1. Revista Brasileira de Ensino de F´
ısica, v. 30, n. 2, 2305 (2008)
www.sbfisica.org.br
A f´
ısica do violino
(The physics of the violin)
Jos´ Pedro Donoso1∗ , Alberto Tann´s1 , Francisco Guimar˜es1 e Thiago Corrˆa de Freitas2
e u a e
1
Instituto de F´
ısica de S˜o Carlos, Universidade de S˜o Paulo, S˜o Carlos, SP, Brasil
a a a
2
Departamento de F´ ısica, Universidade Federal do Paran´, Curitiba, PR, Brasil
a
Recebido em 28/9/2007; Revisado em 15/2/2008; Aceito em 14/4/2008; Publicado em 21/7/2008
Neste artigo apresentamos uma descri¸ao geral da f´
c˜ ısica do violino, analisando os conceitos que lhes d˜o sus-
a
tenta¸ao f´
c˜ ısica e que revelam toda a riqueza e o potencial pedag´gico do assunto. Destacamos as contribui¸oes
o c˜
de f´
ısicos como Helmholtz, Savart, Raman e Saunders no esfor¸o para descrever a vibra¸ao produzida pelo arco
c c˜
nas cordas, e por compreender as propriedades ac´sticas do instrumento. Descrevemos a fun¸ao de cada uma
u c˜
das componentes do instrumento e discutimos a importˆncia dos modos normais de vibra¸ao dos tampos e do
a c˜
cavalete na resposta ac´ stica do violino. A ressonˆncia ac´stica da caixa do violino (ressonˆncia de Helmholtz)
u a u a
ser´ discutida fazendo-se um paralelo entre osciladores mecˆnico, el´trico e ac´stico. Discutiremos a resposta
a a e u
ac´stica do violino e descreveremos a produ¸˜o de seu som carater´
u ca ıstico, que resulta da forma de onda originada
pela excita¸ao das cordas pelo arco, influenciada pelas vibra¸oes e ressonˆncias do corpo do violino, seus tampos
c˜ c˜ a
e o cavalete.
Palavras-chave: violino, ac´stica, ressonˆncia, instrumentos musicais, Helmholtz.
u a
In this work we present a general description of the physics of the violin. We examine the concepts which
provide the physical support and reveal the richness and the pedagogical potential of the subject. We remark
the contributions of physicists such as Helmholtz, Savart, Raman and Saunders to the undesrtanding of the way
in which a bowed string vibrates, and the comprehension of the acoustical properties of the instrument. The
role of each component of the violin is described in details. We also discuss the importance of the bridge, the
plates and the body normal modes of vibration for the acoustical response of the instrument. The air-resonance
of the enclosed air in the violin body (Helmholtz resonance) is disscussed using the equivalent fomalism between
mechanical, electrical and acoustic oscillating systems. The production of the characteristic sound of the violin,
which results from the vibrational waveform of a bowed string, is also described.
Keywords: violin, acoustics, resonance, musical instruments, Helmholtz.
1. Introdu¸˜o
ca deira e do cavalete, e o problema das vibra¸˜es pro-
co
duzidas numa corda friccionada por um arco. Este
A F´ ısica dos instrumentos musicais ´ uma ´rea de estu-
e a ultimo t´pico resulta tamb´m numa interessante an´lise
´ o e a
dos fascinante e de grande potencial pedag´gico pe-
o da transferˆncia de energia entre os modos de vibra¸˜o
e ca
las aplica¸˜es pr´ticas das oscila¸˜es & ondas, e do
co a co naturalmente estimulados pelo arco (torsionais) e aque-
fenˆmeno de ressonˆncia. Embora a maioria dos tex-
o a les que efetivamente acoplam com o meio em que a per-
tos de f´ ısica b´sica discuta as propriedades e a pro-
a turba¸˜o ac´stica se propaga.
ca u
paga¸˜o das ondas sonoras, a produ¸˜o dos sons nos
ca ca Os f´ ısicos sempre se sentiram cativados por este
instrumentos musicais n˜o ´ abordada em profundi-
a e instrumento t˜o delicado e sofisticado, seja para estu-
a
dade. Um instrumento que ilustra bem a riqueza da dar suas propriedades ou apenas como instrumento
f´
ısica que se encontra na ac´stica musical ´ o violino.
u e para executar m´sica. O pr´prio Albert Einstein era
u o
Seu estudo envolve um consider´vel conhecimento de
a violinista. Em Berlin, Einstein tocava sonatas com
f´
ısica b´sica, tais como o entendimento do fenˆmeno
a o Max Planck e em Princenton costumava reunir-se se-
de ressonˆncia na caixa ac´stica do violino, a fun¸˜o
a u ca manalmente com colegas e amigos para tocar m´sica u
dos orif´ıcios em forma de “f ” que permitem considerar de cˆmara [1]. Muitos f´
a ısicos contribu´
ıram com suas
o violino como um ressoador de Helmholtz, o estudo pesquisas para a compreens˜o das propriedades f´
a ısicas
dos modos normais de vibra¸˜o dos tampos de ma-
ca e ac´sticas do instrumento. A hist´ria destas pesqui-
u o
1 E-mail: donoso@if.sc.usp.br.
∗ Membro da Orquestra Experimental da Universidade Federal de S˜o Carlos, S. Carlos, SP, Brasil.
a
Copyright by the Sociedade Brasileira de F´
ısica. Printed in Brazil.
2. 2305-2 Donoso et al.
sas foi documentada por C.M. Hutchins [2-4]. A f´ ısica a for¸a m´
c ınima necess´ria para manter um movimento
a
do violino tem sido objeto tamb´m de artigos de di-
e est´vel nas cordas depende da velocidade da arcada e do
a
vulga¸˜o na revista Scientific American [5-7] e na Phy-
ca inverso do quadrado da distˆncia do ponto de contato
a
sics World [8]. Na internet, destacam-se as p´ginas da a na corda at´ o cavalete [2,6,13,23].
e
University of New South of Wales, Australia [9] e a do O f´ısico Frederick Saunders (1875-1963), conhecido
Prof. E. Jansson de Estocolmo [10]. pelo acoplamento Russell & Saunders da f´ ısica atˆmica,
o
Em rela¸˜o `s pesquisas sobre a f´
ca a ısica do violino, estudou tamb´m as propriedades ac´sticas de instru-
e u
o f´ısico franc´s F´lix Savart (1791-1841) ´ considerado
e e e mentos de corda. Saunders, que tocava violino e
um dos pioneiros. Conhecido pela proposi¸˜o, jun- ca viola, desenvolveu um m´todo para analisar a resposta
e
tamente com Jean-Baptiste Biot (1774-1862), sobre o ac´stica dos instrumentos utilizando um analisador he-
u
campo magn´tico produzido por elementos de corrente
e ter´dino para registrar a amplitude e as freq¨ˆncias
o ue
(Lei de Biot-Savart), destacou-se tamb´m pelas suas
e dos tons parciais (harmˆnicos). Trabalhando em co-
o
contribui¸˜es na ´rea de ac´stica. Entre outras coisas,
co a u labora¸˜o com a fabricante de violinos e pesquisadora
ca
estudou o limiar de audi¸˜o em altas freq¨ˆncias, uti-
ca ue Carleen M. Hutchins, ele estudou os efeitos ac´sticos nou
lizou o m´todo de Ernst F. Chladni (1756-1827) para
e instrumento quando se mudam, por exemplo, a forma,
visualizar os modos de vibra¸˜o de tampos de violi-
ca o tamanho e a localiza¸˜o dos “efes”, a altura das il-
ca
nos, estudou a fun¸˜o do cavalete e da alma e observou
ca hargas, etc. O objetivo das pesquisas de Saunders e
que as vibra¸˜es que o arco produz na corda s˜o ricas
co a Hutchins era descobrir parˆmetros ac´sticos que carac-
a u
em harmˆnicos. Savart colaborou tamb´m com o fa-
o e terizassem os bons instrumentos. Estes dois pesquisa-
moso luthier Jean Baptiste Vuillaume (1798-1895) no dores, conjuntamente com o qu´ ımico e violoncelista Ro-
desenvolvimento de novos instrumentos da fam´ dos ılia bert Fryxell (1924-1986) e o engenheiro John Schelleng
violinos, como o octobasse de 3.5 metros de altura e, (1892-1979), fundaram em 1963 a Catgut Acoustical
tamb´m na constru¸˜o de instrumentos experimentais,
e ca Society reunindo profissionais envolvidos na fabrica¸˜o ca
com corpos de formato diferenciado, dos quais chegou e pesquisas de instrumentos de cordas [2,12,22-26].
at´ n´s um violino de formato trapezoidal [2,5,7,11-14].
e o Novas tecnologias e equipamentos eletrˆnicos sur- o
Mais foi o fisiologista e f´ ısico alem˜o Hermann von
a gidos neste s´culo permitiram contribui¸˜es significati-
e co
Helmholtz (1821-1894) que elucidou o tipo de vibra¸˜o ca vas no estudo das propriedades ac´sticas do violino e
u
que distingue a corda excitada por um arco (bowed no desenvolvimento de novas metodologias para avaliar
string) da corda tangida (plucked string). Helmholtz qualidades de instrumentos musicais [2,13,14]. Destaca-
foi um cientista particularmente vers´til que fez im-
a se em particular a obra de Lothar Cremer (1905-1990)
portantes contribui¸˜es no campos da medicina (como a
co The Physics of the Violin publicada em 1981, que re-
transmiss˜o de impulsos nervosos, a fisiologia da vis˜o,
a a sume o conhecimento sobre a ac´stica dos instrumentos
u
o mecanismo de audi¸˜o, a inven¸˜o do oftalmosc´pio),
ca ca o de corda desde o s´culo XIX, apresentando toda a ela-
e
da f´ısica (formalizou o princ´ de conserva¸˜o da ener-
ıpio ca bora¸˜o matem´tica da vibra¸˜o das cordas, dos modos
ca a ca
gia, contribui¸˜es na mecˆnica dos fluidos e na teoria
co a de vibra¸˜o dos tampos e da ressonˆncia ac´stica do
ca a u
eletrodinˆmica) e da ac´stica (vibra¸˜o de colunas de
a u ca violino [27]. Na atualidade, numerosos pesquisadores
ar, freq¨ˆncias de ressonˆncia de cavidades, tempera-
ue a trabalham na caracteriza¸˜o e modelagem das proprie-
ca
mento das escalas musicais) [15-19]. Utilizando um en- dades ac´sticas do violino, tais como George Bissinger
u
genhoso instrumento que permitia observar vibra¸˜es co e Robert Schumacher (EUA), Erik Jansson (Su´cia), e
ac´sticas a n´ microsc´pico (que originou posterior-
u ıvel o Collin Gough e Jim Woodhouse (Gr˜ Bretanha), Xa-
a
mente o harmon´grafo) idealizado pelo f´
o ısico francˆs e vier Boutillon (Fran¸a), John McLennan (Australia) e
c
Jules A. Lissajous (1822-1880), Helmholtz observou a Akihiro Matsutani (Jap˜o). a
forma de onda particular que resulta da vibra¸˜o de ca O presente artigo est´ organizado da seguinte ma-
a
uma corda friccionada pelas crinas de um arco [2,13,20- neira: na primeira parte daremos uma descri¸˜o ge- ca
23]. ral do instrumento. Em seguida discutiremos a res-
Lord Rayleigh (John William Strutt, 1842-1919) ex- posta ac´stica do violino analisando a ressonˆncia do
u a
plorou as carater´ ısticas vibracionais de membranas, pla- ar na cavidade (ressonˆncia de Helmholtz) e os mo-
a
cas e sinos, estudou a propaga¸˜o das ondas de som e
ca dos de oscila¸˜o dos tampos, do cavalete e do corpo do
ca
estabeleceu as bases da pesquisa moderna da ac´stica u instrumento. Faremos uma analogia entre osciladores
de instrumentos musicais [2,11]. As vibra¸˜es resultan-
co mecˆnico, el´trico e ac´stico com o objetivo de para-
a e u
tes da corda excitada por um arco foram estudadas em metrizar as freq¨ˆncias de ressonˆncia e as express˜es
ue a o
detalhe pelo f´ ısico indiano Chandrasekhara V. Raman de impedˆncias. Na se¸˜o 4 apresentaremos o arco e
a ca
(1888-1970), Prˆmio Nobel por seu trabalho sobre es-
e a arcada e descreveremos o movimento ondulat´rio da o
palhamento da luz (o efeito Raman). Utilizando um corda friccionada pelo arco (oscila¸˜o de Helmholtz) e
ca
mecanismo para controlar a arcada (ato de excitar a concluiremos discutindo como ´ produzido o som do
e
corda por meio de um arco), Raman mediu os efeitos violino. Na ultima se¸˜o consideraremos os problemas
´ ca
da velocidade e da posi¸˜o da arcada e verificou que
ca da afina¸˜o, dedilhado e intensidade relativa do instru-
ca
3. A f´
ısica do violino 2305-3
mento. muito fina (seu diˆmetro ´ muito menor que o compri-
a e
mento da onda ac´stica envolvida), ´ necess´rio trans-
u e a
ferir a vibra¸˜o da mesma para uma superf´ grande
ca ıcie
2. O instrumento de forma que esta, ao vibrar, desloque uma maior quan-
tidade de ar, conseguindo-se assim uma boa intensidade
2.1. Lutheria de som. Esta ´ a primeira evidˆncia da necessidade de
e e
O violino surgiu na It´lia no come¸o do s´culo XVI,
a c e um bom acoplamento ac´stico entre as partes vibrantes
u
como uma evolu¸˜o de instrumentos de corda friccio-
ca do instrumento e o meio propagador da perturba¸˜o at´
ca e
nada, o rebec, a vielle e a lira da braccio. Gasparo Da o ouvido. No violino, a pe¸a que transfere as vibra¸˜es
c co
Salo (1542-1609), Andr´a Amati (1505-1578) e Gaspard
e das cordas para a caixa ac´stica (e para o ar encerrado
u
Duiffoprugcar (1514-c. 1571) s˜o considerados os no-
a nela) ´ o cavalete (bridge, em inglˆs). Como os tampos
e e
mes essenciais do artesanato (ou lutheria) do violino. s˜o grandes (aprox. 500 cm2 cada) eles s˜o bastante efi-
a a
Com De Salo e Amati surgem as duas c´lebres esco-e cientes para colocar em movimento o ar das vizinhan¸as
c
las de lutheria, a de Brescia e a de Cremona. Nesta e transmitir o som, garantindo aquele acoplamento. O
ultima, a dinastia dos Amati atinge sua supremacia som emitido pelo instrumento resulta basicamente da
com Nicola Amati, neto de Andr´a e mestre de Anto-
e vibra¸˜o das tampos superior e inferior e, tamb´m, da
ca e
nio Stradivari (1644-1737). Um outro renomado luthier vibra¸˜o do ar dentro da caixa do violino (ver se¸˜o 3).
ca ca
foi Guarnerius (1698-1744), chamado “del Ges´”. Na u
Fran¸a, a lutheria do violino est´ associada ` cidade de
c a a
Mirecourt e aos nomes de Nicolas Lupot (1758-1824) e
Jean-Baptiste Vuillaume (1798-1875) [28-30].
A forma do instrumento constitui um exemplo de
desenho do renacimento italiano, com as considera¸˜es co
de equil´ ıbrio de superf´ ıcies e de volumes t´ ıpicas da
´poca [14,31]. Aparentemente, as dimens˜es dos vio-
e o
linos e violoncelos seguem a rela¸˜o de propor¸˜es ma-
ca co
tem´ticas conhecidas como “propor¸˜o ´urea” [22,32].
a ca a
Tudo indica por´m que a evolu¸˜o do instrumento se
e ca
deteve depois da morte de Stradivari. Algumas mu-
dan¸as menores foram feitas no s´culo XIX, como na
c e
extens˜o do bra¸o, no ˆngulo do espelho e na altura
a c a
do cavalete, com o objetivo de produzir um som mais
intenso e brilhante [2,3,7]. O fato de o instrumento pra-
ticamente n˜o ter mudado em mais de 250 anos ilustra
a
bem o extraordin´rio n´
a ıvel art´ıstico e tecnol´gico al-
o
can¸ado pelos luthier italianos do s´culo XVI [2,33].
c e
O efeito do clima nas madeiras, assim como o tra-
tamento qu´ ımico utilizado para protegˆ-las tˆm sido
e e
apontados como fatores respons´veis pelo som ini-
a
gual´vel dos instrumentos fabricados por Stradivari e
a
por Guarneri. Os invernos europeus excepcionalmente
frios do per´ ıodo de 1645 a 1715 teriam afetado as
madeiras utilizadas pelos mestres italianos para a fa-
brica¸˜o dos instrumentos, deixando-as mais fortes e
ca
densas [34,35]. Os vernizes utilizados para permear a
Figura 1 - Vista frontal e lateral de um violino indicando as
madeira e proteger o instrumento do suor e da umi- principais partes. A figura mostra a disposi¸ao das cordas e
c˜
dade, tamb´m tˆm sido objeto de an´lises e discuss˜es
e e a o dos orif´ıcios na forma de “f ” estilizados no tampo superior.
[36,37]. O corte mostra a disposi¸ao do cavalete sobre o tampo su-
c˜
A Fig. 1 mostra as principais partes de um vio- perior e a posi¸ao da alma no interior da caixa ac´ stica do
c˜ u
lino. O instrumento est´ constitu´ por um conjunto
a ıdo instrumento. O comprimento do violino ´ de aproximada-
e
de quatro cordas acopladas a uma caixa ac´stica. Estas
u mente 60 cm. O arco tem 75 cm de comprimento. A caixa
cordas s˜o colocadas em vibra¸˜o pela for¸a impulsiva
a ca c ac´stica tem 36 cm de comprimento e cerca de 4 cm de al-
u
produzida pelo atrito entre elas e as cerdas, normal- tura. O volume de ar encerrado na cavidade ´ de cerca de
e
mente feitas de crina ou cauda de cavalo, que consti- 2.4 litros.
tuem o arco. Como uma corda vibrante-considerada A caixa ac´stica esta formada por um tampo supe-
u
como uma fonte dipolar linear-´ um p´ssimo transmis-
e e rior e um tampo inferior separados por ilhargas. A qua-
sor de energia sonora para o ar devido ao fato dela ser lidade de um violino depende das propriedades f´ ısicas
4. 2305-4 Donoso et al.
das madeiras utilizadas na sua constru¸˜o, como a den-
ca
sidade, a elasticidade, a dureza e a velocidade de pro-
paga¸˜o do som na madeira [22]. A madeira tradicio-
ca
nalmente utilizada para a constru¸˜o do tampo supe-
ca
rior ´ o abeto (Picea abies. Spruce, em inglˆs). Esta
e e
madeira se caracteriza por ser muito el´stica (m´dulo
a o
de Young Y ∼ 9 GPa), de densidade e dureza relati-
vamente baixa (ρ ∼ 0.45 g/cm3 , hardness: 2200 N).
A estrutura em espiral das mol´culas de celulose, por
e
outra parte, conferem ao abeto uma consider´vel fir- a
meza e resistˆncia [36]. A elevada velocidade do som
e
ao longo das fibras (c = (Y /ρ)1/2 ≈ 4500 m/s) favore-
ce a r´pida propaga¸˜o das vibra¸˜es por todo o vio-
a ca co
lino. Para o tampo inferior se emprega o bordo, ´rvore a
da fam´ das acer´ceas, de boa elasticidade (m´dulo
ılia a o
de Young Y ∼ 11 GPa) e maior densidade e dureza
(ρ ∼ 0.6-0.7 g/cm3 , hardness: 4226 N). O corte das
madeiras e o controle da espessura dos tampos seguem
procedimentos espec´ ıficos [22,28,38,39]. Na montagem
da caixa ac´stica, as madeiras dos tampos s˜o arquea-
u a
das para o exterior dando essa t´ ıpica forma arredon-
dada. Esta forma resulta num aumento significativo nas
freq¨ˆncias dos modos normais de vibra¸˜o dos tampos
ue ca
(se¸˜o 3.1 e 3.3) [14].
ca
No tampo superior da caixa ac´stica h´ dois orif´
u a ıcios
na forma de “f ” estilizados, localizados simetricamente
em ambos os lados do cavalete. A forma destes “f ”
pode ter sido influenciada pela tipologia cursiva (ou
it´lico, como ´ mais conhecida hoje) inventada pelo
a e
tip´grafo italiano Aldo Manuzio (1450-1515) [40]. Es-
o
tes orif´ıcios comunicam para o exterior as vibra¸˜es do co
ar dentro do violino e tˆm uma grande influˆncia no
e e
´
timbre do violino. E importante salientar que a ´rea a
destes orif´ ıcios ´ bastante significativa, 13 cm2 , ou seja
e
2.5% da ´rea do tampo superior. As cordas assentam
a
no cavalete sobre o qual exercem uma for¸a consider´vel
c a
(se¸˜o 2.3). O cavalete, fabricado de bordo, ´ uma pe¸a
ca e c Figura 2 - Notas e freq¨ˆncias das quatro cordas do violino:
ue
de importˆncia crucial para o violino pois ´ atrav´s dele
a e e Sol3 (196 Hz), Re4 (293.66 Hz), L´4 (440 Hz) e Mi5 (659.26
a
que se faz o acoplamento entre a corda e o corpo do Hz). A figura indica tamb´m as notas das oitavas centrais do
e
instrumento. Gera¸˜es de luthiers descobriram que a
co teclado de um piano assim como a correspondente nota¸ao c˜
forma e a geometria do cavalete influencia a resposta musical no pentagrama (desde a nota Sol3 at´ a Do# ). A
e 5
ac´stica do violino [13,22]. Ele atua como um transdu-
u figura mostra tamb´m a posi¸ao do dedilhado das notas-na
e c˜
tor mecˆnico, acoplando os modos de vibra¸˜o trans-
a ca chamada “primeira posi¸ao”- no espelho do instrumento. A
c˜
regi˜o do espelho destacada na figura tem aproximadamente
a
versais das cordas em modos vibracionais da caixa de
10 cm de comprimento. A separa¸ao entre duas notas-nesta
c˜
ressonˆncia. Ele atua tamb´m como filtro ac´stico, su-
a e u primeira posi¸ao-´ de aproximadamente 1.4 cm (a separa¸˜o
c˜ e ca
primindo certas freq¨ˆncias indesej´veis (se¸˜o 3.4).
ue a ca entre dois dedos da m˜o esquerda).
a
O violino tem quatro cordas, confeccionadas em a¸o c
e recobertas de prata ou alum´ ınio. A tens˜o das cordas
a Assim, o L´4 indica a nota L´ da quarta oitava, com
a a
pode ser ajustada por meio das cravelhas e dos micro- freq¨ˆncia de 440 Hz, chamada de L´ -concertino, pois
ue a
afinadores (Fig. 1) at´ que a freq¨ˆncia de vibra¸˜o
e ue ca ´ a nota utilizada para a afina¸˜o dos instrumentos de
e ca
atinja o valor desejado. As cordas do violino est˜o afi- a uma orquestra. A corda M´ - que ´ a mais fina de to-
ı e
nadas em quintas (uma quinta ´ o intervalo entre duas
e das - ´ uma corda simples enquanto que as cordas L´,
e a
notas cujas freq¨ˆncias est˜o numa raz˜o 3:2). As no-
ue a a R´ e Sol s˜o compostas, com uma corda central e um
e a
tas e as freq¨ˆncias correspondentes `s quatro cordas
ue a bord˜o em forma de fita enrolado por cima. A natureza
a
do violino s˜o: Sol3 (196 Hz), Re4 (293.66 Hz), L´4
a a composta das cordas Re e L´ aparecem claramente nas
a
(440 Hz) e Mi5 (659.26 Hz). O sub-´ ındice da nota indica imagens mostradas nas Figs. 3(a) e 3(b), obtidas com
a oitava correspondente na escala temperada (Fig. 2). um microsc´pio eletrˆnico.
o o
5. A f´
ısica do violino 2305-5
Figura 3 - Imagem de microscopia eletrˆnica de (a) uma corda R´ de 780 ± 10 µm de diˆmetro (amplia¸ao 90×); (b) uma
o e a c˜
corda L´-quebrada-de 645 ± 10 µm de diˆmetro (amplia¸ao 200×) e (c) de um fio da crina de um arco, de 160 ± 10 µm de
a a c˜
diˆmetro (amplia¸ao 1000×). Podemos observar a natureza composta das cordas L´ e R´ do violino, com uma corda central
a c˜ a e
e um bord˜o em forma de fita enrolado por cima. Este artif´ ´ utilizado para aumentar a densidade linear de massa, sem
a ıcio e
no entanto perder flexibilidade, nas corda destinada a produzir sons graves. As imagens foram obtidas num equipamento
Zeiss do Laborat´rio de Microscopia Eletrˆnica, IFSC, USP.
o o
2.2. Outros instrumentos de cordas s˜o realmente instrumentos com caracter´
a ısticas sonoras
pr´prias [13,38]. O contrabaixo (double bass), embora
o
A fam´ dos instrumentos de cordas (friccionadas por
ılia possua forma semelhante a do violino, n˜o pertence a
a
um arco) ´ formada por quatro instrumentos, o violino,
e esta fam´ılia, pois ´ origin´rio da fam´ das violas da
e a ılia
a viola, o violoncelo e o contrabaixo. A viola ´ um e gamba. As cordas deste instrumento s˜o afinadas em
a
instrumento em que cada uma das cordas est´ afinada
a intervalos de quartas, ou seja as freq¨ˆncias das no-
ue
uma quinta abaixo das respectivas cordas do violino, ou tas (Mi1 : 41.2 Hz; La1 : 55 Hz; Re2 : 73.4 Hz e Sol2 :
seja: Do3 : 130.8 Hz; Sol3 : 196 Hz; Re4 : 293.7 Hz e L´4 :
a 97.99 Hz) est˜o em uma raz˜o de 4:3.
a a
440 Hz. Como num intervalo de quinta as freq¨ˆnciasue Em 1957, o compositor Henry Brant sugeriu ` fabri-
a
das notas est˜o numa raz˜o 3:2, poder´
a a ıamos pensar que, cante e pesquisadora de violinos Carleen Hutchins cons-
para fabricar uma viola bastaria ent˜o aumentar as di-
a truir uma fam´ de oito instrumentos de corda com
ılia
mens˜es de um violino num fator 1.5. Como o vio-
o tamanhos em escala, de forma que a afina¸˜o entre um
ca
lino tem 60 cm de comprimento, a viola “ideal” teria instrumento e o seguinte fosse exatamente meia oitava.
ent˜o cerca de 90 cm. Por´m esta viola seria um ins-
a e Hutchins aceitou o desafio e, com ajuda de J. Schel-
trumento demasiado grande para ser apoiado sobre o leng e do f´ısico F. Saunders, constru´ ıram uma fam´ ılia
ombro. O tamanho de uma viola moderna ´ de 71 cm,
e de oito novos instrumentos, desde um contrabaixo de
ou seja cerca de 17% maior que um violino, mas suas quase dois metros de altura at´ um pequeno violino de
e
ressonˆncias principais s˜o de 20% a 40% mais baixas
a a 48 cm de comprimento afinado uma oitava acima do vio-
´
que as do violino (Tabela 1). E importante salientar lino normal. A empreitada demorou cerca de 10 anos
que este aumento na dimens˜o da viola cobre apenas
a em ser completada. A id´ia da fam´ de instrumentos
e ılia
uma parte da diminui¸˜o da freq¨ˆncia da cavidade,
ca ue n˜o era nova. Michael Praetorius descreve em sua obra
a
sendo o restante conseguida utilizando-se cordas mais de 1619 Syntagma Musicum, uma fam´ de sete vio-
ılia
grossas. linos com aproximadamente as mesmas afina¸˜es que co
Com o violoncelo ocorre a mesma coisa. A afina¸˜o
ca Hutchins e seus colegas estavam construindo. O pri-
de suas cordas (Do2 : 65.4 Hz; Sol2 : 97.99 Hz; Re3 : meiro concerto p´blico do octeto de cordas foi realizado
u
148.8 Hz e L´3 : 220 Hz) ´ exatamente uma oitava mais
a e em 1962 na cidade de New York. Por este trabalho Car-
grave que as da viola. Um violoncelo “ideal”, ou seja leen Hutchins recebeu um doutorado honor´rio e um a
um instrumento com o mesmo timbre do violino, de- prˆmio da Acoustical Society of America. O trabalho
e
veria ter o dobro do tamanho da viola “ideal”, ou seja descrevendo a constru¸˜o do octeto foi publicado na re-
ca
180 cm. Na pr´tica o tamanho do violoncelo ´ de cerca
a e vista Journal of Acoustical Society of America [2,3] e
de 124 cm. Assim, apesar de pertencer a mesma fam´ ılia na revista Physics Today [41]. Uma amostra do som
de instrumentos, a viola e o violoncelo n˜o podem ser
a deste curioso conjunto de cordas pode ser encontrada
considerados apenas “violinos grandes”, sen˜o que eles
a na p´gina web do Hutchins Consort [42].
a
6. 2305-6 Donoso et al.
Tabela 1 - Afina¸ao das quatro cordas dos instrumentos da fam´ do violino e do contrabaixo; comprimento t´
c˜ ılia ıpico dos
instrumentos e o fator de escala entre eles considerando o violino como dimens˜o unit´ria; e freq¨ˆncia de ressonˆncia da
a a ue a
cavidade do instrumento (modo A0 ).
I Afina¸˜o
ca Comprimento (cm) Fator de escala Freq¨ˆncia de ressonˆncia
ue a
Violino I Sol3 , Re4 , L´4 , Mi5
a 59-60 1.00 270-280 Hz
Viola Do3 , Sol3 , Re4 , L´4
a 70-71 1.17 ∼ 220 Hz
Violoncelo Do2 , Sol2 , Re3 , L´3
a 124 2.13 ∼ 100 Hz
Contrabaixo Mi1 , L´1 , Re2 , Sol2
a 178-198 3.1-3.4 ∼ 60 Hz
2.3. For¸as est´ticas e tens˜o das cordas
c a a forma arqueada. O instrumento possui tamb´m uma e
ripa de madeira, a barra harmˆnica (bass bar ) colada
o
As cordas se estendem desde as cravelhas at´ a extre-
e
´ por baixo do tampo superior logo abaixo da perna di-
midade do violino (Fig. 1). E importante salientar que
reita do cavalete (no lado correspondente as cordas mais
o unico ponto de contato entre as cordas e o tampo
´
graves) e orientada no sentido das cordas (Fig. 1). Esta
superior do instrumento ´ o cavalete. Esta disposi¸˜o
e ca
barra harmˆnica tem uma fun¸˜o ac´stica, transmitir
o ca u
das cordas no violino resulta numa for¸a consider´vel
c a
as vibra¸˜es a todo o corpo do violino, fazendo com que
co
sobre a superf´ do tampo superior (Fig. 4). Podemos
ıcie
uma grande ´rea do tampo oscile em fase, o que ´ espe-
a e
estimar o valor desta componente vertical utilizando a
cialmente importante para os sons graves que possuem
express˜o da freq¨ˆncia de vibra¸˜o de uma corda ten-
a ue ca
comprimentos de onda grandes. A barra harmˆnica o
sionada descoberta por Mersenne em 1636 [43-45]
tem tamb´m uma fun¸˜o estrutural fornecendo suporte
e ca
mecˆnico ` estrutura do instrumento.
a a
1 T
f= , (1) A alma do violino (sound post), um palito cil´ ındrico
2L µ como um l´pis ´ colocado entre os dois tampos logo
a e
onde f ´ a freq¨ˆncia, T ´ a tens˜o, L ´ o comprimento
e ue e a e abaixo da perna esquerda do cavalete (Fig. 1). As pes-
e µ ´ a densidade linear da corda.
e quisas desenvolvidas por Savart no s´c. XIX mostraram
e
que a fun¸˜o da alma n˜o se limita a transmitir as vi-
ca a
bra¸˜es do tampo superior para o inferior. Ela tamb´m
co e
altera os modos vibracionais de ambos os tampos ao
impor um ponto nodal praticamente estacion´rio nos
a
pontos de contato entre eles [2]. A alma tamb´m ajuda
e
Figura 4 - Diagrama de for¸as utilizado para calcular a re-
c
a suportar a for¸a exercida pelas cordas sobre o tampo
c
sultante vertical sobre o tampo superior do violino. A figura
indica as distˆncias desde o cavalete at´ as extremidades do
a e
superior, distribuindo parte do esfor¸o ao tampo infe-
c
´
rior. E importante salientar que a alma n˜o est´ colada
a a
instrumento (seguindo o comprimento das cordas) e a altura
do cavalete. nos tampos, ela apenas se mant´m em sua posi¸˜o de-
e ca
vido ` for¸a exercida pelas cordas sobre o cavalete e o
a c
Como a freq¨ˆncia da nota L´ ´ 440 Hz, o compri-
ue ae
tampo superior.
mento da corda do violino ´ 32.5 cm e sua massa por
e
Sim´trico em aparˆncia externa, o violino tem suas
e e
unidade de comprimento ´ ∼10−2 g/m, a tens˜o dessa
e a
propriedades ac´sticas fortemente influenciadas por es-
u
corda ´ T ≈ 80 N. Supondo que a tens˜o das outras
e a
tes dois elementos ocultos no seu interior, a alma e a
cordas ´ da mesma ordem de grandeza - o qual ´ ver-
e e
barra ac´stica. De fato, a alma tem uma importˆncia
u a
dade apenas para as duas cordas centrais [10] - a tens˜o
a
primordial no instrumento sendo que pequenas mu-
total resultante das quatro cordas no instrumento ser´ a
dan¸as em sua posi¸˜o, na sua forma ou na qualidade
c ca
cerca de 250-300 N. Para calcular a for¸a vertical sobre
c
da madeira podem alterar significativamente o timbre
o tampo superior do violino devido a tens˜o das cordas
a
e a sonoridade do instrumento [Fig. 7.10 na Ref. 22].
resolvemos o diagrama de for¸as mostrado na Fig. 4
c
O seu posicionamento ´ uma das tarefas mais delicadas
e
´
do trabalho de um luthier. E importante salientar que
TA cos θ1 − TB cos θ2 = 0, se a alma for removida da caixa ac´stica, o timbre do
u
violino fica semelhante ao de um viol˜o.a
TA senθ1 − TB senθ2 + F = 0. (2)
Os valores dos ˆngulos θ1 e θ2 dependem da altura
a 2.4. Elasticidade das cordas
do cavalete. No violino do autor (JPD), por exemplo,
θ1 ∼ 6◦ e θ2 ∼ 13◦ [46]. Supondo TA = TB ≈ 260 N, Finalizamos esta se¸˜o fazendo algumas considera¸˜es
ca co
obtemos a for¸a vertical, F ≈ 90 N. Este valor equivale
c sobre a elasticidade, ou melhor, a pouca elasticidade
a uma carga de 9 kg sobre o delicado tampo superior das cordas de violino, j´ que estas s˜o confeccionadas de
a a
[5,22,36]. Para distribuir esta carga, de forma que o c ´
a¸o. E surprendente para n´s, violinistas, a facilidade
o
tampo n˜o ceda com o passar do tempo, ele recebe uma
a com que se rompem as cordas quando afinamos o instru-
7. A f´
ısica do violino 2305-7
mento apertando as cravelhas. Como mencionado ante- pos dos violinos, os chamados modos 1, 2 e 5. Por causa
riormente, as cordas s˜o afinadas ajustando-se a tens˜o
a a da forma das linhas nodais, os luthiers chamam o modo
delas com as cravelhas at´ o valor da freq¨ˆncia dese-
e ue 2 de modo-X e o modo 5 de modo-O (ring mode). Es-
jada (Eq. (1)). As cordas do violino s˜o confeccionadas
a tes modos resultam da combina¸˜o dos modos (2,0) e
ca
em a¸o. O coeficiente de elasticidade do a¸o (m´dulo
c c o (0,2) de uma placa rectangular [13]. As freq¨ˆncias des-
ue
de Young) vale Y = 200 GPa (contra Y ≈ 3 GPa tes modos 1, 2 e 5, medidas no tampo superior de um
do nylon!). A tens˜o de ruptura ou resistˆncia de
a e violino s˜o 89 ± 10, 165 ± 24 e 304 ± 34 Hz, respecti-
a
tra¸˜o do a¸o ´ (F/A) = 520 MPa. Considerando-se,
ca c e vamente [10]. Estes valores correspondem aproximada-
por exemplo, a corda M´ do violino, cujo diˆmetro ´
ı a e mente a rela¸˜o 1:2:4, uma seq¨ˆncia harmˆnica muito
ca ue o
aproximadamente 0.2 mm (´rea da se¸˜o transversal:
a ca apreciada em m´sica. De fato, quando a raz˜o entre
u a
πr2 ∼ 3 × 10−8 m2 ), e supondo-se uma tra¸˜o apli-
ca as freq¨ˆncias corresponde ` raz˜o entre dois n´meros
ue a a u
cada de F ≈ 63 N, ` deforma¸˜o tolerada pela corda
a ca inteiros pequenos, os sons produzidos s˜o agrad´veis
a a
pode ser estimada atrav´s da express˜o [44,45]
e a [43, 44 47]. As freq¨ˆncias correspondentes aos modos
ue
1, 2 e 5 no tampo inferior s˜o 112 ± 12, 171 ± 20 e
a
∆L F/ 369 ± 36 Hz, respectivamente. Neste caso, observa-se
= A. (3)
L Y que a raz˜o 171:369 corresponde aproximadamente a
a
Substituindo estes parˆmetros na Eq. 3, obtemos
a uma raz˜o 1:2 (uma oitava). A experiˆncia tem mos-
a e
(∆L/L) ∼ 1%. Isto significa que a corda Mi vai estourar trado que, nos violinos de boa qualidade, os modos 2
se a deforma¸˜o relativa for maior que 1%. Como o
ca e 5 de ambos os tampos se encontram separados por
comprimento da corda do violino, desde a cravelha at´ e uma oitava (ou seja, um fator dois na freq¨ˆncia). Os
ue
o microafinador, ´ de cerca de 34 cm, basta uma volta
e luthier utilizam plainas para trabalhar as madeiras dos
na cravelha para atingir esse 1% de tolerˆncia. De fato,
a tampos, e testam estes trˆs modos retorcendo os re-
e
como o diˆmetro do eixo da cravelha ´ de 0.5 cm, uma
a e feridos tampos com as m˜os e dando batidinhas com
a
volta na cravelha encurta a corda em aproximadamente os dedos em lugares determinados [7,14,38]. Uma des-
3 mm, chegando-se assim pr´ximo ` tens˜o de ruptura
o a a cri¸˜o das t´cnicas modernas utilizadas para testar os
ca e
do a¸o. Ao apertar-se um pouco mais a cravelha, a
c tampos pode ser encontrada na obra Acoustics for Vio-
corda rompe-se (Fig. 3). Por isso que os violinistas lin and Guitar Makers [10]. Estes modos vibracionais
n˜o costumam afinar seus instrumentos girando as cra-
a tamb´m tˆm sido estudados pelo m´todo matem´tico
e e e a
velhas, preferindo fazˆ-lo atrav´s dos micro-afinadores
e e de an´lise de elementos finitos [48].
a
colocados nas extremidades das cordas (se¸˜o 5.1).
ca
3. Resposta ac´ stica do violino
u
3.1. Modos de vibra¸˜o dos tampos
ca
Os tampos dos violinos n˜o s˜o meras pe¸as de ma-
a a c
deira. Elas precisam se comportar como verdadeiras
t´buas harmˆnicas, com modos normais de vibra¸˜o cu-
a o ca
jas freq¨ˆncias formam uma seq¨ˆncia harmˆnica (ou
ue ue o
seja, que as freq¨ˆncias dos sobretons sejam m´ltiplos
ue u
inteiros de uma freq¨ˆncia fundamental). Nos cursos de
ue
Figura 5 - Configura¸ao das linhas nodais para os modos
c˜
gradua¸˜o descreve-se o movimento da corda em termos
ca de vibra¸ao 1, 2 e 5 do tampo inferior de um violino obti-
c˜
de ondas estacion´rias, que correspondem aos modos
a das pelo m´todo de Chladni. As figuras caracter´
e ısticas para
normais de vibra¸˜o [43]. Da mesma forma se podem
ca cada freq¨ˆncia correspondente a um modos normal apare-
ue
descrever as ondas estacion´rias bidimensionais esta-
a cem ao colocar-se em vibra¸ao um tampo no qual foi espa-
c˜
belecidas numa placa vibrante. Cada uma destas on- lhada areia fina na sua superf´ ıcie. Esta areia se acumula
das estacion´rias corresponde a um modo normal de vi-
a formando mont´ ıculos sobre as linhas nodais, onde a ampli-
bra¸˜o (ou ressonˆncia), sendo que a menor freq¨ˆncia
ca a ue tude de vibra¸ao ´ nula, permitindo a visualiza¸ao das li-
c˜ e c˜
´ chamada de fundamental e as demais s˜o sobretons
e a nhas nodais e a identifica¸ao dos modos normais de vibra¸˜o
c˜ ca
ou harmˆnicos. Estes modos normais de vibra¸˜o po-
o ca [14,43]. Figura adaptada das Refs. [7] e [38].
dem ser colocados em evidˆncia pelo m´todo de Chladni
e e Uma vez prontos os tampos, procede-se a montagem
mencionado anteriormente. Foi este o m´todo utilizado
e da caixa ac´stica. As placas s˜o coladas `s ilhargas,
u a a
por Savart em 1830 para determinar a diferen¸a tonal
c colocam-se a alma e a barra ac´stica, e se perfuram os
u
na freq¨ˆncia fundamental das placas superior e inferior
ue dois orif´
ıcios - os “f ” - no tampo superior. Tudo isto
dos violinos [7]. altera significativamente os modos normais de vibra¸˜o
ca
A Fig. 5 mostra os diagramas de Chladni para os dos tampos al´m de aparecerem novas ressonˆncias de-
e a
trˆs modos mais importantes da afina¸˜o tonal dos tam-
e ca vido ao acoplamento entre os tampos atrav´s das ilhar-
e
8. 2305-8 Donoso et al.
gas e da alma, assim como pelo acoplamento entre a
madeira da caixa e os modos de vibra¸˜o do ar den-
ca BA A
tro dela. Um exemplo documentado [27] mostra que o ωo = =c . (5)
V ρl lV
tampo ´ primeiramente afinado em uma freq¨ˆncia ao
e ue
redor de 377 Hz, depois de serem feitos os “f ” esse valor
cai para cerca de 311 Hz, por´m depois de colocada a
e
barra harmˆnica e devidamente ajustada, a freq¨ˆncia
o ue
do tampo muda para 376 Hz. A caixa ressoar´ em a
maior ou menor grau dependendo da semelhan¸a entrec
as freq¨ˆncias transmitidas pelo cavalete e as freq¨ˆncia
ue ue
naturais de vibra¸˜o da pr´pria caixa. Uma das primei-
ca o
ras descobertas de F. Saunders foi que nos bons ins-
trumentos existem duas ressonˆncias cujas freq¨ˆncias
a ue
correspondem as notas das duas cordas centrais (R´ e
e L´ ) do violino. A primeira ressonˆncia corresponde
a a
a um modo de vibra¸˜o do tampo superior (chamado
ca
modo T1 ; se¸˜o 3.3) coincide com a freq¨ˆncia da nota
ca ue
L´ (440 Hz). A segunda ressonˆncia correspondente a
a a
freq¨ˆncia natural de vibra¸˜o do ar encerrado na caixa
ue ca
ac´stica (chamado modo A0 ) coincide com a nota R´
u e
(294 Hz). Uma das caracter´ ısticas dos bons instrumen-
Figura 6 - O ressoador de Helmholtz e a curva de ressonˆncia
a
tos ent˜o, ´ que estas duas ressonˆncias estejam sepa-
a e a
do ar dentro da caixa ac´stica do violino. A medida foi
u
radas por um intervalo de quinta [5,14,41]. realizada com as duas f abertas no violino do autor [46]
seguindo o procedimento experimental descrito no Quadro
1. O gr´fico mostra o quadrado da amplitude do sinal cap-
a
3.2. Ressonˆncia de Helmholtz
a tado pelo microfone em fun¸ao da freq¨ˆncia de excita¸ao
c˜ ue c˜
do gerador.
Os dois orif´
ıcios em forma de “f ” permitem - em pri-
meira aproxima¸˜o - considerar a caixa do violino como
ca Cremer e Vardergrift aplicaram esta express˜o para
a
um ressoador de Helmholtz. Este ressoador consiste de o caso do violino [27,53]. Neste caso, as “f ” repre-
uma cavidade de volume V cheia de ar e conectada ao sentam a boca da cavidade, l a espessura do tampo
exterior por um tubinho de comprimento l e ´rea da
a superior e V ´ o volume do ar encerrado no corpo do
e
se¸˜o reta A (Fig. 6). Quando este ressoador oscila,
ca instrumento (V ≈ 2400 cm3 ). A forma das “f ” pode
as colunas de ar se movimentam atrav´s das aberturas
e ser aproximada por elipses de ´rea A = πab/4, com a
a
produzindo oscila¸˜es na press˜o interna da cavidade.
co a = 8.5 cm e b = 0.5 cm. Considerando o fato de que, nos
Helmholtz, e mais tarde Lord Rayleigh, investigaram violinos, o comprimento efetivo l ´ tipicamente da or-
e
as freq¨ˆncias de ressonˆncia desta cavidade. Quando
ue a dem de1.8b [53], a Eq. (5) fornece ωo ≈ 229 Hz. Este
o comprimento de onda da oscila¸˜o λ >> l, o ar no
ca valor est´ de acordo com a freq¨ˆncia de ressonˆncia
a ue a
tubo se comporta como a massa num sistema massa- medida por Vandegrift, que posicionou um altofalante
mola enquanto a press˜o ac´stica dentro da cavidade
a u num dos orif´ ıcios e um microfone no outro orif´
ıcio. A
atua como o elemento el´stico do oscilador [50-52]. A
a freq¨ˆncia de ressonˆncia medida com as duas f aber-
ue a
massa do ar dentro do tubo (Fig. 6) ´ m = ρAl, onde
e tas no violino do autor (JPD) ´ de 270 ± 3 Hz (Fig. 6).
e
ρ ´ a densidade do ar (ρ = 1.3 kg/m3 ). A varia¸˜o de
e ca Esta ressonˆncia de Helmholtz ´ chamada tamb´m de
a e e
press˜o provocada pelo deslocamento da massa de ar
a f-hole resonance, cavity resonance, breathing mode ou
no tubo ´ dada pela express˜o [44,45]
e a main air resonance. Na nomenclatura ac´stica, ela ´
u e
rotulada Ao (first air mode) de freq¨ˆncia 270-280 Hz
ue
∆V [13,54,55]. Este modo vibracional foi estudado tamb´m e
∆p = −B , (4) pelo m´todo matem´tico de an´lise de elementos fini-
e a a
V
tos [48,56]. Com rela¸˜o ` aproxima¸˜o, de considerar-
ca a ca
onde ∆V ´ a varia¸˜o de volume resultante do des-
e ca se a caixa do violino como um ressoador de Helm-
locamento x da massa de ar no tubo, B = ρc 2 ´ o e holtz, Bissinger discutiu recentemente a corre¸˜o na
ca
m´dulo de elasticidade volumar do ar (B = 1.5 ×
o freq¨ˆncia deste modo por causa da compliˆncia das
ue a
105 N/m2 ), e c ´ a velocidade do som no ar. Como
e paredes (an´logo ac´stico da capacitˆncia no oscilador
a u a
∆ V = −Ax, a for¸a restauradora que atua sobre a
c el´trico, e do inverso da constante da mola num os-
e
massa m ´ F = −B(A2 /V )x, e a constante el´stica do
e a cilador mecˆnico). Esta compliˆncia ´ provocada pela
a a e
oscilador ´ k = ρc 2 (A/V ). Assim, fazendo-se a analo-
e press˜o que atua contra as paredes (n˜o mais consi-
a a
gia com oscilador massa-mola obtemos a freq¨ˆncia de
ue deradas r´ıgidas) reduzindo o amortecimento do sistema
ressonˆncia
a compreendido pela cavidade e as paredes da cavidade
9. A f´
ısica do violino 2305-9
[22,50,57]. = 0, na ressonˆncia, e a impedˆncia ser´ igual a re-
a a a
A Tabela 2 ilustra a analogia que existe entre um sistˆncia ac´stica, |Zo | = RA . Desta condi¸˜o obtemos
e u ca
oscilador mecˆnico, um oscilador el´trico e um sistema
a e a freq¨ˆncia de ressonˆncia desta cavidade (Eq. (5)).
ue a
ac´stico. No caso de um oscilador massa-mola for¸ado
u c A express˜o do fator de qualidade, ou fator Q no caso
a
e amortecido, o m´dulo da impedˆncia ´
o a e ac´stico ´
u e
|Z| = b2 + (mω − k/ω)2 , (6)
ωo ρl 2ωo ρ
onde m ´ a massa, k a constante de for¸a e b a cons-
e c Q= ≈ , (9)
tante de amortecimento do oscilador. Como a rea- ARA aRA
tˆncia mecˆnica ´ nula na freq¨ˆncia de ressonˆncia,
a a e ue a
(mω − k/ω) = 0, e |Zo | = b. Desta condi¸˜o se obt´m
ca e onde, como mencionado anteriormente para o caso do
a freq¨ˆncia de ressonˆncia do oscilador (Tabela 2). No
ue a violino, A = πab/4 e l ≈ .8b. Da mesma forma que
caso do oscilador el´trico - um circuito RLC em s´rie,
e e no caso el´trico, o fator Q ac´stico mede tamb´m a
e u e
por exemplo - o m´dulo da impedˆncia ´
o a e raz˜o entre a energia ac´stica dos modos ressonantes e
a u
a energia dissipada por ciclo nos elementos dissipativos
|Z| = R2 + (ωL − 1/ωC)2 . (7) mecˆnicos, caracterizados por RA . Este n´mero ´ quem
a u e
vai determinar quanto efetivamente de energia ac´stica
u
Na freq¨ˆncia de ressonˆncia, a reatˆncia el´trica
ue a a e
gerada pelo movimento do arco vai ser transformada em
´ nula, (ωL-1/ωC ) = 0, e a impedˆncia ser´ pura-
e a a
som aud´ ıvel, caracterizando assim a eficiˆncia do instru-
e
mente resistiva, |Zo | = R. Desta condi¸˜o obtemos a
ca
2 mento e conseq¨entemente o conforto na sua execu¸˜o.
u ca
freq¨ˆncia de ressonˆncia deste circuito, ωo = 1/LC. O
ue a
O valor de Q da ressonˆncia da Fig. 6, determinado
a
fator de qualidade ou fator Q, que ´ uma medida da
e
a partir da largura de linha a meia altura, ∆ω, ´ e
seletividade da ressonˆncia vale Q = ω o L/R. Um valor
a
Q = ωo /∆ω ≈ 14 ± 1. Valores de Q entre 11 e 20 tem
de Q alto indica uma curva de ressonˆncia mais aguda.
a
sido medidos para o modo Ao em violinos [53,58]. Sub-
Al´m disso, o fator de qualidade Q caracteriza tamb´m
e e
stituindo este valor de Q = 14 na Eq. (9), calculamos o
o quanto a tens˜o nos componentes reativos (capacitor
a
valor da resistˆncia ac´stica, obtendo RA ≈103 kg/m3 s.
e u
ou indutor) ´ maior que a tens˜o no elemento dissipa-
e a
Como o volume do ar encerrado na caixa ac´stica do
u
tivo (resistor), e por isso ´ tamb´m chamado de “coe-
e e
violino ´ V ≈ 2.4 × 10−3 m3 , o valor da impedˆncia
e a
ficiente de sobretens˜o”. No caso do sistema ac´stico,
a u
ac´stica na ressonˆncia ´ |Zo | ∼ 3 kg/s. Este va-
u a e
especificamente uma cavidade ressonante, o m´dulo da
o
lor esta de acordo com o obtido por Jansson que, num
impedˆncia ´
a e
estudo de 25 violinos de alta qualidade, achou um valor
2 m´dio da impedˆncia para o modo Ao , de Zo ≈ 2.4 kg/s
e a
2 ρl B ´
[59]. E importante salientar que a abordagem utilizada
|Z| = RA + ω − . (8)
A Vω nesta an´lise da ressonˆncia ac´stica da caixa do vio-
a a u
Da mesma forma como nos sistemas mecˆnico e
a lino permitiu obter todos os parˆmetros da express˜o
a a
el´trico, a reatˆncia ac´stica ´ nula, (ωρl/A-B/ωV )
e a u e da impedˆncia ac´stica na Tabela 2.
a u
Tabela 2 - Equa¸ao dinˆmica, m´dulo da impedˆncia e freq¨ˆncia de ressonˆncia de um oscilador mecˆnico (sistema massa-
c˜ a o a ue a a
mola), um oscilador el´trico (circuito RLC ) e um sistema ac´stico (cavidade ressonante). Parˆmetros: m indica a massa, k a
e u a
constante de for¸a e b a constante de amortecimento do oscilador mecˆnico; L a indutˆncia, R a resistˆncia, C a capacitˆncia
c a a e a
e q a carga el´trica no sistema el´trico; ρ indica a densidade do ar, l o comprimento do tubo, A a ´rea do orif´
e e a ıcio, RA a
resistˆncia ac´stica (R ≡ RA /A), Bo m´dulo volumar (bulk modulus) do ar, V o volume da cavidade de Helmholtz e x o
e u o
deslocamento do ar.
OsciladorI Equa¸˜o dinˆmica
ca a Impedˆncia
a Freq¨ˆncia de ressonˆncia
ue a
I d2 x dx k
Mecˆnico I
a m 2 +b + kx = F (t) |Z| = b2 + (mω − k/ω)2 ω2 =
dt dt m
d2 q dq q 1
Circuito el´trico
e L +R + = ε(t) |Z| = R2 + (ωL − 1/ωC)2 ω2 =
dt2 dt C LC
2
d2 x dx BA ρl B BA
Sistema ac´ stico
u ρl +R + x = P (t) |Z| = 2
RA + ω − ω2 =
dt2 dt V A Vω V ρl
3.3. Modos de vibra¸˜o do corpo
ca receram as t´cnicas ´pticas de interferometria e de ho-
e o
lografia [13,14,60]. Estes modos foram rotulados pelo
As pesquisas sobre os modos de vibra¸˜o dos violinos
ca Prof. Erik Jansson de Estocolmo, de acordo com o prin-
ganharam for¸a a partir da d´cada dos 70, quando apa-
c e cipal elemento vibrante. Assim, os modos do ar s˜o a