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ANSB 
SAPADORES-­‐BOMBEIROS 
DO 
BRASIL 
POP - 25/06/2014 - Página 1 de 8 - © ANSB 
- Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros 
POP: A falsa boa ideia 
Se os protocolos são perfeitos, porque não são seguidos? 
Quando damos uma olhada nas páginas Facebook das diferentes entidades Brasileiras ligadas ao socorro, e que 
nós lemos os comentários sobre os vídeos mostrando ações incorretas, vemos que não há praticamente nenhum 
argumento nem as pessoas explicam sua opinião: algumas citam Leis, Normas, Protocolos e POPs (procedimentos 
operacionais padrão). A única razão que esses "comentaristas" encontram para os erros é que as normas, 
sacrossantas, não foram seguidas. E no entanto, se nos dizem por um lado que os protocolos são muito simples e 
perfeitos, por que é que não são seguidos? 
Um pouco de história... 
A fim de compreender o uso dos POPs (SOPs, nos EUA) e dos protocolos como um todo, é interessante entender 
de onde eles vêm e por que um bom número de países Europeus não os tem (ou pelo menos, não tanto como nos 
EUA e Brasil). 
De um modo geral, a organização de socorro é influenciada pelo comportamento dos exércitos, ou seja, grupos 
grandes e organizados. 
Como o Brasil não teve conflitos grandes no seu território, sua organização não nasceu da experiência, mas sim da 
influência, Americana principalmente. Visto que os Estados Unidos são um país jovem, as respostas históricas 
devem ser buscadas do lado da Europa. Os grandes conflitos Europeus organizados começaram com a Revolução 
Francesa, seguida das Guerras Napoleônicas. A organização militar mudou totalmente e os serviços de socorro 
utilizaram plenamente as lições da guerra. É por isso que os Sapeurs-Pompiers (Sapadores-Bombeiros) Franceses 
têm uma organização derivada das unidades de Engenharia (Génie) do Exército. 
Depois de serem derrotados por Napoleão em Jena (1806), os Prussianos começaram a analisar os princípios 
militares Franceses. Foi assim que eles criaram um grupo de análise e de comando chamado "General Staff", 
concretizado em 1870. O "General Staff" foi adotado em seguida pelos Americanos, que o utilizaram para criar seu 
National Response Framework (sistema nacional de resposta a emergências), contendo as diretivas sobre o socorro 
a pessoas e combate a incêndio, ligados ao NIMS (Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes) e ICS 
(Sistema de Comando de Incidentes). 
Da guerra 
A obra de Clauswitz inaugurou o estudo dos combates e definiu os conceitos de centro de gravidade, usado até hoje 
pelos EUA 
A metodologia militar foi descrita pela primeira vez na obra intitulada "Da Guerra" (Vom Kriege), escrita por Carl 
Von Clauswitz e editada em 1832. Precedentes, como "A Arte da Guerra", de Sun Tzu (entre outras) são 
interessantes, mas bem menos do que a obra de Clauswitz, que analisa o próprio cerne dos combates. Sun Tzu é 
mais político. Um grande princípio foi estabelecido por Clauswitz: o centro de gravidade. Este princípio consiste 
em dizer que não basta matar inimigos ou lutar, é preciso ainda que isso seja feito com um objetivo, definido 
previamente. É preciso procurar o ponto mais sensível do inimigo e dirigir seu esforço contra esse ponto. O centro 
de gravidade pode ser o posto de comando, as linhas de transmissão, pontes, etc... É esse ponto cuja definição 
regulamentar é "fonte de potência material ou imaterial do adversário, de onde ele tira sua liberdade de ação, sua 
força física e sua vontade de combater." 
Nos Estados Unidos, esse conceito encontrou um eco extremamente favorável. De fato, uma vez que o centro de 
gravidade tenha sido encontrado, basta investir todo o seu esforço contra ele. Militarmente falando, os EUA são o 
país do material e dos grandes equipamentos. Se são necessários 10 aviões, a gente coloca 20, se são necessários 50 
a gente coloca 100, etc... No socorro, encontramos exatamente esse princípio. Onde num país da Europa vai-se 
empenhar um caminhão de combate a incêndio pequeno, os Americanos empenham 4 ou 5 caminhões enormes, 
entupidos de material.
A partir do momento em que foi determinado o centro de gravidade, o resto deve, teoricamente, encadear-se sem 
problemas: o objetivo foi designado, o material é muito, os recursos humanos são enormes. Esta acumulação de 
equipamento leva a uma acumulação de técnicas, perfeitamente descritas. E para encadear os gestos? Nada mais 
simples do que fazer listas, os famosos "protocolos" / POP" que basta seguir. 
Acidentes, de novo... 
Nos Estados Unidos, a cada acidente com morte de um bombeiro - que eles chamam de Firefighter, "guerreiro do 
fogo", é feita uma investigação, que em seguida é publicada. Essas investigações estão disponíveis no sítio da 
United States Fire Administration (www.usfa.fema.gov). Há poucos anos, logo após a publicação do relatório sobre 
o acidente do Sofa Super Store em Charleston (Junho de 2007, 9 firefighters mortos), começaram a aparecer artigos 
na imprensa especializada Americana, perguntando para o que servem esses relatórios. De fato, proporcionalmente 
ao número de incêndios o número de firefighters mortos em ocorrências é baixo. Mas o principal, é que todos os 
relatórios são idênticos: eles descrevem os eventos, minuto a minuto, e depois concluem que existem protocolos, 
perfeitos, extremamente bem feitos, bem escritos, muitíssimo simples de por em prática... mas que não foram 
seguidos. Ou seja, as conclusões são sempre as mesmas: é preciso seguir os protocolos. Os autores dos artigos 
então começaram a levantar várias hipóteses. 
- Ou os firefighters são muito estúpidos e não conhecem os protocolos e, nesse caso, ou a gente troca o 
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pessoal ou a gente escolhe outra solução 
- Os protocolos são seguidos mas o resultado é ruim 
- Os protocolos são perfeitos no escritório mas inadequados no terreno 
Mas, em todo caso, não dá para se contentar de repetir sempre a mesma ladainha, de que é preciso seguir o 
protocolo. 
Observação: enquanto todo mundo acha que nos Estados Unidos todo mundo usa o ICS (Sistema de Comando de 
Incidente) em todas as ocorrências, ficamos surpresos de ler as mensagens dos comandantes de socorro 
Americanos em fóruns de bombeiros dizendo que existem realmente protocolos, mas que não são aplicáveis em 
operação. A divulgação dos protocolos na verdade é obra de formadores, de empresas divulgando normas, mas 
quase nunca são do pessoal operacional. É como se nós tivéssemos dois universos distintos, sem ligação entre 
eles: de um lado os teóricos, convencidos da qualidade de seus protocolos, e do outro os práticos que se viram 
com o aleatório do terreno e da situação. 
Um segundo ponto que alguns esquecem... 
Todos os militares Europeus concordam num ponto: a obra de Clauswitz foi estudada largamente em todos os 
exércitos do mundo, mas o Americano só considerou doutrinariamente o primeiro elemento do livro, ou seja, a 
noção de Centro de Gravidade, que corresponde perfeitamente à mentalidade dos Estados Unidos: definir um 
objetivo, e em seguida colocar todos os meios para atingi-lo, o que a potência financeira e industrial do país 
permite sem grande dificuldade. 
Mas Clauswitz destaca um segundo ponto: a neblina. Para Clauswitz, a situação é sempre complexa e o que a gente 
vê na verdade é somente uma parte da situação. Sempre faltam informações, escondidas por uma espécie de 
"neblina" impenetrável. 
Se nós queremos tomar uma decisão, só há duas opções: ou nós buscamos todas as informações, ou nós decidimos 
com o que temos. Esta segunda escolha é descrita pelo General Desportes em sua obra "Décider dans l'incertitude" 
("Decidir na incerteza"). 
Ao contrário do que a gente pode imaginar, é totalmente impossível ter todas as informações porque, no combate, 
face a um acidente ou um incêndio, as informações estão em evolução permanente. O que nós vemos num instante 
e que pode nos parecer primordial para a decisão, pode mostrar-se totalmente sem interesse alguns minutos mais 
tarde. Além disso, a neblina mascara as informações. E adicionar mais uma ferramenta não muda nada, pelo 
contrário: quanto mais instrumentos de medida, mais vamos acumular informações, e assim perder tempo a analisá-las 
para chegar na verdade a conclusões que não estão mais atualizadas com a situação que continuou evoluindo. 
Em sua obra "Tactique Théorique" (Tática Teórica) o General Yakovlef, ex-Legionário (da Legião Estrangeira da 
França), diretor geral da formação na Escola de Blindados de Saumur, na França, cita um caso extremo da 
verdadeira intoxicação tecnológica. Durante a Guerra Fria entre o bloco do leste e o ocidente, a OTAN havia
empregado meios de observação para ver, com muita precisão, uma faixa de 5000km de comprimento e várias 
centenas de quilômetros de largura , tudo isso para observar toda e qualquer atividade soviética, até a menor que 
fosse. Entre março e junho de 1999, todo esse equipamento foi redirigido pela OTAN para observar a situação 
dentro do Kosovo (ex-Ioguslávia), ou seja, um território igual a aproximadamente a 2 vezes o Distrito Federal. Ora, 
isso resultou numa massa de informação cuja quantidade e evolução permanente tornavam a análise tão difícil que 
nunca foi possível saber o número de brigadas que os Sérbios tinham no Kosovo, onde elas estavam e em que 
situação. Quanto aos refugiados, as estimativas oscilavam entre 100.000 e 400.000, e nunca chegaram a ser mais 
exatas. 
Então, é preciso desconfiar da soma incessante de equipamentos propostos aos socorristas ou bombeiros: câmera 
térmica, sonda, sonar, viseira com exibição de informações, etc... toda uma parafernália que o estresse não deixa 
você analisar e que, no final das contas, torna complexo o ciclo de decisão, saturando-o rapidamente de 
informações cuja utilidade não foi estabelecida. 
A neblina e os protocolos 
Ao contrário, se nós aceitamos essa ideia da neblina, nós concluímos rapidamente que ela dificulta a aplicação dos 
protocolos. De fato, o protocolo define uma ação a realizar conforme a situação. Se temos apenas 2 ou 3 protocolos 
extremamente simples, escolher aquele que vamos aplicar é muito fácil, não é preciso grande análise. Mas nesse 
caso, esses protocolos vão ser gerais demais para ajudar em grande coisa. Por outro lado, se temos todo um 
conjunto de protocolos precisos, a escolha é mais difícil e exige mais informações. Ora, informações existem em 
quantidade impossível de estimar-se com antecedência, sensíveis à neblina e evoluindo no tempo. Quanto mais 
recebermos informação, mais teremos tendência a esperar outras, para verificar a verificação da verificação 
anterior. E durante esse tempo, nada se faz, a situação continua mudando e se degradando. 
Prever tudo...Funciona nas empresas com certificação ISO 
O princípio do protocolo tem um outro inconveniente, também ligado ao tempo e ao aspecto imprevisto da 
situação. No espírito Americano, tudo está previsto, tudo é previsível e tudo se resolve com material. A dúvida não 
existe. 
Quando a gente analisa a organização de uma empresa certificada ISO, constata que nela tudo é previsto: cada ação 
é definida, com parâmetros de entrada e um resultado na saída. Mas todos os responsáveis da qualidade concordam 
num ponto: isso funciona perfeitamente, desde que os elementos de entrada de uma ação sejam provenientes de 
uma ação dentro da empresa. Ao contrário, todas as ações ao redor da organização, ou seja, que recebem dados 
externos à empresa, têm dificuldades frequentes. Mesmo se você tem absoluta confiança na sua metodologia, 
ferramentas e competência para fabricar cadeiras de madeira (por exemplo), se o seu fornecedor de madeira não 
entrega a madeira certa ou se ele entrega com atraso, você não pode fazer nada. 
Ora, é exatamente o que acontece em socorro: a gente toma as decisões e realiza ações considerando elementos que 
a gente não conhece: não conhecemos bem o local, não temos nenhuma ideia do comportamento que a multidão ou 
as vítimas podem adotar, etc. 
O protocolo dizendo que primeiro é preciso fazer isso, depois aquilo, continuar assim e assado... é de fato o reflexo 
de uma visão teórica de como as coisas vão acontecer, mas não é a realidade. Pois, se a primeira ação que 
supostamente vai dar certo não der, o que a gente faz? Nesse caso, seria lógico que depois da primeira ação A não 
basta uma ação B. É preciso ter uma ação B1, para o caso de A dar certo, e outra B2, para o caso de A falhar. 
Assim, nós teríamos B1 e B2. Mas, para C, acontece o mesmo problema: precisamos de uma ação C1-1 se B1 dá 
certo, uma ação C1-2 se B1 falha, uma ação C2-1 se B2 funciona e assim por diante... Não precisa ser um grande 
matemático para entender que o número de possibilidades vai ficar rapidamente impossível de gerenciar. 
Nada acontece como previsto... 
Tendo analisado isso, torna-se evidente que o protocolo será dificilmente adequado à situação. Alguns, sentados 
diante do computador, vão responder que, nesse caso, basta fazer de outro jeito. Em teoria, sim. Na prática, será 
extremamente difícil. De fato, se vemos o modo de ensino de socorro em países que usam muito os protocolos, 
constatamos que os exercícios raramente incluem situações para as quais os protocolos não funcionam. ao 
contrário, os exercícios validam os protocolos, criando situações que correspondem a eles. Alguém escreve o 
protocolo, explica-o e depois cria uma situação que o valida, chegando assim cada vez à mesma conclusão: estão 
vendo? Funciona! 
No caso do Brasil, somos confrontados a um grande número de escolas cujos formadores jamais fizeram 
intervenções de verdade, e cuja única visão é estritamente protocolar. Diante de um vídeo mostrando situações 
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"fora dos protocolos", essas pessoas são incapazes de analisar e entender que, frequentemente, se o protocolo não é 
seguido é porque ele não pode ser seguido, o que eles, em suas escolas e situações de exercício, são incapazes de 
imaginar. No caso dos sistemas de tipo militar ou no caso do SAMU, os redatores do protocolo são raramente os 
que vão utilizá-los. Os atores do terreno encontram-se assim com protocolos difíceis ou impossíveis de utilizar-se. 
E quando a sua chefia percebe que eles não seguem os protocolos, repreende-os sem jamais duvidar dos protocolos. 
O problema é que esse modo de formação não imagina a "neblina" e por isso não dá elementos de decisão para o 
aluno. Resultado: fora do protocolo, cada um se vira sem nenhuma ajuda. A formação cai em descrédito quando os 
recém-formados percebem a ineficácia do protocolo. Verdadeiros choques psicológicos. Como imaginar que um 
aluno a quem foi explicado que os protocolos dão todas as respostas possa reagir eficazmente quando ele percebe 
que isso não funciona? E pior, sabendo que ele percebe isso numa situação de estresse, às vezes junto a uma 
multidão agressiva e sozinho diante de uma realidade que vai além do que ele entende... 
Não apenas o protocolo é uma ferramenta frequentemente ineficaz, mas ele leva além disso a um sentimento de 
falsa segurança. 
Analisamos recentemente um vídeo mostrando uma equipe Americana combatendo um incêndio de veículo. As 
ações são perfeitas, os EPIs são colocados com perfeição, o material é impressionante. Infelizmente para os 
intervenientes, o combustível utilizado no carro não é comum. O primeiro ataque falha. Ora, ao invés de parar, 
refletir e procurar uma solução em função do que está acontecendo e do que se vê, o que a equipe faz é utilizar, um 
após o outro, todos os métodos. 
A operação parece um catálogo de soluções que os firefighters vão folheando sem jamais ter a capacidade de jogar 
fora o catálogo e encontrar por si mesmo uma outra opção. O que acontece? Além de não conseguir apagar, a 
equipe recebe "apoio" de outros veículos que chegam com pessoal e equipamento e cada um com o mesmo 
"catálogo de soluções", aumentando a confusão: cada um vem e faz de novo o que já tinha sido feito, há até mesmo 
brigas entre os firefighters... Existe a surpresa de descobrir que as ações são ineficazes, o que piora a situação. 
Ao contrário, aceitar a neblina como um elemento incontornável permite evitar essa surpresa. Nós encontramos, na 
Doutrina dos Sapadores-Bombeiros, uma citação do Coronel Jean-Pierre Perrin: "Apoiando-se no levantamento e 
numa justa avaliação da ameaça, o trabalho do chefe consiste em prever o pior, de maneira que o pior não aconteça 
ou, caso contrário, que ele esteja em condições de retomar a iniciativa o mais cedo possível". 
Vemos que o chefe deve fazer tudo para que o pior não aconteça, mas ao mesmo tempo ele considera que isso pode 
acontecer. 
A sincronização impossível 
É igualmente interessante constatar que a implantação de protocolos mais e mais detalhados e estritos trata 
essencialmente de técnicas realizadas individualmente ou em grupos muito pequenos. Em desencarceração, as 
análises mostram que quanto mais os protocolos e ferramentas tornam-se complexos, tanto mais cada micro-grupo 
de intervenientes fecha-se sobre si mesmo, faz suas ações sem preocupar-se com as de outros. A coesão global não 
existe mais e as ações de uns podem colocar os outros em perigo. 
Uma análise dos acidentes acontecidos nos Estados Unidos em incêndios estruturais mostra frequentemente uma 
situação totalmente paradoxal: o grupo inteiro é dividido em sub-grupos, cada um executando seu próprio 
protocolo, geralmente com seriedade e qualidade. De fato, a intervenção para eles é constituída somente de 
sucessos de micro-protocolos. Mas não basta seguir um protocolo ao pé da letra: ainda é necessário que no 
conjunto da intervenção a ação realizada seja sincronizada com as ações dos outros. Note-se que mais de 300 
acidentes no uso de ventiladores foram levantados pelo site Firefighter Near Miss. Em quase todos os acidentes, 
cada pequeno grupo seguiu perfeitamente o protocolo. Simplesmente, os diversos protocolos revelaram-se 
incompatíveis entre si, seja em termos de resultado, duração, efeito, etc. fazendo com que o todo levasse a 
acidentes. De fato, constatamos que quanto maior o número de intervenientes, maior o número de protocolos 
executados simultaneamente e mais o resultado vai escapar a qualquer tipo de controle. Isso pode ser comparado à 
Guerra do Vietnam: os Americanos ganharam todas as batalhas de que participaram, então seria lógico que 
ganhassem a guerra, mas o resultado foi um fracasso total. 
Mas o pior de tudo, é que este fracasso em nível global não pode ser sentido pelos executantes. De fato, cada um 
fez o seu melhor, cada um seguiu perfeitamente o protocolo. O fracasso, algo global e real, é no fim das contas 
"culpa de ninguém". Mas se não podemos mostrar o ponto que está falhando, não há melhoria possível. 
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Exemplos históricos 
É sempre possível, para os defensores dos POP, dizer que o exército Americano usa e que isso é razão suficiente. 
Mas os fatos históricos estão aí: o aumento das técnicas e do material jamais levou a um resultado satisfatório. 
Vietnam, Iraque ou Afeganistão são, a longo prazo, fracassos. Uma análise atenta da segunda guerra mundial 
mostra igualmente os limites do sistema: o desembarque aconteceu na Normandia em 6 de junho de 1944 e a 
cidade de Alençon foi alcançada pelos Aliados em 12 de agosto, ou seja, 67 dias mais tarde. Ora, da praia de 
"Omaha beach"(local do desembarque) até Alençon são apenas... 160km! O exército Alemão, um exército que 
funciona plenamente em modo "iniciativa" (Auftragstaktik) e não em modo protocolo, alimentado em armamanto e 
material em 1944 por fábricas bombardeadas noite e dia, empenhado no fronte leste (União Soviética) e num 
grande número de teatros de operação conseguiu bloquear durante várias semanas um exército largamente superior 
em número e em equipamento. 
Isso evidentemente não quer dizer que as coisas são sempre assim, mas isso dá uma ideia da distância que pode 
haver entre teoria e planejamento e a realidade, pois se no final do dia 6 de junho de 1944 as perdas Alemãs e 
Aliadas (Estados Unidos, Inglaterra...) eram semelhantes (cerca de 10 mil mortos de cada lado), as forças 
empregadas eram muito diferentes (156 mil Aliados, 40 mil Alemães). 
Se nós comparamos isso com os incêndios em que é preciso empregar muita gente, dá para imaginar que o modo de 
organização é crucial. Porque o desembarque em 1944 deu certo, foi graças ao potencial empenhado, mas 
principalmente por causa da organização extrema. Pois não basta aumentar o número para ter sucesso: se a tropa 
não está organizada, o aumento do número só aumenta a desorganização. 
Goose Green 
Mesmo assim, é evidente que comparar dois modos de funcionamento simplesmente pela confrontação de dois 
grupos armados é particularmente difícil. De fato, o resultado de uma batalha não depende exclusivamente do 
funcionamento, mas também do moral, das condições, dos equipamentos. Então, não é porque uma batalha é ganha 
utilizando um sistema que ele é obrigatoriamente o melhor. Mas o caso da batalha de Goose Green permite fazer 
uma comparação entre sistemas: o resultado pendulou realmente de um campo ao outro, simplesmente porque um 
dos campos mudou os fundamentos do seu comportamento, e isso em pleno combate. 
Nos dias 28 e 29 de maio de 1982, os Britânicos desembarcaram nas Ilhas Malvinas tentando retomar a cidade de 
Goose Grens, ocupada pelos Argentinhos. São um pouco mais de 1000 Argentinos, enquanto os Britâncios são 
apenas 690. Além disso a cidade foi fortificada e os Agentinos dispõem de artilharia, morteiros de 35mm e 
metralhadoras. 
O batalhão Britânico é dirigido pelo Tenente-Coronel Herbert 'H Jones, que exerce o comando na sua forma 
"hierarquia e disciplina estritas" então em vigor no exército Britânico e não deixando espaço para iniciativa dos 
subordinados. O Tenente-Coronel havia previsto um plano em 6 partes. Tudo estava preparado e as ordens eram 
estritas. Mas como a neblina da guerra continua sendo um elemento fundamental dos conflitos, desde o início o 
plano mostrou-se inadequado. E conforme as coisas evoluíam, a inadequação só fez aumentar. O sistema então 
começou a se bloquear: as informações chegavam ao ao Tenente-Coronel com um certo atraso, ele analisava 
conforme sua própria opinião, as ordens partiam e eram recebidas com atraso (em situação de combate, o atraso às 
vezes é de apenas alguns segundos que, sob fogo, parecem uma eternidade). Sem poder tomar iniciativa, os homens 
no combate estavam totalmente bloqueados sob o fogo dos argentinos. Diante do impasse na situação, Herbert 'H' 
Jones decide avançar, ficar bem próximo do front, sempre na intenção de decidir e aplicar protocolos. Ao invés de 
melhorar a situação, essa escolha piora tudo ainda mais: seu grupo é bloqueado sob o fogo dos Argentinos, e os 
Britânicos ficam totalmente imobilizados. Para sorte dos Britânicos, e azar dele, o Tenente-Coronel Herbert 'H' 
Jones é atingido por um tiro Argentino, e morto. Ele é substituído imediatamente por seu ajudante, o Major Chris 
Keeble. Mas Keeble tinha estado durante dois anos num intercâmbio no exército Alemão (Bundeswher), onde tinha 
descoberto e praticado a Auftragstaktik, sistema que não utiliza protocolos, e sim deixa um grande espaço para a 
iniciativa. Keeble então escolheu modificar o eixo do assalto, delegando a escolha dos métodos às diversas pessoas 
ao seu redor, cada um podendo então escolher seu método e modificá-lo em função dos acontecimentos, tendo 
assim a possibilidade de "agarrar a oportunidade". Logo que ela aparecesse, sem esperar ordens. A batalha então 
virou rapidamente em benefício dos Britânicos, mesmo sendo que a única mudança foi na metodologia, optando 
por uma solução mais simples e, principalmente, mais flexível. A batalha terminou com um saldo pesado para os 
Argentinos: 47 mortos, 145 feridos e 961 prisioneiros, contra 17 mortos e 64 feridos do lado Britânico. O 
historiador militar Fitz-Gibson, especialista na batalha de Goose Green, considera que o sucesso Britânico foi 
resultado de dois parâmetos: de um lado, essa mudança radical de método do lado Britânico. De outro o fato que os 
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Argentinos foram vítimas de seu comando rígido e detalhista que lhes tornava incapazes de lançar o mínimo 
contra-ataque, mesmo sabendo-se que tiveram várias oportunidades. 
Mas não basta melhorar os protocolos? 
Mas se os protocolos não funcionam, bastaria melhorá-los. Em um certo sentido, sim. Mas nós já dissemos que ou 
o protocolo seria simples e não serviria para grande coisa, ou seria preciso um protocolo mais exato, e então seria 
necessária uma enorme quantidade de protocolos - um para cada situação exata, levando a uma dificuldade de 
escolha. Além disso, constatamos que em quase todos os casos a melhoria de um protocolo consiste na verdade a 
adicionar elementos, o que resulta em um protocolo mais difícil de utilizar, ou seja, ainda mais inadequado. Já 
falamos da intervenção Americana com incêndio de veículo e os protocolos inadequados face a uma situação 
imprevista. Em sua obra "Anatomia da Batalha", John Keegan analisa a batalha da Somme, e mostra perfeitamente 
os limites da planificação levada a extremos. Em 1o de julho de 1916, as tropas Francesas e Inglesas partem ao 
assalto das trincheiras Alemãs, num setor entre as cidades de Albert e Bapaume. Durante 7 dias os artilheiros 
Franceses e Britânicos derramam um dilúvio de fogo sobre as defesas Alemãs: 12 mil toneladas de morteiros são 
enviadas em cima de um território de alguns quilômetros quadrados. Em 1o de julho, as tropas Francesas e 
Britânicas partem ao assalto. Tudo foi previsto, tudo foi estudado, tudo foi cartografado, as táticas serão aquelas 
utilizadas em exercício. Note-se inclusive que as ordens são escritas num estilo que demonstra perfeitamente a 
plena confiança na preparação: "A artilharia pesada e de sítio será avançada... Depois de tomar o seu objetivo, a 
30a divisão será rendida pela 9a", etc... Nenhuma dúvida. Nenhuma frase do tipo "se a divisão fracassar, então..." 
Ao contrário, tudo é previsto porque tudo vai acontecer como previsto. Quando o Estado Maior duvida, ao invés de 
simplificar ou de questionar as ações, ele as complica ou simplesmente intensifica o esforço: um pouco mais de 
morteiros em tal lugar, mais um pouco nesse outro. Então, tudo é perfeito, tudo foi imaginado exceto por um 
detalhe: os Alemães cavaram abrigos de até 10m de profundidade que lhes protegem de todo o bombardeio. Assim, 
os Britânicos encontram as unidades Alemãs intactas. Em 1o de julho, quando as tropas Britânicas saem de suas 
trincheiras para o assalto das linhas inimigas que eles imaginam destruídas a surpresa é trágica: os Alemães 
acolhem os Britânicos a tiros de canhão mas, principalmente, com um grande número de metralhadoras. Ao fim da 
batalha, 21 mil Britânicos foram mortos, um grande número logo nos primeiros minutos. 
Se não serve, por que continuar com os protocolos? 
Vendo estas análises, podemos nos perguntar por que os Estados Unidos continuam com uma direção estritamente 
"protocolar". Em sua obra "Le piège Américain" ("A armadilha Americana"), o General Desporte dá um início de 
resposta. Ele escreve que "Bruno Colson [autor que analisou o comportamento estratégico Americano] vê na 
potêncai industrial [dos Estados Unidos] uma das razões pela qual o exército Americano tradicionalmente 
negligencia a arte operacional e a compreensão fina da mecânica social e política dos conflitos nos quais ele se 
envolve. É verdade que pouco importa a arte da manobra ou a fineza da análise, pois a superioridade em material e 
em potência de fogo permite por em prática estratégias de destruição e evitar as armadilhas dos estrategistas de 
manobras." 
Quando nós procuramos vídeos no Youtube e vemos Firefighers Americanos empenhar 4 ou 5 veículos para um 
fogo de carro, constatamos efetivamente que a superioridade material explica esse comportamento: mesmo se o 
protocolo é inadequado, os meios serão tão grandes que a vitória é certa. Mas essa visão pode até ser boa para os 
Estados Unidos, mas é surpreendente num país como o Brasil, em que a evolução do PIB leva a crer que as 
compras de equipamentos vão diminuir, e não aumentar. Mas visto que o Brasil não participou (recentemente) de 
guerras, e não teve a oportunidade de confrontar-se à realidade dos combates, os Estados Unidos parecem um 
exemplo mais próximo do que os países Europeus. É fácil ver que os protocolos passam muito mais segurança do 
que uma abordagem do tipo "não temos certeza de nada". 
Mas porque tudo continua igual nos Estados Unidos? A história do Desafio do Milênio ajuda a entender que é 
acima de tudo um problema de mentalidade, associado a uma questão de lucro industrial e econômico nacional. 
De 24 de julho a 15 de agosto de 2002, os Estados Unidos organizaram um exercício, intitulado Desafio do Milênio 
2002, cujo objetivo era simular o ataque de um país que todos os observadores disseram tratar-se do Iran. Esse 
exercício, que custou cerca de 250 milhões de dólares, colocava de um lado os "azuis" (Estados Unidos) e do outro 
os "vermelhos" (inimigos). O exercício devia validar o desenvolvimento de novas armas, novos métodos, etc. 
misturando simulações informatizadas e movimentos de tropas. O comando dos vermelhos (ou seja, os inimigos 
dos Estados Unidos no exercício) foi assumido pelo General Paul K. Van Riper, aposentado dos Marines. Soldado 
do terreno, tendo passado pela triste experiência do Vietnam, Van Riper sabia que os métodos fabulosos com tudo 
bem previsto não funcionam. Tomando como base a sua experiência, Van Riper decidiu então utilizar as soluções 
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de baixo nível tecnológico. Assim, sabendo que os azuis espionavam todas as comunicações por rádio e telefone, 
etc. ele utilizava essas comunicações somente para transmitir informações falsas, sendo que as verdadeiras eram 
transmitidas em papel. Para a decolagem dos seus aviões, ele utilizava sinais luminosos como na Segunda Guerra 
Mundial, e não o rádio. 
Depois de bem pouco tempo, convencidos de que sabiam tudo sobre o inimigo, os azuis enviaram aos vermelhos 
uma ordem de render-se em 24 horas. Para surpresa dos azuis, a única resposta de Riper foi atacar com um grande 
número de barcos pequenos e lançar uma salva de mísseis que destruíram 16 navios azuis antes que eles tivessem 
entendido o que estava acontecendo, tudo isso saindo totalmente das previsões! Nesse momento do exercício, os 
azuis tinham perdido um porta aviões, 10 cruzadores e 5 dos 6 veículos anfíbios, o que se fosse na realidade teria 
causado a perda de cerca de 20.000 homens. Logo depois desse ataque, uma outra parte da frota marítima azul foi 
destruída por "pequenos barcos suicidas", dentre outros ataques. Interessante notar que os azuis foram totalmente 
incapazes de detectar esses ataques suicidas, simplesmente porque a eventualidade de um ataque desse tipo (barcos 
minúsculos entupidos de explosivos vindo bater nos navios enormes), não tinha sido programada no sistema 
informatizado, que supostamente devia "ter previsto tudo"... 
Nesse momento, o exercício foi interrompido. Parem tudo!!! Para analisar? Para questionar-se? Para admitir o 
fracasso? De jeito nenhum, muito pelo contrário. O sistema foi reinicializado para recomeçar o exercício, mas 
dessa vez mandando que os vermelhos seguissem um roteiro pré-estabelecido, permitindo que os azuis ganhassem, 
obrigando os vermelhos a indicar onde estavam suas tropas, o que elas iriam fazer, etc. De fato, como num 
exercício de socorrismo ou de incêndio combinado com antecedência, as condições deveriam permitir validar, 
avalizar o sacrossanto protocolo, e de modo algum permitir duvidar de sua eficácia. Furioso, Van Riper partiu e fez 
estourar o escândalo, mas nada mudou. 
Porque o fundo do problema é que continuar produzindo material super-sofisticado, satélites, caminhões, etc. traz 
divisas para o país, faz a indústria girar, etc. Ao contrário, apesar de o método utilizado por Van Riper ter-se 
mostrado largamente superior, ele usou apenas material pequeno, de pouco interesse econômico de fabricar-se. 
O fato é que os protocolos funcionam, sim. Eles funcionam muito bem, para aqueles que produzem material (o 
CAFS é um excelente exemplo no combate a incêndio), livros (como o PHTLS e suas versões), eles dão boa 
consciência a quem os redige e lhes permite culpar os executantes. 
Sejamos lúcidos: você compraria para a sua corporação um material que o vendedor apresentasse dizendo que 
funciona bem o suficiente, mas que na situação de socorro ele poderá ser inadequado, complicado, saturar você de 
informações inúteis e que, para aprender a utilizá-lo, é preciso reflexão, inteligência e escolhas difíceis? 
Certamente não. Mas o novo equipamento fabuloso, que resolve todos os seus problemas e cuja demonstração 
começa invariavelmente por "Vocês vão ver, é fácil", aí sim, vamos querer comprar. Mas se olhamos para trás, 
apesar das melhorias, somos obrigados a admitir que os resultados não são jamais tão bons como anunciados. 
De fato, o sistema de ultra-previsão é perfeitamente em sintonia com a mentalidade americana, resumida muito 
bem pelo General de US Marines James Logan Jones: "no passado nós sempre ganhamos sendo maiores, não mais 
inteligentes". 
Faltou combinar com os russos... 
A anedota do Desafio do Milênio e o fato que os barquinhos suicidas não tinham sido "previstos" parece com um 
fato acontecido em 6 de junho de 1944 nas praias da Normandia. Os GIs (soldados) formados à maneira dos 
Estados Unidos tinham como princípio o uso de metralhadoras em rajadas curtas. Bastava então avançar correndo 
entre uma rajada e outra! Beleza!... Em princípio. Pois na realidade esse "protocolo" não funcionava contra os 
Alemães, que usavam as metralhadoras de maneira diferente. No exército Alemão, as metralhadoras serviam para 
"grampear" o inimigo no chão, com rajadas contínuas, sem pausa. É inclusive interessante ver no Youtube 
colecionadores Americanos de armas fazendo demonstrações do uso da MG42, metralhadora alemã, mas que eles 
usam à moda Americana, e não como os Alemães as utilizavam... 
Para tomar um exemplo Brasileiro, como disse Garrincha, "faltou combinar com os Russos". 
O problema então não são os protocolos ou procedimentos em si mesmos, mas sim na verdade a distância entre a 
concepção deles e as condições de uso. Nas empresas certificadas ISO, tudo é feito por meio de Processos e 
Procedimentos, ou seja, de certo modo, por protocolos Então, isso é uma prova de que funcionam? Não 
exatamente. Quando uma ação falha, a primeira coisa analisada pelo responsável de qualidade ISO é o respeito ao 
protocolo. Se ele não foi respeitado, faz-se tudo para que seja respeitado. Se foi respeitado e o resultado é ruim, 
melhora-se o protocolo. 
POP - 25/06/2014 - Página 7 de 8 - © ANSB 
- Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros
Mas, sem nenhuma exceção, os procedimentos ISO são feitos internamente, nos locais onde são utilizados e as 
organizações ISO têm um sistema de subida das informações e consideração às observações dos utilizados dos 
protocolos. Além disso, os protocolos são criados pelos próprios utilizadores e o responsável de qualidade é 
somente o maestro da orquestra, ajudando na redação. 
Mas é o setor de contabilidade que escreve os protocolos da contabilidade, o setor de fabricação que escreve os 
protocolos de fabricação, etc. Ao contrário, o aspecto imprevisível do socorro ou das ações militares faz com que 
redigir protocolos "no terreno" seja impossível, principalmente porque as mesmas condições se repetem raramente. 
Assim, surge um distanciamento entre os que escrevem os protocolos dentro de seus escritórios e a partir de dados 
que eles podem analisar com calma, tranquilamente, e aqueles no terreno, confrontados a problemas de urgência e 
condições frequentemente delicadas. 
Pode-se assim considerar que um sistema ISO evolui num contexto fechado, enquanto que o contexto de socorro é 
aberto. 
O sistema ISO funciona pois é composto de protocolos adequados, com um sistema de subida da informação 
permanente, que permite fazê-lo evoluir de maneira constante. Um sistema que queira aplicar protocolos no terreno 
das urgências não funciona, tanto porque ele gera protocolos pouco ou nada adequados, mas também porque a 
subida de informações do terreno é inexistente. Ora, num sistema sem subida de informações, os protocolos agem 
como um anestésico. O General De Gaulle, na sua obra "O fio da Espada" indica que quanto mais o regulamento 
tenta prever tudo, mais ele é complicado, inadequado e, principalmente, torna-se uma excelente desculpa para 
quem não quer fazer nada: o pretexto "não podemos fazer isso, não está no protocolo" é um grande clássico. 
Situação bem paradoxal, pois quem quer fazer o sistema evoluir, ou seja, quem quer melhorá-lo, é visto como um 
incômodo que não terá as oportunidades que sua visão e competência merecem. 
Inclusive, note-se que a ANSB, nesse nível, optou por dois modos de organização diferentes: fora de socorro, a 
ANSB funciona numa base ISO-9001 com procedimentos, processos, manuais de documentação, seguimento de 
tarefas, gestão de não-conformidade, etc. e principalmente com MELHORIA CONTÍNUA. Mas em socorro, o 
sistema funciona num modelo militar Francês (Efeito Maior) e Alemão (Auftragstaktik), ou seja, sem 
procedimentos pré-estabelecidos. 
Conclusão 
Começamos a entender por que os protocolos são inadequados e por que o pessoal de socorro que só tem essa 
solução fica geralmente desamparado diante do desconhecido. Mas nada nos oferece claramente outra solução. Nós 
citamos a Auftragstaktik, sem detalhar o que é. Nós também podemos citar o conceito Francês do Efeito Maior, 
mas somente citar não esclarece coisa nenhuma. 
Por isso, vamos dedicar um outro artigo para responder a questão que fica evidente: Como ser eficaz em socorro, 
quase sem usar protocolos? 
POP - 25/06/2014 - Página 8 de 8 - © ANSB 
- Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros

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ANSB SAPADORES-BOMBEIROS BRASIL POP

  • 1. ANSB SAPADORES-­‐BOMBEIROS DO BRASIL POP - 25/06/2014 - Página 1 de 8 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros POP: A falsa boa ideia Se os protocolos são perfeitos, porque não são seguidos? Quando damos uma olhada nas páginas Facebook das diferentes entidades Brasileiras ligadas ao socorro, e que nós lemos os comentários sobre os vídeos mostrando ações incorretas, vemos que não há praticamente nenhum argumento nem as pessoas explicam sua opinião: algumas citam Leis, Normas, Protocolos e POPs (procedimentos operacionais padrão). A única razão que esses "comentaristas" encontram para os erros é que as normas, sacrossantas, não foram seguidas. E no entanto, se nos dizem por um lado que os protocolos são muito simples e perfeitos, por que é que não são seguidos? Um pouco de história... A fim de compreender o uso dos POPs (SOPs, nos EUA) e dos protocolos como um todo, é interessante entender de onde eles vêm e por que um bom número de países Europeus não os tem (ou pelo menos, não tanto como nos EUA e Brasil). De um modo geral, a organização de socorro é influenciada pelo comportamento dos exércitos, ou seja, grupos grandes e organizados. Como o Brasil não teve conflitos grandes no seu território, sua organização não nasceu da experiência, mas sim da influência, Americana principalmente. Visto que os Estados Unidos são um país jovem, as respostas históricas devem ser buscadas do lado da Europa. Os grandes conflitos Europeus organizados começaram com a Revolução Francesa, seguida das Guerras Napoleônicas. A organização militar mudou totalmente e os serviços de socorro utilizaram plenamente as lições da guerra. É por isso que os Sapeurs-Pompiers (Sapadores-Bombeiros) Franceses têm uma organização derivada das unidades de Engenharia (Génie) do Exército. Depois de serem derrotados por Napoleão em Jena (1806), os Prussianos começaram a analisar os princípios militares Franceses. Foi assim que eles criaram um grupo de análise e de comando chamado "General Staff", concretizado em 1870. O "General Staff" foi adotado em seguida pelos Americanos, que o utilizaram para criar seu National Response Framework (sistema nacional de resposta a emergências), contendo as diretivas sobre o socorro a pessoas e combate a incêndio, ligados ao NIMS (Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes) e ICS (Sistema de Comando de Incidentes). Da guerra A obra de Clauswitz inaugurou o estudo dos combates e definiu os conceitos de centro de gravidade, usado até hoje pelos EUA A metodologia militar foi descrita pela primeira vez na obra intitulada "Da Guerra" (Vom Kriege), escrita por Carl Von Clauswitz e editada em 1832. Precedentes, como "A Arte da Guerra", de Sun Tzu (entre outras) são interessantes, mas bem menos do que a obra de Clauswitz, que analisa o próprio cerne dos combates. Sun Tzu é mais político. Um grande princípio foi estabelecido por Clauswitz: o centro de gravidade. Este princípio consiste em dizer que não basta matar inimigos ou lutar, é preciso ainda que isso seja feito com um objetivo, definido previamente. É preciso procurar o ponto mais sensível do inimigo e dirigir seu esforço contra esse ponto. O centro de gravidade pode ser o posto de comando, as linhas de transmissão, pontes, etc... É esse ponto cuja definição regulamentar é "fonte de potência material ou imaterial do adversário, de onde ele tira sua liberdade de ação, sua força física e sua vontade de combater." Nos Estados Unidos, esse conceito encontrou um eco extremamente favorável. De fato, uma vez que o centro de gravidade tenha sido encontrado, basta investir todo o seu esforço contra ele. Militarmente falando, os EUA são o país do material e dos grandes equipamentos. Se são necessários 10 aviões, a gente coloca 20, se são necessários 50 a gente coloca 100, etc... No socorro, encontramos exatamente esse princípio. Onde num país da Europa vai-se empenhar um caminhão de combate a incêndio pequeno, os Americanos empenham 4 ou 5 caminhões enormes, entupidos de material.
  • 2. A partir do momento em que foi determinado o centro de gravidade, o resto deve, teoricamente, encadear-se sem problemas: o objetivo foi designado, o material é muito, os recursos humanos são enormes. Esta acumulação de equipamento leva a uma acumulação de técnicas, perfeitamente descritas. E para encadear os gestos? Nada mais simples do que fazer listas, os famosos "protocolos" / POP" que basta seguir. Acidentes, de novo... Nos Estados Unidos, a cada acidente com morte de um bombeiro - que eles chamam de Firefighter, "guerreiro do fogo", é feita uma investigação, que em seguida é publicada. Essas investigações estão disponíveis no sítio da United States Fire Administration (www.usfa.fema.gov). Há poucos anos, logo após a publicação do relatório sobre o acidente do Sofa Super Store em Charleston (Junho de 2007, 9 firefighters mortos), começaram a aparecer artigos na imprensa especializada Americana, perguntando para o que servem esses relatórios. De fato, proporcionalmente ao número de incêndios o número de firefighters mortos em ocorrências é baixo. Mas o principal, é que todos os relatórios são idênticos: eles descrevem os eventos, minuto a minuto, e depois concluem que existem protocolos, perfeitos, extremamente bem feitos, bem escritos, muitíssimo simples de por em prática... mas que não foram seguidos. Ou seja, as conclusões são sempre as mesmas: é preciso seguir os protocolos. Os autores dos artigos então começaram a levantar várias hipóteses. - Ou os firefighters são muito estúpidos e não conhecem os protocolos e, nesse caso, ou a gente troca o POP - 25/06/2014 - Página 2 de 8 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros pessoal ou a gente escolhe outra solução - Os protocolos são seguidos mas o resultado é ruim - Os protocolos são perfeitos no escritório mas inadequados no terreno Mas, em todo caso, não dá para se contentar de repetir sempre a mesma ladainha, de que é preciso seguir o protocolo. Observação: enquanto todo mundo acha que nos Estados Unidos todo mundo usa o ICS (Sistema de Comando de Incidente) em todas as ocorrências, ficamos surpresos de ler as mensagens dos comandantes de socorro Americanos em fóruns de bombeiros dizendo que existem realmente protocolos, mas que não são aplicáveis em operação. A divulgação dos protocolos na verdade é obra de formadores, de empresas divulgando normas, mas quase nunca são do pessoal operacional. É como se nós tivéssemos dois universos distintos, sem ligação entre eles: de um lado os teóricos, convencidos da qualidade de seus protocolos, e do outro os práticos que se viram com o aleatório do terreno e da situação. Um segundo ponto que alguns esquecem... Todos os militares Europeus concordam num ponto: a obra de Clauswitz foi estudada largamente em todos os exércitos do mundo, mas o Americano só considerou doutrinariamente o primeiro elemento do livro, ou seja, a noção de Centro de Gravidade, que corresponde perfeitamente à mentalidade dos Estados Unidos: definir um objetivo, e em seguida colocar todos os meios para atingi-lo, o que a potência financeira e industrial do país permite sem grande dificuldade. Mas Clauswitz destaca um segundo ponto: a neblina. Para Clauswitz, a situação é sempre complexa e o que a gente vê na verdade é somente uma parte da situação. Sempre faltam informações, escondidas por uma espécie de "neblina" impenetrável. Se nós queremos tomar uma decisão, só há duas opções: ou nós buscamos todas as informações, ou nós decidimos com o que temos. Esta segunda escolha é descrita pelo General Desportes em sua obra "Décider dans l'incertitude" ("Decidir na incerteza"). Ao contrário do que a gente pode imaginar, é totalmente impossível ter todas as informações porque, no combate, face a um acidente ou um incêndio, as informações estão em evolução permanente. O que nós vemos num instante e que pode nos parecer primordial para a decisão, pode mostrar-se totalmente sem interesse alguns minutos mais tarde. Além disso, a neblina mascara as informações. E adicionar mais uma ferramenta não muda nada, pelo contrário: quanto mais instrumentos de medida, mais vamos acumular informações, e assim perder tempo a analisá-las para chegar na verdade a conclusões que não estão mais atualizadas com a situação que continuou evoluindo. Em sua obra "Tactique Théorique" (Tática Teórica) o General Yakovlef, ex-Legionário (da Legião Estrangeira da França), diretor geral da formação na Escola de Blindados de Saumur, na França, cita um caso extremo da verdadeira intoxicação tecnológica. Durante a Guerra Fria entre o bloco do leste e o ocidente, a OTAN havia
  • 3. empregado meios de observação para ver, com muita precisão, uma faixa de 5000km de comprimento e várias centenas de quilômetros de largura , tudo isso para observar toda e qualquer atividade soviética, até a menor que fosse. Entre março e junho de 1999, todo esse equipamento foi redirigido pela OTAN para observar a situação dentro do Kosovo (ex-Ioguslávia), ou seja, um território igual a aproximadamente a 2 vezes o Distrito Federal. Ora, isso resultou numa massa de informação cuja quantidade e evolução permanente tornavam a análise tão difícil que nunca foi possível saber o número de brigadas que os Sérbios tinham no Kosovo, onde elas estavam e em que situação. Quanto aos refugiados, as estimativas oscilavam entre 100.000 e 400.000, e nunca chegaram a ser mais exatas. Então, é preciso desconfiar da soma incessante de equipamentos propostos aos socorristas ou bombeiros: câmera térmica, sonda, sonar, viseira com exibição de informações, etc... toda uma parafernália que o estresse não deixa você analisar e que, no final das contas, torna complexo o ciclo de decisão, saturando-o rapidamente de informações cuja utilidade não foi estabelecida. A neblina e os protocolos Ao contrário, se nós aceitamos essa ideia da neblina, nós concluímos rapidamente que ela dificulta a aplicação dos protocolos. De fato, o protocolo define uma ação a realizar conforme a situação. Se temos apenas 2 ou 3 protocolos extremamente simples, escolher aquele que vamos aplicar é muito fácil, não é preciso grande análise. Mas nesse caso, esses protocolos vão ser gerais demais para ajudar em grande coisa. Por outro lado, se temos todo um conjunto de protocolos precisos, a escolha é mais difícil e exige mais informações. Ora, informações existem em quantidade impossível de estimar-se com antecedência, sensíveis à neblina e evoluindo no tempo. Quanto mais recebermos informação, mais teremos tendência a esperar outras, para verificar a verificação da verificação anterior. E durante esse tempo, nada se faz, a situação continua mudando e se degradando. Prever tudo...Funciona nas empresas com certificação ISO O princípio do protocolo tem um outro inconveniente, também ligado ao tempo e ao aspecto imprevisto da situação. No espírito Americano, tudo está previsto, tudo é previsível e tudo se resolve com material. A dúvida não existe. Quando a gente analisa a organização de uma empresa certificada ISO, constata que nela tudo é previsto: cada ação é definida, com parâmetros de entrada e um resultado na saída. Mas todos os responsáveis da qualidade concordam num ponto: isso funciona perfeitamente, desde que os elementos de entrada de uma ação sejam provenientes de uma ação dentro da empresa. Ao contrário, todas as ações ao redor da organização, ou seja, que recebem dados externos à empresa, têm dificuldades frequentes. Mesmo se você tem absoluta confiança na sua metodologia, ferramentas e competência para fabricar cadeiras de madeira (por exemplo), se o seu fornecedor de madeira não entrega a madeira certa ou se ele entrega com atraso, você não pode fazer nada. Ora, é exatamente o que acontece em socorro: a gente toma as decisões e realiza ações considerando elementos que a gente não conhece: não conhecemos bem o local, não temos nenhuma ideia do comportamento que a multidão ou as vítimas podem adotar, etc. O protocolo dizendo que primeiro é preciso fazer isso, depois aquilo, continuar assim e assado... é de fato o reflexo de uma visão teórica de como as coisas vão acontecer, mas não é a realidade. Pois, se a primeira ação que supostamente vai dar certo não der, o que a gente faz? Nesse caso, seria lógico que depois da primeira ação A não basta uma ação B. É preciso ter uma ação B1, para o caso de A dar certo, e outra B2, para o caso de A falhar. Assim, nós teríamos B1 e B2. Mas, para C, acontece o mesmo problema: precisamos de uma ação C1-1 se B1 dá certo, uma ação C1-2 se B1 falha, uma ação C2-1 se B2 funciona e assim por diante... Não precisa ser um grande matemático para entender que o número de possibilidades vai ficar rapidamente impossível de gerenciar. Nada acontece como previsto... Tendo analisado isso, torna-se evidente que o protocolo será dificilmente adequado à situação. Alguns, sentados diante do computador, vão responder que, nesse caso, basta fazer de outro jeito. Em teoria, sim. Na prática, será extremamente difícil. De fato, se vemos o modo de ensino de socorro em países que usam muito os protocolos, constatamos que os exercícios raramente incluem situações para as quais os protocolos não funcionam. ao contrário, os exercícios validam os protocolos, criando situações que correspondem a eles. Alguém escreve o protocolo, explica-o e depois cria uma situação que o valida, chegando assim cada vez à mesma conclusão: estão vendo? Funciona! No caso do Brasil, somos confrontados a um grande número de escolas cujos formadores jamais fizeram intervenções de verdade, e cuja única visão é estritamente protocolar. Diante de um vídeo mostrando situações POP - 25/06/2014 - Página 3 de 8 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros
  • 4. "fora dos protocolos", essas pessoas são incapazes de analisar e entender que, frequentemente, se o protocolo não é seguido é porque ele não pode ser seguido, o que eles, em suas escolas e situações de exercício, são incapazes de imaginar. No caso dos sistemas de tipo militar ou no caso do SAMU, os redatores do protocolo são raramente os que vão utilizá-los. Os atores do terreno encontram-se assim com protocolos difíceis ou impossíveis de utilizar-se. E quando a sua chefia percebe que eles não seguem os protocolos, repreende-os sem jamais duvidar dos protocolos. O problema é que esse modo de formação não imagina a "neblina" e por isso não dá elementos de decisão para o aluno. Resultado: fora do protocolo, cada um se vira sem nenhuma ajuda. A formação cai em descrédito quando os recém-formados percebem a ineficácia do protocolo. Verdadeiros choques psicológicos. Como imaginar que um aluno a quem foi explicado que os protocolos dão todas as respostas possa reagir eficazmente quando ele percebe que isso não funciona? E pior, sabendo que ele percebe isso numa situação de estresse, às vezes junto a uma multidão agressiva e sozinho diante de uma realidade que vai além do que ele entende... Não apenas o protocolo é uma ferramenta frequentemente ineficaz, mas ele leva além disso a um sentimento de falsa segurança. Analisamos recentemente um vídeo mostrando uma equipe Americana combatendo um incêndio de veículo. As ações são perfeitas, os EPIs são colocados com perfeição, o material é impressionante. Infelizmente para os intervenientes, o combustível utilizado no carro não é comum. O primeiro ataque falha. Ora, ao invés de parar, refletir e procurar uma solução em função do que está acontecendo e do que se vê, o que a equipe faz é utilizar, um após o outro, todos os métodos. A operação parece um catálogo de soluções que os firefighters vão folheando sem jamais ter a capacidade de jogar fora o catálogo e encontrar por si mesmo uma outra opção. O que acontece? Além de não conseguir apagar, a equipe recebe "apoio" de outros veículos que chegam com pessoal e equipamento e cada um com o mesmo "catálogo de soluções", aumentando a confusão: cada um vem e faz de novo o que já tinha sido feito, há até mesmo brigas entre os firefighters... Existe a surpresa de descobrir que as ações são ineficazes, o que piora a situação. Ao contrário, aceitar a neblina como um elemento incontornável permite evitar essa surpresa. Nós encontramos, na Doutrina dos Sapadores-Bombeiros, uma citação do Coronel Jean-Pierre Perrin: "Apoiando-se no levantamento e numa justa avaliação da ameaça, o trabalho do chefe consiste em prever o pior, de maneira que o pior não aconteça ou, caso contrário, que ele esteja em condições de retomar a iniciativa o mais cedo possível". Vemos que o chefe deve fazer tudo para que o pior não aconteça, mas ao mesmo tempo ele considera que isso pode acontecer. A sincronização impossível É igualmente interessante constatar que a implantação de protocolos mais e mais detalhados e estritos trata essencialmente de técnicas realizadas individualmente ou em grupos muito pequenos. Em desencarceração, as análises mostram que quanto mais os protocolos e ferramentas tornam-se complexos, tanto mais cada micro-grupo de intervenientes fecha-se sobre si mesmo, faz suas ações sem preocupar-se com as de outros. A coesão global não existe mais e as ações de uns podem colocar os outros em perigo. Uma análise dos acidentes acontecidos nos Estados Unidos em incêndios estruturais mostra frequentemente uma situação totalmente paradoxal: o grupo inteiro é dividido em sub-grupos, cada um executando seu próprio protocolo, geralmente com seriedade e qualidade. De fato, a intervenção para eles é constituída somente de sucessos de micro-protocolos. Mas não basta seguir um protocolo ao pé da letra: ainda é necessário que no conjunto da intervenção a ação realizada seja sincronizada com as ações dos outros. Note-se que mais de 300 acidentes no uso de ventiladores foram levantados pelo site Firefighter Near Miss. Em quase todos os acidentes, cada pequeno grupo seguiu perfeitamente o protocolo. Simplesmente, os diversos protocolos revelaram-se incompatíveis entre si, seja em termos de resultado, duração, efeito, etc. fazendo com que o todo levasse a acidentes. De fato, constatamos que quanto maior o número de intervenientes, maior o número de protocolos executados simultaneamente e mais o resultado vai escapar a qualquer tipo de controle. Isso pode ser comparado à Guerra do Vietnam: os Americanos ganharam todas as batalhas de que participaram, então seria lógico que ganhassem a guerra, mas o resultado foi um fracasso total. Mas o pior de tudo, é que este fracasso em nível global não pode ser sentido pelos executantes. De fato, cada um fez o seu melhor, cada um seguiu perfeitamente o protocolo. O fracasso, algo global e real, é no fim das contas "culpa de ninguém". Mas se não podemos mostrar o ponto que está falhando, não há melhoria possível. POP - 25/06/2014 - Página 4 de 8 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros
  • 5. Exemplos históricos É sempre possível, para os defensores dos POP, dizer que o exército Americano usa e que isso é razão suficiente. Mas os fatos históricos estão aí: o aumento das técnicas e do material jamais levou a um resultado satisfatório. Vietnam, Iraque ou Afeganistão são, a longo prazo, fracassos. Uma análise atenta da segunda guerra mundial mostra igualmente os limites do sistema: o desembarque aconteceu na Normandia em 6 de junho de 1944 e a cidade de Alençon foi alcançada pelos Aliados em 12 de agosto, ou seja, 67 dias mais tarde. Ora, da praia de "Omaha beach"(local do desembarque) até Alençon são apenas... 160km! O exército Alemão, um exército que funciona plenamente em modo "iniciativa" (Auftragstaktik) e não em modo protocolo, alimentado em armamanto e material em 1944 por fábricas bombardeadas noite e dia, empenhado no fronte leste (União Soviética) e num grande número de teatros de operação conseguiu bloquear durante várias semanas um exército largamente superior em número e em equipamento. Isso evidentemente não quer dizer que as coisas são sempre assim, mas isso dá uma ideia da distância que pode haver entre teoria e planejamento e a realidade, pois se no final do dia 6 de junho de 1944 as perdas Alemãs e Aliadas (Estados Unidos, Inglaterra...) eram semelhantes (cerca de 10 mil mortos de cada lado), as forças empregadas eram muito diferentes (156 mil Aliados, 40 mil Alemães). Se nós comparamos isso com os incêndios em que é preciso empregar muita gente, dá para imaginar que o modo de organização é crucial. Porque o desembarque em 1944 deu certo, foi graças ao potencial empenhado, mas principalmente por causa da organização extrema. Pois não basta aumentar o número para ter sucesso: se a tropa não está organizada, o aumento do número só aumenta a desorganização. Goose Green Mesmo assim, é evidente que comparar dois modos de funcionamento simplesmente pela confrontação de dois grupos armados é particularmente difícil. De fato, o resultado de uma batalha não depende exclusivamente do funcionamento, mas também do moral, das condições, dos equipamentos. Então, não é porque uma batalha é ganha utilizando um sistema que ele é obrigatoriamente o melhor. Mas o caso da batalha de Goose Green permite fazer uma comparação entre sistemas: o resultado pendulou realmente de um campo ao outro, simplesmente porque um dos campos mudou os fundamentos do seu comportamento, e isso em pleno combate. Nos dias 28 e 29 de maio de 1982, os Britânicos desembarcaram nas Ilhas Malvinas tentando retomar a cidade de Goose Grens, ocupada pelos Argentinhos. São um pouco mais de 1000 Argentinos, enquanto os Britâncios são apenas 690. Além disso a cidade foi fortificada e os Agentinos dispõem de artilharia, morteiros de 35mm e metralhadoras. O batalhão Britânico é dirigido pelo Tenente-Coronel Herbert 'H Jones, que exerce o comando na sua forma "hierarquia e disciplina estritas" então em vigor no exército Britânico e não deixando espaço para iniciativa dos subordinados. O Tenente-Coronel havia previsto um plano em 6 partes. Tudo estava preparado e as ordens eram estritas. Mas como a neblina da guerra continua sendo um elemento fundamental dos conflitos, desde o início o plano mostrou-se inadequado. E conforme as coisas evoluíam, a inadequação só fez aumentar. O sistema então começou a se bloquear: as informações chegavam ao ao Tenente-Coronel com um certo atraso, ele analisava conforme sua própria opinião, as ordens partiam e eram recebidas com atraso (em situação de combate, o atraso às vezes é de apenas alguns segundos que, sob fogo, parecem uma eternidade). Sem poder tomar iniciativa, os homens no combate estavam totalmente bloqueados sob o fogo dos argentinos. Diante do impasse na situação, Herbert 'H' Jones decide avançar, ficar bem próximo do front, sempre na intenção de decidir e aplicar protocolos. Ao invés de melhorar a situação, essa escolha piora tudo ainda mais: seu grupo é bloqueado sob o fogo dos Argentinos, e os Britânicos ficam totalmente imobilizados. Para sorte dos Britânicos, e azar dele, o Tenente-Coronel Herbert 'H' Jones é atingido por um tiro Argentino, e morto. Ele é substituído imediatamente por seu ajudante, o Major Chris Keeble. Mas Keeble tinha estado durante dois anos num intercâmbio no exército Alemão (Bundeswher), onde tinha descoberto e praticado a Auftragstaktik, sistema que não utiliza protocolos, e sim deixa um grande espaço para a iniciativa. Keeble então escolheu modificar o eixo do assalto, delegando a escolha dos métodos às diversas pessoas ao seu redor, cada um podendo então escolher seu método e modificá-lo em função dos acontecimentos, tendo assim a possibilidade de "agarrar a oportunidade". Logo que ela aparecesse, sem esperar ordens. A batalha então virou rapidamente em benefício dos Britânicos, mesmo sendo que a única mudança foi na metodologia, optando por uma solução mais simples e, principalmente, mais flexível. A batalha terminou com um saldo pesado para os Argentinos: 47 mortos, 145 feridos e 961 prisioneiros, contra 17 mortos e 64 feridos do lado Britânico. O historiador militar Fitz-Gibson, especialista na batalha de Goose Green, considera que o sucesso Britânico foi resultado de dois parâmetos: de um lado, essa mudança radical de método do lado Britânico. De outro o fato que os POP - 25/06/2014 - Página 5 de 8 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros
  • 6. Argentinos foram vítimas de seu comando rígido e detalhista que lhes tornava incapazes de lançar o mínimo contra-ataque, mesmo sabendo-se que tiveram várias oportunidades. Mas não basta melhorar os protocolos? Mas se os protocolos não funcionam, bastaria melhorá-los. Em um certo sentido, sim. Mas nós já dissemos que ou o protocolo seria simples e não serviria para grande coisa, ou seria preciso um protocolo mais exato, e então seria necessária uma enorme quantidade de protocolos - um para cada situação exata, levando a uma dificuldade de escolha. Além disso, constatamos que em quase todos os casos a melhoria de um protocolo consiste na verdade a adicionar elementos, o que resulta em um protocolo mais difícil de utilizar, ou seja, ainda mais inadequado. Já falamos da intervenção Americana com incêndio de veículo e os protocolos inadequados face a uma situação imprevista. Em sua obra "Anatomia da Batalha", John Keegan analisa a batalha da Somme, e mostra perfeitamente os limites da planificação levada a extremos. Em 1o de julho de 1916, as tropas Francesas e Inglesas partem ao assalto das trincheiras Alemãs, num setor entre as cidades de Albert e Bapaume. Durante 7 dias os artilheiros Franceses e Britânicos derramam um dilúvio de fogo sobre as defesas Alemãs: 12 mil toneladas de morteiros são enviadas em cima de um território de alguns quilômetros quadrados. Em 1o de julho, as tropas Francesas e Britânicas partem ao assalto. Tudo foi previsto, tudo foi estudado, tudo foi cartografado, as táticas serão aquelas utilizadas em exercício. Note-se inclusive que as ordens são escritas num estilo que demonstra perfeitamente a plena confiança na preparação: "A artilharia pesada e de sítio será avançada... Depois de tomar o seu objetivo, a 30a divisão será rendida pela 9a", etc... Nenhuma dúvida. Nenhuma frase do tipo "se a divisão fracassar, então..." Ao contrário, tudo é previsto porque tudo vai acontecer como previsto. Quando o Estado Maior duvida, ao invés de simplificar ou de questionar as ações, ele as complica ou simplesmente intensifica o esforço: um pouco mais de morteiros em tal lugar, mais um pouco nesse outro. Então, tudo é perfeito, tudo foi imaginado exceto por um detalhe: os Alemães cavaram abrigos de até 10m de profundidade que lhes protegem de todo o bombardeio. Assim, os Britânicos encontram as unidades Alemãs intactas. Em 1o de julho, quando as tropas Britânicas saem de suas trincheiras para o assalto das linhas inimigas que eles imaginam destruídas a surpresa é trágica: os Alemães acolhem os Britânicos a tiros de canhão mas, principalmente, com um grande número de metralhadoras. Ao fim da batalha, 21 mil Britânicos foram mortos, um grande número logo nos primeiros minutos. Se não serve, por que continuar com os protocolos? Vendo estas análises, podemos nos perguntar por que os Estados Unidos continuam com uma direção estritamente "protocolar". Em sua obra "Le piège Américain" ("A armadilha Americana"), o General Desporte dá um início de resposta. Ele escreve que "Bruno Colson [autor que analisou o comportamento estratégico Americano] vê na potêncai industrial [dos Estados Unidos] uma das razões pela qual o exército Americano tradicionalmente negligencia a arte operacional e a compreensão fina da mecânica social e política dos conflitos nos quais ele se envolve. É verdade que pouco importa a arte da manobra ou a fineza da análise, pois a superioridade em material e em potência de fogo permite por em prática estratégias de destruição e evitar as armadilhas dos estrategistas de manobras." Quando nós procuramos vídeos no Youtube e vemos Firefighers Americanos empenhar 4 ou 5 veículos para um fogo de carro, constatamos efetivamente que a superioridade material explica esse comportamento: mesmo se o protocolo é inadequado, os meios serão tão grandes que a vitória é certa. Mas essa visão pode até ser boa para os Estados Unidos, mas é surpreendente num país como o Brasil, em que a evolução do PIB leva a crer que as compras de equipamentos vão diminuir, e não aumentar. Mas visto que o Brasil não participou (recentemente) de guerras, e não teve a oportunidade de confrontar-se à realidade dos combates, os Estados Unidos parecem um exemplo mais próximo do que os países Europeus. É fácil ver que os protocolos passam muito mais segurança do que uma abordagem do tipo "não temos certeza de nada". Mas porque tudo continua igual nos Estados Unidos? A história do Desafio do Milênio ajuda a entender que é acima de tudo um problema de mentalidade, associado a uma questão de lucro industrial e econômico nacional. De 24 de julho a 15 de agosto de 2002, os Estados Unidos organizaram um exercício, intitulado Desafio do Milênio 2002, cujo objetivo era simular o ataque de um país que todos os observadores disseram tratar-se do Iran. Esse exercício, que custou cerca de 250 milhões de dólares, colocava de um lado os "azuis" (Estados Unidos) e do outro os "vermelhos" (inimigos). O exercício devia validar o desenvolvimento de novas armas, novos métodos, etc. misturando simulações informatizadas e movimentos de tropas. O comando dos vermelhos (ou seja, os inimigos dos Estados Unidos no exercício) foi assumido pelo General Paul K. Van Riper, aposentado dos Marines. Soldado do terreno, tendo passado pela triste experiência do Vietnam, Van Riper sabia que os métodos fabulosos com tudo bem previsto não funcionam. Tomando como base a sua experiência, Van Riper decidiu então utilizar as soluções POP - 25/06/2014 - Página 6 de 8 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros
  • 7. de baixo nível tecnológico. Assim, sabendo que os azuis espionavam todas as comunicações por rádio e telefone, etc. ele utilizava essas comunicações somente para transmitir informações falsas, sendo que as verdadeiras eram transmitidas em papel. Para a decolagem dos seus aviões, ele utilizava sinais luminosos como na Segunda Guerra Mundial, e não o rádio. Depois de bem pouco tempo, convencidos de que sabiam tudo sobre o inimigo, os azuis enviaram aos vermelhos uma ordem de render-se em 24 horas. Para surpresa dos azuis, a única resposta de Riper foi atacar com um grande número de barcos pequenos e lançar uma salva de mísseis que destruíram 16 navios azuis antes que eles tivessem entendido o que estava acontecendo, tudo isso saindo totalmente das previsões! Nesse momento do exercício, os azuis tinham perdido um porta aviões, 10 cruzadores e 5 dos 6 veículos anfíbios, o que se fosse na realidade teria causado a perda de cerca de 20.000 homens. Logo depois desse ataque, uma outra parte da frota marítima azul foi destruída por "pequenos barcos suicidas", dentre outros ataques. Interessante notar que os azuis foram totalmente incapazes de detectar esses ataques suicidas, simplesmente porque a eventualidade de um ataque desse tipo (barcos minúsculos entupidos de explosivos vindo bater nos navios enormes), não tinha sido programada no sistema informatizado, que supostamente devia "ter previsto tudo"... Nesse momento, o exercício foi interrompido. Parem tudo!!! Para analisar? Para questionar-se? Para admitir o fracasso? De jeito nenhum, muito pelo contrário. O sistema foi reinicializado para recomeçar o exercício, mas dessa vez mandando que os vermelhos seguissem um roteiro pré-estabelecido, permitindo que os azuis ganhassem, obrigando os vermelhos a indicar onde estavam suas tropas, o que elas iriam fazer, etc. De fato, como num exercício de socorrismo ou de incêndio combinado com antecedência, as condições deveriam permitir validar, avalizar o sacrossanto protocolo, e de modo algum permitir duvidar de sua eficácia. Furioso, Van Riper partiu e fez estourar o escândalo, mas nada mudou. Porque o fundo do problema é que continuar produzindo material super-sofisticado, satélites, caminhões, etc. traz divisas para o país, faz a indústria girar, etc. Ao contrário, apesar de o método utilizado por Van Riper ter-se mostrado largamente superior, ele usou apenas material pequeno, de pouco interesse econômico de fabricar-se. O fato é que os protocolos funcionam, sim. Eles funcionam muito bem, para aqueles que produzem material (o CAFS é um excelente exemplo no combate a incêndio), livros (como o PHTLS e suas versões), eles dão boa consciência a quem os redige e lhes permite culpar os executantes. Sejamos lúcidos: você compraria para a sua corporação um material que o vendedor apresentasse dizendo que funciona bem o suficiente, mas que na situação de socorro ele poderá ser inadequado, complicado, saturar você de informações inúteis e que, para aprender a utilizá-lo, é preciso reflexão, inteligência e escolhas difíceis? Certamente não. Mas o novo equipamento fabuloso, que resolve todos os seus problemas e cuja demonstração começa invariavelmente por "Vocês vão ver, é fácil", aí sim, vamos querer comprar. Mas se olhamos para trás, apesar das melhorias, somos obrigados a admitir que os resultados não são jamais tão bons como anunciados. De fato, o sistema de ultra-previsão é perfeitamente em sintonia com a mentalidade americana, resumida muito bem pelo General de US Marines James Logan Jones: "no passado nós sempre ganhamos sendo maiores, não mais inteligentes". Faltou combinar com os russos... A anedota do Desafio do Milênio e o fato que os barquinhos suicidas não tinham sido "previstos" parece com um fato acontecido em 6 de junho de 1944 nas praias da Normandia. Os GIs (soldados) formados à maneira dos Estados Unidos tinham como princípio o uso de metralhadoras em rajadas curtas. Bastava então avançar correndo entre uma rajada e outra! Beleza!... Em princípio. Pois na realidade esse "protocolo" não funcionava contra os Alemães, que usavam as metralhadoras de maneira diferente. No exército Alemão, as metralhadoras serviam para "grampear" o inimigo no chão, com rajadas contínuas, sem pausa. É inclusive interessante ver no Youtube colecionadores Americanos de armas fazendo demonstrações do uso da MG42, metralhadora alemã, mas que eles usam à moda Americana, e não como os Alemães as utilizavam... Para tomar um exemplo Brasileiro, como disse Garrincha, "faltou combinar com os Russos". O problema então não são os protocolos ou procedimentos em si mesmos, mas sim na verdade a distância entre a concepção deles e as condições de uso. Nas empresas certificadas ISO, tudo é feito por meio de Processos e Procedimentos, ou seja, de certo modo, por protocolos Então, isso é uma prova de que funcionam? Não exatamente. Quando uma ação falha, a primeira coisa analisada pelo responsável de qualidade ISO é o respeito ao protocolo. Se ele não foi respeitado, faz-se tudo para que seja respeitado. Se foi respeitado e o resultado é ruim, melhora-se o protocolo. POP - 25/06/2014 - Página 7 de 8 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros
  • 8. Mas, sem nenhuma exceção, os procedimentos ISO são feitos internamente, nos locais onde são utilizados e as organizações ISO têm um sistema de subida das informações e consideração às observações dos utilizados dos protocolos. Além disso, os protocolos são criados pelos próprios utilizadores e o responsável de qualidade é somente o maestro da orquestra, ajudando na redação. Mas é o setor de contabilidade que escreve os protocolos da contabilidade, o setor de fabricação que escreve os protocolos de fabricação, etc. Ao contrário, o aspecto imprevisível do socorro ou das ações militares faz com que redigir protocolos "no terreno" seja impossível, principalmente porque as mesmas condições se repetem raramente. Assim, surge um distanciamento entre os que escrevem os protocolos dentro de seus escritórios e a partir de dados que eles podem analisar com calma, tranquilamente, e aqueles no terreno, confrontados a problemas de urgência e condições frequentemente delicadas. Pode-se assim considerar que um sistema ISO evolui num contexto fechado, enquanto que o contexto de socorro é aberto. O sistema ISO funciona pois é composto de protocolos adequados, com um sistema de subida da informação permanente, que permite fazê-lo evoluir de maneira constante. Um sistema que queira aplicar protocolos no terreno das urgências não funciona, tanto porque ele gera protocolos pouco ou nada adequados, mas também porque a subida de informações do terreno é inexistente. Ora, num sistema sem subida de informações, os protocolos agem como um anestésico. O General De Gaulle, na sua obra "O fio da Espada" indica que quanto mais o regulamento tenta prever tudo, mais ele é complicado, inadequado e, principalmente, torna-se uma excelente desculpa para quem não quer fazer nada: o pretexto "não podemos fazer isso, não está no protocolo" é um grande clássico. Situação bem paradoxal, pois quem quer fazer o sistema evoluir, ou seja, quem quer melhorá-lo, é visto como um incômodo que não terá as oportunidades que sua visão e competência merecem. Inclusive, note-se que a ANSB, nesse nível, optou por dois modos de organização diferentes: fora de socorro, a ANSB funciona numa base ISO-9001 com procedimentos, processos, manuais de documentação, seguimento de tarefas, gestão de não-conformidade, etc. e principalmente com MELHORIA CONTÍNUA. Mas em socorro, o sistema funciona num modelo militar Francês (Efeito Maior) e Alemão (Auftragstaktik), ou seja, sem procedimentos pré-estabelecidos. Conclusão Começamos a entender por que os protocolos são inadequados e por que o pessoal de socorro que só tem essa solução fica geralmente desamparado diante do desconhecido. Mas nada nos oferece claramente outra solução. Nós citamos a Auftragstaktik, sem detalhar o que é. Nós também podemos citar o conceito Francês do Efeito Maior, mas somente citar não esclarece coisa nenhuma. Por isso, vamos dedicar um outro artigo para responder a questão que fica evidente: Como ser eficaz em socorro, quase sem usar protocolos? POP - 25/06/2014 - Página 8 de 8 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros