SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
Imprimir ()
13/08/2014 ­ 05:00
Um sinal amarelo nos patrimônios de afetação
Por Elpidio A. Pinheiro
O direito brasileiro contém importantes mecanismos de proteção aos adquirentes de imóveis novos na planta,
notadamente aqueles contidos nas leis especiais de incorporação imobiliária e de parcelamento e uso do solo
urbano.
Entretanto, quando sobrevém a falência de alguma empresa incorporadora, o sistema legal deixa à mostra
algumas lacunas que evidenciam a vulnerabilidade da posição do adquirente de unidade imobiliária em
construção. Podendo levá­lo à perda do imóvel que tanto sonhou adquirir, além das quantias que desembolsou a
favor do incorporador.
Essa vulnerabilidade assumiu extraordinária expressão nos últimos anos da década de 1990, com a falência da
Encol (uma das maiores empresas construtoras do país, à época), provocando a paralisação de centenas de obras
em nível nacional; sujeitando a riscos e incertezas os direitos creditórios de dezenas de milhares de famílias
adquirentes de imóveis por ela incorporados. Em casos como esses, os prejuízos dos adquirentes são irreparáveis:
na qualidade de credores de uma massa falida deverão habilitar seus créditos concorrendo com os demais
credores, em desvantagem relativamente aos direitos trabalhistas e tributários.
Consumidores não têm acesso a informações contábeis e financeiras de empreendimentos
adquiridos na planta
Na tentativa de minimizar estes riscos e aumentar a segurança dos adquirentes, foi promulgada a Lei federal nº
10.931/2004, que dispõe sobre a constituição de patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias, alterando
a Lei nº 4.591/64, conhecida como Lei de Condomínios e Incorporações.
Por meio deste instrumento legal, caso a incorporadora venha a optar pela constituição do patrimônio de
afetação, os adquirentes dos imóveis em construção passam a ter mais proteção, pois todo o conjunto de direitos e
obrigações daquele empreendimento específico ficariam exclusivamente vinculados à consecução deste negócio,
não se misturando aos demais da mesma incorporadora.
O importante atrativo desta opção, para as incorporadoras, é a possibilidade de adoção de tributação dos
impostos federais no Regime Especial de Tributação (RET). E, assim, ver incidente sobre o Valor Geral de Vendas
(VGV) a alíquota total de 4% (quatro por cento), englobando todos os impostos e contribuições federais.
Caso as incorporadoras optassem pela tributação pelo regime do Lucro Presumido (usualmente adotada em
detrimento do regime de tributação pelo Lucro Real), o montante dos impostos federais elencados anteriormente
seriam equivalentes a 7,6% do VGV. Para exemplificar, utilizando­se o Valor Geral de Venda (VGV) anual das
empresas incorporadoras com capital aberto (cerca de R$ 100 bilhões) ­ que usualmente têm adotado o RET, em
face da constituição do patrimônio de afetação em seus empreendimentos ­ a renúncia fiscal anual da Receita,
referente ao faturamento do setor, resultaria em R$ 3,6 bilhões anuais.
Em contrapartida ao gozo de tais benefícios fiscais pelo empreendedor, foi desejo do legislador criar uma proteção
adicional aos adquirentes dos imóveis novos na planta. Para tanto, por força de lei, a incorporadora deveria, logo
ao início das obras, convocar Assembleia dos adquirentes para eleger a Comissão de Representantes para fiscalizar
e acompanhar o dito patrimônio de afetação. Assegurando, dentre outras medidas de caráter prático, que a
incorporadora mantivesse conta corrente bancária exclusiva para movimentação dos recursos daquele
empreendimento. Evitando­se eventuais "empréstimos" entre o patrimônio de afetação e as outras empresas nas
quais participa o incorporador, para aplicações em finalidades diversas da construção do imóvel afetado.
Desafio qualquer adquirente de uma unidade imobiliária em
construção a responder se sua incorporação teve o patrimônio de
afetação constituído, por meio de registro no Cartório de Registro de
Imóveis a que está vinculado o empreendimento. E, neste caso, se
saberia dizer se foi eleita a tal Comissão de Representantes para
fiscalizar e acompanhar as obras e a gestão do patrimônio de
afetação.
O que deveria ser objeto de marketing e publicidade, para atrair novos
clientes e ampliar a competitividade, tornou­se instrumento de redução de custos tributários e de estímulo do
governo federal ao setor imobiliário. Afinal, aos consumidores (compradores de novos imóveis na planta) não são
permitidos o acesso às informações contábeis e financeiras de seus empreendimentos (pela inexistência da
Comissão de Representantes), cujo patrimônio legalmente está afetado. Em uma economia instável como a que
vivenciamos e diante da ainda maior austeridade fiscal que inevitavelmente deverão impor os novos gestores
públicos, ampliam­se os riscos de redução do ritmo de vendas de novos imóveis e a entrada de novos recursos
para permitir que "a roda da bicicleta" continue a girar.
O sinal amarelo está piscando na próxima esquina. É hora do comprador de imóveis na planta ser mais cauteloso
ao assinar contratos e passar a exigir um de seus mais importantes direitos ­ ter sua casa própria ou seu próprio
escritório entregues com a qualidade e prazos contratados.
Foi emocionante e contagiante ouvir o hino nacional cantado à capela nos jogos da Copa. No entanto, sem a
prática natural da ética e dos princípios básicos do humanismo ­ empatia, solidariedade, compaixão e
honestidade ­ nenhuma sociedade ou nação pode se sentir plenamente feliz e realizada. Precisamos vivenciar o
"ubuntu" sul­africano, para apaziguar o coração do homem brasileiro.
É uma pena constatar que seremos, ainda por muitas gerações, um gigante inconsciente e adormecido em berço
esplêndido.
Elpidio Alves Pinheiro é empresário, administrador de empresas e engenheiro civil pela
Universidade Mackenzie e pós­graduado em Formação holística de Base pela UNIPAZ.

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Classificação Amador FPF - Série B - 1ª fase
Classificação Amador FPF - Série B - 1ª faseClassificação Amador FPF - Série B - 1ª fase
Classificação Amador FPF - Série B - 1ª faseFPF PE
 
Listas de calificaciones blog a
Listas de calificaciones blog aListas de calificaciones blog a
Listas de calificaciones blog asexualidadyequidad
 
Ebd ozias
Ebd oziasEbd ozias
Ebd oziassaizos
 
Entrevista com alex
Entrevista com alexEntrevista com alex
Entrevista com alexsouza2013
 
Ativ1 2 rosilenearcanjo
Ativ1 2 rosilenearcanjoAtiv1 2 rosilenearcanjo
Ativ1 2 rosilenearcanjoalexrosi
 
Mz Group artigo Assembleias Online
Mz Group artigo Assembleias OnlineMz Group artigo Assembleias Online
Mz Group artigo Assembleias OnlineMZ .
 
IntroduccióN A Sql Server 2005
IntroduccióN A Sql Server 2005IntroduccióN A Sql Server 2005
IntroduccióN A Sql Server 2005oswchavez
 

Destaque (15)

Chos
ChosChos
Chos
 
Classificação Amador FPF - Série B - 1ª fase
Classificação Amador FPF - Série B - 1ª faseClassificação Amador FPF - Série B - 1ª fase
Classificação Amador FPF - Série B - 1ª fase
 
Listas de calificaciones blog a
Listas de calificaciones blog aListas de calificaciones blog a
Listas de calificaciones blog a
 
Cenario e som
Cenario e somCenario e som
Cenario e som
 
Bibliografia
BibliografiaBibliografia
Bibliografia
 
Anexos clima
Anexos climaAnexos clima
Anexos clima
 
dJomba_Competencias
dJomba_CompetenciasdJomba_Competencias
dJomba_Competencias
 
16042013
1604201316042013
16042013
 
Ebd ozias
Ebd oziasEbd ozias
Ebd ozias
 
Resultado (3)
Resultado (3)Resultado (3)
Resultado (3)
 
Entrevista com alex
Entrevista com alexEntrevista com alex
Entrevista com alex
 
Ativ1 2 rosilenearcanjo
Ativ1 2 rosilenearcanjoAtiv1 2 rosilenearcanjo
Ativ1 2 rosilenearcanjo
 
Mz Group artigo Assembleias Online
Mz Group artigo Assembleias OnlineMz Group artigo Assembleias Online
Mz Group artigo Assembleias Online
 
IntroduccióN A Sql Server 2005
IntroduccióN A Sql Server 2005IntroduccióN A Sql Server 2005
IntroduccióN A Sql Server 2005
 
Trabalho
TrabalhoTrabalho
Trabalho
 

Um sinal amarelo nos patrimônios de afetação