1. Ás vezes é preciso aprender a perder, a ouvir e não responder, a falar sem
nada dizer, a esconder o que mais queremos mostrar, a dar sem receber, sem
cobrar, sem reclamar.
Ás vezes é preciso respirar fundo e esperar que o tempo nos indique o
momento certo para falar e então alinhar as idéias, usar a cabeça e esquecer o
coração, dizer tudo o que se tem para dizer, não ter medo de dizer não, não
esquecer nenhuma idéia, nenhum pormenor, deixar tudo bem claro em cima da mesa
para que não restem dúvidas e não duvidar nunca daquilo que estamos a dizer. E
mesmo que a voz trema por dentro, há que faze-la sair firme e serena, e mesmo
que se ouça o coração bater desordenadamente fora do peito é preciso domá-lo,
acalma-lo ordena-lhe que bata mais devagar e faça menos alarido, e esperar,
esperar que ele obedeça, que se esqueça, apagar-lhe a memória, o desejo, a
saudade, a vontade.
Ás vezes é preciso partir antes do tempo, dizer aquilo que se teme dizer,
arrumar a casa e a cabeça, limpar a alma e prepará-la para um futuro incerto,
acreditar que esse futuro é bom e afinal já está perto, apertar as mãos uma
contra a outra para que tenhamos força e serenidade. Pensar que o tempo está a
nosso favor, que o destino e as circunstâncias se encarregarão de atentear a
nossa dor e de a transformar numa recordação tênue e fechada num passado sem
retorno que teve o seu tempo e a sua época e que um dia também leve o seu fim.
Ás vezes mais vale desistir do que insistir, esquecer do que querer,
arrumar do que cultivar, anular do que desejar. No ar ficará para sempre a
dúvida se fizemos bem, mas pelo menos a paz de ter feito aquilo que devia ser
feito, somos outra vez donos da nossa vida e tudo é outra vez mais fácil, mais
simples, mais leve melhor.
Ás vezes é preciso mudar o que parece não ter solução, deitar tudo abaixo
para voltar a construir do zero, bater com a porta e apanhar o último comboio no
derradeiro momento e sem olhar para trás, abrir a janela e jogar tudo borda
fora, queimar cartas e fotografias, esquecer a voz e o cheiro, as mãos e a cor
da pele, apagar a memória sem medo de a perder para sempre, esquecer tudo, cada
momento, cada minuto, cada passo e cada palavra, cada promessa e cada desilusão,
atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar a chave fora, ou então pedir
a alguém que guarde tudo num cofre e que a seguir esqueça o segredo.
Ás vezes é preciso saber renunciar, não aceitar, não cooperar, não ouvir
nem contemporizar, não pedir nem dar, não aceitar nem participar, sair pela
porta de frente sem a fechar, pedir silêncio e paz e sossego, sem dor, sem
tristeza e sem medo de partir. E partir para outro mundo, para outro lugar,
mesmo quando o que mais queremos é ficar, permanecer, construir, investir, amar.
Porque quem parte é quem sabe para onde vai, quem escolhe o seu caminho e mesmo
que não haja caminho, porque o caminho se faz. A andar, o sol, o vento, o céu e
o cheiro do mar são os nossos guias, a única companhia, a certeza que fizemos
bem e que não podia ser de outra maneira.
Quem fica, fica a ver, a pensar, a meditar, a lembrar. Até se conformar e um
dia então . . ESQUECER !