparativo - Benefícios Assistenciais x Bolsa Família (2001 – 2011)
  • 50. 39 parcela da população pobre cerca de 3,5 maior do que a dos Benefícios Assistenciais, com um custo menor. Para entender melhor a questão dos dispêndios dos Programas de Transferência de Renda, apresentados, é importante ter uma noção da relação destes custos com o PIB nacional e com o Orçamento da Seguridade Social, que é parte do Orçamento Federal. A partir desta análise será possível ver o quanto do PIB foi investido nesta parte da questão social brasileira nos últimos anos. A Tabela 10 exibe os dados do PIB Brasileiro a preços de cada ano, o Orçamento da Seguridade Social e os percentuais destas variáveis econômicas gastos com os Benefícios Assistenciais e com o Bolsa Família. TABELA 10 Transferências em Percentuais do PIB e do Orçamento da Seguridade Social Ano PIB ano corrente (R$) Orçamento da Seguridade Social - OSS (R$) Benefícios Assistenciais (% PIB) Bolsa Família (% PIB) Benefícios Assistenciais (% OSS) Bolsa Família (% OSS) 2001 1.302.136.000.000,00 147.257.612.110,00 0,33 - 2,93 - 2002 1.477.822.000.000,00 170.419.633.455,00 0,34 - 2,98 - 2003 1.699.948.000.000,00 197.400.455.349,00 0,37 ... 3,19 ... 2004 1.941.498.000.000,00 229.966.333.097,00 0,39 0,20 3,29 1,65 2005 2.147.239.000.000,00 265.538.703.952,95 0,43 0,27 3,51 2,14 2006 2.369.484.000.000,00 303.693.484.456,00 0,49 0,32 3,83 2,48 2007 2.661.344.000.000,00 337.574.504.401,00 0,50 0,34 3,98 2,66 2008 3.032.203.000.000,00 371.645.496.050,00 0,52 0,35 4,21 2,85 2009 3.239.404.000.000,00 428.467.549.332,00 0,58 0,38 4,37 2,91 2010 3.770.084.872.000,00 475.428.615.295,00 0,58 0,38 4,62 3,02 2011 4.143.013.338.000,00 531.428.610.862,46 0,59 0,42 4,63 3,27 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do AEPS, IPEA, SOF e MDS. A Figura 15 apresenta graficamente os dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família em percentuais do PIB brasileiro.
  • 51. 40 0,33 0,34 0,37 0,39 0,43 0,49 0,50 0,52 0,58 0,58 0,59 0,20 0,27 0,32 0,34 0,35 0,38 0,38 0,42 0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20 Bolsa Família (% PIB) Benefícios Assistenciais (% PIB) % PIB FIGURA 15 Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% PIB) Fonte: Elaboração própria a partir de dados do AEPS, IPEA, SOF e MDS A Figura 16 apresenta graficamente os dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família em percentuais do Orçamento da Seguridade Social (OSS). 2,93 2,98 3,19 3,29 3,51 3,83 3,98 4,21 4,37 4,62 4,63 1,65 2,14 2,48 2,66 2,85 2,91 3,02 3,27 0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 6,00 7,00 8,00 9,00 Bolsa Família (% OSS) Benefícios Assistenciais (% OSS) % OSS FIGURA 16 Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% OSS) Fonte: Elaboração própria a partir de dados do AEPS, IPEA, SOF e MDS. Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% PIB) Dispêndios dos Benefícios Assistenciais e do Bolsa Família (% OSS)
  • 52. 41 Pelos dados apresentados pode-se concluir que o impacto dos Programas de Transferência de Renda no PIB é muito pequeno, sendo um pouco maior no Orçamento da Seguridade Social. O que é interessante descobrir é se existe uma relação custo benefício positiva em relação à transferência de renda aqui exposta. É preciso saber se mesmo com custos tão baixos estes programas conseguem ao menos reduzir de alguma forma a situação da pobreza e da desigualdade no Brasil, motivo principal de sua existência.
  • 53. 42 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Segundo Rocha (2013, p. 166), os Programas de Transferência de Renda tornaram-se o elemento-chave da política antipobreza, devido à sua forte expansão e ao sucesso em atender a clientela-alvo. A grande questão é entender o tamanho de seu sucesso em relação ao seu principal objetivo, que seria a redução da pobreza e da desigualdade, índices historicamente elevados no Brasil. Uma análise realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2009), avaliou a distribuição de renda no Brasil entre 1995 e 2009. Esta análise revelou que o coeficiente de Gini, índice que mede o grau de concentração da renda, apresentou um declínio sustentado em 11 anos, indo de 0,597, em 1998, para 0,538 até o final de 200924 , o que representou uma melhoria de 5,9 pontos percentuais na questão da desigualdade, neste período. Apesar do desempenho positivo das transferências de renda no atendimento à população pobre, principalmente a partir de 1996, com a Lei Orgânica da Assistência Social, elas não foram as únicas responsáveis ou tampouco foram o fator mais importante para a queda no índice de Gini, o que poderia ser pensado em razão da coincidência das datas. A mesma análise mostrou que o rendimento obtido pelo trabalho foi o principal fator para a diminuição da desigualdade, com um peso de quase 73%, na renda total das famílias. Este número é muito superior ao 1,3% (0,7% do Bolsa Família e 0,6% dos Benefícios Assistenciais), que representou o rendimento obtido com transferências de renda em 2009. Rocha (2013, p. 152) aponta que, no período de 1997 a 2009, o coeficiente de Gini apresentou uma queda de 0,599 para 0,538, ou 6,1 pontos percentuais. Destes 6,1 pontos percentuais, 4,2 foram associados ao rendimento do trabalho, enquanto 1,1 originou-se das transferências de renda. Estes dados mostram que, mesmo tendo uma participação de apenas 1,3% na renda das famílias, as transferências de renda representaram 18% da responsabilidade pela queda de 6,1 pontos percentuais do índice de Gini. No que diz respeito à redução da pobreza, os indicadores se mantiveram estáveis de 1995 a 2003, apresentando algumas poucas e pequenas variações. Apesar de não terem contribuído para a redução da pobreza no período citado, as transferências de renda tiveram um papel de grande importância, funcionando como uma espécie de barragem para evitar o 24 Coeficiente de Gini relativo à Renda Familiar per capita, que é o relevante para medir o bem-estar da população como um todo (ROCHA, 2013, p. 152).
  • 54. 43 agravamento da pobreza que poderia ter ocorrido naquele momento de conjuntura econômica adversa, caracterizado por uma queda real de 19% na renda das famílias obtida pelo trabalho. A partir de 2004, houve uma retomada do crescimento econômico e a melhoria do rendimento do trabalho, que, mais uma vez, assim como no caso da desigualdade, mostrou-se o fator mais importante para a redução da pobreza. Segundo estimativas feitas para o ano de 200725 , as transferências de renda tiveram um impacto de 6,4% na redução da pobreza, sendo 3,1% devido aos Benefícios Assistenciais e 3,3% ao Bolsa Família. Apesar de parecer um número modesto, estes 6,4% têm grande importância, principalmente considerando os baixos custos dos programas que no mesmo ano chegaram a somente 0,84% do PIB. Pode-se concluir que, apesar de terem papel fundamental como política social para aumento do bem-estar da sociedade e de apresentarem resultados positivos, em relação aos baixos custos que exibem, os Programas de Transferência de Renda não são suficientes para combater de forma eficiente o ciclo vicioso da pobreza brasileira. Mesmo sendo muito importantes, devem ser apenas parte de um conjunto muito maior de ações capazes de combater a questão da pobreza brasileira. Dentre as ações possíveis, encontra-se a melhoria do sistema educacional, considerada por muitos estudiosos uma peça fundamental no combate a pobreza, uma vez que, através da educação, o indivíduo teria maior capacidade de melhorar a sua renda no longo prazo. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) mostram que em 2011 o Governo Brasileiro investiu um total de 6,1% do PIB brasileiro em educação, o que, apesar de ser um bom percentual, não gera impactos positivos se não for corretamente alocado. Acredita-se que, aumentando o investimento em termos do PIB e garantindo que este seja corretamente investido, sem desperdícios ou fraudes, seja possível realizar mudanças mais profundas no sistema de ensino brasileiro. No longo prazo esse investimento se reverteria em uma educação de qualidade para a sociedade, que estaria mais qualificada para a obtenção de melhores empregos e rendimentos. As transferências de renda poderiam ser gradualmente substituídas por mais investimentos em educação, o que poderia, enfim, levar à quebra do ciclo vicioso da pobreza no longo prazo. Esta alternativa deixa no ar a incerteza sobre o futuro e sobre o rumo correto a ser tomado em relação às políticas antipobreza. Segundo Rocha (2013, p. 172), Atualmente o governo brasileiro tem como objetivo a eliminação da pobreza extrema até o final de 2014, o que grosso modo, significaria tomar o rumo de 25 Impactos simulados das transferências sobre a proporção de pobres, elaborados por Rocha (2013, p. 155) com base em microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
  • 55. 44 aumentar ainda mais o volume dos Programas de Transferência de Renda, focando nas famílias com renda familiar percapita abaixo da oficial de pobreza extrema. As transferências de renda parecem ser uma solução mais confortável para o enfrentamento da pobreza, principalmente no que concerne ao dispêndio associado às mesmas, e, por este motivo, acredita-se que não serão simplesmente abandonadas no curto prazo. Não se pode negar a relevância dos Programas de Transferência de Renda para a melhoria concreta e imediata das condições de vida das famílias beneficiadas (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012. p. 230). Contudo, deve-se pensar em soluções paralelas e principalmente em como conduzir os rumos educacionais do país, para que as transferências sejam apenas uma parte, e não o pilar das políticas antipobreza no Brasil.