SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
14 | FUGAS | Público | Sábado 27 Agosto 2016
Passeio
Serra da Arrábida
“Nãopenses,salta”:
ocoasteeringem
Portugaltemcada
vezmaisadeptos
Progredir através da encosta
rochosa da serra da Arrábida
saltando para o mar, subindo
rochedos, nadando, explorando
grutas, é uma actividade radical
que está a ganhar adeptos. A esta
mistura de trekking, natação,
escalada e espeleologia chama-se
coasteering. Vai um salto para a
água?
-Salta!
- Não sei, não sou capaz...
- Vá lá.
- É muito alto.
- Não olhes para baixo. Olha em
frente e salta.
- Tenho medo...
- Não penses. Salta.
O diálogo é gritado. Metade do
grupo flutua na água lá em baixo
e a outra metade está ainda cá em
cima. Uns expectantes e solidários
com a rapariga que hesita sobre a
rocha, outros confiantes e cheios
de adrenalina à espera da sua vez
para se lançarem ao mar. Por fim a
jovem salta, cumprindo as regras, a
mão a segurar o capacete para que a
presilha não arranhe o pescoço com
o impacto na água, mergulha e vem
rapidamente à superfície sendo rece-
bida por uma chuva de aplausos.
Os saltos das rochas para a água
são a parte mais radical do coastee-
ring. Há-os para todos os gostos, mas
em geral não excedem os seis metros
e o cenário em fundo é paradisíaco
— as águas azul-turquesa da encosta
da Arrábida, um mar calmo e uma
corrente relativamente fraca.
de todo o percurso, que termina com
umnovosaltosobreooceano.Depois
nada-se até à Lapa do Eremita, um
local estranho onde se vêem os restos
de uma habitação construída na gru-
ta por um homem que ali viveu iso-
lado. E depois há novamenterappel.
Viciados e aventureiros
Na maré vazia o aventureiro é sur-
preendido na descida pelo apareci-
mento de uma gruta com águas de
um azul-turquesa muito límpido nas
quais apetece logo mergulhar. Nin-
guém resiste a explorar este local
magnífico e há quem se sinta pirata
das Caraíbas ou o conde de Monte-
cristo e pergunte onde está a arca
do tesouro.
Esta magia, porém, não acontece
na maré alta porque a gruta fica sub-
mersa. Em contrapartida, os mais
radicais aproveitam para dar saltos
cada vez mais altos porque a pro-
fundidade da água o permite. Outros
preferem apanhar sol estirados nas
rochas ou explorar a nado as forma-
ções calcárias da encosta.
Em Agosto juntam-se barcos de
recreio nas enseadas da Arrábida.
Nada que se pareça às perigosas
escarpas e ao mar bravio da costa
inglesa, onde consta que teve início a
actividade de coasteering. “Não deve
ter sido uma coisa muito pensada.
Foi mais ao estilo do ‘bora lá’. Os ti-
pos começaram a mandar saltos pa-
ra o mar e a avançar assim ao longo
da costa”, conta Pedro Garrido, que,
com Marco Lince, gere a Discover All
Nature, empresa especializada em
animação turística.
De alguma forma o coasteering é
filho do canyoning (ou canionismo),
que consiste em progredir ao longo
de um rio transpondo os obstáculos
através de escalada, rappel e saltos.
O mesmo conceito passou assim a
ser aplicado à progressão através
da costa.
E é isso que agora se pratica nas
escarpas marítimas da Arrábida que,
segundo o monitor, tem condições
ideais para este desporto. O mar
não é violento, a paisagem é bonita
e as rochas calcárias proporcionam
a descoberta de covas e grutas ao
longo do percurso.
Voltemos ao grupo. Um a um, to-
dos iniciam o percurso com um salto
para a água. Equipados com os fatos
de neopreno, calções, colete salva-
vidas, arnês e capacete, não é fácil
nadar. Demonstrar as habilidades
de um estiloso crawl está fora de
questão. Na verdade, todos parecem
uns sapos ou umas lontras a nadar
contra a corrente que, a esta hora,
na enchente, teima em empurrar o
grupo em sentido contrário.
A melhor maneira é nadar de cos-
tas e é assim que se percorrem as
dezenas de metros que separam a
enseada de Alpertuche (Portinho da
Arrábida), onde teve início este “pas-
seio”, de umas salvíficas escadas de
cimento talhadas na rocha por onde
agora o grupo sobe até à próxima
descarga de adrenalina — um rappel
na rocha que tem a particularidade
de ter a corda só até meio. Isto é, o
feliz aventureiro vai descendo pela
corda até que chega um momento
em que não lhe resta alternativa a
não ser deixar-se cair na água.
Pernas esticadas, corpo afastado
da rocha, um braço segura a corda
e controla a progressão, o outro não
serve para nada. Saltinhos curtos.
Numa parede lisa seria mais fácil,
mas a rocha é irregular. Agora nem
rocha há. Desce-se no vazio até que a
corda acaba e, perante risos e gritos
de excitação, os últimos metros são
uma queda livre sobre o mar.
Estamos em frente a uma gruta de
grandes dimensões na qual, depois
dos olhos se habituarem à escuridão,
se vislumbra um estranho altar. He-
las! Isto do coasteering também tem
uma componente cultural. À nossa
frente está uma capela do século
XVII, construída pelos pescadores
em honra da sua padroeira. A julgar
pela quantidade de velinhas e de ex
votos ali presentes, a devoção man-
têm-se ainda hoje dentro da gruta.
Próximo passo: o corrimão. Trata-
se de uma escalada horizontal atra-
vés de uma parede rochosa na qual
Pedro Garrido e Marco Lince tiveram
o cuidado de colocar uma corda que
permite fazer a travessia em segu-
rança. A alternativa talvez fosse mes-
mo ir pelo mar porque, em caso de
queda, apesar da pouca altitude, a
escarpa rochosa deixaria o corpinho
bastante arranhado e maltratado.
Atenção à segurança. Os dois mos-
quetões vão presos à corda ao longo
Carlos Cipriano
FUGAS | Público | Sábado 27 Agosto 2016 | 15
Há quem passeie de canoa junto às
rochas e até praticantes de paddle fa-
zem a sua aparição deslizando sobre
a água. Em terra há quem observe
com estranheza este grupo colorido,
equipado a rigor, que lá em baixo
solta gargalhadas e gritos a nadar e
a saltar por entre as escarpas.
O passeio termina junto à praia
dos Pilotos da Barra. No trekking
caminha-se, em média, três quiló-
metros numa hora. Na canoagem
essa cifra é de 1Km/hora. E no coas-
teering progrediu-se à vertiginosa
velocidade de 150 metros por hora.
Ou seja, quatro horas para fazer 600
metros.
“Há dois tipos de pessoas que
fazem isto: a malta viciada em ac-
tividades desportivas e radicais
que quer experimentar uma coisa
nova, e pessoas na casa dos 30 aos
40 anos que olham para trás e des-
cobrem que nunca fizeram nada de
muito aventureiro, que nunca saí-
ram da sua zona de conforto e que
resolvem inscrever-se.” É assim que
Pedro Garrido traça o perfil dos seus
clientes, acrescentando que uma
grande parte vem arrastada por
outros que já fizeram e que não re-
sistem a partilhar a experiência e a
recomendá-la.
A verdade é que, apesar do rótulo
de actividade radical, o percurso é
exequível por qualquer pessoa e não
exige grandes atributos físicos. Até
mesmo o saber nadar torna-se rela-
tivo. “Não precisam de saber nadar.
Basta estarem à vontade dentro de
água. Com o fato e o colete ninguém
vai ao fundo”, diz o monitor.
A maioria dos participantes são
casais, embora apareçam grupos
de amigos e até pessoas sozinhas.
Em termos de género, uma peque-
na surpresa: há mais mulheres do
que homens a querer experimentar
o coasteering.
Sagres, Figueira da Foz, Setúbal e
Sesimbra são alguns dos locais on-
de se pratica esta actividade. Pedro
e Marco têm em vista um percurso
que pretendem inaugurar para o ano
em Cascais. A partir daí, para Nor-
te, é difícil porque o mar é perigoso.
Por exemplo, o Guincho, o Cabo da
Roca ou as encostas de Peniche e
Berlengas são muito atractivas para
os verdadeiros radicais que na In-
glaterra inauguraram o coasteering,
mas demasiado perigosas para nelas
se comercializarem percursos orga-
nizados.
- Salta!
- Ai... isto é tão alto...
- Imagina que tens cães a correr
atrás de ti.
- Sim, que tens um dragão a apa-
nhar-te. Foge. Salta!
- Olha os gajos das finanças! Salta
depressa.
- Força. Estamos à tua espera. Vem
ter connosco.
O rappel nas escarpas, nadar num
mar meio encrespado ao pé das ro-
chas, escalar paredes na falésia,
podem impressionar e provocar re-
ceios. Mas os saltos são claramente
a origem de todos os medos.
Hesita-se, respira-se fundo, de-
cide-se saltar, decide-se não saltar,
olha-se para baixo, olha-se para a
frente, olha-se para trás, faz-se tu-
do isso em segundos e de repente o
vazio, o mergulho na água azulada
e um triunfal e redentor regresso à
superfície.
Tomás Domingos e Claudemira
Pinto têm ambos 28 anos. Ele é mi-
litar, ela médica e é a primeira vez
que praticam esta actividade. “Gos-
tei muito disto. Senti um nervoso
miudinho para saltar, até porque
gosto mais de escalada na montanha
do que na água, mas consegui”, diz
Claudemira.
“Eu o que gostei mais foi vê-la sal-
tar (risos). A sério, também gostei
mais dos saltos porque o rappel já
tinha feito nos exercícios militares”,
diz Tomás.
João Santos, 31 anos, e Ana Mes-
quita, de 25, vieram, respectivamen-
te, de Coimbra e Santarém e estão de
acordo que o melhor de tudo foram
os saltos. “Era o que eu tinha mais
medo de fazer”, reconhece Ana.
“Mas depois de ultrapassar o medo
fica-se com vontade de repetir.”
Já Rita Rodrigues, 41 anos, psico-
motricionista, diz que prefere o ra-
ppel. “O mais difícil foram os saltos.
Gosto de desportos radicais e já fiz
alpinismo. Adoro o rappel e o mais
giro foi o rappel que acaba a meio e
caímos na água,”
Para Sérgio Gomes, 38 anos, em-
presário, esta foi também uma pri-
meira vez. “Na verdade já tinha feito
estas actividades todas em despor-
tos diferentes, mas assim tudo junto
num só pacote foi uma estreia. As
alturas assustaram-me um bocado.
Apesar de eu achar que faço os des-
portos todos, descobri que as alturas
não são a minha cena. Mas acho que
isto está ao alcance de toda a gente
e mesmo ao nível de segurança está
tudo muito bem organizado.”
O tom de voz do monitor é calmo
e confiante. “Não salte de cócoras.
Mande bem o corpo para a frente e
ponha a mão no capacete para não
magoar a jugular ao entrar na água.
Vá. É sem pensar. Não pense. Não
olhe para baixo. Olhe para a frente
e salte. Vá. Agora.”
PREÇOS
A actividade custa 30 euros quando
adquirida através dos cupões da
Odisseias, Top Vendas, Descontos.pt
e Lycolor. Está sujeita a um número
mínimo de dez participantes. Pode
ser comprada directamente na
Discover All Nature ao preço de 165
euros por pessoa (grupo de dois),
55 euros para grupos de quatro, 50
euros para grupos de seis ou 30 euros
para grupos de dez.
Contacto: 918294019; 915962970
disallnat@discoverallnature.pt
www.discoverallnature.pt/
FOTOS: DR

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Destaque (20)

Corferias feria babies & kids
Corferias feria babies & kidsCorferias feria babies & kids
Corferias feria babies & kids
 
La medida
La medidaLa medida
La medida
 
Rezar y curar
Rezar y curarRezar y curar
Rezar y curar
 
Presentación Libro Genes y Mestizos
Presentación Libro Genes y MestizosPresentación Libro Genes y Mestizos
Presentación Libro Genes y Mestizos
 
Pereira extrema,
Pereira extrema,Pereira extrema,
Pereira extrema,
 
Cuadro..
Cuadro..Cuadro..
Cuadro..
 
Physical And Chemical Changes
Physical And Chemical ChangesPhysical And Chemical Changes
Physical And Chemical Changes
 
Presentació Per A Claustres R[1]
Presentació Per A Claustres R[1]Presentació Per A Claustres R[1]
Presentació Per A Claustres R[1]
 
Compremos un carro
Compremos un carroCompremos un carro
Compremos un carro
 
From The Sky (Desde El Cielo) Audio
From The Sky (Desde El Cielo) AudioFrom The Sky (Desde El Cielo) Audio
From The Sky (Desde El Cielo) Audio
 
Corferias meditech
Corferias meditechCorferias meditech
Corferias meditech
 
Convocatoria reunion madres y padres 17 febrero 2012
Convocatoria reunion madres y padres 17 febrero 2012Convocatoria reunion madres y padres 17 febrero 2012
Convocatoria reunion madres y padres 17 febrero 2012
 
Doc2
Doc2Doc2
Doc2
 
Iones
IonesIones
Iones
 
Tipos de pesca
Tipos de pescaTipos de pesca
Tipos de pesca
 
Scan0005
Scan0005Scan0005
Scan0005
 
Robles gloria
Robles gloriaRobles gloria
Robles gloria
 
Corferias fima (medio ambiente)
Corferias fima (medio ambiente)Corferias fima (medio ambiente)
Corferias fima (medio ambiente)
 
Presentación1
Presentación1Presentación1
Presentación1
 
Laguna De Mare Gafisa
Laguna De Mare GafisaLaguna De Mare Gafisa
Laguna De Mare Gafisa
 

Semelhante a Coasteering na Arrábida: saltos radicais e adrenalina na costa portuguesa

Especial Apuama Rafting Cânion Preto
Especial Apuama Rafting Cânion PretoEspecial Apuama Rafting Cânion Preto
Especial Apuama Rafting Cânion Pretoapuamarafting
 
Aventura de um grão de areia
Aventura de um grão de areiaAventura de um grão de areia
Aventura de um grão de areiaMayjö .
 
Capítulo XXXIII - Viagem ao centro da terra
Capítulo XXXIII - Viagem ao centro da terraCapítulo XXXIII - Viagem ao centro da terra
Capítulo XXXIII - Viagem ao centro da terraClaodeny Rodrigues
 
Trabalho módulo 4 canoagem - lara branco
Trabalho módulo 4   canoagem - lara brancoTrabalho módulo 4   canoagem - lara branco
Trabalho módulo 4 canoagem - lara brancoVera Filipa Silva
 

Semelhante a Coasteering na Arrábida: saltos radicais e adrenalina na costa portuguesa (7)

Especial Apuama Rafting Cânion Preto
Especial Apuama Rafting Cânion PretoEspecial Apuama Rafting Cânion Preto
Especial Apuama Rafting Cânion Preto
 
Orientação aos banhistas
Orientação aos banhistasOrientação aos banhistas
Orientação aos banhistas
 
Livro "(As) Surfistas"
Livro "(As) Surfistas"Livro "(As) Surfistas"
Livro "(As) Surfistas"
 
O que fazer em Floripa
O que fazer em FloripaO que fazer em Floripa
O que fazer em Floripa
 
Aventura de um grão de areia
Aventura de um grão de areiaAventura de um grão de areia
Aventura de um grão de areia
 
Capítulo XXXIII - Viagem ao centro da terra
Capítulo XXXIII - Viagem ao centro da terraCapítulo XXXIII - Viagem ao centro da terra
Capítulo XXXIII - Viagem ao centro da terra
 
Trabalho módulo 4 canoagem - lara branco
Trabalho módulo 4   canoagem - lara brancoTrabalho módulo 4   canoagem - lara branco
Trabalho módulo 4 canoagem - lara branco
 

Coasteering na Arrábida: saltos radicais e adrenalina na costa portuguesa

  • 1. 14 | FUGAS | Público | Sábado 27 Agosto 2016 Passeio Serra da Arrábida “Nãopenses,salta”: ocoasteeringem Portugaltemcada vezmaisadeptos Progredir através da encosta rochosa da serra da Arrábida saltando para o mar, subindo rochedos, nadando, explorando grutas, é uma actividade radical que está a ganhar adeptos. A esta mistura de trekking, natação, escalada e espeleologia chama-se coasteering. Vai um salto para a água? -Salta! - Não sei, não sou capaz... - Vá lá. - É muito alto. - Não olhes para baixo. Olha em frente e salta. - Tenho medo... - Não penses. Salta. O diálogo é gritado. Metade do grupo flutua na água lá em baixo e a outra metade está ainda cá em cima. Uns expectantes e solidários com a rapariga que hesita sobre a rocha, outros confiantes e cheios de adrenalina à espera da sua vez para se lançarem ao mar. Por fim a jovem salta, cumprindo as regras, a mão a segurar o capacete para que a presilha não arranhe o pescoço com o impacto na água, mergulha e vem rapidamente à superfície sendo rece- bida por uma chuva de aplausos. Os saltos das rochas para a água são a parte mais radical do coastee- ring. Há-os para todos os gostos, mas em geral não excedem os seis metros e o cenário em fundo é paradisíaco — as águas azul-turquesa da encosta da Arrábida, um mar calmo e uma corrente relativamente fraca. de todo o percurso, que termina com umnovosaltosobreooceano.Depois nada-se até à Lapa do Eremita, um local estranho onde se vêem os restos de uma habitação construída na gru- ta por um homem que ali viveu iso- lado. E depois há novamenterappel. Viciados e aventureiros Na maré vazia o aventureiro é sur- preendido na descida pelo apareci- mento de uma gruta com águas de um azul-turquesa muito límpido nas quais apetece logo mergulhar. Nin- guém resiste a explorar este local magnífico e há quem se sinta pirata das Caraíbas ou o conde de Monte- cristo e pergunte onde está a arca do tesouro. Esta magia, porém, não acontece na maré alta porque a gruta fica sub- mersa. Em contrapartida, os mais radicais aproveitam para dar saltos cada vez mais altos porque a pro- fundidade da água o permite. Outros preferem apanhar sol estirados nas rochas ou explorar a nado as forma- ções calcárias da encosta. Em Agosto juntam-se barcos de recreio nas enseadas da Arrábida. Nada que se pareça às perigosas escarpas e ao mar bravio da costa inglesa, onde consta que teve início a actividade de coasteering. “Não deve ter sido uma coisa muito pensada. Foi mais ao estilo do ‘bora lá’. Os ti- pos começaram a mandar saltos pa- ra o mar e a avançar assim ao longo da costa”, conta Pedro Garrido, que, com Marco Lince, gere a Discover All Nature, empresa especializada em animação turística. De alguma forma o coasteering é filho do canyoning (ou canionismo), que consiste em progredir ao longo de um rio transpondo os obstáculos através de escalada, rappel e saltos. O mesmo conceito passou assim a ser aplicado à progressão através da costa. E é isso que agora se pratica nas escarpas marítimas da Arrábida que, segundo o monitor, tem condições ideais para este desporto. O mar não é violento, a paisagem é bonita e as rochas calcárias proporcionam a descoberta de covas e grutas ao longo do percurso. Voltemos ao grupo. Um a um, to- dos iniciam o percurso com um salto para a água. Equipados com os fatos de neopreno, calções, colete salva- vidas, arnês e capacete, não é fácil nadar. Demonstrar as habilidades de um estiloso crawl está fora de questão. Na verdade, todos parecem uns sapos ou umas lontras a nadar contra a corrente que, a esta hora, na enchente, teima em empurrar o grupo em sentido contrário. A melhor maneira é nadar de cos- tas e é assim que se percorrem as dezenas de metros que separam a enseada de Alpertuche (Portinho da Arrábida), onde teve início este “pas- seio”, de umas salvíficas escadas de cimento talhadas na rocha por onde agora o grupo sobe até à próxima descarga de adrenalina — um rappel na rocha que tem a particularidade de ter a corda só até meio. Isto é, o feliz aventureiro vai descendo pela corda até que chega um momento em que não lhe resta alternativa a não ser deixar-se cair na água. Pernas esticadas, corpo afastado da rocha, um braço segura a corda e controla a progressão, o outro não serve para nada. Saltinhos curtos. Numa parede lisa seria mais fácil, mas a rocha é irregular. Agora nem rocha há. Desce-se no vazio até que a corda acaba e, perante risos e gritos de excitação, os últimos metros são uma queda livre sobre o mar. Estamos em frente a uma gruta de grandes dimensões na qual, depois dos olhos se habituarem à escuridão, se vislumbra um estranho altar. He- las! Isto do coasteering também tem uma componente cultural. À nossa frente está uma capela do século XVII, construída pelos pescadores em honra da sua padroeira. A julgar pela quantidade de velinhas e de ex votos ali presentes, a devoção man- têm-se ainda hoje dentro da gruta. Próximo passo: o corrimão. Trata- se de uma escalada horizontal atra- vés de uma parede rochosa na qual Pedro Garrido e Marco Lince tiveram o cuidado de colocar uma corda que permite fazer a travessia em segu- rança. A alternativa talvez fosse mes- mo ir pelo mar porque, em caso de queda, apesar da pouca altitude, a escarpa rochosa deixaria o corpinho bastante arranhado e maltratado. Atenção à segurança. Os dois mos- quetões vão presos à corda ao longo Carlos Cipriano
  • 2. FUGAS | Público | Sábado 27 Agosto 2016 | 15 Há quem passeie de canoa junto às rochas e até praticantes de paddle fa- zem a sua aparição deslizando sobre a água. Em terra há quem observe com estranheza este grupo colorido, equipado a rigor, que lá em baixo solta gargalhadas e gritos a nadar e a saltar por entre as escarpas. O passeio termina junto à praia dos Pilotos da Barra. No trekking caminha-se, em média, três quiló- metros numa hora. Na canoagem essa cifra é de 1Km/hora. E no coas- teering progrediu-se à vertiginosa velocidade de 150 metros por hora. Ou seja, quatro horas para fazer 600 metros. “Há dois tipos de pessoas que fazem isto: a malta viciada em ac- tividades desportivas e radicais que quer experimentar uma coisa nova, e pessoas na casa dos 30 aos 40 anos que olham para trás e des- cobrem que nunca fizeram nada de muito aventureiro, que nunca saí- ram da sua zona de conforto e que resolvem inscrever-se.” É assim que Pedro Garrido traça o perfil dos seus clientes, acrescentando que uma grande parte vem arrastada por outros que já fizeram e que não re- sistem a partilhar a experiência e a recomendá-la. A verdade é que, apesar do rótulo de actividade radical, o percurso é exequível por qualquer pessoa e não exige grandes atributos físicos. Até mesmo o saber nadar torna-se rela- tivo. “Não precisam de saber nadar. Basta estarem à vontade dentro de água. Com o fato e o colete ninguém vai ao fundo”, diz o monitor. A maioria dos participantes são casais, embora apareçam grupos de amigos e até pessoas sozinhas. Em termos de género, uma peque- na surpresa: há mais mulheres do que homens a querer experimentar o coasteering. Sagres, Figueira da Foz, Setúbal e Sesimbra são alguns dos locais on- de se pratica esta actividade. Pedro e Marco têm em vista um percurso que pretendem inaugurar para o ano em Cascais. A partir daí, para Nor- te, é difícil porque o mar é perigoso. Por exemplo, o Guincho, o Cabo da Roca ou as encostas de Peniche e Berlengas são muito atractivas para os verdadeiros radicais que na In- glaterra inauguraram o coasteering, mas demasiado perigosas para nelas se comercializarem percursos orga- nizados. - Salta! - Ai... isto é tão alto... - Imagina que tens cães a correr atrás de ti. - Sim, que tens um dragão a apa- nhar-te. Foge. Salta! - Olha os gajos das finanças! Salta depressa. - Força. Estamos à tua espera. Vem ter connosco. O rappel nas escarpas, nadar num mar meio encrespado ao pé das ro- chas, escalar paredes na falésia, podem impressionar e provocar re- ceios. Mas os saltos são claramente a origem de todos os medos. Hesita-se, respira-se fundo, de- cide-se saltar, decide-se não saltar, olha-se para baixo, olha-se para a frente, olha-se para trás, faz-se tu- do isso em segundos e de repente o vazio, o mergulho na água azulada e um triunfal e redentor regresso à superfície. Tomás Domingos e Claudemira Pinto têm ambos 28 anos. Ele é mi- litar, ela médica e é a primeira vez que praticam esta actividade. “Gos- tei muito disto. Senti um nervoso miudinho para saltar, até porque gosto mais de escalada na montanha do que na água, mas consegui”, diz Claudemira. “Eu o que gostei mais foi vê-la sal- tar (risos). A sério, também gostei mais dos saltos porque o rappel já tinha feito nos exercícios militares”, diz Tomás. João Santos, 31 anos, e Ana Mes- quita, de 25, vieram, respectivamen- te, de Coimbra e Santarém e estão de acordo que o melhor de tudo foram os saltos. “Era o que eu tinha mais medo de fazer”, reconhece Ana. “Mas depois de ultrapassar o medo fica-se com vontade de repetir.” Já Rita Rodrigues, 41 anos, psico- motricionista, diz que prefere o ra- ppel. “O mais difícil foram os saltos. Gosto de desportos radicais e já fiz alpinismo. Adoro o rappel e o mais giro foi o rappel que acaba a meio e caímos na água,” Para Sérgio Gomes, 38 anos, em- presário, esta foi também uma pri- meira vez. “Na verdade já tinha feito estas actividades todas em despor- tos diferentes, mas assim tudo junto num só pacote foi uma estreia. As alturas assustaram-me um bocado. Apesar de eu achar que faço os des- portos todos, descobri que as alturas não são a minha cena. Mas acho que isto está ao alcance de toda a gente e mesmo ao nível de segurança está tudo muito bem organizado.” O tom de voz do monitor é calmo e confiante. “Não salte de cócoras. Mande bem o corpo para a frente e ponha a mão no capacete para não magoar a jugular ao entrar na água. Vá. É sem pensar. Não pense. Não olhe para baixo. Olhe para a frente e salte. Vá. Agora.” PREÇOS A actividade custa 30 euros quando adquirida através dos cupões da Odisseias, Top Vendas, Descontos.pt e Lycolor. Está sujeita a um número mínimo de dez participantes. Pode ser comprada directamente na Discover All Nature ao preço de 165 euros por pessoa (grupo de dois), 55 euros para grupos de quatro, 50 euros para grupos de seis ou 30 euros para grupos de dez. Contacto: 918294019; 915962970 disallnat@discoverallnature.pt www.discoverallnature.pt/ FOTOS: DR