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Esqueça tudo o que você ouviu falar sobre Cuba. Nesta ilha ícones
comunistas andam lado a lado ícones da cultura americana.
Texto originalmente publicado pela Revista Ragga, dos Diários Associados no link;
http://www.new.divirta-
se.uai.com.br/html/sessao_13/2009/06/26/ficha_ragga_noticia/id_sessao=13&id_noticia
=12650/ficha_ragga_noticia.shtml
Normalmente quando as pessoas pensam em Cuba a primeira imagem que vem à cabeça
é a de guerrilheiros barbudos, como Fidel e Che. Eu também costumava pensar assim
até descer do avião no Aeroporto Internacional José Martí. Era tarde, quase uma da
manhã de sábado, e o aeroporto estava vazio, quando fui pegar minha bagagem eu notei
que ao invés de um pôster do governo cubano o saguão estava decorado com várias
propagandas de carros importados de luxo. Estava achando aquilo muito estranho, até
cheguei a pensar que havia um engano e que eu estava no lugar errado, mas uma
pequena bandeira posicionada no canto da sala denunciava. Eu estava mesmo em Cuba.
O taxista que me levou para minha pensão me explicou que desde a queda da União
Soviética, que era o maior aliado de Fidel, o país passou por várias mudanças e teve que
abrir as portas para o turismo. Para isso o governo adotou o uso de três moedas, o peso
Cubano, o dólar (que na época valia 27 pesos Cubanos), e o peso conversível (que vale
um dólar). Dessa forma as pessoas que trabalham com turismo, ou com turistas,
começaram a receber em Dólar, assim, uma parte da população começou a ficar rica.
O albergue era muito simples, apesar de ser localizado dentro de um antigo edifício de
luxo. Tinha um pequeno bar e restaurante no saguão, que vendia os melhores “plátanos”
(bananas fritas) que eu experimentei em Cuba. Os quartos eram para mais de uma
pessoa, mas eu não tive que dividir com ninguém. Na segunda minhas aulas de espanhol
começaram. Como eu ia passar um mês sozinho na ilha eu imaginei que esse seria um
bom jeito de fazer alguns amigos para a viajem. Deu certo e de cara eu já fiz dois
amigos, Douglas e Marco. Douglas é americano, e estudante de Ciências Políticas na
NYU, em Nova York, Marco é um brasileiro, de São Paulo, baterista e produtor, e
estava lá para aprender algumas batidas novas. Como Douglas tinha alugado um
pequeno carro da Fiat nós pulamos de cabeça na vida noturna de Havana. O povo
cubano é muito ligado à musica, e estilos como Jazz e Rap convivem lado a lado com
clássicos da musica cubana como Compay Segundo e Buena Vista Social Club. Uma
das coisas que mais me surpreendeu foi descobrir que devido à proximidade com a
Jamaica, a comunidade Rastafari de Cuba é uma das maiores, e o cenário da musica
Reggae muito desenvolvido. Mas, na minha opinião, o melhor lugar de todos foi uma
casa de Jazz underground, que lembrava um Pub, e que sempre tinha músicos incríveis e
Cubas Libres tão boas que só após alguns copos dava para perceber o tanto que eram
fortes.
Após duas semanas saindo todas as noites chegamos à conclusão que era hora de mudar
de ritmo. Nós decidimos cair na estrada e rodar o interior do país.
Nossa primeira parada foi a cidade de Santa Clara, essa cidade foi o palco de uma
grande batalha durante a revolução. Como Che Guevara liderou as tropas e venceu a
batalha, ele é mais idolatrado lá do que em qualquer outro lugar em Cuba. Após alguns
dias decidimos continuar com a viagem. Nós estávamos a várias horas dirigindo e já
estava escuro quando nós passamos por uma pequena vila, que mais tarde descobrimos
que se chamava Taguasco. A cidade era tão pequena que não tinha hotel e apenas um
restaurante funcionava às 9 da noite. Por sorte nós conhecemos uma menina que nos
chamou para casa de sua família. Quando entrei na sala eu vi uma enorme pilha com
vários sacos de Tabaco. A economia da cidade girava em torno da produção da planta
que é vendida para as marcas mais famosas de charuto cubano. Só na sala dessa casa
devia ter mais de 100 Kg. de Tabaco. O avô da menina usava esse Tabaco para fazer
charutos, ele até tinha uma salinha cheia de equipamentos antigos para esse tipo de
produção. Eu comprei uns 50 charutos na mão dele. A família era muito hospitaleira e
nos chamou para dormir lá. Mas nós não estávamos prontos para encerrar a noite, então
nossa nova amiga chamou suas amigas, e nós fomos a uma festa que estava bem
animada e durou até boas horas da madrugada. Na manhã seguinte nós puxamos a
carroça, o próximo destino era Camaguey. Assim como Santa Clara e Havana,
Camaguey é uma cidade muito antiga e repleta de museus. Após passar o dia visitando
o centro histórico nós voltamos para o hotel para tomar um banho e conhecer a vida
noturna da cidade. Depois de algumas voltas de carro procurando um lugar animado,
achamos um local que era uma mistura de boliche e casa noturna. Havia uma fila
enorme na porta, mas com paciência e um pouco de jeitinho brasileiro nós conseguimos
entrar. Novamente eu decidi entornar vários copos de Cuba Libre, mas mesmo assim
quando a festa acabou nós ainda estávamos com vontade de beber, então fomos para um
bar 24 horas em frente ao hotel que estávamos hospedados. Foi quando apareceu um
sujeito que parecia estar mais bêbado do que a gente. Decidimos pagar algumas doses
de rum e conversar um pouco com esse cubano que parecia um pouco mais louco que o
normal. Algumas doses depois eu perguntei o nome dele, mas ele simplesmente apontou
para uma etiqueta verde em seu macacão branco e disse em espanhol, “meu nome é
hospital psiquiátrico”, achei aquilo muito estranho e reparei que o sujeito estava todo de
branco e descalço. Quando você descobre que seu novo parceiro de golo é um fugitivo
do hospício local é hora de abandonar tudo e voltar para o hotel.
Pegamos a estrada de volta para Havana, mas no meio do percurso Diego passou em um
buraco. Vi o pneu voando e quando olhei para trás o carro estava deixando uma trilha de
faíscas. Quando reduzimos a velocidade fomos ultrapassados por um caminhão do
exercito, com vários soldados na caçamba gritando. Quase achei que eles estavam
reclamando das faíscas, mas depois percebi que eles estavam rindo da nossa situação.
O aluguel do carro estava chegando ao final, então Marco e Douglas alugaram duas
motos, como eu era menor de idade na época eu pegava carona com um dos dois.
Em um dos últimos dias em Cuba estávamos saindo de uma feira de produtos usados e
fomos abordados por um velho que chorava e pedia dinheiro para pagar uma operação
de olho. Como já havíamos conversado com varias pessoas em Havana, nós já
conhecíamos esse golpe e apenas perguntamos em tom irônico: “Cadê o Fidel uma hora
dessas?” O velho apenas riu e perguntou de onde éramos. Quando eu e Marco
respondemos Brasil ele disse. “Só podia”. Nessa hora percebemos que o jeitinho cubano
é bem parecido com o brasileiro.

Aventuras em Cuba

  • 1. Esqueça tudo o que você ouviu falar sobre Cuba. Nesta ilha ícones comunistas andam lado a lado ícones da cultura americana. Texto originalmente publicado pela Revista Ragga, dos Diários Associados no link; http://www.new.divirta- se.uai.com.br/html/sessao_13/2009/06/26/ficha_ragga_noticia/id_sessao=13&id_noticia =12650/ficha_ragga_noticia.shtml Normalmente quando as pessoas pensam em Cuba a primeira imagem que vem à cabeça é a de guerrilheiros barbudos, como Fidel e Che. Eu também costumava pensar assim até descer do avião no Aeroporto Internacional José Martí. Era tarde, quase uma da manhã de sábado, e o aeroporto estava vazio, quando fui pegar minha bagagem eu notei que ao invés de um pôster do governo cubano o saguão estava decorado com várias propagandas de carros importados de luxo. Estava achando aquilo muito estranho, até cheguei a pensar que havia um engano e que eu estava no lugar errado, mas uma pequena bandeira posicionada no canto da sala denunciava. Eu estava mesmo em Cuba. O taxista que me levou para minha pensão me explicou que desde a queda da União Soviética, que era o maior aliado de Fidel, o país passou por várias mudanças e teve que abrir as portas para o turismo. Para isso o governo adotou o uso de três moedas, o peso Cubano, o dólar (que na época valia 27 pesos Cubanos), e o peso conversível (que vale um dólar). Dessa forma as pessoas que trabalham com turismo, ou com turistas, começaram a receber em Dólar, assim, uma parte da população começou a ficar rica. O albergue era muito simples, apesar de ser localizado dentro de um antigo edifício de luxo. Tinha um pequeno bar e restaurante no saguão, que vendia os melhores “plátanos” (bananas fritas) que eu experimentei em Cuba. Os quartos eram para mais de uma pessoa, mas eu não tive que dividir com ninguém. Na segunda minhas aulas de espanhol começaram. Como eu ia passar um mês sozinho na ilha eu imaginei que esse seria um bom jeito de fazer alguns amigos para a viajem. Deu certo e de cara eu já fiz dois amigos, Douglas e Marco. Douglas é americano, e estudante de Ciências Políticas na NYU, em Nova York, Marco é um brasileiro, de São Paulo, baterista e produtor, e estava lá para aprender algumas batidas novas. Como Douglas tinha alugado um pequeno carro da Fiat nós pulamos de cabeça na vida noturna de Havana. O povo cubano é muito ligado à musica, e estilos como Jazz e Rap convivem lado a lado com clássicos da musica cubana como Compay Segundo e Buena Vista Social Club. Uma das coisas que mais me surpreendeu foi descobrir que devido à proximidade com a Jamaica, a comunidade Rastafari de Cuba é uma das maiores, e o cenário da musica Reggae muito desenvolvido. Mas, na minha opinião, o melhor lugar de todos foi uma casa de Jazz underground, que lembrava um Pub, e que sempre tinha músicos incríveis e Cubas Libres tão boas que só após alguns copos dava para perceber o tanto que eram fortes. Após duas semanas saindo todas as noites chegamos à conclusão que era hora de mudar de ritmo. Nós decidimos cair na estrada e rodar o interior do país. Nossa primeira parada foi a cidade de Santa Clara, essa cidade foi o palco de uma grande batalha durante a revolução. Como Che Guevara liderou as tropas e venceu a batalha, ele é mais idolatrado lá do que em qualquer outro lugar em Cuba. Após alguns dias decidimos continuar com a viagem. Nós estávamos a várias horas dirigindo e já
  • 2. estava escuro quando nós passamos por uma pequena vila, que mais tarde descobrimos que se chamava Taguasco. A cidade era tão pequena que não tinha hotel e apenas um restaurante funcionava às 9 da noite. Por sorte nós conhecemos uma menina que nos chamou para casa de sua família. Quando entrei na sala eu vi uma enorme pilha com vários sacos de Tabaco. A economia da cidade girava em torno da produção da planta que é vendida para as marcas mais famosas de charuto cubano. Só na sala dessa casa devia ter mais de 100 Kg. de Tabaco. O avô da menina usava esse Tabaco para fazer charutos, ele até tinha uma salinha cheia de equipamentos antigos para esse tipo de produção. Eu comprei uns 50 charutos na mão dele. A família era muito hospitaleira e nos chamou para dormir lá. Mas nós não estávamos prontos para encerrar a noite, então nossa nova amiga chamou suas amigas, e nós fomos a uma festa que estava bem animada e durou até boas horas da madrugada. Na manhã seguinte nós puxamos a carroça, o próximo destino era Camaguey. Assim como Santa Clara e Havana, Camaguey é uma cidade muito antiga e repleta de museus. Após passar o dia visitando o centro histórico nós voltamos para o hotel para tomar um banho e conhecer a vida noturna da cidade. Depois de algumas voltas de carro procurando um lugar animado, achamos um local que era uma mistura de boliche e casa noturna. Havia uma fila enorme na porta, mas com paciência e um pouco de jeitinho brasileiro nós conseguimos entrar. Novamente eu decidi entornar vários copos de Cuba Libre, mas mesmo assim quando a festa acabou nós ainda estávamos com vontade de beber, então fomos para um bar 24 horas em frente ao hotel que estávamos hospedados. Foi quando apareceu um sujeito que parecia estar mais bêbado do que a gente. Decidimos pagar algumas doses de rum e conversar um pouco com esse cubano que parecia um pouco mais louco que o normal. Algumas doses depois eu perguntei o nome dele, mas ele simplesmente apontou para uma etiqueta verde em seu macacão branco e disse em espanhol, “meu nome é hospital psiquiátrico”, achei aquilo muito estranho e reparei que o sujeito estava todo de branco e descalço. Quando você descobre que seu novo parceiro de golo é um fugitivo do hospício local é hora de abandonar tudo e voltar para o hotel. Pegamos a estrada de volta para Havana, mas no meio do percurso Diego passou em um buraco. Vi o pneu voando e quando olhei para trás o carro estava deixando uma trilha de faíscas. Quando reduzimos a velocidade fomos ultrapassados por um caminhão do exercito, com vários soldados na caçamba gritando. Quase achei que eles estavam reclamando das faíscas, mas depois percebi que eles estavam rindo da nossa situação. O aluguel do carro estava chegando ao final, então Marco e Douglas alugaram duas motos, como eu era menor de idade na época eu pegava carona com um dos dois. Em um dos últimos dias em Cuba estávamos saindo de uma feira de produtos usados e fomos abordados por um velho que chorava e pedia dinheiro para pagar uma operação de olho. Como já havíamos conversado com varias pessoas em Havana, nós já conhecíamos esse golpe e apenas perguntamos em tom irônico: “Cadê o Fidel uma hora dessas?” O velho apenas riu e perguntou de onde éramos. Quando eu e Marco respondemos Brasil ele disse. “Só podia”. Nessa hora percebemos que o jeitinho cubano é bem parecido com o brasileiro.