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ECONOMIA


                            O TRANSPORTE E O PIB

                                Por Neuto Gonçalves dos Reis*


Embora nem sempre a existência da infra-estrutura possa, por si só, induzir o
desenvolvimento econômico, o fato é que sem transporte não há crescimento possível. Em
outras palavras, embora o transporte não seja condição suficiente, constitui condição
necessária para o desenvolvimento.
É clássico o papel das ferrovias durante a primeira metade do século XIX na expansão das
fronteiras norte-americanas, durante a chamada “Marcha para Oeste” ou “Conquista do
Oeste”. A construção das ferrovias precedeu o povoamento, uniu o Atlântico ao Pacífico,
assegurou a ocupação do território, possibilitou o escoamento dos produtos e permitiu ao
mercado assumir dimensões continentais.
Da mesma forma, constata-se, até intuitivamente, que existe correlação entre a atividade de
transporte e o PIB – Produto Interno Bruto. Como atividade-meio, o transporte só cresce se
houver expansão da atividade-fim, ou seja, da indústria, comércio e agricultura.
A literatura especializada registra que, nos países em desenvolvimento, o transporte cresce
mais rapidamente do que o PIB. À medida que o país expande suas fronteiras agrícolas e
industriais, passa a exigir maior mobilidade. Com o desenvolvimento, aumentam não só as
distâncias dos deslocamentos como também os volumes de pessoas e passageiros a
movimentar.
Este trabalho procura comparar o crescimento do transporte de cargas com o do PIB
brasileiro nos últimos trinta anos.
De 1980 a 2000
Até o ano 2.000, quando foi extinto, o Geipot – Empresa Brasileira de Planejamento de
Transportes divulgava estatísticas completas da movimentação de cargas pelos vários meios
de transporte.
Convertendo-se em índices (base 1980) os dados do Geipot e do crescimento do PIB do
período 1980 a 2000, obtém-se a tabela 1.
Conclui-se que o movimento físico dos meios de transporte (t.km) cresceu, em média,
quase o dobro do PIB. Por se tratar do meio predominante, praticamente não ouve
diferenças entre a do transporte rodoviário e a média do setor.
Enquanto a cabotagem, os dutos e o aéreo obtiveram desempenho acima da média, a
ferrovia (operada pelo Estado durante quase todo este período), ficou abaixo da média.
Este crescimento superior ao do PIB pode ser visualizado no gráfico 1.
Quadro 1 – Crescimento do transporte pelos vários meios entre 1980 e 2000
     ANO      RODOVIA FERROVIACABOTAGEM AÉREO DUTOS TOTAL                    PIB

     1980         100,0   100,0       100,0      100,0    100,0    100,0   100,0
     1981          98,2   92,0         96,8      102,9    92,9      96,3    95,7
     1982         101,9   90,4        111,6      120,0    94,1     100,1    96,5
     1983         103,2   86,9        114,9      120,0    99,2     100,6    93,7
     1984         105,1   107,1       141,8      120,0    126,9    111,0    98,7
     1985         112,8   116,1       173,3      130,0    149,6    122,6   106,4
     1986         124,9   121,8       181,8      170,0    165,5    132,9   114,4
     1987         138,1   127,1       234,9      159,6    169,8    148,6   118,4
     1988         144,4   139,0       201,3      150,0    165,5    151,1   117,2
     1989         149,0   144,8       192,0      180,0    161,3    154,0   121,0
     1990         150,2   139,5       228,2      180,0    175,6    158,5   115,7
     1991         156,4   140,7       279,6      170,0    153,8    168,2   115,9
     1992         159,2   135,1       158,0      140,0    154,6    152,9   115,0
     1993         163,4   144,5       136,7      160,0    195,0    156,4   119,7
     1994         170,7   154,9       131,8      180,0    192,4    162,6   126,5
     1995         190,4   155,9       156,9      190,0    203,4    178,1   132,7
     1996         189,7   149,5       180,7      190,0    198,3    179,0   136,5
     1997         201,7   160,8       196,1      159,5    256,5    192,7   141,0
     1998         213,5   165,1       229,2      202,8    266,4    205,1   141,1
     1999         214,3   163,2       240,1      209,4    279,2    206,7   142,3
     2000         216,2   180,3       262,0      227,0    280,2    214,7   148,4
Taxa media (%) 3,93        2,99        4,93       4,18     5,29     3,89    1,99
Fontes: Ibge e Geipot
Gráfico 1 - PIB x transporte

            285,0

            260,0

            235,0                                                                                     RODOVIA
                                                                                                      FERROVIA
            210,0
                                                                                                      CABOTAGEM
   Índice




            185,0                                                                                     AÉREO
                                                                                                      DUTOS
            160,0
                                                                                                      TOTAL

            135,0                                                                                     PIB


            110,0

             85,0
                 80


                         82


                                 84


                                         86


                                                 88


                                                         90


                                                                 92


                                                                         94


                                                                                 96


                                                                                         98


                                                                                                 00
              19


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                                                              19


                                                                      19


                                                                              19


                                                                                      19


                                                                                              20
PIB X IDET
Na ausência de dados oficiais mais recentes, pode-se comparar o PIB com o IDET – Índice
de Desempenho do Transportes da FIPE/CNT. Foi utilizado o movimento de transporte
rodoviário por terceiros que, por ser o mais antigo, é apurado desde 1997 (tabela 4).

 Tabela 4 – PIB X IDET FIPE/CTN
     ANO      TRC Terc.       PIB
     1997         100,00   100,00
     1998         104,29   100,10
     1999         100,38   100,90
     2000         100,16   105,24
     2001          99,17   106,61
     2002         101,89   109,49
     2003         100,76   110,69
     2004         102,35   117,00
     2005         120,13   120,39
     2006         123,36   123,88
     2007         131,23   130,57
     2008         134,21   137,23
     2009         121,00   137,23
Média (%)           1,60     2,67
Fontes: IBGE e Fipe


Conclui-se que o transporte rodoviário de cargas realizado por terceiros cresceu a taxas
inferiores às do PIB (gráfico 4).
Grafico 4 - PIB x Rodoviário de cargas por terceiros

            140,00
            135,00
            130,00
            125,00
   Índice




                                                                                  TRC Terc.
            120,00
                                                                                  PIB
            115,00
            110,00
            105,00
            100,00




                    09
                    04
                    05
                    06
                    07
                    08
                    00
                    01
                    02
                    03
                    97
                    98
                    99




                 20
                 20




                 20
                 20
                 20
                 20
                 20
                 20
                 20
                 20
                 19
                 19
                 19




Os dados da tonelagem total (disponíveis apenas a partir de 2006) confirmam esta
conclusão (gráfico (4-a).

                     Gráfico 4-a - PIB x Tonelagem total TRC

            112,00                                110,78      110,78
            110,00
            108,00
                                    105,40          106,25
            106,00
   Índice




            104,00                                                      Ton TRC
                                       102,93
            102,00                                             101,50   PIB
            100,00         100,00
             98,00
             96,00
             94,00
                       2.006    2.007           2.008      2.009




PIB x diesel

A ausência de dados oificias mais recentes sobre o movimento do transporte rodoviário de
cargas pode ser suprida também, tomando-se como base o consumo de óleo diesel, pois
cerca de 75% deste produto é consumido pelo transporte, em especial pelo transporte
rodoviário de cargas (73%).
Para evitar distorções, tomou-se uma série mais longa, a partir de 1990 (tabela 2).
Tabela 2 – PIB x diesel
      Ano       Diesel       PIB
     1990       100,00    100,00
     1991        95,24    101,00
     1992        93,41    100,50
     1993        97,07    105,42
     1994       100,73    111,64
     1995       104,03    116,33
     1996       110,62    119,47
     1997       117,22    123,41
     1998       125,64    123,53
     1999       127,11    124,52
     2000       128,75    129,88
     2001       135,60    131,57
     2002       137,99    135,12
     2003       134,98    136,60
     2004       143,70    144,39
     2005       143,48    148,58
     2006       142,89    152,89
     2007       152,23    161,14
     2008       163,96    169,36
     2009       162,05    169,36
Média (%)         2,43       2,81
Fontes:IBGE e ANP


Para este período, constata-se que o transporte cresceu menos do que o PIB, praticamente
ao longo do todo o período (gráfico 2). Podem ser formuladas várias hipóteses para
justificar este comportamento: a) transferência lenta, que se acentua nos últimos anos, de
cargas rodoviárias para outros meios: e b) os avanços tecnológicos dos motores a diesel.
Ambos os processos reduzem o consumo de combustível.
Gráfico 2 - PIB x consumo de diesel

  180
  170
  160
  150
  140                                                              Diesel
  130                                                              PIB
  120
  110
  100
   90
     90

           92

                 94

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                                    00

                                            02

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                                   Índice



PIB x pedágio
Outro dado disponível para comparação é o movimento dos caminhões nas praças de
pedágio (tabela 3). Foram usados dados a partir de 1999, ano em que começou a ser
calculado o índice de movimento de pedágios.
Os dados mostram que o movimento de pedágio subiu mais do que o PIB. Este resultado
reflete o fato que, nos últimos dez anos, houve grande aumento das extensões de rodovias
concedidas. Além do mais, o pedágio não seria um indicador confiável, pois a cobrança
concentra-se nas rodovias de maior movimento do Sul e Sudeste.

           Tabela 3
 PIB x movimento de pedágios
   nas rodovias concedidas
       Ano    Pedágio          PIB
      1999     100,00       100,00
      2000     101,72       101,30
      2001     107,02       106,69
      2002     113,50       108,56
      2003     113,52       106,20
      2004     120,89       113,05
      2005     122,40       112,88
      2006     123,09       112,42
      2007     129,65       119,77
      2008     135,88       128,99
      2009     132,24       127,49
Média (%)         2,83        2,46
Fontes IBGE e série original ABCR
PIB X Pedágio

            140,00
            135,00
            130,00
            125,00
   Índice




                                                                                             Pedágio
            120,00
                                                                                             PIB
            115,00
            110,00
            105,00
            100,00
                     9

                         0

                                1

                                       2

                                              3

                                                     4

                                                            5

                                                                   6

                                                                          7

                                                                                 8

                                                                                        9
                   9

                          0

                                 0

                                        0

                                               0

                                                      0

                                                             0

                                                                    0

                                                                           0

                                                                                  0

                                                                                         0
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PIB x ferrovias

Para comparar o PIB com as ferrovias, utilizaram-se os dados da Associação Nacional dos
Transportadores Ferroviários, disponíveis a partir de 1997 (tabela 5).
Os resultado mostram o transporte ferroviário crescendo a taxas anuais superiores s 7%,
enquanto o PIB crescia apenas 2,67% ao ano. A partir da terceirização, as ferrovias mais do
que dobraram a sua produção. Certamente, estão conquistando cargas tipicamente
ferroviárias, que antes eram transportadas por rodovias.




    Tabela 5- PIB x Ferrovias
            ANO      TKU       PIB
            1997 100,00 100,00
            1998 103,13 100,10
            1999 101,24 100,90
            2000 112,17 105,24
            2001 117,93 106,61
            2002 122,28 109,49
            2003 132,29 110,69
            2004 147,59 117,00
            2005 161,22 120,39
            2006 169,31 123,88
            2007 187,61 130,57
            2008 195,12 137,23
            2009 225,87 137,23
Média ano (%)        7,03     2,67
Fontes: IBGE e ANTF


                          Gráfico 5 - PIB x TKU ferroviárias

            240,00
                                                                                    225,87
            220,00
            200,00
   Índice




            180,00                                                                             TKU
            160,00                                                                             PIB
            140,00
                                                                                      137,23
            120,00
            100,00
                   03
                   04
                   05
                   06
                   07
                   08
                   09
                  97
                  98
                  99
                  00
                  01
                  02
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                20
                20




Conclusões


    •        Os dados disponíveis entre 1980 e 2000 permitem concluir que, naquele período, o
             transporte cresceu mais do o PIB. Enquanto o movimento rodoviário acompanhou a
             média, o transporte ferroviário situou-se abaixo da média.
    •        Dados posteriores parecem indicar que, enquanto o transporte rodoviário de cargas
             cresceu abaixo do PIB, o transporte ferroviário, graças ao regime de concessões, se
             expandiu a taxas muito superiores às do PIB. É provável que, no conjunto, o
             transporte de carga tenha continuado crescendo acima do PIB.
    •        O movimento de pedágios não se mostrou um indicador adequado do crescimento
             do TRC porque se concentra nas estradas de maior fluxo do Sul e Sudeste e porque
             houve, no período, grande expansão das extensões concedidas.
    •        O consumo de diesel mostrou evolução abaixo do PIB. Isto pode ser atribuído em
             parte à transferência de cargas para os meios não rodoviários e ao avanço
             tecnológico dos motores.
    O autor é coordenador técnico da NTC&Logística, membro titular da Câmara Temática de Assuntos Veiculares, coordenador das 

    JARI do DER‐SP e professor de Gerenciamento de Custos Logísticos da FAAP

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O transporte e o crescimento econômico

  • 1. ECONOMIA O TRANSPORTE E O PIB Por Neuto Gonçalves dos Reis* Embora nem sempre a existência da infra-estrutura possa, por si só, induzir o desenvolvimento econômico, o fato é que sem transporte não há crescimento possível. Em outras palavras, embora o transporte não seja condição suficiente, constitui condição necessária para o desenvolvimento. É clássico o papel das ferrovias durante a primeira metade do século XIX na expansão das fronteiras norte-americanas, durante a chamada “Marcha para Oeste” ou “Conquista do Oeste”. A construção das ferrovias precedeu o povoamento, uniu o Atlântico ao Pacífico, assegurou a ocupação do território, possibilitou o escoamento dos produtos e permitiu ao mercado assumir dimensões continentais. Da mesma forma, constata-se, até intuitivamente, que existe correlação entre a atividade de transporte e o PIB – Produto Interno Bruto. Como atividade-meio, o transporte só cresce se houver expansão da atividade-fim, ou seja, da indústria, comércio e agricultura. A literatura especializada registra que, nos países em desenvolvimento, o transporte cresce mais rapidamente do que o PIB. À medida que o país expande suas fronteiras agrícolas e industriais, passa a exigir maior mobilidade. Com o desenvolvimento, aumentam não só as distâncias dos deslocamentos como também os volumes de pessoas e passageiros a movimentar. Este trabalho procura comparar o crescimento do transporte de cargas com o do PIB brasileiro nos últimos trinta anos. De 1980 a 2000 Até o ano 2.000, quando foi extinto, o Geipot – Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes divulgava estatísticas completas da movimentação de cargas pelos vários meios de transporte. Convertendo-se em índices (base 1980) os dados do Geipot e do crescimento do PIB do período 1980 a 2000, obtém-se a tabela 1. Conclui-se que o movimento físico dos meios de transporte (t.km) cresceu, em média, quase o dobro do PIB. Por se tratar do meio predominante, praticamente não ouve diferenças entre a do transporte rodoviário e a média do setor. Enquanto a cabotagem, os dutos e o aéreo obtiveram desempenho acima da média, a ferrovia (operada pelo Estado durante quase todo este período), ficou abaixo da média. Este crescimento superior ao do PIB pode ser visualizado no gráfico 1.
  • 2. Quadro 1 – Crescimento do transporte pelos vários meios entre 1980 e 2000 ANO RODOVIA FERROVIACABOTAGEM AÉREO DUTOS TOTAL PIB 1980 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 1981 98,2 92,0 96,8 102,9 92,9 96,3 95,7 1982 101,9 90,4 111,6 120,0 94,1 100,1 96,5 1983 103,2 86,9 114,9 120,0 99,2 100,6 93,7 1984 105,1 107,1 141,8 120,0 126,9 111,0 98,7 1985 112,8 116,1 173,3 130,0 149,6 122,6 106,4 1986 124,9 121,8 181,8 170,0 165,5 132,9 114,4 1987 138,1 127,1 234,9 159,6 169,8 148,6 118,4 1988 144,4 139,0 201,3 150,0 165,5 151,1 117,2 1989 149,0 144,8 192,0 180,0 161,3 154,0 121,0 1990 150,2 139,5 228,2 180,0 175,6 158,5 115,7 1991 156,4 140,7 279,6 170,0 153,8 168,2 115,9 1992 159,2 135,1 158,0 140,0 154,6 152,9 115,0 1993 163,4 144,5 136,7 160,0 195,0 156,4 119,7 1994 170,7 154,9 131,8 180,0 192,4 162,6 126,5 1995 190,4 155,9 156,9 190,0 203,4 178,1 132,7 1996 189,7 149,5 180,7 190,0 198,3 179,0 136,5 1997 201,7 160,8 196,1 159,5 256,5 192,7 141,0 1998 213,5 165,1 229,2 202,8 266,4 205,1 141,1 1999 214,3 163,2 240,1 209,4 279,2 206,7 142,3 2000 216,2 180,3 262,0 227,0 280,2 214,7 148,4 Taxa media (%) 3,93 2,99 4,93 4,18 5,29 3,89 1,99 Fontes: Ibge e Geipot
  • 3. Gráfico 1 - PIB x transporte 285,0 260,0 235,0 RODOVIA FERROVIA 210,0 CABOTAGEM Índice 185,0 AÉREO DUTOS 160,0 TOTAL 135,0 PIB 110,0 85,0 80 82 84 86 88 90 92 94 96 98 00 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 PIB X IDET Na ausência de dados oficiais mais recentes, pode-se comparar o PIB com o IDET – Índice de Desempenho do Transportes da FIPE/CNT. Foi utilizado o movimento de transporte rodoviário por terceiros que, por ser o mais antigo, é apurado desde 1997 (tabela 4). Tabela 4 – PIB X IDET FIPE/CTN ANO TRC Terc. PIB 1997 100,00 100,00 1998 104,29 100,10 1999 100,38 100,90 2000 100,16 105,24 2001 99,17 106,61 2002 101,89 109,49 2003 100,76 110,69 2004 102,35 117,00 2005 120,13 120,39 2006 123,36 123,88 2007 131,23 130,57 2008 134,21 137,23 2009 121,00 137,23 Média (%) 1,60 2,67 Fontes: IBGE e Fipe Conclui-se que o transporte rodoviário de cargas realizado por terceiros cresceu a taxas inferiores às do PIB (gráfico 4).
  • 4. Grafico 4 - PIB x Rodoviário de cargas por terceiros 140,00 135,00 130,00 125,00 Índice TRC Terc. 120,00 PIB 115,00 110,00 105,00 100,00 09 04 05 06 07 08 00 01 02 03 97 98 99 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 19 19 19 Os dados da tonelagem total (disponíveis apenas a partir de 2006) confirmam esta conclusão (gráfico (4-a). Gráfico 4-a - PIB x Tonelagem total TRC 112,00 110,78 110,78 110,00 108,00 105,40 106,25 106,00 Índice 104,00 Ton TRC 102,93 102,00 101,50 PIB 100,00 100,00 98,00 96,00 94,00 2.006 2.007 2.008 2.009 PIB x diesel A ausência de dados oificias mais recentes sobre o movimento do transporte rodoviário de cargas pode ser suprida também, tomando-se como base o consumo de óleo diesel, pois cerca de 75% deste produto é consumido pelo transporte, em especial pelo transporte rodoviário de cargas (73%). Para evitar distorções, tomou-se uma série mais longa, a partir de 1990 (tabela 2).
  • 5. Tabela 2 – PIB x diesel Ano Diesel PIB 1990 100,00 100,00 1991 95,24 101,00 1992 93,41 100,50 1993 97,07 105,42 1994 100,73 111,64 1995 104,03 116,33 1996 110,62 119,47 1997 117,22 123,41 1998 125,64 123,53 1999 127,11 124,52 2000 128,75 129,88 2001 135,60 131,57 2002 137,99 135,12 2003 134,98 136,60 2004 143,70 144,39 2005 143,48 148,58 2006 142,89 152,89 2007 152,23 161,14 2008 163,96 169,36 2009 162,05 169,36 Média (%) 2,43 2,81 Fontes:IBGE e ANP Para este período, constata-se que o transporte cresceu menos do que o PIB, praticamente ao longo do todo o período (gráfico 2). Podem ser formuladas várias hipóteses para justificar este comportamento: a) transferência lenta, que se acentua nos últimos anos, de cargas rodoviárias para outros meios: e b) os avanços tecnológicos dos motores a diesel. Ambos os processos reduzem o consumo de combustível.
  • 6. Gráfico 2 - PIB x consumo de diesel 180 170 160 150 140 Diesel 130 PIB 120 110 100 90 90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 19 19 19 19 19 20 20 20 20 20 Índice PIB x pedágio Outro dado disponível para comparação é o movimento dos caminhões nas praças de pedágio (tabela 3). Foram usados dados a partir de 1999, ano em que começou a ser calculado o índice de movimento de pedágios. Os dados mostram que o movimento de pedágio subiu mais do que o PIB. Este resultado reflete o fato que, nos últimos dez anos, houve grande aumento das extensões de rodovias concedidas. Além do mais, o pedágio não seria um indicador confiável, pois a cobrança concentra-se nas rodovias de maior movimento do Sul e Sudeste. Tabela 3 PIB x movimento de pedágios nas rodovias concedidas Ano Pedágio PIB 1999 100,00 100,00 2000 101,72 101,30 2001 107,02 106,69 2002 113,50 108,56 2003 113,52 106,20 2004 120,89 113,05 2005 122,40 112,88 2006 123,09 112,42 2007 129,65 119,77 2008 135,88 128,99 2009 132,24 127,49 Média (%) 2,83 2,46 Fontes IBGE e série original ABCR
  • 7. PIB X Pedágio 140,00 135,00 130,00 125,00 Índice Pedágio 120,00 PIB 115,00 110,00 105,00 100,00 9 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 9 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 19 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 PIB x ferrovias Para comparar o PIB com as ferrovias, utilizaram-se os dados da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários, disponíveis a partir de 1997 (tabela 5). Os resultado mostram o transporte ferroviário crescendo a taxas anuais superiores s 7%, enquanto o PIB crescia apenas 2,67% ao ano. A partir da terceirização, as ferrovias mais do que dobraram a sua produção. Certamente, estão conquistando cargas tipicamente ferroviárias, que antes eram transportadas por rodovias. Tabela 5- PIB x Ferrovias ANO TKU PIB 1997 100,00 100,00 1998 103,13 100,10 1999 101,24 100,90 2000 112,17 105,24 2001 117,93 106,61 2002 122,28 109,49 2003 132,29 110,69 2004 147,59 117,00 2005 161,22 120,39 2006 169,31 123,88 2007 187,61 130,57 2008 195,12 137,23 2009 225,87 137,23 Média ano (%) 7,03 2,67
  • 8. Fontes: IBGE e ANTF Gráfico 5 - PIB x TKU ferroviárias 240,00 225,87 220,00 200,00 Índice 180,00 TKU 160,00 PIB 140,00 137,23 120,00 100,00 03 04 05 06 07 08 09 97 98 99 00 01 02 19 19 19 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 Conclusões • Os dados disponíveis entre 1980 e 2000 permitem concluir que, naquele período, o transporte cresceu mais do o PIB. Enquanto o movimento rodoviário acompanhou a média, o transporte ferroviário situou-se abaixo da média. • Dados posteriores parecem indicar que, enquanto o transporte rodoviário de cargas cresceu abaixo do PIB, o transporte ferroviário, graças ao regime de concessões, se expandiu a taxas muito superiores às do PIB. É provável que, no conjunto, o transporte de carga tenha continuado crescendo acima do PIB. • O movimento de pedágios não se mostrou um indicador adequado do crescimento do TRC porque se concentra nas estradas de maior fluxo do Sul e Sudeste e porque houve, no período, grande expansão das extensões concedidas. • O consumo de diesel mostrou evolução abaixo do PIB. Isto pode ser atribuído em parte à transferência de cargas para os meios não rodoviários e ao avanço tecnológico dos motores. O autor é coordenador técnico da NTC&Logística, membro titular da Câmara Temática de Assuntos Veiculares, coordenador das  JARI do DER‐SP e professor de Gerenciamento de Custos Logísticos da FAAP