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Exercício físico, gestão do stress, e depressão
Hoje em dia estamos sujeitos a uma elevada carga de stress, das mais diversas fontes.
Trabalho, família, privação de sono, e até exercício físico, para alguns pelo menos. No
entanto, até certa medida, o exercício físico é ele próprio também uma estratégia para
aliviar esse stress do dia-a-dia. A actividade física é importante para regular a função
das adrenais e estimula a produção de endorfinas, neurotransmissores que sinalizam ao
cérebro bem-estar e prazer. Um estudo publicado recentemente com modelos animais
veio acrescentar à questão. Ao que parece, não é apenas importante o que é bombeado
para circulação em resposta ao exercício, mas também a capacidade de remover
substâncias prejudiciais da corrente sanguínea.
Em situações de stress nós produzimos uma substância chamada quinurenina. Este
composto actua a nível cerebral induzindo um estado depressivo e distúrbios neutro-
cognitivos. Por seu lado, o exercício estimula a actividade do cofactor PGC-1alfa1,
responsável por algumas das adaptações que conhecemos à actividade física,
nomeadamente o aumento da capacidade anti-oxidante, proliferação mitocondrial, maior
capacidade energética, entre outras. E uma dessas outras é o aumento da actividade de
uma enzima, a KAT, com a capacidade de degradar essa quinurenina em ácido
quinurénico. Este produto não consegue passar a barreira hematoencefálica, logo não
tem acção nefasta a nível cerebral.
Se a quinurenina está associada ao stress, e se o exercício aumenta a sua degradação e
remoção de circulação, trata-se de mais uma forma pela qual a actividade física actua no
sentido de reduzir o stress e, mais do que isso, alivia sintomas depressivos. Conheço
vários casos em que funcionou muito bem na gestão de situações dolorosas, como a
morte de uma pessoa querida, ou um desgosto amoroso. Além disso, sabe-se que a
quinurenina está elevada em algumas patologias do foro psíquico, assumindo aqui
também um possível papel terapêutico.
Sem querer entrar na polémica de qual o tipo de exercício mais adequado aqui, há um
aspecto que devemos ter sempre em conta - a pessoa. Se a actividade física tem o intuito
de ajudar a gerir o stress, então é suposto dar prazer. Até posso achar que o treino de
força/resistência muscular é mais benéfico a vários níveis, mas se a pessoa tem um grau
de sofrimento e de sacrifício brutal ao fazê-lo, será que é o mais adequado para este
fim? Obviamente que não. Não é a pessoa que se tem de adaptar à prescrição, mas sim a
prescrição à pessoa. Uma prática muito ignorada tanto na nutrição como na área do
exercício.
Mas o exercício físico quando em excesso é também um factor de stress, a somar à
enorme carga alostática a que estamos sujeitos hoje em dia (conjunto de todos os
factores stressantes da nossa vida). Também aqui "a dose faz o veneno", e é importante
perceber a linha que separa os benefícios dos malefícios. É óbvio que, na generalidade,
o nosso principal problema é a falta dele e não o excesso. Mas, para quem trabalha nesta
área, não são assim tão raros os casos em que a "carga" é demasiado alta para o que o
nosso sistema consegue suportar, um sistema já de si muitas vezes debilitado pelo stress
e uma nutrição desadequada.

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Exercício físico

  • 1. Exercício físico, gestão do stress, e depressão Hoje em dia estamos sujeitos a uma elevada carga de stress, das mais diversas fontes. Trabalho, família, privação de sono, e até exercício físico, para alguns pelo menos. No entanto, até certa medida, o exercício físico é ele próprio também uma estratégia para aliviar esse stress do dia-a-dia. A actividade física é importante para regular a função das adrenais e estimula a produção de endorfinas, neurotransmissores que sinalizam ao cérebro bem-estar e prazer. Um estudo publicado recentemente com modelos animais veio acrescentar à questão. Ao que parece, não é apenas importante o que é bombeado para circulação em resposta ao exercício, mas também a capacidade de remover substâncias prejudiciais da corrente sanguínea. Em situações de stress nós produzimos uma substância chamada quinurenina. Este composto actua a nível cerebral induzindo um estado depressivo e distúrbios neutro- cognitivos. Por seu lado, o exercício estimula a actividade do cofactor PGC-1alfa1, responsável por algumas das adaptações que conhecemos à actividade física, nomeadamente o aumento da capacidade anti-oxidante, proliferação mitocondrial, maior capacidade energética, entre outras. E uma dessas outras é o aumento da actividade de uma enzima, a KAT, com a capacidade de degradar essa quinurenina em ácido quinurénico. Este produto não consegue passar a barreira hematoencefálica, logo não tem acção nefasta a nível cerebral. Se a quinurenina está associada ao stress, e se o exercício aumenta a sua degradação e remoção de circulação, trata-se de mais uma forma pela qual a actividade física actua no sentido de reduzir o stress e, mais do que isso, alivia sintomas depressivos. Conheço vários casos em que funcionou muito bem na gestão de situações dolorosas, como a morte de uma pessoa querida, ou um desgosto amoroso. Além disso, sabe-se que a quinurenina está elevada em algumas patologias do foro psíquico, assumindo aqui também um possível papel terapêutico. Sem querer entrar na polémica de qual o tipo de exercício mais adequado aqui, há um aspecto que devemos ter sempre em conta - a pessoa. Se a actividade física tem o intuito de ajudar a gerir o stress, então é suposto dar prazer. Até posso achar que o treino de força/resistência muscular é mais benéfico a vários níveis, mas se a pessoa tem um grau de sofrimento e de sacrifício brutal ao fazê-lo, será que é o mais adequado para este fim? Obviamente que não. Não é a pessoa que se tem de adaptar à prescrição, mas sim a
  • 2. prescrição à pessoa. Uma prática muito ignorada tanto na nutrição como na área do exercício. Mas o exercício físico quando em excesso é também um factor de stress, a somar à enorme carga alostática a que estamos sujeitos hoje em dia (conjunto de todos os factores stressantes da nossa vida). Também aqui "a dose faz o veneno", e é importante perceber a linha que separa os benefícios dos malefícios. É óbvio que, na generalidade, o nosso principal problema é a falta dele e não o excesso. Mas, para quem trabalha nesta área, não são assim tão raros os casos em que a "carga" é demasiado alta para o que o nosso sistema consegue suportar, um sistema já de si muitas vezes debilitado pelo stress e uma nutrição desadequada.