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Ano I - número 2 - Janeiro de 2013


Publicações do SINFERP em defesa
da ferrovia, ferroviários e passageiros
                                                        A maquinista que evitou o pior


                                                       N
                                                               a manhã do dia 15 de dezembro, graças à
                                                               ação rápida de uma maquinista da CPTM,
                                                               foi evitado um acidente que poderia ter tido
                                                       grandes proporções.

                                                          Após entrar com um trem da série 5000 no Pátio
                                                       de Barueri - para retornar em sentido contrário -, a
                                                       maquinista executou todas as operações recomen-
                                                       dadas. Parou o trem, manteve as disjuntoras em per-
                                                       manência, retirou os manetes de comando e freio


D
         esde a sua criação, em 16 de janeiro de       (quando, neste momento, o trem aplica automati-
         2011, o blog São Paulo TREM Jeito, além       camente freio de segurança), recolocou-os no “pai-
         de reproduzir e comentar notícias de inte-    nel ZUM” situado no armário atrás do banco do
resse dos ferroviários e dos usuários de transporte    maquinista, e saiu da cabine fechando-a por fora,
de pessoas sobre trilhos, também produz e publica      exatamente como recomendado.
as suas próprias contribuições, além de outras es-
critas por colaboradores voluntários, motivados pelo       No momento em que a maquinista se dirigia à
desejo de somar às poucas vozes em defesa da se-       outra cabine (no lado extremo) pelo lado externo
gurança, qualidade e melhoria do sistema metro-        do trem - caminhando pelas pedras ao lado da via -
ferroviário.                                           , percebeu que o trem estava se movimentando.
                                                       Então, retornou rapidamente à cabine, esforçou-se
   São poucos, infelizmente, mas de imenso valor       para abrir a porta que havia fechado com chave (com
aos esforços de fazermos dos trens metropolitanos      o trem em movimento) e, por meio de ação rápida,
de São Paulo um modelo do qual possamos todos          acionou o freio de emergência e conseguiu evitar
nos orgulhar: sem falhas e sem acidentes.              mais uma tragédia neste fim de ano.

    Neste número de O Movimento Digital, estamos          Se a maquinista não conseguisse realizar rapi-
apresentando uma coletânea de várias dessas con-       damente esta manobra, possivelmente o trem cor-
tribuições do SINFERP à causa ferroviária.             reria desgovernado para a Estação de Jandira, pois
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                        Pág. 2

estacionado em trecho de descida entre as Estações
de Barueri e Jandira. Após os testes o trem foi reco-                E o trem sumiu
lhido à Oficina de Trens em Presidente Altino.

   O Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana

                                                        D
                                                              ois trens colidiram na noite do último sá
constatou, junto à equipe de manutenção, que ha-              bado, dia 24 de março. Um trem de passa
via uma falha no sistema de freio do trem, falha              geiros da CPTM e um trem de carga da
essa que ocasionou sua movimentação, a saber, va-       MRS Logística.
zamento em uma das válvulas do bloco de coman-
do (PBA2S).                                                Como o acidente ocorreu na longínqua cidade
                                                        de Rio Grande da Serra (SP), em um dos extremos
    Vale lembrar que esta série de trem é da década     da linha 10-Turquesa da CPTM – e antes da “turís-
de setenta e, em junho de 2010, sua manutenção          tica” Paranapiacaba -, não mereceu importância.
(que era realizada pelas equipes da CPTM) passou        Uma ou duas notícias, e a coisa parou por ai.
a ser feita pela empresa CTRENS, subcontratada
da Espanhola CAF. De lá para cá a confiabilidade           Afinal, fica na periferia, ninguém morreu, e o
nestes trens caiu consideravelmente, obrigando a        tráfego foi restabelecido. Importante, é claro, os
CPTM a injetar trens de outras séries para satisfa-     trens continuarem circulando. Cidade pequena, com
zer a demanda de passageiros na Linha 8 Diaman-         37.000 habitantes, de acordo com o censo de 2.000.
te, que tem inicio na Estação Júlio Prestes e térmi-    Ah, dane-se. Não é notícia, e talvez nem conste no
no na Estação de Itapevi, atravessando 6 municípi-      currículo de acidentes da CPTM. O que ninguém
os, e transportando diariamente cerca de 500 mil        diz é que os passageiros (sabe-se lá quantos) força-
usuários.                                               ram a abertura das portas para abandonarem o trem,
                                                        depois da colisão. Provavelmente caminharam pe-
   Desde o inicio do processo de terceirização, o       los trilhos até a plataforma. No relatório da CPTM,
sindicato opôs-se a essa prática. Por diversas vezes    esses usuários “vandalizaram” o trem quando for-
alertou a direção da empresa quanto aos possíveis       çaram a abertura das portas. Termo interessante.
riscos que esta decisão poderia trazer aos usuários,
pois a CPTM dispunha em seu quadro de profissio-            Para o Sindicato dos Ferroviários de Trens de
nais gabaritados para atender as peculiaridades que     Passageiros da Sorocabana (SINFERP), entretan-
esta série de trens exige em relação a sua manuten-     to, não interessa o esquecimento. Esse acidente não
ção, mas foi ignorado.                                  é um fato isolado, mas é mais um acidente nos tri-
                                                        lhos da CPTM, e faremos constar ao menos em
   Restou ao sindicato ajuizar ação civil pública       nossos registros.
contra a CPTM, e subsidiar o Ministério Público
com informações visando o cancelamento do con-              De acordo com as poucas reportagens, a CPTM
trato. Até o momento não há manifestação do Mi-         teria alegado, como causa, o maquinista do trem de
nistério Público.                                       passageiros da CPTM ter avançado o sinal. Não
                                                        diz, e nem vai dizer, que o sinal é liberado local-
   Na política atual da direção da CPTM, de pri-        mente, e não pelo CCO da empresa. Não vai dizer
meiro incriminar, para depois apurar, não há dúvi-      que Rio Grande da Serra é um lugar coberto por
da de sobre quem iria recair a culpa desse eventual     neblina, de visibilidade ruim, principalmente à noi-
terrível acidente – a maquinista. Não causaria es-      te. Ela não questiona o sinal, o sistema e mais nada.
panto se aparecesse alguém afirmando – “tinha que       Apenas procura pelo culpado mais evidente.
ser mulher”.
                                                          Foi o maquinista? Talvez. Mas, e se não foi?
Alessandro Viana – Dirigente do SINFERP                 Quem foi?

São Paulo TREM Jeito de 11/12/2011                        Insistimos: as constantes falhas e acidentes na
                                                        CPTM não são pontuais. São sistêmicas.
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                      pág. 3

   Vamos apontar apenas alguns dos atendimentos           2. Linhas que transmitem os sinais desses apa-
de avarias que conhecemos, e suas causas:              relhos que ficam ao longo das vias, até o CCO, onde
                                                       são decodificados pelo software da Alstom, permi-
   01/02 – “Funcionamento anormal do equipamen-        tindo que os controladores possam “ver” os trens.
to – trens sumindo na aproximação do sinal 10 de       São linhas (fibra ótica) antigas. Os trens são no-
JRG” (Linha 7- Rubi – Estação Jaraguá).                vos, mas as linhas são velhas.
   01/02 – “Funcionamento anormal do equipamen-           3. O próprio software da Alstom, que “gerencia”
to – trens sumindo do 8 ao 18 de ABR” (Linha 7-        todas as informações que chegam pelas linhas.
Rubi – Estação Água Branca).
                                                          Com falhas motivadas por uma, duas ou três
   16/02 – “Falha de identificação no circuito de      dessas condições, como dizer que o “sistema” fun-
via – trens perdendo o prefixo (sumindo) na apro-      ciona e que as falhas são humanas, se são essas fa-
ximação do sinal nº 10 de JRG” (linha 7-Rubi –         lhas técnicas que jogam a operação sob o controle
Estação Jaraguá).                                      do fator humano?
   17/02 – “Funcionamento anormal do equipamen-           Quando o trem “some” da tela, controladores do
to – trem sumindo do painel sinóptico na aproxi-       CCO e maquinistas dependem – à distância, e ape-
mação do sinal 6 de PRT via 1” (linha 7-Rubi –         nas por rádio – uns dos outros.
Estação Pirituba).
                                                          São nessas circunstâncias – embora não apenas
    19/02 – “Falha de indicação de circuito na via –   nelas – que surge a prática insegura, dos
 trem sumindo no trecho entre os sinais 36 BFU ao      controladores, de autorizarem maquinistas a “iso-
24. Prefixo UA-175 composição J-15” (linha 7-Rubi      lar” ou “neutralizar” o ATC (sistema automático de
– Estação Palmeiras – Barra Funda).                    controle de velocidade dos trens) de bordo. Fazem
   22/02 – “Funcionamento anormal do equipamen-        isso obedecendo ordens “superiores”.
to – trem desaparecendo entre vol (PL1) e BRR             Com essa autorização, maquinistas assumem
(PRR06) VO1S” (linha 9-Esmeralda – Estação Vila        integralmente o comando do trem, mas em opera-
Olímpia).                                              ção cega para o CCO, uma vez que controladores
   25/03 – “Falha de indicação no circuito de via –    não estão “enxergando” os trens.
 sumindo ocupação de trem no circuito 32T entre           Nessa condição, maquinistas conduzem seus
os sinais 16-IPV e 24-IPV na plataforma de via au-     trens sem saberem ao certo o que vão encontrar pela
xiliar 2 de IPV”. (linha 8-Diamante – Estação          frente, pois sem a “visão” que deveria ser a eles
Itapevi).                                              informada pelos controladores do CCO.
   Todas essas falhas (estamos citando apenas as         Fazem isso transportando milhares de vidas, e
que conhecemos), e que apontam para osumiço de         com apenas três meses de formação.
trens nas telas de acompanhamento dos
controladores do CCO (Centro de Controle                  Até quando a CPTM e o governo do Estado de
Operacional) da CPTM, se devem a três fatores prin-    São Paulo vão fazer de conta que nada disso acon-
cipais:                                                tece?

   1. Aparelhos (caixas com circuitos, relês, etc.)
que ficam ao longo das vias, que “traduzem” sinais
da presença ou ausência dos trens nos trechos onde     Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Presidente
estão instaladas, e as enviam ao CCO. Os trens são     do SINFERP
novos, mas esses aparelhos são velhos.                 São Paulo TREM Jeito de 27/03/2012
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                         Pág. 4

                                                          Reconheço as melhorias que ocorreram na
    CPTM é insegura também                             CPTM, porém são poucas e em um tempo enorme.
                                                       O governo tucano está no poder a quase 20 anos e
       para os usuários                                não deu ainda qualidade à CPTM. Eles querem mais
                                                       20 anos para fazer isso. Mesmo assim, gerindo des-
                                                       se jeito, não conseguiriam.

A
        lém da falta de segurança para os ferroviá
        rios, a CPTM oferece pouca segurança aos       Wellington Diego
        usuários.
                                                       São Paulo TREM Jeito de 09/12/2011
   Vamos aos fatos observados por mim, com uma
experiência de 10 anos viajando de segunda a sába-
do nos trens da CPTM:
                                                                     Trem fast food
   1 - Os trens viajam lotados, o que implica em
um enorme número de quedas dos usuários, em-
purrões, pisões, etc. E não basta o usuário ter mais


                                                       P
educação, uma vez que, além da lotação não ser               ara sorte de governantes, nosso povo costu
culpa dele, os acidentes em função disso são prati-          ma ser embalado pelo espírito do “já foi pior”
camente inevitáveis.                                         ou “melhorou”. Não é diferente com os trens
                                                       que servem nossa gente “periférica”, “suburbana”.
   2 - Os arredores da maioria das estações são de-
gradados, sujos, mal cuidados, etc. O que isso pro-       Se o trem não quebra no caminho, é lucro. Se ele
voca? A presença de ladrões, estupradores e pesso-     chega à plataforma, é lucro. Se nele embarca - ain-
as com má intenção. Pelo menos em um raio em           da que sufocado -, é lucro. O que o usuário deseja,
torno das estações deveria haver mais segurança por    por ele, dizem, é apenas cumprir compromisso de
parte da companhia. Mas, não: ela responsabiliza o     horário. Ao menos no emprego, - sabe-se -, o atraso
estado ou município.                                   explicado por problema com condução é tido como
                                                       “desculpa”. “Saísse mais cedo, oras.”
   3 - A grande maioria das estações da CPTM é
paupérrima. O chão não tem um piso adequado, há           Se a estação tem ou não escadas rolantes, sanitá-
uma grande circulação de pessoas, as escadas não       rios decentes, sinalização adequada ou segurança
possuem segurança nenhuma (corrimãos em péssi-         primorosa, pouco importa. Usuário de trens subur-
mas condições, antigas, degraus com desníveis al-      banos, - pelo que se imagina -, não contempla, não
tos, etc.), pouca proteção contra chuva (faz-se um     idealiza, não sonha. Ao exemplo de quase tudo em
simples telhadinho e acha-se que está ótimo), des-     sua vida, as coisas são avaliadas pela utilidade, pela
nível absurdo entre o trem e a plataforma (imagine     serventia meramente primária. Tendo e podendo
um idoso embarcando ou desembarcando na esta-          pagar, é lucro. Nessa medida, o trem está sendo
ção de Brás Cubas), poucos locais de saída e entra-    gerenciado pelo princípio das lojas R$ 1,99. Pena
da nas estações mais movimentadas - o que ocasio-      que o valor da tarifa não seja o mesmo.
na lotação das escadas e corredores e implica, as-
                                                          É a consciência dessa vida mecânica dos usuári-
sim, em um ambiente propício a acidentes, etc.
                                                       os – ou o interesse de que ela assim continue - que
   Enfim, eu poderia citar um grande número de         anima os planos mesquinhos dos governos. Se exis-
fatos que fazem da CPTM um ambiente com pouca          tem estações e trens, está tudo de bom tamanho.
segurança aos usuários e também aos ferroviários.      Vão reclamar do que? Os trens novos têm ar condi-
Uma pergunta: será que na sala do presidente da        cionado. Até mordomia. Afinal, apenas passagei-
companhia tem segurança e beleza, ou ele trabalha      ros, apenas de passagem, e quanto mais depressa
em um ambiente “seguro” e “bonito” como a esta-        entrarem e saírem do sistema, melhor. Lógica de
ção de Brás Cubas?                                     restaurante self service, onde a fila anda, e a gente
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                        Pág. 5


come as pressas para desocupar a mesa. “Circulan-      mesmo “dono” – o governo do Estado de São Pau-
do, gente, circulando!”                                lo. Como pode?

   Enquanto estivermos sob a influência de                Dizem que isso se deve ao fato da CPTM ter
ideólogos da operacionalidade rasa, que façam dos      herdado uma infraestrutura antiga, etc. Dizem, tam-
trens apenas o atendimento de necessidades bási-       bém, que herdou culturas organizacionais antigas e
cas, primárias, primitivas, sem a menor dimensão       conflitivas entre si.
de que o tempo de percurso é tempo de vida, tudo
continuará do jeito que está. Trem de primeira para       Talvez, mas não herdou ontem. Isso aconteceu
as camadas exigentes, e trem de segunda para as        em 1992, há 20 anos. Suas linhas, porém, são mui-
camadas conformadas com o “já foi pior”. Afinal,       to anteriores. Reduziram, inclusive, depois da cria-
“melhorou”.                                            ção da CPTM. As condições de infraestrutura e
                                                       material rodante das atuais linhas 8 e 9 da CPTM, a
   Há hoje uma grita pela relação de oferta de trens   época da FEPASA, em 1986, eram proporcional-
com o cumprimento de horário de trabalho dos usu-      mente melhores do que hoje.
ários. O que tais defensores não estão enxergando,
é que estão dimensionando os trens metropolitanos         O Metrô entrou em operação em 1974, há 38
exclusivamente como veículos de interesse para as      anos. Dizem que, nessa medida, o Metrô é “novo”,
atividades econômicas, e nada mais. Transportam        nasceu do “zero” e, portanto, sem “herança”.
apenas carga, que por acaso é humana.                     Verdade, em certa medida, mas também verda-
Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP              de, em outra, que nasceu com outra mentalidade e,
                                                       o que é mais importante, se mantém na mesma
São Paulo TREM Jeito de 06/04/2012                     mentalidade desde o nascimento: excelência na
                                                       gestão da tecnologia, da qualidade, da segurança e
                                                       do atendimento. São nos reflexos práticos dessa
                                                       mentalidade que qualquer um de nós pode perce-
                                                       ber as diferenças quando viaja em trens da CPTM
                                                       e do Metrô.

                                                          A CPTM tem renovado a sua frota, é verdade,
                                                       mas praticamente apenas isso. A mentalidade não é
                                                       renovada. Exemplo disso está nas “modernizações”
                                                       das estações. São as mesmas, mesmo quando refei-
                                                       tas, isto é, quando da oportunidade de fazer dife-
                                                       rente, melhoradas nos quesitos da tecnologia, am-
                                                       biente, paisagismo, qualidade, segurança, atendi-
                                                       mento, etc.

     A CPTM que queremos e                                Nas do Metrô, é possível observar cuidados com
          necessitamos                                 esses aspectos até mesmo nas pioneiras, nas anti-
                                                       gas, motivo de, muitas vezes, servirem de modelo
                                                       para as novas, as recentes.

                                                          Passou da hora de renovar a mentalidade domi-

Q
         ue o Metrô é melhor do que a CPTM, creio
         ser opinião unânime. Tal evidência está à     nante na CPTM. Poderia ao menos imitar o Metrô
         vista de qualquer pessoa que viaje por uma    em alguns procedimentos simples e baratos, tais
e pela outra empresa. Ambas transportam pessoas        como a adoção de sinalizações e demais medidas
sobre trilhos, em espaços metropolitanos, e têm o      de trânsito interno nas estações e plataformas, e que
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                       Pág. 6

tão bem disciplinam e melhoram substancialmente
a segurança e mobilidade dos usuários.

   Não precisa nem mesmo criar. Basta copiar, pois
os usuários dos dois sistemas comparam, notam que
pagam o mesmo preço por serviços diferentes, e
principalmente que os cuidados e carinhos são muito
diferentes.

   Em boa medida, são nessas diferenças que resi-
de o motivo das depredações quando de falhas na
CPTM, diferente do que acontece com falhas no
Metrô. Não justifica, logicamente, mas explica.
Afinal, ambientes diferentes, cuidados diferentes,
e reações diferentes.                                  em relação ao automóvel e em relação ao transporte
                                                       público. E estou cada vez mais convencida disso,
   Além da própria diferença de mentalidade na
                                                       especialmente quando penso em termos de usuários
gestão, o Metrô conta com medidas que a CPTM
                                                       e de públicos em relação aos modais dos quais se
nem mesmo esboça adotar: a integração da ISO
                                                       utilizam.
9001, ISO 14001 e OHSAS 18001, isto é, gestão
da qualidade, gestão ambiental e gestão de segu-          Sigo São Paulo TREM Jeito desde a primeira
rança e saúde ocupacional.                             postagem nesse blog dedicado à campanha em prol
                                                       do trem como solução à crise do transporte de
   Tais medidas, na CPTM, fariam dela outra em-
                                                       passageiros. Observo que nunca se falou tanto em
presa aos olhos dos ferroviários, mas principalmente
                                                       mobilidade urbana. Todos parecem estar para lá de
aos dos seus sofridos usuários.
                                                       conscientes de que alguma coisa precisa ser feita,
Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Presidente         de que há cada vez mais automóveis entrando em
do SINFERP                                             circulação, e de que mal se termina a construção de
                                                       um viaduto, surge necessidade de outro. São óbvias
São Paulo TREM Jeito de 20/09/2012                     as vantagens do trem, de um óbvio rodriguiano, e,
                                                       ainda assim, ele continua a ser visto como um
                                                       transporte de segunda classe.
 Os meios de transporte e seus
                                                          Por quê? Porque trem não tem público. Trem
 públicos: o trem e seus usuários                      possui apenas usuários, gente tratada como massa,
                                                       como número, como quantidade. Público tem o
                                                       metrô. Público têm as companhias aéreas. Público
                                                       tem o automóvel. Público terá o trem bala, se

F
        ala-se muito em transporte público,
       contrapondo-o ao transporte particular, uma     acontecer. Se você pensar na população como um
       vez que o espaço que ocupam é o mesmo: o        todo, os usuários de trem são predominantemente
espaço urbano. Daí, fatalmente, a disputa a que se     os excluídos de outros meios de transporte. São
assiste todos os dias. Não há quem não saiba que os    massa, e por aí são concebidos, pensados e tratados,
carros particulares há muito já complicam o trânsito   de sorte que não se tem, para trens, uma agencia
nas cidades, e vão continuar complicando até um        reguladora exclusiva, agindo com eficiência e tendo
provável colapso, segundo os menos otimistas. Eu       destaque na imprensa, como, por exemplo, tem a
observo as campanhas de conscientização, mas cada      Infraero relativamente às companhias aéreas. Muitas
vez mais me convenço de que nada vai acontecer         vezes, este papel de mediação entre público e
sem que, antes, mude o comportamento das pessoas       transportador passa a ser desempenhado pelos
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                          Pág. 7

sindicatos de empregados, uma vez que estes              consumidos, é claro, pelos mais pobres. Há ainda
últimos constituem a interface que permeia usuário       os praticantes do tal despojamento, que procuram
e trem, espécie de marisco entre o mar e rochedo. A      uma vida mais simples, vivida em menor espaço e
Campanha São Paulo TREM Jeito, por exemplo, é            com menos coisas.
apoiada por um sindicato. Na falta de políticas
públicas mais eficientes, o sindicato faz o que pode,       É interessante notar que a relação entre transporte
como pode, a partir de campanhas e até mesmo ¯           público e particular não é apenas uma questão de
quem sabe ¯ tomando iniciativas para que se criem        conscientização dos problemas envolvidos. Cons-
leis mais efetivas. Mesmo greves, por vezes, reve-       cientes estamos todos de que há problemas, e isso
lam mais problemas do que podem momen-                   não muda nada. No entanto, quando a coisa passa
taneamente criar.                                        da consciência à sensibilidade, começam a se
                                                         esboçar algumas mudanças. Não é sem razão que,
   Massificação oprime. A massificação que oprime        timidamente, aparecem bicicletas, por exemplo, as-
o usuário do trem, por enquanto, só tem um antídoto.     sim como pessoas que optam por mudanças radicais
Pensar em não precisar mais andar de trem, sonhar        de vida, com reflexos em sua alimentação ¯ os ver-
com o carro, cada um com a sua placa, o que remete       des, por exemplo ¯ e em sua maneira de viver, ¯ os
à designação de uma individualidade, de um alguém        despojados.
que se resgata da massa e que assume uma
identidade. O carro torna-se assim um sonho a rea-          Que mecanismo é esse, capaz de moldar sen-
lizar, um ideal a alcançar, uma tábua de salvação        sibilidades, de alterar comportamentos? Acredito
que resgata alguém do anonimato a que é reduzido         que seja a imitação, algo que leva alguém a aderir a
na hora de escoar por uma plataforma ou sofrer na        uma campanha, alterar um hábito, mudar uma
pele a sensação de viajar literalmente prensado. O       crença. Todo mundo imita, e imita o que adota como
automóvel simboliza um ideal, uma meta, um               modelo, daí se dizer que a imitação vem de cima
objetivo, e basta prestar um pouco de atenção às         para baixo, parte-se do que não se tem, do que se
campanhas publicitárias que nos cercam para              almeja, do que se observa no outro.
entender isso. A relação entre o automóvel e seu             Um automóvel de luxo representa hoje, no
dono é uma relação de poder negada ao usuário do         imaginário das pessoas, o que um casaco de vison
trem, que aceita passivamente as condições que lhe       já representou nos ombros de uma pin-up há alguns
são impostas. Ele não tem escolha.                       anos atrás. Todavia, não creio que hoje alguém se
   Alguma coisa vem acontecendo, é verdade. Há           orgulhe de esfolar bichos para não passar frio,
muitos discursos. Há, por exemplo, as bicicletas.        porque, finalmente, se sabe que um casaco de vison
Timidamente, elas vêm surgindo, novas e modernas,        só é mesmo indispensável para o próprio vison.
pilotadas por gente de classe média que veste roupas     Talvez algum dia o sujeito que “vista” uma Ferrari
e usa equipamentos de grife. Nisso é evidente um         vermelha seja tão ironizado quanto a pin-up que
comportamento que também tem tudo a ver com              hoje se atrevesse a desfilar por aí coberta de peles.
consumo: uma consciência Cult, digamos, de quem             Ora, pouco a pouco talvez essa sensibilização
diz não ao carro sem deixar de aderir a uma condição     aconteça. As bicicletas chiques são um bom começo.
da qual pretende auferir tanto ou mais status. As        Elas sinalizam uma pequena mudança que parte de
lindas bicicletas pilotadas por elegantes ciclistas      pessoas que, em sua maioria, embora tenham acesso
equipados com roupas de grife, além de pro-              ao automóvel, aprenderam a dizer não a ele. São
porcionarem um belo espetáculo nas cidades,              pessoas que, mesmo com plenas condições de
promovem o surgimento de uma nova tribo, não             possuir um automóvel, dizem não, e saem de
sem reflexos na política, fora o apoio que daí resulta   bicicleta, ainda que não sem abrir mão do status
a partir da adesão de outras tribos: os verdes, por      que essa opção lhes confere a partir de uma “atitude”
exemplo, pessoas que podem pagar por produtos            que desfruta de um bom grau de aprovação social.
orgânicos enquanto desdenham os transgênicos,            Não é por menos que atualmente já existe, embora
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ainda de forma tímida, a possibilidade de se alu-       sonora, e do próprio trem diz-se que produz as muito
garem bicicletas públicas. É a imitação funcionando.    pouco desejáveis externalidades.

   Sem dúvida, o automóvel preserva nossa indi-            Parece que apenas românticos e passadistas ainda
vidualidade. Ninguém nega que há certo glamour          procuram encontrar nos trens um pouco de glamour,
envolvido em andar de avião, e até de metrô, com        e essa ideia preocupa, porque aí reside uma tentativa
suas fascinantes estações subterrâneas, quando não      de desqualificar os defensores desse meio de trans-
são majestosas como a recentemente inaugurada na        porte, de todos, o que tem a oferecer as soluções
linha amarela. Não há como o usuário não se sentir      mais eficientes, ao menos do ponto de vista custo-
valorizado quando se vê num lugar limpo, bonito,        benefício, coisa que já está para lá de provada. Por
iluminado. São estações que recepcionam bem o           que então essa resistência em investir em trens de
seu público e geram bem-estar. Aeroportos são as-       passageiros? Como justificar a desativação de li-
sim também, tornando-se pontos de socialização in-      nhas? Difícil não encontrar aí um sinal de aparente
clusive. Mas e os trens?                                descaso para com o usuário desse meio de trans-
                                                        porte.
    Os trens já tiveram seu passado glorioso. No
tempo em que visavam atender a um público.                  Conferir identidade a essa massa de usuários de
Testemunho disso nos dá a Estação da Luz, a Júlio       trens me parece ser um bom começo, começo que
Prestes, por exemplo, para ficar em São Paulo. No       passa, certamente, pelo investimento em estações
geral, contudo, atualmente, as estações são feias,      por onde circulam milhares de pessoas que, embora
pesadas e oprimem a quem quer que por ali passe.        não disponham do mesmo poder aquisitivo dos
Se levarmos em conta, de um lado, o grande número       usuários de outros modais, nem por isso são menos
de pessoas que transitam por uma estação de trens,      representativas na hora de fazer valer, ao menos,
e, de outro, o pouco ou nenhum apelo social, cultural   seu número, seja votando, seja aderindo a cam-
ou comercial empreendido na grande maioria dessas       panhas ou mesmo mobilizando-se em função de al-
estações, está aí uma relação que só confirma que       gum bom projeto legislativo. Humanizar estações
os usuários de trens não são considerados como          de trem pode ser um bom começo. Quem não gos-
público, mas vistos e tratados como massa, como         taria de encontrar ali exposições, cafeterias, li-
dado bruto do qual se extraem estatísticas.             vrarias, música ao vivo, teatro? Certamente, isso
                                                        mudaria o perfil desse usuário sofrido, que deveria
   São sem identidade. Fossem considerados como         ser valorizado tanto quanto o público afeito a outros
público, e não faltariam apelos comerciais e            modais. Enquanto isso não acontece, contudo, o
culturais que sempre visam a um alvo determinado.       jeito é sonhar com a Ferrari vermelha e com a pin-
A massa não é alvo de nada. É temida e deve ser         up, só que esta última já usando apenas couro
contida, dirigida, manobrada. A massa é reputada        ecológico, para felicidade do vison.
como tendo força, e não opinião. Ela responde a
apelos emocionais e não a argumentos racionais.         Maristela Bleggi Tomasini - Advogada em Porto
Se lhe nega a individualidade com que se distinguem     Alegre (RS)
os públicos. Estes, ao contrário das massas, possuem
opinião e se comportam como consumidores,               São Paulo TREM Jeito de 22/09/2012
tornando-se um alvo a conquistar. As janelas dos
trens nos mostram paisagens urbanas periféricas,
as estações das quais se parte ou nas quais se chega
não nos convidam a ficar um pouco mais. São vias
de passagem, de escoamento, de circulação. O
barulho e o apito dos trens, que outrora despertava
nossa imaginação, hoje é associado à poluição
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                                                       menos em princípio, para alimentar as decisões dos
                                                       reformadores urbanos, e aparentemente fundamen-
          O papel civilizador dos
                                                       tais para o pressuposto de que as coisas se resol-
                   trens urbanos                       vem por planejamento.

                                                          Não é isso, porém, o que a vida urbana tem nos
                                                       ensinado, e sem a necessidade de tantos números.


A
         exemplo de quase tudo que aparentemen
                                                       O bairro operário de hoje, com suas casinhas e pe-
       te pode ser resolvido no “atacado”, trans
                                                       quenos jardins, transforma-se amanhã em um con-
       porte, trânsito e mobilidade tornaram-se
                                                       glomerado de edifícios de apartamentos colados uns
assuntos de interesse tipicamente quantitativo.
                                                       aos outros. Planejamento? Não. Dinâmica social, e
    Bem verdade que em São Paulo os números são        principalmente econômica, da história urbana da
sempre hiperbólicos – o que parece explicar certa      cidade. Não é diferente com os jardins e suas ele-
adoração por eles – mas o reducionismo não se jus-     gantes residências, mais tarde tomadas por comér-
tifica.                                                cios e serviços de luxo, e ainda mais tarde ocupa-
                                                       das por comércios e serviços populares. Também
   É um festival de números. Pela prática usual de     nesse caso, nada explicado por planejamentos, mas
um usuário por automóvel, calcula-se quantos           pelo movimento de determinantes em boa medida
metros quadrados de área pública são utilizados por    geradas pelo acaso. Tais fenômenos podem ser ex-
automóvel/pessoa nas ruas e avenidas. A partir desse   plicados a posteriori, mas não rascunhados a
número, calcula-se a mesma relação área pública/       priori com a presunção de que as coisas aconteçam
ônibus/pessoa, etc.                                    conforme o previsto.
   Por aí vai. Número de pessoas por metro qua-           A cidade é viva.
drado nos ônibus, trens e metrô. Relação entre tem-
po e distância nos mais diversos trajetos, e por           A própria história do estado de São Paulo deve-
modal. Número de acidentes pelo número de veí-         ria nos ensinar ao menos uma coisa: cidades e regi-
culos, etc. sem contar as famosas pesquisas origem-    ões inteiras nasceram à margem das ferrovias. Não
destino.                                               foi diferente, em boa medida, com bairros da capi-
                                                       tal e cidades da denominada Grande São Paulo. Os
   O interessante, em toda essa monomania dos          trens movimentavam cargas e pessoas – nessa or-
cálculos, é que os números parecem apontar para        dem – e em cada estação formavam núcleos, que
alguma outra coisa que não seja o exercício mesmo      mais tarde se transformavam em grandes aglome-
de calcular, e de servir de alimento concomitante      rados.
para a monomania da informação, ainda que com-
pletamente inútil, pois nada de significativo tem         A procura cada dia crescente por trens e metrô
acontecido na vida das pessoas, apesar das             demonstra a importância dos trilhos na solução do
incontáveis sopinhas de algarismos.                    binômio transporte/trânsito. Como são escassos, fi-
                                                       caram rapidamente saturados. Agora é uma corrida
   Qual não foi a minha surpresa, na linha da cul-     – ao menos discursiva – para a expansão, mas que
tura inútil, ao saber que o meio de transporte mais    encontra um terrível obstáculo: poucos são os es-
utilizado em São Paulo é o elevador. Que a grande      paços livres disponíveis para eles, exceto por baixo
metrópole é verticalizada, parece evidente. Não sa-    ou por cima das casas, prédios, ruas e avenidas. Dois
bia, porém, que se transitava tanto verticalmente.     espaços caríssimos pelas dificuldades de ocupação.
   De qualquer modo, gostamos mesmo de núme-              Os trens metropolitanos têm muito para onde
ros. Eles emprestam um ar de solenidade com aura       crescer, expandir, mas não mais nas áreas adensadas.
de pesquisa, de ciência, e sempre impressionam as      Cresceriam nas direções hoje menos povoadas e,
plateias. Eles parecem ser de vital importância, ao    nessa medida, exerceriam o papel “civilizador” que
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                      Pág. 10


desempenharam no passado: trilhos, estações, po-
voados, vilas e cidades.

   Tal pensamento, porém, passa longe das pran-
chetas dos reformadores, pois norteados por dois
conceitos estranhos em mentes que deveriam estar
a serviço do interesse público, social: demanda e
rentabilidade. Nada fazem pensando no futuro, e
menos ainda no que não esteja a serviço do lucro
imediato, principalmente para os “parceiros” do
Estado.

   No passado, as pessoas iam para onde estava o                Vandalismo, sabotagem, e
transporte; agora, estamos todos diante da grita para
saber como levar transporte para onde estão as pes-
                                                              outros termos que precisam
soas, e ilhadas. Recentemente “descobriram” que                           ser repensados
imóveis próximos a estações são muito valoriza-
dos. Que gênios…


                                                        E
                                                                m São Paulo e Rio de Janeiro a história se
   Enquanto isso não se resolve – se é que se resol-           repete, e com certa frequência: falhas nos
va – vamos colecionando outros números: número                 trens metropolitanos - nos horários de pico -
de horas/dia de existência literalmente perdidas no     , e não raro o povo reage com depredação. A solu-
trânsito, horas de sono perdidas por levantar cedo e    ção é sempre a mesma: a polícia é chamada para
dormir tarde por conta das dificuldades de trans-       defender o patrimônio das concessionárias – sob a
porte, do percentual de nossos rendimentos que          bandeira da defesa da ordem - e “arrepia” todo
deixamos apenas nas operações de ir e vir, e por ai     mundo com cacetadas, bombas de gás lacrimogênio,
também vai.                                             além de por na cadeia meia dúzia de “arruaceiros”.
                                                        Afinal, o povo “tem que aprender”.
   No plano qualitativo, pouco se fala de conforto,
segurança, beleza e civilidade nas relações de trân-       Quando existia direita e esquerda, essa era prá-
sito, e menos ainda nos meios de transporte. “Edu-      tica da direita, seguida de duros protestos da es-
cação”, dizem, transferindo aos cidadãos a respon-      querda. Hoje essa é a prática de todo mundo, segui-
sabilidade e a culpa pelos próprios sofrimentos. Os     da de protestos comuns contra o vandalismo, mas
números não contemplam esses aspectos da vida           não contra o descaso irresponsável das concessio-
denominada “subjetiva”, como se toda a calculeira       nárias. Ainda nos dias atuais - com alicerce na me-
não tivesse, como finalidade, atender as necessida-     mória de um tempo que ficou em passado muito
des dos “sujeitos”. Afinal, elegância no viver deve     distante -, há quem aposte em sabotagem.
ser apenas um luxo, bem acima das necessidades
da maioria dos mortais.                                    Não há sabotagem. Há falhas por falta de inves-
                                                        timentos, por falta de manutenção preventiva, e pela
Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP               completa certeza de impunidade.

São Paulo TREM Jeito de 29/05/2012                         Para um sindicato absolutamente apartidário - e
                                                        que convive diariamente com ferroviários e passa-
                                                        geiros de trens metropolitanos -, fica claro que ex-
                                                        pressões tais como “vandalismo”, “sabotagem”, “or-
                                                        dem”, “patrimônio”, etc., são verdadeiras nuvens
                                                        de fumaça. Servem apenas para iludir a imprensa,
                                                        que se encarrega de iludir o grande público.
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                     Pág. 11

   O problema é antigo, e não tem nenhuma outra         Quando das “depredações”, a “culpa” pelo incidente
razão que não seja o desespero de toda uma cama-        recai sempre sobre os ombros dos usuários, enquan-
da social que depende dos trens para ganhar o sus-      to elas, as concessionárias, saem de cena, de fini-
tento. Gente depredada pela vida.                       nho, e escapam, como sempre, de toda e qualquer
                                                        responsabilidade pela dor que impõem aos que dela
   Em 1941 (ou por volta dessa data), Arthur Vila-      dependem.
rinho, Estanislau Silva e Paquito compuseram um
samba que fez sucesso na época, e que merece ser           Devolver o dinheiro da passagem é fácil. Quem,
relembrado:                                             porém, irá devolver o emprego, a prova ou a con-
                                                        sulta perdida, por conta de uma situação inespera-
   Patrão, o trem atrasou, por isso estou chegando      da (diferente de greve e fechamento de linha para
agora, trago aqui um memorando da Central, o            manutenção, pois anunciados), e que deveria ser
trem atrasou meia hora, o senhor não tem razão          evitada a todo custo pelos gestores das concessio-
para me mandar embora. O senhor tem paciência,          nárias?
é preciso compreender, sempre fui obediente, reco-
nheço o meu dever, um atraso é muito justo, quan-          Governo, concessionárias, políticos, e até mes-
do há explicação, sou um chefe de família, preciso      mo Ministério Púbico defendem usuários contra
ganhar o pão, e eu tenho razão.                         “abusos” de sindicato de ferroviários. Quem, po-
                                                        rém, defende os usuários contra as abusadas con-
   Para os muitos milhares de trabalhadores que não     cessionárias? Ironicamente, quem está fazendo isso
podem honrar compromissos com horários - por            é um sindicato de ferroviários.
conta das falhas dos trens -, a situação perdura: de-
missão ou faltas registradas em seus prontuários,       Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Presidente
com consequências desastrosas para as suas vidas.       do SINFERP
Fácil, portanto, aparecer um mauricinho qualquer
de uma dessas concessionárias, dizendo que, nes-        São Paulo TREM Jeito de 21/09/2012
sas horas, o importante é manter a calma. Isso, é
claro, sem falar do estudante que perde uma prova,
de um doente que perde a hora da consulta agendada
há mais três meses, etc. Calma pode ser remédio
para quem não vive da pressa, e menos ainda na
pressa.

   Se, porém, os ferroviários fazem greve, estes
mesmos argumentos surgem de todos os lados, e                       Jihad ferroviário
de todas as bocas. São, porém, completamente es-
quecidos quando das falhas das concessionárias,
embora, na prática, tão ou mais prejudiciais do que


                                                        P
                                                              articipei no início do mês passado, na condi
as greves, uma vez que elas, quando ocorrem, são
                                                              ção de representante do Sindicato dos Ferro
previamente anunciadas, e com tempo de duração
                                                              viários de Trens de Passageiros da
normalmente previsto, a exemplo do fechamento
                                                        Sorocabana – SINFERP -, de um programa de rá-
de linhas para obras de modernização ou reforma.
                                                        dio em Osasco (SP), com feitio de roda viva. No
   Dois pesos e duas medidas.                           centro da roda fui bombardeado por questões sobre
                                                        transporte de pessoas sobre trilhos em São Paulo,
   Normas e atos das concessionárias precisam ser       em especial na CPTM.
fiscalizados por órgãos externos e independentes.
Elas precisam ser responsabilizadas por prejuízos           Foi muito bom, pois animado por condutores in-
que acarretam aos milhares e milhares de usuários,      teligentes, sérios, e dotados de uma competência
e que dependem de seus serviços para ganhar o pão.      cada dia mais rara: a indignação.
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                       Pág. 12

   A pergunta mais provocativa veio logo de início,   ou falhas mesmo? Claro que, cautelosos, falam em
e foi mais ou menos a seguinte: “Você não acha        “indícios”, mas plantam um clima de suspeição
que há excesso de problemas justamente em ano         grave, e que recai de forma difusa sobre todos que,
eleitoral?”.                                          teoricamente, possam tirar algum proveito de
                                                      problemas na empresa, tais como falhas ou mesmo
   Sei que o jornalista nem mesmo acredita no que     acidentes.
perguntou, mas valeu como provocação, e serviu
para que eu começasse a preparar-me para lidar com       Nessa medida, saem do corner em que estão
a nova-velha ”tendência”.                             acuados diante de pressões da opinião pública, e
                                                      correm para o banco das vítimas. “Não somos nós,
   Respondi, com humor habitual, mais ou menos        mas os sabotadores”. Esse era o desejo do emprego
o seguinte:                                           do termo, ao menos no passado.
   Quando da morte de cinco ferroviários, e a            A mera suspeita tornada pública é extremamente
imediata sentença de culpa pela própria morte,        grave, e não pode ser lançada ao vento de modo
decretada pela CPTM, não encontrei outra razão        indiscriminado. Motivo? Gera pânico, e de forma
para tamanho nonsense do que imaginar que a           inconsequente. A simples suspeita é motivo para
empresa estivesse repleta de suicidas. Divaguei,      envolver setores especializados em investigações
também, sobre a possibilidade de maquinistas          criminais - uma vez que se fala em crime -, encontrar
homicidas, que saiam pelas linhas caçando colegas     os culpados e trazê-los a luz. O sindicato nunca
desatentos. Talvez uma relação sadomasoquista         teve prática nem mesmo assemelhada.
entre eles.
                                                         Disse que foram removidos os sensores de
    Agora, disse, você insinua a velha e famosa       descarrilamento dos trens novos, e foram. Disse que
suspeita de que possam estar eventualmente            maquinistas eram obrigados a desligar o sistema
praticando sabotagem, com o intuito de                automático de velocidade de bordo, e eram. Disse
desestabilizar o governo de plantão. Esse apelo foi   que algumas vezes os trens “sumiam” dos monitores
comum à época que a CPTM foi presidida por um         dos controladores do CCO, e sumiam. Disse que
carioca absolutamente desconhecido no meio            havia problema em rede aérea e em subestações de
metroferroviário paulista. Tudo, absolutamente tudo   energia, e agora estão sendo corrigidos. Diz ainda
o que acontecia de errado na empresa, era depo-       hoje que há problemas com sistema de sinalização
sitado na vala comum da sabotagem. Nem mesmo          e comunicação. Diz que é um equívoco deixar
vandalismo – mas sabotagem.                           manutenção de trens aos cuidados de empresas
   Vandalismo, eu disse, significa apontar o dedo     terceirizadas. Diz que é arriscado reduzir o intervalo
na direção de uma população difusa. Sabotagem,        entre trens com as práticas e problemas acima
entretanto, pressupõe o ato intencional de produzir   apontados. O sindicato diz onde estão os problemas
um dano e, nesse sentido, aponta de forma direta      da empresa, e que podem redundar em falhas e
para uma pessoa ou grupo de pessoas com interesse     acidentes. Não os inventa, e tampouco os cria.
bem definido quanto aos resultados de suas ações.     Apenas os aponta.

   Não disse tudo isso exatamente com estas pa-       Rogério Centofanti – consultor do SINFERP
lavras, mas como o programa foi gravado, posso
                                                      São Paulo TREM Jeito de 23/04/2012
assegurar ao menos o espírito das colocações.

    Pois bem: passado um mês dessa participação, e
não é que CPTM e secretário dos Transportes
Metropolitanos aparecem com suspeita de
sabotagem – pelo excesso de coincidência de falhas
- sobre o que pode ser devido a atos de vandalismo,
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                       Pág. 13

                                                        ta-se com o que a ela é oferecido e guia-se pelo con-
                                                        formismo do “já foi pior”, “poderia ser pior”, “an-
      A bovinização dos trans-                          tes isso do que nada”, etc.
      portes metropolitanos de
                                                           Nessa lógica da sobrevivência, não sobra espaço
          pessoas sobre trilhos                         nem mesmo para o exercício da imaginação. Quan-
                                                        do muito para comparar e, na melhor das hipóteses,
                                                        para imitar. Por outro lado, comparar com o que e


É
        sabido que as pessoas não compram um pro
                                                        imitar a quem?
       duto ou serviço, mas os benefícios do produ
       to ou do serviço. Em linguagem de mercado,       Éverson Paulo dos Santos Craveiro - vice-presi-
pode-se dizer que compram também os services, isto      dente do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana
é, alguns outros benefícios adicionais, capazes de
surpreender pelo diferencial.                           São Paulo TREM Jeito de 02/07/2011

   É com base nesse entendimento que as indústri-
as produzem e o comércio vende. Um automóvel é
um automóvel, e o diferencial entre eles – que visa
conquistar a preferência dos consumidores – fica
por conta do elenco de benefícios agregados ao pro-
duto: ar condicionado, vidro elétrico, etc. Na reven-
da, o comércio igualmente cria diferenciais: condi-
ções de pagamento, prazo de garantia, etc.

   Essa prática, entretanto, não funciona em mer-
cados monopolistas, como é o caso dos trens de
passageiros. Neles, o usuário costuma comprar li-
teralmente o serviço bruto, isto é, ir de um lugar a
outro em troca do valor da passagem. Se ele vai
viajar de pé, sentado, apertado, folgado, com frio,
com calor, seguro, inseguro, etc., pouco importa ao
concessionário público ou privado. O preço da pas-
sagem é sempre o mesmo, qualquer que seja a cir-
cunstância. O mesmo vale para as estações. A quem
importa saber se tem lugar para sentar, beber um
copo de água ou mesmo servir-se de um banheiro?
                                                         O pensamento “suburbano”
   Impera a mesma lógica de atendimento do servi-        dos gestores da CPTM visto
ço de saúde. Quem quer ser atendido de forma “di-        pela exterioridade de suas
ferenciada” (bem atendido) deve pagar por isso. No
caso do trem de passageiros, deve comprar um au-
                                                         ações
tomóvel, helicóptero, ou fazer uso de taxi.

    A esse nivelamento por baixo dá-se o nome


                                                        S
                                                               e acidentes formam (ou deveriam formar) a
de atendimento de massa: saúde, educação e trans-
                                                               preocupação maior de construtores,
porte, não raro incluindo moradia no mesmo paco-
                                                               mantenedores e operadores de qualquer modal
te. Eis a fórmula da bovinização.
                                                        de transporte de pessoas, por dedução pode-se ima-
   Acostumada a ser tratada como manada,                ginar que segurança deva ser o valor primeiro no
a massa adquire comportamento de manada. Ajei-          pensamento e nas ações desses atores.
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                        Pág. 14

   Esse valor é facilmente observado no transporte         Plataformas inseguras, desprovidas de sinaliza-
aéreo de passageiros. Desde cuidados com detalhes       ção e de agentes orientados para informação e cui-
nos aeroportos, até detalhes nas operações de em-       dado dos usuários. É um verdadeiro perigo ficar na
barque e desembarque, sem dizer nos detalhes de         linha de frente quando lotada de passageiros a es-
bordo.                                                  pera do próximo trem, sem contar a ausência dos
                                                        referidos agentes para disciplinar entrada e saída de
   Vemos que segurança é valor nas estações, nos        passageiros. Salve-se quem puder.
acessos, nas plataformas, nos procedimentos e nas
composições do metrô.                                       A distância e a altura entre a plataforma e a porta
                                                        do trem são variáveis, e quase sempre para pior, isto
   Vemos esse mesmo valor no sistema (estações,         é, concorrem para com a insegurança no embarque
acessos, plataformas, procedimentos e composi-          e desembarque. De repente, o trem apita, fecham-
ções) de trens metropolitanos da CPTM? Se tomar-        se as portas e parte. Salve-se quem puder.
mos os aeroportos, as companhias aéreas e o
coirmão metrô como parâmetros, podemos literal-            Dentro das composições, continuam os “sinais”
mente afirmar que não.                                  de descuido e insegurança. Nem sempre funcionam
                                                        os autofalantes que anunciam as estações, e os pai-
   É óbvio que, se tomarmos a bandalheira da            néis de indicação luminosa delas, nos trens novos,
SuperVia (trem metropolitano privado do Rio de          simplesmente estão desativados. Nas composições
Janeiro) como modelo para comparação, a CPTM            antigas, os vidros (na verdade acrílicos) estão tão
é um exemplo de virtudes. Mas, como não estamos         riscados que é impossível ver o que passa no exteri-
no Rio de Janeiro, vamos ficar com os correlatos        or. Talvez para que o passageiro não veja a feiura
paulistas.                                              das vias, dos muros e a ferrugem dos pórticos. Nas
   Segurança não significa ver dois agentes             estações, indicativos do local ficam concentrados
terceirizados andando para lá e para cá – no estilo     em poucos pontos, sem que o passageiro saiba onde
Cosme e Damião - nas plataformas, e tampouco a          está. Salve-se quem puder.
garantia de que os trens circulam com as portas fe-        Se o trem quebrar no meio do trajeto (o que não
chadas.                                                 é incomum), os passageiros precisam literalmente
   Segurança é - além de uma questão material -,        saltar para os pedregulhos da via, de uma altura pe-
uma sensação, mas que forma-se a partir de impres-      rigosa até mesmo para jovens em boa forma física,
sões compostas por “sinais” materiais.                  correndo riscos de todas as espécies. Nem escadas
                                                        e nem agentes para ajudar. Salve-se quem puder.
   Os entornos das estações ferroviárias são horrí-     Na verdade, salvam uns aos outros, por conta da
veis. Ambientes escuros, sujos, abandonados, de-        solidariedade típica dos sofredores. Ao exemplo de
gradados, compostos de comércios molambentos,           tudo, entregues a própria sorte.
e de personagens sinistros.
                                                           Quem não cuida nem mesmo dos sinais exterio-
   As estações são feias, desprovidas de qualquer       res, o que dizer daqueles ainda mais importantes, e
estética, construídas com materiais de segunda, su-     que não estão sob o olhar ou capacidade de avalia-
jas, escuras, descuidadas, e convidativas apenas para   ção crítica dos usuários?
a passagem (de onde passageiros) mais rápida pos-
sível. Nada nelas evoca sentimentos de admiração,          Dizem que o melhor lugar para conhecer a higi-
contemplação ou orgulho. Não têm nenhum con-            ene de um restaurante não é o salão de serviço e
forto, nem mesmo o mínimo para atender necessi-         nem a cozinha, mas o banheiro. Correto.
dades primárias de seus passageiros (daqueles que
                                                          Se a preocupação com segurança da CPTM é a
estão de passagem). Mesmo nas recém reformadas
                                                        que mostra pela porta da frente, qual será a da porta
impera o espírito do puxadinho funcional.
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                        Pág. 15


do fundo? Bem, talvez o lado que dela conhece-
mos seja a porta do fundo.

   O povo não ajuda, dizem os administradores.            Maquinista – figura do mal
Não ajuda, é verdade, mas quem cuida do que nem           ou figura da conveniência?
o dono (ou administrador) cuida?

   Estações de trens metropolitanos não podem ser
dimensionadas - por seus administradores -, como
se fossem estações rodoviárias, cujo descaso tam-


                                                        M
bém não se justifica. Seus usuários costumam ser                  aquinistas de trens metropolitanos andam
cativos, são usuais, mais do que meros usuários.                  em baixa junto ao conceito de muitos
                                                                  públicos. O motivo disso deve-se ao fato
    As pessoas cuidam do que gostam - como de           de serem constantemente responsabilizados por
praças e lugares públicos dos quais se apropriam -      acidentes. Isso tem sido verdadeiro em São Paulo,
, isto é, que dê a elas um sentimento de pertinência.   e bem recentemente na Argentina.
A direção da CPTM não tem capacidade de pensar,
e menos ainda de criar ambiência para tal. Não é           Curioso sobre essa espécie tomada como irres-
capaz de emprestar alguma alma as suas                  ponsável, decidi conversar informalmente com um
dependências e serviços.                                pequeno grupo deles. Diferentes entre si, sob mui-
                                                        tos aspectos, têm em comum um jeitão desconfia-
   A impressão que fica é que seus administradores      do frente a estranhos.
estão convencidos da situação frágil de seus
passageiros – normalmente sem outras opções de             Não é difícil, com o passar do tempo, entender
transporte – e faz deles reféns do “para eles está      seu jeitão. Devem ser os únicos profissionais soli-
muito bom”. Afinal, estão aumentando o número           tários das ferrovias, uma vez que, em suas cabines,
de trens, reduzindo os intervalos entre eles e,         se comunicam por rádio com o CCO (Centro de
portanto, danem-se os passageiros se não oferecem       Controle Operacional), e com o pessoal da escala,
“perfumarias”, dentre elas a segurança, que vai         apoio, supervisão e o próprio CCO, por meio de
muito além do mero viver ou morrer.                     um celular especial cedido pela empresa para uso
                                                        em expediente. Não é - pelo que disseram - uma
   Exagero? Para quem desconhece, basta                 “prosa” propriamente “reconfortante”, como pos-
perguntar para qualquer usuário, que, na melhor         sível aos demais trabalhadores que atuam em ativi-
das hipóteses dirá – “já foi pior”.                     dades coletivas, onde a interação social mescla-se
                                                        com a profissional. O rádio e o celular especial pres-
Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP               tam-se exclusivamente ao plano da comunicação
São Paulo TREM Jeito de 20/12/2011                      profissional, e quase sempre para que recebam or-
                                                        dens de seus interlocutores.

                                                           No caso do rádio, conversam em linha fechada
                                                        com o CCO, mas a resposta é aberta, isto é, ouvida
                                                        por todos os demais maquinistas em operação na-
                                                        quele momento. Em situações tensas, como acon-
                                                        tece algumas vezes conosco nas comunicações pro-
                                                        fissionais, todos os demais maquinistas ouvem as
                                                        respostas do CCO. Não é difícil imaginar que isso
                                                        seja constrangedor, ao menos em alguns casos. Li-
                                                        mitação tecnológica ou controle intencional sobre
                                                        condutas? Não perguntei.
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    Quanto ao uso do celular especial, há uma res-        bilizados nessa condição pelas operadoras e pelos
trição interessante: não pode ser utilizado pelo ma-      passageiros, quando convém.
quinista com o trem em movimento e, quando pa-
rado, dentro da cabine. Não entendi o motivo da              Uma das razões dessa discrepância parece-me
proibição do uso do celular da empresa dentro da          passível de explicação no trajeto histórico da própria
cabine, mesmo estando o trem parado, mas não ou-          profissão. Até a proximidade da década de 90, a
sei perguntar.                                            pessoa ingressava na “carreira ferroviária” – em
                                                          especial na tração – por intermédio de um curso de
   Quase todos já foram vítimas de usuários en-           “ajudante de maquinista”. Esse curso tinha a
furecidos. Alguns falaram inclusive em invasão da         duração de um ano. Aprovada, a pessoa trabalhava
cabine. Afinal, do ponto de vista do usuário, o ma-       durante cinco ou seis anos como ajudante de um
quinista é o “comandante” do trem, e a ele res-           mesmo maquinista (era ajudante daquele ma-
ponsabilizam quando quebra, atrasa ou demora              quinista), e só depois desse período poderia pleitear
partir, principalmente nos últimos tempos, quando         uma vaga de maquinista. Nesse caso, frequentava
a empresa e o governo deles fazem o que há para           um “curso de maquinista”, com duração de seis
responsabilizar em caso de acidentes.                     meses. Aprendiz e oficial. Ainda assim, o novo ma-
                                                          quinista iniciava em manobras, depois em trens de
   Diferente de qualquer outro condutor (de
                                                          carga, mais tarde em trens de passageiros de longo
aeronave, nave ou mesmo de ônibus de longo
                                                          percurso e apenas finalmente em trens metro-
percurso), não tem banheiro na cabine. Se a situação
                                                          politanos de passageiros. Priorizava-se a segurança
aperta, terá que suportar até o final do trajeto. Todos
                                                          das vidas humanas.
os seus movimentos internos são monitorados por
uma câmera de vídeo e as imagens controladas pela            Com o desmonte da ferrovia paulista, des-
empresa. Não podem, também, comer ou beber du-            montou-se também a carreira ferroviária. A
rante o trajeto, e menos ainda na cabine.                 passagem da capacitação, também na década de 90,
                                                          caiu da trajetória ajudante-maquinista para a
   Como se pode notar até aqui, o maquinista é um
                                                          formação de maquinistas em apenas seis meses.
profissional sujeito a pressões internas e externas.
                                                          Mesmo assim, seis meses de formação para que o
Essa condição não é prerrogativa dele, decerto, mas
                                                          aspirante fosse habilitado a conduzir um tipo (série)
torna-se agravante no caso de um profissional que
                                                          de trem. A partir de 2000, o tempo de formação caiu
conduz milhares de vidas em um trem que custa
                                                          para três meses para cada tipo de trem (série) e, hoje,
uma fortuna. No seu caso, um acidente é capaz de
                                                          continuam os mesmos três meses de formação, mas
produzir mais danos a pessoas do que a queda de
                                                          para todos os tipos (séries) de trens.
um avião ou o naufrágio de um navio. Estra-
nhamente, entretanto, naves e aeronaves são mais             Perguntei pelo simulador tão propagandeado pela
seguras, pois dotadas de instrumentos e de pro-           operadora e pelo governo do Estado. Riram e dis-
cedimentos seguros, sob a tutela de regulamentos          seram ser um “vídeo game gigante”, utilizado para
internacionais, além de profissionais longamente          “reciclagem” dos maquinistas.
capacitados.
                                                             Desses três meses, metade em sala de aula, e a
   Os maquinistas com os quais conversei, porém,          outra metade na prática, com acompanhamento de
não têm a autoimagem de um comandante de nave             um monitor. O monitor é um maquinista, sem
ou aeronave. Talvez nem mesmo vejam a si mesmos           formação específica para ser instrutor, com um ano
como comandantes, embora sejam responsa-                  e meio ou dois de experiência enquanto maquinista.
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   Imaginei, porém, que nos quarenta e cinco dias       certa maneira, estão conformados com a situação
de sala de aula os aspirantes a maquinistas             de bodes expiatórios de todos os pecados da
aprendessem muita coisa sobre o sistema ferroviário     empresa.
(rede aérea, material rodante, CCO, manutenção,
                                                           Soube por eles, por exemplo, que os trens moder-
via permanente, etc.). Constrangidos, disseram-me
                                                        nos da CPTM são dotados de sensores que indicam
que esses “detalhes” são ensinados em cinco dos
                                                        descarrilamento. O que isso significa? Caso ocorra
quarenta e cinco dias, e hoje por intermédio de
                                                        o descarrilamento de um ou mais rodeiros (rodas),
vídeos. “E o que aprendem nos demais dias?” – per-
                                                        o sensor ativa um sistema eletrônico que imedia-
guntei. Procedimentos Operacionais foi a resposta,
                                                        tamente freia a composição. Mas o maquinista não
um manual tamanho família.
                                                        percebe? Não imediatamente, dizem eles, em espe-
   Fazem algumas provas durante o curso, outras         cial se o descarrilamento ocorrer com um rodeiro
ao final e, aprovados por um supervisor da tração,      na cauda do trem. “Qual o problema, então, se existe
estão habilitados como maquinistas, e recebem um        o sensor”, perguntei. Para minha completa surpresa,
trem da série 7000 para conduzirem, solitariamente,     soube que os sensores de todos os trens novos da
milhares e milhares de vidas todos os dias.             CPTM foram desativados nas oficinas. Motivo?
                                                        Como o alinhamento dos trilhos não é perfeito, o
   Se as coisas forem como disseram – e não tenho
                                                        sensor pode identificar uma ondulação na via como
motivos para duvidar – como podem ter sentimento
                                                        um rodeiro descarrilado e automaticamente frear
de carreira? É apenas um emprego, e arriscado para
                                                        toda a composição. Nesse caso o maquinista teria
eles e para os usuários.
                                                        que sair da cabine e percorrer pela via todo o trem
   Essa situação, por si só, é uma condição de risco.   para constatar se foi ou não apenas um erro de leitura
Não consigo imaginar uma empresa de ônibus en-          do sensor, e isso iria prejudicar a movimentação
tregar nas mãos de motorista novato um veículo, e       (horários, intervalos, etc.). A solução encontrada
menos ainda com passageiros. Ou entrega? Em na-         pela CPTM foi desativar todos os sensores. Um
vegação marítima e aérea isso seria inconcebível.       quesito de segurança foi desativado, e a respon-
                                                        sabilidade de perceber e reagir a um eventual des-
   Interessante notar o que denomino de resignação      carrilamento passa toda ela para o comando direto
do grupo. Mesmo com consciência desse cenário           do maquinista.
inadequado, os maquinistas com os quais conversei
mostraram-se movidos por medo e culpa. Medo de             Curioso quanto ao tal “sistema” tão propalado
estarem envolvidos em qualquer tipo de acidente, e      pelos gestores das operadoras e por autoridades do
com sensação coletiva de culpa diante de um aci-        governo do Estado, quis saber um pouco sobre ele.
dente qualquer. Reconhecem erros próprios e de co-      Afinal, quando de um acidente correm para afirmar
legas. Sabem que alguns se alimentam durante o          que o “sistema” funcionou, e que, portanto, a falha
trajeto, colocam objeto na frente da objetiva da        foi humana.
câmera para que não sejam vistos burlando alguma
                                                           Soube que o famoso sistema chama-se ATC
norma, outros preenchem pranchetas em plena ope-
                                                        (Automatic Train Control), que é um Controle
ração para ganhar tempo na hora de sair do trabalho,
                                                        Automático de Trens. Ah, isso é o sistema. Um
etc. Não negam que isso é indevido e perigoso.
                                                        conjunto de equipamentos que automatizam o
   Sabem, porém, que existem erros humanos acima        controle sobre a velocidade dos trens. Perguntei se
dos deles, mas que não são visíveis e, portanto,        funciona e me responderam que sim. Descobri
incapazes de serem identificados e penalizados. De      depois, por meio de pesquisa, que o ATC foi
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instalado entre 1979 e 1980, quando da moder-          mesmo ATC isolado (“sistema” desativado), não
nização dos trens metropolitanos da FEPASA. A          forma um cenário propriamente seguro. Nessa me-
época o Metrô já fazia uso do ATO (Automatic Train     dida, fazer do maquinista o vilão de todo e qualquer
Operation), isto é, a condução do trem independe       acidente é no mínimo uma imoralidade.
do maquinista, exceto em emergência.
                                                          Fosse o tal “sistema” eficiente e seguro como
   Ora, pensei, se o ATC funciona, não há nada que     querem nos fazer crer, não haveria necessidade do
possa explicar um acidente de trem motivado por        CCO exercer papel disciplinador sobre os ma-
velocidade e, nesse caso, o maquinista não tem         quinistas, e muito menos o de “autorizá-los” a burlar
como promover estragos, ainda que queira. Ledo         o próprio “sistema”. Fosse ele eficiente e seguro, e
engano.                                                até mesmo os quarenta e cinco dias para preparo
                                                       profissional dos maquinistas talvez fossem ex-
   Disseram-me que, com frequência, por rádio o        cessivos.
CCO (Centro de Controle Operacional) “autoriza”
(o maquinista não pode recusar a “autorização”, pois      Tem alguma coisa errada nessa história, que não
prevista nos tais Procedimentos Operacionais) a        a exclusividade dos maquinistas. Ainda que pra-
isolar o ATC de bordo (desligar o controle auto-       tiquem pequenos deslizes, um “sistema” que depen-
mático de velocidade do trem). O CCO diz também,       da de atitudes praticamente robotizadas de opera-
nesse caso, qual a via a seguir, até onde (local ou    dores não parece ser propriamente exemplo high
estação) conduzir a composição e a velocidade a        tech.
ser adotada. Nessa condição, o trem fica com-
                                                       Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP
pletamente sob o comando do maquinista, que passa
a assumir todos os riscos da “autorização”.            São Paulo TREM Jeito de 27/02/2012

   “Qual o motivo disso”, perguntei. Reduzir o
tempo de percurso e o intervalo entre os trens, res-
ponderam. Estranho, pois imaginei que isso fosse
controlado pelo tal “sistema”. Soube, depois, que
as peculiaridades do ATC da CPTM não atendem
as condições de intervalo entre trens que a empresa
insiste em praticar. Em sendo verdadeiro, a situação
é de extremo risco.
                                                          Será mesmo o passageiro
   “Isso é ocasional”, perguntei. Riram discre-
tamente, mas riram, dando a entender que é habitual.      paulistano mal educado?
   Se o que disseram for verdadeiro – e não tenho
motivos para duvidar, ao menos em boa parte da
conversa – estão explicados ou ao menos entendidos

                                                       R
                                                               ecentemente o SINFERP publicou no blog São
alguns vazios que geram condições para riscos de               Paulo TREM Jeito uma matéria na qual defen
acidentes.                                                     de os paulistanos da explicação apresentada por
                                                       uma delegada de polícia, de que eles brigam nas esta-
   Formação insuficiente para quem faz muito mais      ções de trens e metrô por falta de consciência, por uma
do que anunciar estações além de abrir e fechar        questão “cultural”, embora não tenha desprezado a
portas, excesso de pressão interna e externa, e até    superlotação.
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                        Pág. 19



   A entidade recebeu várias mensagens em defesa       tres, mas com base no modelo do trânsito dos veí-
da delegada, sob o argumento de que em outros          culos sobre pneus, e para facilitar a convivência
países também ocorre superlotação, mas que nem         deles com os pneus. Ou seria dos pneus com eles?
por isso os passageiros brigam, reforçando a cren-
ça de que paulistano é mesmo mal educado.                  4. Enquanto ruas e avenidas são beneficiadas
                                                       por asfalto que parece um tapete, as calçadas são
   Bem, parece oportuno revermos essa mania de         irregulares, e sobre elas estão os postes, as lixeiras
justificar nossos problemas pelo fato de existirem     e toda uma sorte de “obstáculos” que dificultam o
também nas nações “adiantadas”. Esse tipo de pen-      trânsito dos pedestres. Em resumo: tudo o que não
samento aponta para uma conclusão que não inte-        pode atrapalhar o trânsito de veículos, vai para a
ressa a nós, nacionais. Quando não somos tão bons      calçada atrapalhar o trânsito dos pedestres.
quanto eles, reconhecemos que precisamos melho-
rar. Quando somos tão ruins quanto eles ficamos            5. Do mesmo modo que o tráfego de veículos
resignados e até satisfeitos com a posição             seria o caos, uma barbárie, sem as regras e
no ranking.                                            ordenamentos do trânsito, em certas circunstâncias
                                                       o mesmo ocorre com o tráfego de pedestres. Que-
   Um tipo de pensamento com resquícios coloni-        ro, porém, destacar esse detalhe: em certas circuns-
ais, e não raro encontrado no ranço de quem se ima-    tâncias.
gina no time da elite. “Brasileiro reclama de tudo”.
“Falta educação a essa gente”. “O povo tem o que          6. Para quem anda a pé pelos calçadões do cen-
merece”. Essas falas partem de quem se imagina         tro da cidade de São Paulo, é fácil notar que aquele
nobre, que não faz parte do povo e tampouco “des-      enorme contingente de pedestres tem um elevado
sa gente”. Talvez seja assim mesmo, mas o proble-      grau de educação. Como um exército de baratinhas
ma é que muitas vezes esse pensamento está             tontas, se movimentam sem regras nas mais diver-
norteando ações de pessoas que ocupam cargos na        sas direções, e nem por isso colidem uns com os
administração pública.                                 outros, batem boca ou brigam. Algumas exceções?
                                                       Sem dúvida, mas exceções. Não sei se poderia di-
   Vamos aos fatos.                                    zer o mesmo do mundo dos pneus sem regras, e
                                                       sem as punições das multas e apreensões de veícu-
   1. A cidade de São Paulo está orientada para o      los.
transporte individual, privado e sobre pneus. O úl-
timo apelo para a sobrevida desse modelo é a onda         7. Quando é necessário disciplinar o trânsito dos
do ciclismo.                                           pedestres, como no caso de acesso deles aos trans-
                                                       portes coletivos, mais uma vez nota-se muita edu-
   2. Para o mundo individual e privado dos pneus      cação, desde que os gestores desses serviços tenham
criou-se toda uma infraestrutura de perpetuidade,      inteligência e sensibilidade para criar “arranjos
comodidade e convivência “educada”: ruas, aveni-       ambientais” que assegurem conforto e segurança
das, viadutos, túneis, semáforos, placas               para a mobilidade das pessoas.
sinalizadoras, locais para estacionamentos, etc. Em
resumo, se os veículos sobre pneus transitassem sem      8. Não é sem razão que embarque e desembar-
o comando de humanos, não seria difícil afirmar        que nos ônibus são feitos por portas diferentes.
que a sociedade desses veículos já está toda ela
regrada.                                                  9. Não é sem razão que embarque e desembar-
                                                       que nos aeroportos são feitos por lugares diferen-
   3. Os pedestres são uma descoberta recente na       tes.
cidade de São Paulo, e agora com direito a faixas
para travessia, e também com semáforos próprios.          10. Não é sem razão que embarque e desem-
Isso foi feito para organizar o trânsito dos pedes-    barque nas rodoviárias são feitos por lugares dife-
                                                       rentes.
O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013                                                      Pág. 20

   11. Não é assim, entretanto, que as coisas acon-         15. Passou da hora de administradores e usuári-
tecem nos trens do Metrô, e muito menos nos trens        os de transporte de pessoas sobre trilhos em São
metropolitanos. Apesar de neles se movimentarem          Paulo reverem conceitos. O problema não é apenas
aproximadamente 7,5 milhões de pessoas por dia,          a superlotação, e tampouco a “cultura do povo”. Tem
contingências ambientais muitas vezes caóticas são       muita coisa que pode ser melhorada (sem a neces-
geradoras de insegurança e de desconforto. Não é,        sidade de fortunas), e que depende apenas de revi-
portanto, a falta de educação dos passageiros que        são de hábitos e costumes de administradores.
explica boa parte das “desinteligências”, mas sim a
falta de planejamento (e não de condições materi-          Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP
ais) dos que têm a obrigação de prever e prover            São Paulo TREM Jeito de 14/12/2012
melhores condições de mobilidade. Afinal, a admi-
nistração dos espaços de mobilidade nas estações e
trens está sob a responsabilidade dos gestores, e não
dos usuários. É por essa razão que são chamados
de usuários.

   12. Aos administradores do Metrô resta a expli-
cação de pouco espaço físico para segregar embar-
que e desembarque, a exemplo de rodoviárias e ae-
roportos. Aos dos trens metropolitanos nem mes-
mo essa explicação é possível, pois o que não falta
à ferrovia, pelo fato de circular no nível da superfí-
cie, é espaço físico a ser explorado.

   13. Mesmo que não seja necessário chegar a
tanto, é ridículo oferecer aos usuários escadas co-
muns para que por elas subam e desçam às plata-
formas. Evidente que isso é fator mais do que sufi-
ciente para gerar desconforto, insegurança e even-
tuais atritos entre os usuários. Além de conforto e
segurança, as escadas rolantes, por exemplo, ser-
vem de sinalização. Ninguém vai descer por uma
escada rolante que sobe.

   14. Como pretender, nos trens da CPTM, que as           Coletânea parcial de artigos publicados no
pessoas sejam “educadas”, se elas não sabem (como          blog São Paulo TREM Jeito nos anos 2011
no Metrô) onde ficam as portas das composições             e 2012. Reprodução permitida, desde que as
que estacionam? Como não há indicação de uma               fontes sejam citadas.
direção única para a saída (direita ou esquerda) para
os que desembarcam, saem por qualquer lado, en-                            SINFERP
trando em choque com os que entram, pois tam-                    Rua Dona Primitiva Vianco, 600
bém desconhecem os movimentos dos que saem.                               Osasco - SP
Como pretender nessa condição de salve-se quem               Contatos ou envio de matérias assinadas
puder que o “brasileiro”, o “povo”, essa “gente” se         para publicação no São Paulo TREM jeito
encontre? Nesse cenário (e eu poderia citar deze-                       por intermédio de
nas de outros exemplos), o paulistano é educado                    imprensa@sinferp.org.br
até em excesso.

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  • 1. Ano I - número 2 - Janeiro de 2013 Publicações do SINFERP em defesa da ferrovia, ferroviários e passageiros A maquinista que evitou o pior N a manhã do dia 15 de dezembro, graças à ação rápida de uma maquinista da CPTM, foi evitado um acidente que poderia ter tido grandes proporções. Após entrar com um trem da série 5000 no Pátio de Barueri - para retornar em sentido contrário -, a maquinista executou todas as operações recomen- dadas. Parou o trem, manteve as disjuntoras em per- manência, retirou os manetes de comando e freio D esde a sua criação, em 16 de janeiro de (quando, neste momento, o trem aplica automati- 2011, o blog São Paulo TREM Jeito, além camente freio de segurança), recolocou-os no “pai- de reproduzir e comentar notícias de inte- nel ZUM” situado no armário atrás do banco do resse dos ferroviários e dos usuários de transporte maquinista, e saiu da cabine fechando-a por fora, de pessoas sobre trilhos, também produz e publica exatamente como recomendado. as suas próprias contribuições, além de outras es- critas por colaboradores voluntários, motivados pelo No momento em que a maquinista se dirigia à desejo de somar às poucas vozes em defesa da se- outra cabine (no lado extremo) pelo lado externo gurança, qualidade e melhoria do sistema metro- do trem - caminhando pelas pedras ao lado da via - ferroviário. , percebeu que o trem estava se movimentando. Então, retornou rapidamente à cabine, esforçou-se São poucos, infelizmente, mas de imenso valor para abrir a porta que havia fechado com chave (com aos esforços de fazermos dos trens metropolitanos o trem em movimento) e, por meio de ação rápida, de São Paulo um modelo do qual possamos todos acionou o freio de emergência e conseguiu evitar nos orgulhar: sem falhas e sem acidentes. mais uma tragédia neste fim de ano. Neste número de O Movimento Digital, estamos Se a maquinista não conseguisse realizar rapi- apresentando uma coletânea de várias dessas con- damente esta manobra, possivelmente o trem cor- tribuições do SINFERP à causa ferroviária. reria desgovernado para a Estação de Jandira, pois
  • 2. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 2 estacionado em trecho de descida entre as Estações de Barueri e Jandira. Após os testes o trem foi reco- E o trem sumiu lhido à Oficina de Trens em Presidente Altino. O Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana D ois trens colidiram na noite do último sá constatou, junto à equipe de manutenção, que ha- bado, dia 24 de março. Um trem de passa via uma falha no sistema de freio do trem, falha geiros da CPTM e um trem de carga da essa que ocasionou sua movimentação, a saber, va- MRS Logística. zamento em uma das válvulas do bloco de coman- do (PBA2S). Como o acidente ocorreu na longínqua cidade de Rio Grande da Serra (SP), em um dos extremos Vale lembrar que esta série de trem é da década da linha 10-Turquesa da CPTM – e antes da “turís- de setenta e, em junho de 2010, sua manutenção tica” Paranapiacaba -, não mereceu importância. (que era realizada pelas equipes da CPTM) passou Uma ou duas notícias, e a coisa parou por ai. a ser feita pela empresa CTRENS, subcontratada da Espanhola CAF. De lá para cá a confiabilidade Afinal, fica na periferia, ninguém morreu, e o nestes trens caiu consideravelmente, obrigando a tráfego foi restabelecido. Importante, é claro, os CPTM a injetar trens de outras séries para satisfa- trens continuarem circulando. Cidade pequena, com zer a demanda de passageiros na Linha 8 Diaman- 37.000 habitantes, de acordo com o censo de 2.000. te, que tem inicio na Estação Júlio Prestes e térmi- Ah, dane-se. Não é notícia, e talvez nem conste no no na Estação de Itapevi, atravessando 6 municípi- currículo de acidentes da CPTM. O que ninguém os, e transportando diariamente cerca de 500 mil diz é que os passageiros (sabe-se lá quantos) força- usuários. ram a abertura das portas para abandonarem o trem, depois da colisão. Provavelmente caminharam pe- Desde o inicio do processo de terceirização, o los trilhos até a plataforma. No relatório da CPTM, sindicato opôs-se a essa prática. Por diversas vezes esses usuários “vandalizaram” o trem quando for- alertou a direção da empresa quanto aos possíveis çaram a abertura das portas. Termo interessante. riscos que esta decisão poderia trazer aos usuários, pois a CPTM dispunha em seu quadro de profissio- Para o Sindicato dos Ferroviários de Trens de nais gabaritados para atender as peculiaridades que Passageiros da Sorocabana (SINFERP), entretan- esta série de trens exige em relação a sua manuten- to, não interessa o esquecimento. Esse acidente não ção, mas foi ignorado. é um fato isolado, mas é mais um acidente nos tri- lhos da CPTM, e faremos constar ao menos em Restou ao sindicato ajuizar ação civil pública nossos registros. contra a CPTM, e subsidiar o Ministério Público com informações visando o cancelamento do con- De acordo com as poucas reportagens, a CPTM trato. Até o momento não há manifestação do Mi- teria alegado, como causa, o maquinista do trem de nistério Público. passageiros da CPTM ter avançado o sinal. Não diz, e nem vai dizer, que o sinal é liberado local- Na política atual da direção da CPTM, de pri- mente, e não pelo CCO da empresa. Não vai dizer meiro incriminar, para depois apurar, não há dúvi- que Rio Grande da Serra é um lugar coberto por da de sobre quem iria recair a culpa desse eventual neblina, de visibilidade ruim, principalmente à noi- terrível acidente – a maquinista. Não causaria es- te. Ela não questiona o sinal, o sistema e mais nada. panto se aparecesse alguém afirmando – “tinha que Apenas procura pelo culpado mais evidente. ser mulher”. Foi o maquinista? Talvez. Mas, e se não foi? Alessandro Viana – Dirigente do SINFERP Quem foi? São Paulo TREM Jeito de 11/12/2011 Insistimos: as constantes falhas e acidentes na CPTM não são pontuais. São sistêmicas.
  • 3. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 pág. 3 Vamos apontar apenas alguns dos atendimentos 2. Linhas que transmitem os sinais desses apa- de avarias que conhecemos, e suas causas: relhos que ficam ao longo das vias, até o CCO, onde são decodificados pelo software da Alstom, permi- 01/02 – “Funcionamento anormal do equipamen- tindo que os controladores possam “ver” os trens. to – trens sumindo na aproximação do sinal 10 de São linhas (fibra ótica) antigas. Os trens são no- JRG” (Linha 7- Rubi – Estação Jaraguá). vos, mas as linhas são velhas. 01/02 – “Funcionamento anormal do equipamen- 3. O próprio software da Alstom, que “gerencia” to – trens sumindo do 8 ao 18 de ABR” (Linha 7- todas as informações que chegam pelas linhas. Rubi – Estação Água Branca). Com falhas motivadas por uma, duas ou três 16/02 – “Falha de identificação no circuito de dessas condições, como dizer que o “sistema” fun- via – trens perdendo o prefixo (sumindo) na apro- ciona e que as falhas são humanas, se são essas fa- ximação do sinal nº 10 de JRG” (linha 7-Rubi – lhas técnicas que jogam a operação sob o controle Estação Jaraguá). do fator humano? 17/02 – “Funcionamento anormal do equipamen- Quando o trem “some” da tela, controladores do to – trem sumindo do painel sinóptico na aproxi- CCO e maquinistas dependem – à distância, e ape- mação do sinal 6 de PRT via 1” (linha 7-Rubi – nas por rádio – uns dos outros. Estação Pirituba). São nessas circunstâncias – embora não apenas 19/02 – “Falha de indicação de circuito na via – nelas – que surge a prática insegura, dos trem sumindo no trecho entre os sinais 36 BFU ao controladores, de autorizarem maquinistas a “iso- 24. Prefixo UA-175 composição J-15” (linha 7-Rubi lar” ou “neutralizar” o ATC (sistema automático de – Estação Palmeiras – Barra Funda). controle de velocidade dos trens) de bordo. Fazem 22/02 – “Funcionamento anormal do equipamen- isso obedecendo ordens “superiores”. to – trem desaparecendo entre vol (PL1) e BRR Com essa autorização, maquinistas assumem (PRR06) VO1S” (linha 9-Esmeralda – Estação Vila integralmente o comando do trem, mas em opera- Olímpia). ção cega para o CCO, uma vez que controladores 25/03 – “Falha de indicação no circuito de via – não estão “enxergando” os trens. sumindo ocupação de trem no circuito 32T entre Nessa condição, maquinistas conduzem seus os sinais 16-IPV e 24-IPV na plataforma de via au- trens sem saberem ao certo o que vão encontrar pela xiliar 2 de IPV”. (linha 8-Diamante – Estação frente, pois sem a “visão” que deveria ser a eles Itapevi). informada pelos controladores do CCO. Todas essas falhas (estamos citando apenas as Fazem isso transportando milhares de vidas, e que conhecemos), e que apontam para osumiço de com apenas três meses de formação. trens nas telas de acompanhamento dos controladores do CCO (Centro de Controle Até quando a CPTM e o governo do Estado de Operacional) da CPTM, se devem a três fatores prin- São Paulo vão fazer de conta que nada disso acon- cipais: tece? 1. Aparelhos (caixas com circuitos, relês, etc.) que ficam ao longo das vias, que “traduzem” sinais da presença ou ausência dos trens nos trechos onde Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Presidente estão instaladas, e as enviam ao CCO. Os trens são do SINFERP novos, mas esses aparelhos são velhos. São Paulo TREM Jeito de 27/03/2012
  • 4. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 4 Reconheço as melhorias que ocorreram na CPTM é insegura também CPTM, porém são poucas e em um tempo enorme. O governo tucano está no poder a quase 20 anos e para os usuários não deu ainda qualidade à CPTM. Eles querem mais 20 anos para fazer isso. Mesmo assim, gerindo des- se jeito, não conseguiriam. A lém da falta de segurança para os ferroviá rios, a CPTM oferece pouca segurança aos Wellington Diego usuários. São Paulo TREM Jeito de 09/12/2011 Vamos aos fatos observados por mim, com uma experiência de 10 anos viajando de segunda a sába- do nos trens da CPTM: Trem fast food 1 - Os trens viajam lotados, o que implica em um enorme número de quedas dos usuários, em- purrões, pisões, etc. E não basta o usuário ter mais P educação, uma vez que, além da lotação não ser ara sorte de governantes, nosso povo costu culpa dele, os acidentes em função disso são prati- ma ser embalado pelo espírito do “já foi pior” camente inevitáveis. ou “melhorou”. Não é diferente com os trens que servem nossa gente “periférica”, “suburbana”. 2 - Os arredores da maioria das estações são de- gradados, sujos, mal cuidados, etc. O que isso pro- Se o trem não quebra no caminho, é lucro. Se ele voca? A presença de ladrões, estupradores e pesso- chega à plataforma, é lucro. Se nele embarca - ain- as com má intenção. Pelo menos em um raio em da que sufocado -, é lucro. O que o usuário deseja, torno das estações deveria haver mais segurança por por ele, dizem, é apenas cumprir compromisso de parte da companhia. Mas, não: ela responsabiliza o horário. Ao menos no emprego, - sabe-se -, o atraso estado ou município. explicado por problema com condução é tido como “desculpa”. “Saísse mais cedo, oras.” 3 - A grande maioria das estações da CPTM é paupérrima. O chão não tem um piso adequado, há Se a estação tem ou não escadas rolantes, sanitá- uma grande circulação de pessoas, as escadas não rios decentes, sinalização adequada ou segurança possuem segurança nenhuma (corrimãos em péssi- primorosa, pouco importa. Usuário de trens subur- mas condições, antigas, degraus com desníveis al- banos, - pelo que se imagina -, não contempla, não tos, etc.), pouca proteção contra chuva (faz-se um idealiza, não sonha. Ao exemplo de quase tudo em simples telhadinho e acha-se que está ótimo), des- sua vida, as coisas são avaliadas pela utilidade, pela nível absurdo entre o trem e a plataforma (imagine serventia meramente primária. Tendo e podendo um idoso embarcando ou desembarcando na esta- pagar, é lucro. Nessa medida, o trem está sendo ção de Brás Cubas), poucos locais de saída e entra- gerenciado pelo princípio das lojas R$ 1,99. Pena da nas estações mais movimentadas - o que ocasio- que o valor da tarifa não seja o mesmo. na lotação das escadas e corredores e implica, as- É a consciência dessa vida mecânica dos usuári- sim, em um ambiente propício a acidentes, etc. os – ou o interesse de que ela assim continue - que Enfim, eu poderia citar um grande número de anima os planos mesquinhos dos governos. Se exis- fatos que fazem da CPTM um ambiente com pouca tem estações e trens, está tudo de bom tamanho. segurança aos usuários e também aos ferroviários. Vão reclamar do que? Os trens novos têm ar condi- Uma pergunta: será que na sala do presidente da cionado. Até mordomia. Afinal, apenas passagei- companhia tem segurança e beleza, ou ele trabalha ros, apenas de passagem, e quanto mais depressa em um ambiente “seguro” e “bonito” como a esta- entrarem e saírem do sistema, melhor. Lógica de ção de Brás Cubas? restaurante self service, onde a fila anda, e a gente
  • 5. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 5 come as pressas para desocupar a mesa. “Circulan- mesmo “dono” – o governo do Estado de São Pau- do, gente, circulando!” lo. Como pode? Enquanto estivermos sob a influência de Dizem que isso se deve ao fato da CPTM ter ideólogos da operacionalidade rasa, que façam dos herdado uma infraestrutura antiga, etc. Dizem, tam- trens apenas o atendimento de necessidades bási- bém, que herdou culturas organizacionais antigas e cas, primárias, primitivas, sem a menor dimensão conflitivas entre si. de que o tempo de percurso é tempo de vida, tudo continuará do jeito que está. Trem de primeira para Talvez, mas não herdou ontem. Isso aconteceu as camadas exigentes, e trem de segunda para as em 1992, há 20 anos. Suas linhas, porém, são mui- camadas conformadas com o “já foi pior”. Afinal, to anteriores. Reduziram, inclusive, depois da cria- “melhorou”. ção da CPTM. As condições de infraestrutura e material rodante das atuais linhas 8 e 9 da CPTM, a Há hoje uma grita pela relação de oferta de trens época da FEPASA, em 1986, eram proporcional- com o cumprimento de horário de trabalho dos usu- mente melhores do que hoje. ários. O que tais defensores não estão enxergando, é que estão dimensionando os trens metropolitanos O Metrô entrou em operação em 1974, há 38 exclusivamente como veículos de interesse para as anos. Dizem que, nessa medida, o Metrô é “novo”, atividades econômicas, e nada mais. Transportam nasceu do “zero” e, portanto, sem “herança”. apenas carga, que por acaso é humana. Verdade, em certa medida, mas também verda- Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP de, em outra, que nasceu com outra mentalidade e, o que é mais importante, se mantém na mesma São Paulo TREM Jeito de 06/04/2012 mentalidade desde o nascimento: excelência na gestão da tecnologia, da qualidade, da segurança e do atendimento. São nos reflexos práticos dessa mentalidade que qualquer um de nós pode perce- ber as diferenças quando viaja em trens da CPTM e do Metrô. A CPTM tem renovado a sua frota, é verdade, mas praticamente apenas isso. A mentalidade não é renovada. Exemplo disso está nas “modernizações” das estações. São as mesmas, mesmo quando refei- tas, isto é, quando da oportunidade de fazer dife- rente, melhoradas nos quesitos da tecnologia, am- biente, paisagismo, qualidade, segurança, atendi- mento, etc. A CPTM que queremos e Nas do Metrô, é possível observar cuidados com necessitamos esses aspectos até mesmo nas pioneiras, nas anti- gas, motivo de, muitas vezes, servirem de modelo para as novas, as recentes. Passou da hora de renovar a mentalidade domi- Q ue o Metrô é melhor do que a CPTM, creio ser opinião unânime. Tal evidência está à nante na CPTM. Poderia ao menos imitar o Metrô vista de qualquer pessoa que viaje por uma em alguns procedimentos simples e baratos, tais e pela outra empresa. Ambas transportam pessoas como a adoção de sinalizações e demais medidas sobre trilhos, em espaços metropolitanos, e têm o de trânsito interno nas estações e plataformas, e que
  • 6. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 6 tão bem disciplinam e melhoram substancialmente a segurança e mobilidade dos usuários. Não precisa nem mesmo criar. Basta copiar, pois os usuários dos dois sistemas comparam, notam que pagam o mesmo preço por serviços diferentes, e principalmente que os cuidados e carinhos são muito diferentes. Em boa medida, são nessas diferenças que resi- de o motivo das depredações quando de falhas na CPTM, diferente do que acontece com falhas no Metrô. Não justifica, logicamente, mas explica. Afinal, ambientes diferentes, cuidados diferentes, e reações diferentes. em relação ao automóvel e em relação ao transporte público. E estou cada vez mais convencida disso, Além da própria diferença de mentalidade na especialmente quando penso em termos de usuários gestão, o Metrô conta com medidas que a CPTM e de públicos em relação aos modais dos quais se nem mesmo esboça adotar: a integração da ISO utilizam. 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001, isto é, gestão da qualidade, gestão ambiental e gestão de segu- Sigo São Paulo TREM Jeito desde a primeira rança e saúde ocupacional. postagem nesse blog dedicado à campanha em prol do trem como solução à crise do transporte de Tais medidas, na CPTM, fariam dela outra em- passageiros. Observo que nunca se falou tanto em presa aos olhos dos ferroviários, mas principalmente mobilidade urbana. Todos parecem estar para lá de aos dos seus sofridos usuários. conscientes de que alguma coisa precisa ser feita, Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Presidente de que há cada vez mais automóveis entrando em do SINFERP circulação, e de que mal se termina a construção de um viaduto, surge necessidade de outro. São óbvias São Paulo TREM Jeito de 20/09/2012 as vantagens do trem, de um óbvio rodriguiano, e, ainda assim, ele continua a ser visto como um transporte de segunda classe. Os meios de transporte e seus Por quê? Porque trem não tem público. Trem públicos: o trem e seus usuários possui apenas usuários, gente tratada como massa, como número, como quantidade. Público tem o metrô. Público têm as companhias aéreas. Público tem o automóvel. Público terá o trem bala, se F ala-se muito em transporte público, contrapondo-o ao transporte particular, uma acontecer. Se você pensar na população como um vez que o espaço que ocupam é o mesmo: o todo, os usuários de trem são predominantemente espaço urbano. Daí, fatalmente, a disputa a que se os excluídos de outros meios de transporte. São assiste todos os dias. Não há quem não saiba que os massa, e por aí são concebidos, pensados e tratados, carros particulares há muito já complicam o trânsito de sorte que não se tem, para trens, uma agencia nas cidades, e vão continuar complicando até um reguladora exclusiva, agindo com eficiência e tendo provável colapso, segundo os menos otimistas. Eu destaque na imprensa, como, por exemplo, tem a observo as campanhas de conscientização, mas cada Infraero relativamente às companhias aéreas. Muitas vez mais me convenço de que nada vai acontecer vezes, este papel de mediação entre público e sem que, antes, mude o comportamento das pessoas transportador passa a ser desempenhado pelos
  • 7. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 7 sindicatos de empregados, uma vez que estes consumidos, é claro, pelos mais pobres. Há ainda últimos constituem a interface que permeia usuário os praticantes do tal despojamento, que procuram e trem, espécie de marisco entre o mar e rochedo. A uma vida mais simples, vivida em menor espaço e Campanha São Paulo TREM Jeito, por exemplo, é com menos coisas. apoiada por um sindicato. Na falta de políticas públicas mais eficientes, o sindicato faz o que pode, É interessante notar que a relação entre transporte como pode, a partir de campanhas e até mesmo ¯ público e particular não é apenas uma questão de quem sabe ¯ tomando iniciativas para que se criem conscientização dos problemas envolvidos. Cons- leis mais efetivas. Mesmo greves, por vezes, reve- cientes estamos todos de que há problemas, e isso lam mais problemas do que podem momen- não muda nada. No entanto, quando a coisa passa taneamente criar. da consciência à sensibilidade, começam a se esboçar algumas mudanças. Não é sem razão que, Massificação oprime. A massificação que oprime timidamente, aparecem bicicletas, por exemplo, as- o usuário do trem, por enquanto, só tem um antídoto. sim como pessoas que optam por mudanças radicais Pensar em não precisar mais andar de trem, sonhar de vida, com reflexos em sua alimentação ¯ os ver- com o carro, cada um com a sua placa, o que remete des, por exemplo ¯ e em sua maneira de viver, ¯ os à designação de uma individualidade, de um alguém despojados. que se resgata da massa e que assume uma identidade. O carro torna-se assim um sonho a rea- Que mecanismo é esse, capaz de moldar sen- lizar, um ideal a alcançar, uma tábua de salvação sibilidades, de alterar comportamentos? Acredito que resgata alguém do anonimato a que é reduzido que seja a imitação, algo que leva alguém a aderir a na hora de escoar por uma plataforma ou sofrer na uma campanha, alterar um hábito, mudar uma pele a sensação de viajar literalmente prensado. O crença. Todo mundo imita, e imita o que adota como automóvel simboliza um ideal, uma meta, um modelo, daí se dizer que a imitação vem de cima objetivo, e basta prestar um pouco de atenção às para baixo, parte-se do que não se tem, do que se campanhas publicitárias que nos cercam para almeja, do que se observa no outro. entender isso. A relação entre o automóvel e seu Um automóvel de luxo representa hoje, no dono é uma relação de poder negada ao usuário do imaginário das pessoas, o que um casaco de vison trem, que aceita passivamente as condições que lhe já representou nos ombros de uma pin-up há alguns são impostas. Ele não tem escolha. anos atrás. Todavia, não creio que hoje alguém se Alguma coisa vem acontecendo, é verdade. Há orgulhe de esfolar bichos para não passar frio, muitos discursos. Há, por exemplo, as bicicletas. porque, finalmente, se sabe que um casaco de vison Timidamente, elas vêm surgindo, novas e modernas, só é mesmo indispensável para o próprio vison. pilotadas por gente de classe média que veste roupas Talvez algum dia o sujeito que “vista” uma Ferrari e usa equipamentos de grife. Nisso é evidente um vermelha seja tão ironizado quanto a pin-up que comportamento que também tem tudo a ver com hoje se atrevesse a desfilar por aí coberta de peles. consumo: uma consciência Cult, digamos, de quem Ora, pouco a pouco talvez essa sensibilização diz não ao carro sem deixar de aderir a uma condição aconteça. As bicicletas chiques são um bom começo. da qual pretende auferir tanto ou mais status. As Elas sinalizam uma pequena mudança que parte de lindas bicicletas pilotadas por elegantes ciclistas pessoas que, em sua maioria, embora tenham acesso equipados com roupas de grife, além de pro- ao automóvel, aprenderam a dizer não a ele. São porcionarem um belo espetáculo nas cidades, pessoas que, mesmo com plenas condições de promovem o surgimento de uma nova tribo, não possuir um automóvel, dizem não, e saem de sem reflexos na política, fora o apoio que daí resulta bicicleta, ainda que não sem abrir mão do status a partir da adesão de outras tribos: os verdes, por que essa opção lhes confere a partir de uma “atitude” exemplo, pessoas que podem pagar por produtos que desfruta de um bom grau de aprovação social. orgânicos enquanto desdenham os transgênicos, Não é por menos que atualmente já existe, embora
  • 8. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 8 ainda de forma tímida, a possibilidade de se alu- sonora, e do próprio trem diz-se que produz as muito garem bicicletas públicas. É a imitação funcionando. pouco desejáveis externalidades. Sem dúvida, o automóvel preserva nossa indi- Parece que apenas românticos e passadistas ainda vidualidade. Ninguém nega que há certo glamour procuram encontrar nos trens um pouco de glamour, envolvido em andar de avião, e até de metrô, com e essa ideia preocupa, porque aí reside uma tentativa suas fascinantes estações subterrâneas, quando não de desqualificar os defensores desse meio de trans- são majestosas como a recentemente inaugurada na porte, de todos, o que tem a oferecer as soluções linha amarela. Não há como o usuário não se sentir mais eficientes, ao menos do ponto de vista custo- valorizado quando se vê num lugar limpo, bonito, benefício, coisa que já está para lá de provada. Por iluminado. São estações que recepcionam bem o que então essa resistência em investir em trens de seu público e geram bem-estar. Aeroportos são as- passageiros? Como justificar a desativação de li- sim também, tornando-se pontos de socialização in- nhas? Difícil não encontrar aí um sinal de aparente clusive. Mas e os trens? descaso para com o usuário desse meio de trans- porte. Os trens já tiveram seu passado glorioso. No tempo em que visavam atender a um público. Conferir identidade a essa massa de usuários de Testemunho disso nos dá a Estação da Luz, a Júlio trens me parece ser um bom começo, começo que Prestes, por exemplo, para ficar em São Paulo. No passa, certamente, pelo investimento em estações geral, contudo, atualmente, as estações são feias, por onde circulam milhares de pessoas que, embora pesadas e oprimem a quem quer que por ali passe. não disponham do mesmo poder aquisitivo dos Se levarmos em conta, de um lado, o grande número usuários de outros modais, nem por isso são menos de pessoas que transitam por uma estação de trens, representativas na hora de fazer valer, ao menos, e, de outro, o pouco ou nenhum apelo social, cultural seu número, seja votando, seja aderindo a cam- ou comercial empreendido na grande maioria dessas panhas ou mesmo mobilizando-se em função de al- estações, está aí uma relação que só confirma que gum bom projeto legislativo. Humanizar estações os usuários de trens não são considerados como de trem pode ser um bom começo. Quem não gos- público, mas vistos e tratados como massa, como taria de encontrar ali exposições, cafeterias, li- dado bruto do qual se extraem estatísticas. vrarias, música ao vivo, teatro? Certamente, isso mudaria o perfil desse usuário sofrido, que deveria São sem identidade. Fossem considerados como ser valorizado tanto quanto o público afeito a outros público, e não faltariam apelos comerciais e modais. Enquanto isso não acontece, contudo, o culturais que sempre visam a um alvo determinado. jeito é sonhar com a Ferrari vermelha e com a pin- A massa não é alvo de nada. É temida e deve ser up, só que esta última já usando apenas couro contida, dirigida, manobrada. A massa é reputada ecológico, para felicidade do vison. como tendo força, e não opinião. Ela responde a apelos emocionais e não a argumentos racionais. Maristela Bleggi Tomasini - Advogada em Porto Se lhe nega a individualidade com que se distinguem Alegre (RS) os públicos. Estes, ao contrário das massas, possuem opinião e se comportam como consumidores, São Paulo TREM Jeito de 22/09/2012 tornando-se um alvo a conquistar. As janelas dos trens nos mostram paisagens urbanas periféricas, as estações das quais se parte ou nas quais se chega não nos convidam a ficar um pouco mais. São vias de passagem, de escoamento, de circulação. O barulho e o apito dos trens, que outrora despertava nossa imaginação, hoje é associado à poluição
  • 9. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 9 menos em princípio, para alimentar as decisões dos reformadores urbanos, e aparentemente fundamen- O papel civilizador dos tais para o pressuposto de que as coisas se resol- trens urbanos vem por planejamento. Não é isso, porém, o que a vida urbana tem nos ensinado, e sem a necessidade de tantos números. A exemplo de quase tudo que aparentemen O bairro operário de hoje, com suas casinhas e pe- te pode ser resolvido no “atacado”, trans quenos jardins, transforma-se amanhã em um con- porte, trânsito e mobilidade tornaram-se glomerado de edifícios de apartamentos colados uns assuntos de interesse tipicamente quantitativo. aos outros. Planejamento? Não. Dinâmica social, e Bem verdade que em São Paulo os números são principalmente econômica, da história urbana da sempre hiperbólicos – o que parece explicar certa cidade. Não é diferente com os jardins e suas ele- adoração por eles – mas o reducionismo não se jus- gantes residências, mais tarde tomadas por comér- tifica. cios e serviços de luxo, e ainda mais tarde ocupa- das por comércios e serviços populares. Também É um festival de números. Pela prática usual de nesse caso, nada explicado por planejamentos, mas um usuário por automóvel, calcula-se quantos pelo movimento de determinantes em boa medida metros quadrados de área pública são utilizados por geradas pelo acaso. Tais fenômenos podem ser ex- automóvel/pessoa nas ruas e avenidas. A partir desse plicados a posteriori, mas não rascunhados a número, calcula-se a mesma relação área pública/ priori com a presunção de que as coisas aconteçam ônibus/pessoa, etc. conforme o previsto. Por aí vai. Número de pessoas por metro qua- A cidade é viva. drado nos ônibus, trens e metrô. Relação entre tem- po e distância nos mais diversos trajetos, e por A própria história do estado de São Paulo deve- modal. Número de acidentes pelo número de veí- ria nos ensinar ao menos uma coisa: cidades e regi- culos, etc. sem contar as famosas pesquisas origem- ões inteiras nasceram à margem das ferrovias. Não destino. foi diferente, em boa medida, com bairros da capi- tal e cidades da denominada Grande São Paulo. Os O interessante, em toda essa monomania dos trens movimentavam cargas e pessoas – nessa or- cálculos, é que os números parecem apontar para dem – e em cada estação formavam núcleos, que alguma outra coisa que não seja o exercício mesmo mais tarde se transformavam em grandes aglome- de calcular, e de servir de alimento concomitante rados. para a monomania da informação, ainda que com- pletamente inútil, pois nada de significativo tem A procura cada dia crescente por trens e metrô acontecido na vida das pessoas, apesar das demonstra a importância dos trilhos na solução do incontáveis sopinhas de algarismos. binômio transporte/trânsito. Como são escassos, fi- caram rapidamente saturados. Agora é uma corrida Qual não foi a minha surpresa, na linha da cul- – ao menos discursiva – para a expansão, mas que tura inútil, ao saber que o meio de transporte mais encontra um terrível obstáculo: poucos são os es- utilizado em São Paulo é o elevador. Que a grande paços livres disponíveis para eles, exceto por baixo metrópole é verticalizada, parece evidente. Não sa- ou por cima das casas, prédios, ruas e avenidas. Dois bia, porém, que se transitava tanto verticalmente. espaços caríssimos pelas dificuldades de ocupação. De qualquer modo, gostamos mesmo de núme- Os trens metropolitanos têm muito para onde ros. Eles emprestam um ar de solenidade com aura crescer, expandir, mas não mais nas áreas adensadas. de pesquisa, de ciência, e sempre impressionam as Cresceriam nas direções hoje menos povoadas e, plateias. Eles parecem ser de vital importância, ao nessa medida, exerceriam o papel “civilizador” que
  • 10. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 10 desempenharam no passado: trilhos, estações, po- voados, vilas e cidades. Tal pensamento, porém, passa longe das pran- chetas dos reformadores, pois norteados por dois conceitos estranhos em mentes que deveriam estar a serviço do interesse público, social: demanda e rentabilidade. Nada fazem pensando no futuro, e menos ainda no que não esteja a serviço do lucro imediato, principalmente para os “parceiros” do Estado. No passado, as pessoas iam para onde estava o Vandalismo, sabotagem, e transporte; agora, estamos todos diante da grita para saber como levar transporte para onde estão as pes- outros termos que precisam soas, e ilhadas. Recentemente “descobriram” que ser repensados imóveis próximos a estações são muito valoriza- dos. Que gênios… E m São Paulo e Rio de Janeiro a história se Enquanto isso não se resolve – se é que se resol- repete, e com certa frequência: falhas nos va – vamos colecionando outros números: número trens metropolitanos - nos horários de pico - de horas/dia de existência literalmente perdidas no , e não raro o povo reage com depredação. A solu- trânsito, horas de sono perdidas por levantar cedo e ção é sempre a mesma: a polícia é chamada para dormir tarde por conta das dificuldades de trans- defender o patrimônio das concessionárias – sob a porte, do percentual de nossos rendimentos que bandeira da defesa da ordem - e “arrepia” todo deixamos apenas nas operações de ir e vir, e por ai mundo com cacetadas, bombas de gás lacrimogênio, também vai. além de por na cadeia meia dúzia de “arruaceiros”. Afinal, o povo “tem que aprender”. No plano qualitativo, pouco se fala de conforto, segurança, beleza e civilidade nas relações de trân- Quando existia direita e esquerda, essa era prá- sito, e menos ainda nos meios de transporte. “Edu- tica da direita, seguida de duros protestos da es- cação”, dizem, transferindo aos cidadãos a respon- querda. Hoje essa é a prática de todo mundo, segui- sabilidade e a culpa pelos próprios sofrimentos. Os da de protestos comuns contra o vandalismo, mas números não contemplam esses aspectos da vida não contra o descaso irresponsável das concessio- denominada “subjetiva”, como se toda a calculeira nárias. Ainda nos dias atuais - com alicerce na me- não tivesse, como finalidade, atender as necessida- mória de um tempo que ficou em passado muito des dos “sujeitos”. Afinal, elegância no viver deve distante -, há quem aposte em sabotagem. ser apenas um luxo, bem acima das necessidades da maioria dos mortais. Não há sabotagem. Há falhas por falta de inves- timentos, por falta de manutenção preventiva, e pela Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP completa certeza de impunidade. São Paulo TREM Jeito de 29/05/2012 Para um sindicato absolutamente apartidário - e que convive diariamente com ferroviários e passa- geiros de trens metropolitanos -, fica claro que ex- pressões tais como “vandalismo”, “sabotagem”, “or- dem”, “patrimônio”, etc., são verdadeiras nuvens de fumaça. Servem apenas para iludir a imprensa, que se encarrega de iludir o grande público.
  • 11. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 11 O problema é antigo, e não tem nenhuma outra Quando das “depredações”, a “culpa” pelo incidente razão que não seja o desespero de toda uma cama- recai sempre sobre os ombros dos usuários, enquan- da social que depende dos trens para ganhar o sus- to elas, as concessionárias, saem de cena, de fini- tento. Gente depredada pela vida. nho, e escapam, como sempre, de toda e qualquer responsabilidade pela dor que impõem aos que dela Em 1941 (ou por volta dessa data), Arthur Vila- dependem. rinho, Estanislau Silva e Paquito compuseram um samba que fez sucesso na época, e que merece ser Devolver o dinheiro da passagem é fácil. Quem, relembrado: porém, irá devolver o emprego, a prova ou a con- sulta perdida, por conta de uma situação inespera- Patrão, o trem atrasou, por isso estou chegando da (diferente de greve e fechamento de linha para agora, trago aqui um memorando da Central, o manutenção, pois anunciados), e que deveria ser trem atrasou meia hora, o senhor não tem razão evitada a todo custo pelos gestores das concessio- para me mandar embora. O senhor tem paciência, nárias? é preciso compreender, sempre fui obediente, reco- nheço o meu dever, um atraso é muito justo, quan- Governo, concessionárias, políticos, e até mes- do há explicação, sou um chefe de família, preciso mo Ministério Púbico defendem usuários contra ganhar o pão, e eu tenho razão. “abusos” de sindicato de ferroviários. Quem, po- rém, defende os usuários contra as abusadas con- Para os muitos milhares de trabalhadores que não cessionárias? Ironicamente, quem está fazendo isso podem honrar compromissos com horários - por é um sindicato de ferroviários. conta das falhas dos trens -, a situação perdura: de- missão ou faltas registradas em seus prontuários, Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Presidente com consequências desastrosas para as suas vidas. do SINFERP Fácil, portanto, aparecer um mauricinho qualquer de uma dessas concessionárias, dizendo que, nes- São Paulo TREM Jeito de 21/09/2012 sas horas, o importante é manter a calma. Isso, é claro, sem falar do estudante que perde uma prova, de um doente que perde a hora da consulta agendada há mais três meses, etc. Calma pode ser remédio para quem não vive da pressa, e menos ainda na pressa. Se, porém, os ferroviários fazem greve, estes mesmos argumentos surgem de todos os lados, e Jihad ferroviário de todas as bocas. São, porém, completamente es- quecidos quando das falhas das concessionárias, embora, na prática, tão ou mais prejudiciais do que P articipei no início do mês passado, na condi as greves, uma vez que elas, quando ocorrem, são ção de representante do Sindicato dos Ferro previamente anunciadas, e com tempo de duração viários de Trens de Passageiros da normalmente previsto, a exemplo do fechamento Sorocabana – SINFERP -, de um programa de rá- de linhas para obras de modernização ou reforma. dio em Osasco (SP), com feitio de roda viva. No Dois pesos e duas medidas. centro da roda fui bombardeado por questões sobre transporte de pessoas sobre trilhos em São Paulo, Normas e atos das concessionárias precisam ser em especial na CPTM. fiscalizados por órgãos externos e independentes. Elas precisam ser responsabilizadas por prejuízos Foi muito bom, pois animado por condutores in- que acarretam aos milhares e milhares de usuários, teligentes, sérios, e dotados de uma competência e que dependem de seus serviços para ganhar o pão. cada dia mais rara: a indignação.
  • 12. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 12 A pergunta mais provocativa veio logo de início, ou falhas mesmo? Claro que, cautelosos, falam em e foi mais ou menos a seguinte: “Você não acha “indícios”, mas plantam um clima de suspeição que há excesso de problemas justamente em ano grave, e que recai de forma difusa sobre todos que, eleitoral?”. teoricamente, possam tirar algum proveito de problemas na empresa, tais como falhas ou mesmo Sei que o jornalista nem mesmo acredita no que acidentes. perguntou, mas valeu como provocação, e serviu para que eu começasse a preparar-me para lidar com Nessa medida, saem do corner em que estão a nova-velha ”tendência”. acuados diante de pressões da opinião pública, e correm para o banco das vítimas. “Não somos nós, Respondi, com humor habitual, mais ou menos mas os sabotadores”. Esse era o desejo do emprego o seguinte: do termo, ao menos no passado. Quando da morte de cinco ferroviários, e a A mera suspeita tornada pública é extremamente imediata sentença de culpa pela própria morte, grave, e não pode ser lançada ao vento de modo decretada pela CPTM, não encontrei outra razão indiscriminado. Motivo? Gera pânico, e de forma para tamanho nonsense do que imaginar que a inconsequente. A simples suspeita é motivo para empresa estivesse repleta de suicidas. Divaguei, envolver setores especializados em investigações também, sobre a possibilidade de maquinistas criminais - uma vez que se fala em crime -, encontrar homicidas, que saiam pelas linhas caçando colegas os culpados e trazê-los a luz. O sindicato nunca desatentos. Talvez uma relação sadomasoquista teve prática nem mesmo assemelhada. entre eles. Disse que foram removidos os sensores de Agora, disse, você insinua a velha e famosa descarrilamento dos trens novos, e foram. Disse que suspeita de que possam estar eventualmente maquinistas eram obrigados a desligar o sistema praticando sabotagem, com o intuito de automático de velocidade de bordo, e eram. Disse desestabilizar o governo de plantão. Esse apelo foi que algumas vezes os trens “sumiam” dos monitores comum à época que a CPTM foi presidida por um dos controladores do CCO, e sumiam. Disse que carioca absolutamente desconhecido no meio havia problema em rede aérea e em subestações de metroferroviário paulista. Tudo, absolutamente tudo energia, e agora estão sendo corrigidos. Diz ainda o que acontecia de errado na empresa, era depo- hoje que há problemas com sistema de sinalização sitado na vala comum da sabotagem. Nem mesmo e comunicação. Diz que é um equívoco deixar vandalismo – mas sabotagem. manutenção de trens aos cuidados de empresas Vandalismo, eu disse, significa apontar o dedo terceirizadas. Diz que é arriscado reduzir o intervalo na direção de uma população difusa. Sabotagem, entre trens com as práticas e problemas acima entretanto, pressupõe o ato intencional de produzir apontados. O sindicato diz onde estão os problemas um dano e, nesse sentido, aponta de forma direta da empresa, e que podem redundar em falhas e para uma pessoa ou grupo de pessoas com interesse acidentes. Não os inventa, e tampouco os cria. bem definido quanto aos resultados de suas ações. Apenas os aponta. Não disse tudo isso exatamente com estas pa- Rogério Centofanti – consultor do SINFERP lavras, mas como o programa foi gravado, posso São Paulo TREM Jeito de 23/04/2012 assegurar ao menos o espírito das colocações. Pois bem: passado um mês dessa participação, e não é que CPTM e secretário dos Transportes Metropolitanos aparecem com suspeita de sabotagem – pelo excesso de coincidência de falhas - sobre o que pode ser devido a atos de vandalismo,
  • 13. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 13 ta-se com o que a ela é oferecido e guia-se pelo con- formismo do “já foi pior”, “poderia ser pior”, “an- A bovinização dos trans- tes isso do que nada”, etc. portes metropolitanos de Nessa lógica da sobrevivência, não sobra espaço pessoas sobre trilhos nem mesmo para o exercício da imaginação. Quan- do muito para comparar e, na melhor das hipóteses, para imitar. Por outro lado, comparar com o que e É sabido que as pessoas não compram um pro imitar a quem? duto ou serviço, mas os benefícios do produ to ou do serviço. Em linguagem de mercado, Éverson Paulo dos Santos Craveiro - vice-presi- pode-se dizer que compram também os services, isto dente do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana é, alguns outros benefícios adicionais, capazes de surpreender pelo diferencial. São Paulo TREM Jeito de 02/07/2011 É com base nesse entendimento que as indústri- as produzem e o comércio vende. Um automóvel é um automóvel, e o diferencial entre eles – que visa conquistar a preferência dos consumidores – fica por conta do elenco de benefícios agregados ao pro- duto: ar condicionado, vidro elétrico, etc. Na reven- da, o comércio igualmente cria diferenciais: condi- ções de pagamento, prazo de garantia, etc. Essa prática, entretanto, não funciona em mer- cados monopolistas, como é o caso dos trens de passageiros. Neles, o usuário costuma comprar li- teralmente o serviço bruto, isto é, ir de um lugar a outro em troca do valor da passagem. Se ele vai viajar de pé, sentado, apertado, folgado, com frio, com calor, seguro, inseguro, etc., pouco importa ao concessionário público ou privado. O preço da pas- sagem é sempre o mesmo, qualquer que seja a cir- cunstância. O mesmo vale para as estações. A quem importa saber se tem lugar para sentar, beber um copo de água ou mesmo servir-se de um banheiro? O pensamento “suburbano” Impera a mesma lógica de atendimento do servi- dos gestores da CPTM visto ço de saúde. Quem quer ser atendido de forma “di- pela exterioridade de suas ferenciada” (bem atendido) deve pagar por isso. No caso do trem de passageiros, deve comprar um au- ações tomóvel, helicóptero, ou fazer uso de taxi. A esse nivelamento por baixo dá-se o nome S e acidentes formam (ou deveriam formar) a de atendimento de massa: saúde, educação e trans- preocupação maior de construtores, porte, não raro incluindo moradia no mesmo paco- mantenedores e operadores de qualquer modal te. Eis a fórmula da bovinização. de transporte de pessoas, por dedução pode-se ima- Acostumada a ser tratada como manada, ginar que segurança deva ser o valor primeiro no a massa adquire comportamento de manada. Ajei- pensamento e nas ações desses atores.
  • 14. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 14 Esse valor é facilmente observado no transporte Plataformas inseguras, desprovidas de sinaliza- aéreo de passageiros. Desde cuidados com detalhes ção e de agentes orientados para informação e cui- nos aeroportos, até detalhes nas operações de em- dado dos usuários. É um verdadeiro perigo ficar na barque e desembarque, sem dizer nos detalhes de linha de frente quando lotada de passageiros a es- bordo. pera do próximo trem, sem contar a ausência dos referidos agentes para disciplinar entrada e saída de Vemos que segurança é valor nas estações, nos passageiros. Salve-se quem puder. acessos, nas plataformas, nos procedimentos e nas composições do metrô. A distância e a altura entre a plataforma e a porta do trem são variáveis, e quase sempre para pior, isto Vemos esse mesmo valor no sistema (estações, é, concorrem para com a insegurança no embarque acessos, plataformas, procedimentos e composi- e desembarque. De repente, o trem apita, fecham- ções) de trens metropolitanos da CPTM? Se tomar- se as portas e parte. Salve-se quem puder. mos os aeroportos, as companhias aéreas e o coirmão metrô como parâmetros, podemos literal- Dentro das composições, continuam os “sinais” mente afirmar que não. de descuido e insegurança. Nem sempre funcionam os autofalantes que anunciam as estações, e os pai- É óbvio que, se tomarmos a bandalheira da néis de indicação luminosa delas, nos trens novos, SuperVia (trem metropolitano privado do Rio de simplesmente estão desativados. Nas composições Janeiro) como modelo para comparação, a CPTM antigas, os vidros (na verdade acrílicos) estão tão é um exemplo de virtudes. Mas, como não estamos riscados que é impossível ver o que passa no exteri- no Rio de Janeiro, vamos ficar com os correlatos or. Talvez para que o passageiro não veja a feiura paulistas. das vias, dos muros e a ferrugem dos pórticos. Nas Segurança não significa ver dois agentes estações, indicativos do local ficam concentrados terceirizados andando para lá e para cá – no estilo em poucos pontos, sem que o passageiro saiba onde Cosme e Damião - nas plataformas, e tampouco a está. Salve-se quem puder. garantia de que os trens circulam com as portas fe- Se o trem quebrar no meio do trajeto (o que não chadas. é incomum), os passageiros precisam literalmente Segurança é - além de uma questão material -, saltar para os pedregulhos da via, de uma altura pe- uma sensação, mas que forma-se a partir de impres- rigosa até mesmo para jovens em boa forma física, sões compostas por “sinais” materiais. correndo riscos de todas as espécies. Nem escadas e nem agentes para ajudar. Salve-se quem puder. Os entornos das estações ferroviárias são horrí- Na verdade, salvam uns aos outros, por conta da veis. Ambientes escuros, sujos, abandonados, de- solidariedade típica dos sofredores. Ao exemplo de gradados, compostos de comércios molambentos, tudo, entregues a própria sorte. e de personagens sinistros. Quem não cuida nem mesmo dos sinais exterio- As estações são feias, desprovidas de qualquer res, o que dizer daqueles ainda mais importantes, e estética, construídas com materiais de segunda, su- que não estão sob o olhar ou capacidade de avalia- jas, escuras, descuidadas, e convidativas apenas para ção crítica dos usuários? a passagem (de onde passageiros) mais rápida pos- sível. Nada nelas evoca sentimentos de admiração, Dizem que o melhor lugar para conhecer a higi- contemplação ou orgulho. Não têm nenhum con- ene de um restaurante não é o salão de serviço e forto, nem mesmo o mínimo para atender necessi- nem a cozinha, mas o banheiro. Correto. dades primárias de seus passageiros (daqueles que Se a preocupação com segurança da CPTM é a estão de passagem). Mesmo nas recém reformadas que mostra pela porta da frente, qual será a da porta impera o espírito do puxadinho funcional.
  • 15. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 15 do fundo? Bem, talvez o lado que dela conhece- mos seja a porta do fundo. O povo não ajuda, dizem os administradores. Maquinista – figura do mal Não ajuda, é verdade, mas quem cuida do que nem ou figura da conveniência? o dono (ou administrador) cuida? Estações de trens metropolitanos não podem ser dimensionadas - por seus administradores -, como se fossem estações rodoviárias, cujo descaso tam- M bém não se justifica. Seus usuários costumam ser aquinistas de trens metropolitanos andam cativos, são usuais, mais do que meros usuários. em baixa junto ao conceito de muitos públicos. O motivo disso deve-se ao fato As pessoas cuidam do que gostam - como de de serem constantemente responsabilizados por praças e lugares públicos dos quais se apropriam - acidentes. Isso tem sido verdadeiro em São Paulo, , isto é, que dê a elas um sentimento de pertinência. e bem recentemente na Argentina. A direção da CPTM não tem capacidade de pensar, e menos ainda de criar ambiência para tal. Não é Curioso sobre essa espécie tomada como irres- capaz de emprestar alguma alma as suas ponsável, decidi conversar informalmente com um dependências e serviços. pequeno grupo deles. Diferentes entre si, sob mui- tos aspectos, têm em comum um jeitão desconfia- A impressão que fica é que seus administradores do frente a estranhos. estão convencidos da situação frágil de seus passageiros – normalmente sem outras opções de Não é difícil, com o passar do tempo, entender transporte – e faz deles reféns do “para eles está seu jeitão. Devem ser os únicos profissionais soli- muito bom”. Afinal, estão aumentando o número tários das ferrovias, uma vez que, em suas cabines, de trens, reduzindo os intervalos entre eles e, se comunicam por rádio com o CCO (Centro de portanto, danem-se os passageiros se não oferecem Controle Operacional), e com o pessoal da escala, “perfumarias”, dentre elas a segurança, que vai apoio, supervisão e o próprio CCO, por meio de muito além do mero viver ou morrer. um celular especial cedido pela empresa para uso em expediente. Não é - pelo que disseram - uma Exagero? Para quem desconhece, basta “prosa” propriamente “reconfortante”, como pos- perguntar para qualquer usuário, que, na melhor sível aos demais trabalhadores que atuam em ativi- das hipóteses dirá – “já foi pior”. dades coletivas, onde a interação social mescla-se com a profissional. O rádio e o celular especial pres- Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP tam-se exclusivamente ao plano da comunicação São Paulo TREM Jeito de 20/12/2011 profissional, e quase sempre para que recebam or- dens de seus interlocutores. No caso do rádio, conversam em linha fechada com o CCO, mas a resposta é aberta, isto é, ouvida por todos os demais maquinistas em operação na- quele momento. Em situações tensas, como acon- tece algumas vezes conosco nas comunicações pro- fissionais, todos os demais maquinistas ouvem as respostas do CCO. Não é difícil imaginar que isso seja constrangedor, ao menos em alguns casos. Li- mitação tecnológica ou controle intencional sobre condutas? Não perguntei.
  • 16. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 16 Quanto ao uso do celular especial, há uma res- bilizados nessa condição pelas operadoras e pelos trição interessante: não pode ser utilizado pelo ma- passageiros, quando convém. quinista com o trem em movimento e, quando pa- rado, dentro da cabine. Não entendi o motivo da Uma das razões dessa discrepância parece-me proibição do uso do celular da empresa dentro da passível de explicação no trajeto histórico da própria cabine, mesmo estando o trem parado, mas não ou- profissão. Até a proximidade da década de 90, a sei perguntar. pessoa ingressava na “carreira ferroviária” – em especial na tração – por intermédio de um curso de Quase todos já foram vítimas de usuários en- “ajudante de maquinista”. Esse curso tinha a furecidos. Alguns falaram inclusive em invasão da duração de um ano. Aprovada, a pessoa trabalhava cabine. Afinal, do ponto de vista do usuário, o ma- durante cinco ou seis anos como ajudante de um quinista é o “comandante” do trem, e a ele res- mesmo maquinista (era ajudante daquele ma- ponsabilizam quando quebra, atrasa ou demora quinista), e só depois desse período poderia pleitear partir, principalmente nos últimos tempos, quando uma vaga de maquinista. Nesse caso, frequentava a empresa e o governo deles fazem o que há para um “curso de maquinista”, com duração de seis responsabilizar em caso de acidentes. meses. Aprendiz e oficial. Ainda assim, o novo ma- quinista iniciava em manobras, depois em trens de Diferente de qualquer outro condutor (de carga, mais tarde em trens de passageiros de longo aeronave, nave ou mesmo de ônibus de longo percurso e apenas finalmente em trens metro- percurso), não tem banheiro na cabine. Se a situação politanos de passageiros. Priorizava-se a segurança aperta, terá que suportar até o final do trajeto. Todos das vidas humanas. os seus movimentos internos são monitorados por uma câmera de vídeo e as imagens controladas pela Com o desmonte da ferrovia paulista, des- empresa. Não podem, também, comer ou beber du- montou-se também a carreira ferroviária. A rante o trajeto, e menos ainda na cabine. passagem da capacitação, também na década de 90, caiu da trajetória ajudante-maquinista para a Como se pode notar até aqui, o maquinista é um formação de maquinistas em apenas seis meses. profissional sujeito a pressões internas e externas. Mesmo assim, seis meses de formação para que o Essa condição não é prerrogativa dele, decerto, mas aspirante fosse habilitado a conduzir um tipo (série) torna-se agravante no caso de um profissional que de trem. A partir de 2000, o tempo de formação caiu conduz milhares de vidas em um trem que custa para três meses para cada tipo de trem (série) e, hoje, uma fortuna. No seu caso, um acidente é capaz de continuam os mesmos três meses de formação, mas produzir mais danos a pessoas do que a queda de para todos os tipos (séries) de trens. um avião ou o naufrágio de um navio. Estra- nhamente, entretanto, naves e aeronaves são mais Perguntei pelo simulador tão propagandeado pela seguras, pois dotadas de instrumentos e de pro- operadora e pelo governo do Estado. Riram e dis- cedimentos seguros, sob a tutela de regulamentos seram ser um “vídeo game gigante”, utilizado para internacionais, além de profissionais longamente “reciclagem” dos maquinistas. capacitados. Desses três meses, metade em sala de aula, e a Os maquinistas com os quais conversei, porém, outra metade na prática, com acompanhamento de não têm a autoimagem de um comandante de nave um monitor. O monitor é um maquinista, sem ou aeronave. Talvez nem mesmo vejam a si mesmos formação específica para ser instrutor, com um ano como comandantes, embora sejam responsa- e meio ou dois de experiência enquanto maquinista.
  • 17. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 17 Imaginei, porém, que nos quarenta e cinco dias certa maneira, estão conformados com a situação de sala de aula os aspirantes a maquinistas de bodes expiatórios de todos os pecados da aprendessem muita coisa sobre o sistema ferroviário empresa. (rede aérea, material rodante, CCO, manutenção, Soube por eles, por exemplo, que os trens moder- via permanente, etc.). Constrangidos, disseram-me nos da CPTM são dotados de sensores que indicam que esses “detalhes” são ensinados em cinco dos descarrilamento. O que isso significa? Caso ocorra quarenta e cinco dias, e hoje por intermédio de o descarrilamento de um ou mais rodeiros (rodas), vídeos. “E o que aprendem nos demais dias?” – per- o sensor ativa um sistema eletrônico que imedia- guntei. Procedimentos Operacionais foi a resposta, tamente freia a composição. Mas o maquinista não um manual tamanho família. percebe? Não imediatamente, dizem eles, em espe- Fazem algumas provas durante o curso, outras cial se o descarrilamento ocorrer com um rodeiro ao final e, aprovados por um supervisor da tração, na cauda do trem. “Qual o problema, então, se existe estão habilitados como maquinistas, e recebem um o sensor”, perguntei. Para minha completa surpresa, trem da série 7000 para conduzirem, solitariamente, soube que os sensores de todos os trens novos da milhares e milhares de vidas todos os dias. CPTM foram desativados nas oficinas. Motivo? Como o alinhamento dos trilhos não é perfeito, o Se as coisas forem como disseram – e não tenho sensor pode identificar uma ondulação na via como motivos para duvidar – como podem ter sentimento um rodeiro descarrilado e automaticamente frear de carreira? É apenas um emprego, e arriscado para toda a composição. Nesse caso o maquinista teria eles e para os usuários. que sair da cabine e percorrer pela via todo o trem Essa situação, por si só, é uma condição de risco. para constatar se foi ou não apenas um erro de leitura Não consigo imaginar uma empresa de ônibus en- do sensor, e isso iria prejudicar a movimentação tregar nas mãos de motorista novato um veículo, e (horários, intervalos, etc.). A solução encontrada menos ainda com passageiros. Ou entrega? Em na- pela CPTM foi desativar todos os sensores. Um vegação marítima e aérea isso seria inconcebível. quesito de segurança foi desativado, e a respon- sabilidade de perceber e reagir a um eventual des- Interessante notar o que denomino de resignação carrilamento passa toda ela para o comando direto do grupo. Mesmo com consciência desse cenário do maquinista. inadequado, os maquinistas com os quais conversei mostraram-se movidos por medo e culpa. Medo de Curioso quanto ao tal “sistema” tão propalado estarem envolvidos em qualquer tipo de acidente, e pelos gestores das operadoras e por autoridades do com sensação coletiva de culpa diante de um aci- governo do Estado, quis saber um pouco sobre ele. dente qualquer. Reconhecem erros próprios e de co- Afinal, quando de um acidente correm para afirmar legas. Sabem que alguns se alimentam durante o que o “sistema” funcionou, e que, portanto, a falha trajeto, colocam objeto na frente da objetiva da foi humana. câmera para que não sejam vistos burlando alguma Soube que o famoso sistema chama-se ATC norma, outros preenchem pranchetas em plena ope- (Automatic Train Control), que é um Controle ração para ganhar tempo na hora de sair do trabalho, Automático de Trens. Ah, isso é o sistema. Um etc. Não negam que isso é indevido e perigoso. conjunto de equipamentos que automatizam o Sabem, porém, que existem erros humanos acima controle sobre a velocidade dos trens. Perguntei se dos deles, mas que não são visíveis e, portanto, funciona e me responderam que sim. Descobri incapazes de serem identificados e penalizados. De depois, por meio de pesquisa, que o ATC foi
  • 18. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 18 instalado entre 1979 e 1980, quando da moder- mesmo ATC isolado (“sistema” desativado), não nização dos trens metropolitanos da FEPASA. A forma um cenário propriamente seguro. Nessa me- época o Metrô já fazia uso do ATO (Automatic Train dida, fazer do maquinista o vilão de todo e qualquer Operation), isto é, a condução do trem independe acidente é no mínimo uma imoralidade. do maquinista, exceto em emergência. Fosse o tal “sistema” eficiente e seguro como Ora, pensei, se o ATC funciona, não há nada que querem nos fazer crer, não haveria necessidade do possa explicar um acidente de trem motivado por CCO exercer papel disciplinador sobre os ma- velocidade e, nesse caso, o maquinista não tem quinistas, e muito menos o de “autorizá-los” a burlar como promover estragos, ainda que queira. Ledo o próprio “sistema”. Fosse ele eficiente e seguro, e engano. até mesmo os quarenta e cinco dias para preparo profissional dos maquinistas talvez fossem ex- Disseram-me que, com frequência, por rádio o cessivos. CCO (Centro de Controle Operacional) “autoriza” (o maquinista não pode recusar a “autorização”, pois Tem alguma coisa errada nessa história, que não prevista nos tais Procedimentos Operacionais) a a exclusividade dos maquinistas. Ainda que pra- isolar o ATC de bordo (desligar o controle auto- tiquem pequenos deslizes, um “sistema” que depen- mático de velocidade do trem). O CCO diz também, da de atitudes praticamente robotizadas de opera- nesse caso, qual a via a seguir, até onde (local ou dores não parece ser propriamente exemplo high estação) conduzir a composição e a velocidade a tech. ser adotada. Nessa condição, o trem fica com- Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP pletamente sob o comando do maquinista, que passa a assumir todos os riscos da “autorização”. São Paulo TREM Jeito de 27/02/2012 “Qual o motivo disso”, perguntei. Reduzir o tempo de percurso e o intervalo entre os trens, res- ponderam. Estranho, pois imaginei que isso fosse controlado pelo tal “sistema”. Soube, depois, que as peculiaridades do ATC da CPTM não atendem as condições de intervalo entre trens que a empresa insiste em praticar. Em sendo verdadeiro, a situação é de extremo risco. Será mesmo o passageiro “Isso é ocasional”, perguntei. Riram discre- tamente, mas riram, dando a entender que é habitual. paulistano mal educado? Se o que disseram for verdadeiro – e não tenho motivos para duvidar, ao menos em boa parte da conversa – estão explicados ou ao menos entendidos R ecentemente o SINFERP publicou no blog São alguns vazios que geram condições para riscos de Paulo TREM Jeito uma matéria na qual defen acidentes. de os paulistanos da explicação apresentada por uma delegada de polícia, de que eles brigam nas esta- Formação insuficiente para quem faz muito mais ções de trens e metrô por falta de consciência, por uma do que anunciar estações além de abrir e fechar questão “cultural”, embora não tenha desprezado a portas, excesso de pressão interna e externa, e até superlotação.
  • 19. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 19 A entidade recebeu várias mensagens em defesa tres, mas com base no modelo do trânsito dos veí- da delegada, sob o argumento de que em outros culos sobre pneus, e para facilitar a convivência países também ocorre superlotação, mas que nem deles com os pneus. Ou seria dos pneus com eles? por isso os passageiros brigam, reforçando a cren- ça de que paulistano é mesmo mal educado. 4. Enquanto ruas e avenidas são beneficiadas por asfalto que parece um tapete, as calçadas são Bem, parece oportuno revermos essa mania de irregulares, e sobre elas estão os postes, as lixeiras justificar nossos problemas pelo fato de existirem e toda uma sorte de “obstáculos” que dificultam o também nas nações “adiantadas”. Esse tipo de pen- trânsito dos pedestres. Em resumo: tudo o que não samento aponta para uma conclusão que não inte- pode atrapalhar o trânsito de veículos, vai para a ressa a nós, nacionais. Quando não somos tão bons calçada atrapalhar o trânsito dos pedestres. quanto eles, reconhecemos que precisamos melho- rar. Quando somos tão ruins quanto eles ficamos 5. Do mesmo modo que o tráfego de veículos resignados e até satisfeitos com a posição seria o caos, uma barbárie, sem as regras e no ranking. ordenamentos do trânsito, em certas circunstâncias o mesmo ocorre com o tráfego de pedestres. Que- Um tipo de pensamento com resquícios coloni- ro, porém, destacar esse detalhe: em certas circuns- ais, e não raro encontrado no ranço de quem se ima- tâncias. gina no time da elite. “Brasileiro reclama de tudo”. “Falta educação a essa gente”. “O povo tem o que 6. Para quem anda a pé pelos calçadões do cen- merece”. Essas falas partem de quem se imagina tro da cidade de São Paulo, é fácil notar que aquele nobre, que não faz parte do povo e tampouco “des- enorme contingente de pedestres tem um elevado sa gente”. Talvez seja assim mesmo, mas o proble- grau de educação. Como um exército de baratinhas ma é que muitas vezes esse pensamento está tontas, se movimentam sem regras nas mais diver- norteando ações de pessoas que ocupam cargos na sas direções, e nem por isso colidem uns com os administração pública. outros, batem boca ou brigam. Algumas exceções? Sem dúvida, mas exceções. Não sei se poderia di- Vamos aos fatos. zer o mesmo do mundo dos pneus sem regras, e sem as punições das multas e apreensões de veícu- 1. A cidade de São Paulo está orientada para o los. transporte individual, privado e sobre pneus. O úl- timo apelo para a sobrevida desse modelo é a onda 7. Quando é necessário disciplinar o trânsito dos do ciclismo. pedestres, como no caso de acesso deles aos trans- portes coletivos, mais uma vez nota-se muita edu- 2. Para o mundo individual e privado dos pneus cação, desde que os gestores desses serviços tenham criou-se toda uma infraestrutura de perpetuidade, inteligência e sensibilidade para criar “arranjos comodidade e convivência “educada”: ruas, aveni- ambientais” que assegurem conforto e segurança das, viadutos, túneis, semáforos, placas para a mobilidade das pessoas. sinalizadoras, locais para estacionamentos, etc. Em resumo, se os veículos sobre pneus transitassem sem 8. Não é sem razão que embarque e desembar- o comando de humanos, não seria difícil afirmar que nos ônibus são feitos por portas diferentes. que a sociedade desses veículos já está toda ela regrada. 9. Não é sem razão que embarque e desembar- que nos aeroportos são feitos por lugares diferen- 3. Os pedestres são uma descoberta recente na tes. cidade de São Paulo, e agora com direito a faixas para travessia, e também com semáforos próprios. 10. Não é sem razão que embarque e desem- Isso foi feito para organizar o trânsito dos pedes- barque nas rodoviárias são feitos por lugares dife- rentes.
  • 20. O Movimento - Ano I - número 2 - Janeiro/2013 Pág. 20 11. Não é assim, entretanto, que as coisas acon- 15. Passou da hora de administradores e usuári- tecem nos trens do Metrô, e muito menos nos trens os de transporte de pessoas sobre trilhos em São metropolitanos. Apesar de neles se movimentarem Paulo reverem conceitos. O problema não é apenas aproximadamente 7,5 milhões de pessoas por dia, a superlotação, e tampouco a “cultura do povo”. Tem contingências ambientais muitas vezes caóticas são muita coisa que pode ser melhorada (sem a neces- geradoras de insegurança e de desconforto. Não é, sidade de fortunas), e que depende apenas de revi- portanto, a falta de educação dos passageiros que são de hábitos e costumes de administradores. explica boa parte das “desinteligências”, mas sim a falta de planejamento (e não de condições materi- Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP ais) dos que têm a obrigação de prever e prover São Paulo TREM Jeito de 14/12/2012 melhores condições de mobilidade. Afinal, a admi- nistração dos espaços de mobilidade nas estações e trens está sob a responsabilidade dos gestores, e não dos usuários. É por essa razão que são chamados de usuários. 12. Aos administradores do Metrô resta a expli- cação de pouco espaço físico para segregar embar- que e desembarque, a exemplo de rodoviárias e ae- roportos. Aos dos trens metropolitanos nem mes- mo essa explicação é possível, pois o que não falta à ferrovia, pelo fato de circular no nível da superfí- cie, é espaço físico a ser explorado. 13. Mesmo que não seja necessário chegar a tanto, é ridículo oferecer aos usuários escadas co- muns para que por elas subam e desçam às plata- formas. Evidente que isso é fator mais do que sufi- ciente para gerar desconforto, insegurança e even- tuais atritos entre os usuários. Além de conforto e segurança, as escadas rolantes, por exemplo, ser- vem de sinalização. Ninguém vai descer por uma escada rolante que sobe. 14. Como pretender, nos trens da CPTM, que as Coletânea parcial de artigos publicados no pessoas sejam “educadas”, se elas não sabem (como blog São Paulo TREM Jeito nos anos 2011 no Metrô) onde ficam as portas das composições e 2012. Reprodução permitida, desde que as que estacionam? Como não há indicação de uma fontes sejam citadas. direção única para a saída (direita ou esquerda) para os que desembarcam, saem por qualquer lado, en- SINFERP trando em choque com os que entram, pois tam- Rua Dona Primitiva Vianco, 600 bém desconhecem os movimentos dos que saem. Osasco - SP Como pretender nessa condição de salve-se quem Contatos ou envio de matérias assinadas puder que o “brasileiro”, o “povo”, essa “gente” se para publicação no São Paulo TREM jeito encontre? Nesse cenário (e eu poderia citar deze- por intermédio de nas de outros exemplos), o paulistano é educado imprensa@sinferp.org.br até em excesso.